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Biblioteca de sementes: uma proposta que alia sustentabilidade e disseminação da informação em bibliotecas públicas
Willian Eduardo Righini de SOUZA
Willian Eduardo Righini de SOUZA
Biblioteca de sementes: uma proposta que alia sustentabilidade e disseminação da informação em bibliotecas públicas
Seed library: a proposal that combines sustainability and dissemination of information in public libraries
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 25, pp. 1-20, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina
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Resumo: Objetivo: Apresentar e discutir a criação de bibliotecas de sementes em bibliotecas públicas. Ao analisar esse serviço, pretende contribuir para as reflexões sobre o papel da biblioteca pública na contemporaneidade.

Método: Em sua primeira parte, o artigo realiza uma revisão de literatura para expor a concepção de biblioteca de sementes disponível nos escassos trabalhos sobre o tema. Em seguida, desenvolve um estudo de caso sobre a criação de uma biblioteca de sementes na biblioteca de uma instituição de ensino brasileira.

Resultado: Constata que as bibliotecas de sementes têm se expandido em países como os Estados Unidos, mas a discussão sobre esse serviço é ainda incipiente na Ciência da Informação. Expõe que esses projetos desejam conscientizar seus usuários sobre a alimentação saudável e a preservação do meio ambiente, além de disponibilizar informações que subsidiam o manejo das sementes oferecidas. Contudo, a falta de profissionais qualificados, espaços adequados e recursos financeiros dificultam a sua continuidade em bibliotecas públicas.

Conclusões: A biblioteca de sementes se insere nas reflexões sobre a existência de uma biblioteca pública dinâmica e rica em serviços, de acordo com os anseios de sua comunidade. Entretanto, estudos de caso revelam os desafios que algumas bibliotecas precisam superar para conseguir desenvolver esse tipo de iniciativa com eficiência e sem comprometer os serviços já existentes.

Palavras-chave:Biblioteca de sementesBiblioteca de sementes,Bibliotecas públicasBibliotecas públicas,Serviços de informaçãoServiços de informação,SustentabilidadeSustentabilidade.

Abstract: Objective: To present and discuss the creation of seed libraries in public libraries. When analyzing this service, it intends to contribute to the reflections on the role of the public library in contemporaneity.

Methods: In its first part, the article performs a literature review to expose the conception of seed library available in the scarce works on the subject. Then, it develops a case study on the creation of a seed library in the library of a Brazilian educational institution.

Results: It notes that seed libraries have expanded in countries such as the United States, but the discussion on this service is still incipient in Information Science. It exposes that these projects propose to make their users aware about healthy food and the preservation of the environment, besides providing information that subsidizes the management of the seeds offered. However, the lack of qualified professionals, adequate spaces and financial resources make it difficult to continue in public libraries.

Conclusions: The seed library is inserted in the reflections about the existence of a dynamic public library rich in services, according to the wishes of its community. However, case studies reveal the challenges that some libraries need to overcome in order to be able to develop this type of initiative efficiently and without compromising existing services.

Keywords: Seed library, Public libraries, Information services, Sustainability.

Carátula del artículo

Estudos de Caso

Biblioteca de sementes: uma proposta que alia sustentabilidade e disseminação da informação em bibliotecas públicas

Seed library: a proposal that combines sustainability and dissemination of information in public libraries

Willian Eduardo Righini de SOUZA
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Brasil
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 25, pp. 1-20, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina

Recepção: 18 Julho 2019

Aprovação: 03 Fevereiro 2020

Publicado: 15 Março 2020

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, os questionamentos sobre a relevância social da biblioteca pública têm-se intensificado. Com o surgimento de novas tecnologias de comunicação e informação, as políticas de austeridade aplicadas por diferentes governos após a crise econômica mundial de 2007-2008 e as discussões sobre o uso e ocupação do espaço público em uma sociedade capitalista, bibliotecas têm tido que desenvolver projetos e iniciativas para reafirmar a sua importância, manter investimentos e conquistar público (INGRAHAM, 2015). Em meio a cursos, eventos e exposições encontra-se a biblioteca de sementes.

Sobretudo nos Estados Unidos, algumas bibliotecas públicas têm disponibilizado sementes para que os seus usuários levem-nas para a casa e realizem plantações onde desejarem. Esse serviço se insere em uma proposta de conscientização ambiental ao mesmo tempo em que repensa o papel das bibliotecas na sociedade.

Por serem iniciativas recentes e ainda não popularizadas em outras partes do mundo, como no Brasil, a bibliografia sobre o tema é escassa. No entanto, gostaríamos de analisar a criação de bibliotecas de sementes enquanto uma opção para a biblioteca diversificar os seus serviços, se aproximar da comunidade, contribuir para o desenvolvimento da agricultura sustentável e incentivar o compartilhamento de informações.

O artigo se divide em duas partes. A primeira, considerando as poucas publicações sobre o assunto, realiza uma revisão de literatura para apresentar e discutir as principais características das bibliotecas de sementes. A segunda, atenta às condições das bibliotecas brasileiras de pequeno porte e sem muitos recursos humanos e financeiros, constitui um estudo de caso aplicado em uma instituição pública de ensino.

Ao propor e analisar uma biblioteca de sementes pretende-se estimular reflexões sobre a função da biblioteca na atualidade assim como expor algumas das suas limitações. Ao experimentar uma biblioteca de sementes em uma instituição pequena e sem muitos recursos, discutem-se as dificuldades de se realizar essa iniciativa em condições não satisfatórias, o que deve se repetir em outras bibliotecas brasileiras. Ao listar os problemas que surgiram, o artigo também serve como um guia para que projetos futuros possam alcançar um melhor planejamento.

2 A BIBLIOTECA DO SÉCULO XXI

Em 2005, a organização Online Computer Library Center (OCLC) aplicou uma pesquisa nos Estados Unidos para conhecer a visão da população sobre as bibliotecas. Entre os 3.163 entrevistados, quase 70% as relacionaram a livros, confirmando a representação tradicional de biblioteca como um lugar que coleta, organiza e disponibiliza obras impressas (HARTMAN, 2007). Ainda hoje, a biblioteca é um lugar ideal para quem procura novas leituras. Contudo, embora essa percepção persista, as bibliotecas têm enfrentando diferentes desafios nos últimos anos, suscitando dúvidas sobre o seu futuro.

Como aponta Bertrand (2011), a informática e a internet transformaram os serviços bibliotecários. Por um lado, os usuários podem acessar o catálogo online da biblioteca, solicitar serviços à distância e conversar com o bibliotecário por e-mail ou redes sociais. Por outro, o acesso à informação se tornou muito mais amplo e as pessoas conseguem ler artigos acadêmicos, consultar livros recém-lançados e assistir palestras pela tela de um computador, sem a necessidade de deslocamentos físicos. Hoje em dia, um aluno tende a não mais procurar uma biblioteca pública para a realização de um trabalho escolar, mas acessa o portal de buscas do Google. Para o lazer, milhares de livros em domínio público estão disponibilizados online para impressão ou leitura em dispositivos eletrônicos. Sendo assim, pergunta-se qual a missão da biblioteca nesse contexto e como ela manterá a sua relevância em meio a tantas fontes de informação.

Para se tornar mais atraente, bibliotecas têm reformulado o seu espaço. Além de formar uma coleção, algumas delas têm se estabelecido como um local de eventos, cursos, sociabilidade ou mesmo consumo, como demonstram projetos arquitetônicos que reservam áreas para lojas e cafeterias. A biblioteca pública de Vancouver, por exemplo, possui escritórios comerciais, lojas e restaurantes em uma área que lembra uma galeria ou um shopping-center. Esse setor foi projetado para gerar lucros para a prefeitura, que financia a biblioteca, e ser mais um dos atrativos para visitá-la.

Em alguns países, como nos Estados Unidos e Inglaterra, critérios como o número de frequentadores são utilizados para definir o orçamento anual que o Estado destinará para uma biblioteca pública. Nos últimos anos na Inglaterra, sobretudo após a crise financeira mundial de 2007-2008, dezenas de bibliotecas foram fechadas sob a justificativa de que eram pouco utilizadas e oneravam a população (INGRAHAM, 2015). Com as mudanças tecnológicas e a dificuldade de serem valorizadas sem um apelo comercial e a geração de lucros, bibliotecários têm repensado o papel da biblioteca no século XXI.

Mattern (2014) sustenta que as bibliotecas sempre foram construídas para coletar, organizar, preservar e tornar acessível, seja para alguns ou muitos, recursos informacionais. Porém, nas últimas décadas, ganhou força o interesse pelo uso social da infraestrutura e dos espaços dessa instituição, sendo vista como um centro aberto para atender as mais diversas necessidades da comunidade. Nesse sentido, passou a oferecer atividades específicas para crianças, cursos de línguas para imigrantes, salas de jogos, treinamentos para o mercado de trabalho e mais uma gama de serviços que a configuraria não apenas como um lugar de acesso ao conhecimento, mas de produção de novos saberes, de circulação da informação a partir do contato entre diferentes pessoas e de incentivo à comunicação e a interação pública através de várias mídias.

A International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) acredita que as bibliotecas podem contribuir para Agenda 2030 das Nações Unidas, que consiste em 17 objetivos para um mundo sustentável. Desse modo, elas poderiam promover iniciativas que ajudariam a erradicar a pobreza, acabar com a fome, combater as alterações climáticas, fortalecer a justiça, entre outros. No Reino Unido, bibliotecas de cidades como Croydon e Derby emprestam até monitores de energia para as famílias descobrirem quais equipamentos elétricos mais consomem eletricidade em suas casas, incentivando-as a substituí-los por opções mais econômicas (INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS AND INSTITUTIONS, [2016]).

Todas essas propostas e iniciativas revisam a ideia tradicional de biblioteca como um espaço que dispõe de uma coleção de livros e revistas e que oferece um conjunto de serviços a partir das possibilidades de uso desse acervo. As mais diferentes atividades que podem ocorrer em uma biblioteca e como elas se distribuem pelo seu espaço são questões relevantes que problematizam o conceito e a missão dessa instituição.

2.1 Biblioteca de sementes

As bibliotecas de sementes têm como propósito oferecer acesso a sementes de frutas, vegetais e flores, além de disponibilizar informações sobre o seu plantio, os cuidados necessários, o meio ambiente e a importância de uma boa alimentação. A princípio, o termo biblioteca de sementes não é utilizado para se referir a um lugar, mas a uma coleção diversificada, como ocorria no século XIX quando coleções de livros também eram denominadas bibliotecas. No entanto, boa parte das bibliotecas de sementes encontra-se em bibliotecas físicas, sobretudo públicas.

As bibliotecas de sementes se diferenciam dos bancos de sementes, pois o objetivo principal desse último é a preservação e não o compartilhamento, ainda que ao se preservar sementes é garantido o seu acesso futuro e, ao compartilhá-las, a sua preservação seja facilitada. Dean (2018, p. 262, tradução nossa) defende que as bibliotecas de sementes “fortalecem comunidades através do compartilhamento de conhecimentos e experiências, aumentam o acesso ao alimento e podem reforçar um sentimento de pertencimento e propósito entre os seus usuários”.

Helicke (2015) lembra que o homem já domesticou cerca de 2500 espécies de plantas, mas cultiva apenas entre 150 e 200 delas atualmente. 75% da alimentação mundial provêm de 12 espécies de plantas e cinco espécies animais. Grandes conglomerados dominam o comércio alimentício utilizando sementes geneticamente modificadas, agrotóxicos e outras práticas não condizentes com a preservação da natureza. O resultado é uma homogeneização dos hábitos alimentares, uma menor variedade de opções para uma dieta balanceada e uma maior dificuldade de acesso a espécies menos comerciais.

Por outro lado, a agricultura familiar, além de colaborar para a preservação de espécies pouco lucrativas, contribui para a formação de laços sociais. Dean (2018) cita que participantes de programas de jardinagem reportaram maior interação com os vizinhos ao compartilhar tanto a produção de vegetais como o conhecimento obtido durante cursos e atividades relacionados ao plantio. Os mesmos alegaram passar mais tempo fora de casa, aumentando as chances de encontrar novas pessoas. Imigrantes e refugiados ainda descobriram uma forma de preservar as suas tradições e fortalecer suas identidades ao criar hortas e jardins de acordo com os seus costumes e hábitos alimentares.

Assim como, historicamente, as bibliotecas fornecem livros (e, mais tarde, computadores) para pessoas que não poderiam acessá-los de outra forma, muitas vezes por motivos financeiros, a biblioteca de sementes fornece acesso a sementes. [...] As hortas não criam os mesmos tipos de danos ambientais que a agricultura de larga escala, além de que o cultivo de alimentos pode ser educativo para crianças e adultos, que podem não ter refletido o suficiente sobre a origem dos alimentos. Esse ciclo reafirma o lugar da biblioteca na comunidade, não apenas como um repositório de livros e computadores, mas também como um local para as pessoas se reunirem, aprenderem, levarem o conhecimento para casa e aplicarem-no. A biblioteca de sementes tem a capacidade de fazer isso de maneira muito eficaz (INGALLS, 2017, p. 81, tradução nossa).

Nessa perspectiva, a criação de bibliotecas de sementes tem se expandido desde o início dos anos 2000. Nos Estados Unidos, havia apenas uma biblioteca de sementes em 1999, localizada na cidade de Berkeley, Califórnia. Em 2016, já existiam mais de 900. A maior parte dessas bibliotecas surge de iniciativas individuais de quem tem alguma preocupação com a preservação do meio ambiente e possui conhecimentos de jardinagem, ainda que adquiridos de maneira autodidata. Porém, para se tornar viável e obter adesões, ela precisa de um espaço para abrigar as sementes, disponibilizá-las e que seja de fácil acesso. Assim sendo, funcionários de bibliotecas físicas, tanto bibliotecários como auxiliares com interesse pelo tema, estão entre os principais fundadores e administradores de bibliotecas de sementes, unindo o seu conhecimento de agricultura com as técnicas de descrição, armazenamento e acesso da Biblioteconomia. Na Califórnia, 67% das suas mais de 100 bibliotecas de sementes estão localizadas em bibliotecas públicas (SOLERI, 2018).

Uma das principais vantagens de criar uma biblioteca de sementes em bibliotecas físicas é a facilidade de acesso. As bibliotecas tendem a ficar abertas por longos períodos; algumas até depois das 22h. Determinadas bibliotecas também oferecem um sistema de autoatendimento no qual os próprios usuários escolhem, retiram e devolvem as sementes. Como a instituição oferece diversas atividades, usuários que não conhecem o projeto podem descobri-lo e se interessar quando for pegar um livro emprestado ou usar um computador. Assim, o seu alcance é muito maior do que ficar restrito a um lugar exclusivo para o empréstimo de sementes, sendo visitado apenas por pessoas já interessadas e em horário reduzido. No entanto, Soleri (2018) argumenta que desafios também são constantes, como a indisponibilidade de espaço, a falta de conhecimento dos usuários para o plantio, os poucos recursos para realizar treinamentos e a própria ausência de apoio ao projeto por parte dos usuários. O responsável pela biblioteca também deve possuir condições de identificar as sementes, evitando misturas e contaminações que minam a sua qualidade.

Um tópico pouco discutido na bibliografia é como avaliar os resultados de uma biblioteca de sementes. Geralmente, a análise é quantitativa, ou seja, quantas sementes foram emprestadas e quantas sementes retornaram após plantio pelos usuários. Como a taxa de retorno é baixa, muitas vezes não ultrapassando 10%, algumas iniciativas são encerradas com o argumento de que não foram bem-sucedidas. De fato, um dos principais objetivos dessas bibliotecas é criar uma prática de troca e de apoio comunitário, sendo o compartilhamento de sementes um ponto central. Contudo, Soleri (2018) questiona reduzir a avaliação dessas iniciativas à taxa de retorno de sementes, pois elas podem ter sido plantadas e emprestadas para outras pessoas sem a mediação da biblioteca, gerado alimentos, despertado o interesse dos usuários pela economia sustentável etc. Reduzir o sucesso de uma biblioteca de sementes apenas pelos seus indicadores diretos, como taxa de retorno, desconsidera possíveis efeitos sociais que apenas um estudo mais abrangente na comunidade poderia averiguar.

Peekhaus (2018) defende que as bibliotecas de sementes promovem os principais valores da Biblioteconomia: facilidade de acesso, equidade, aprendizado ao longo da vida, justiça social, preservação do patrimônio e engajamento comunitário. Segundo ele, a primeira biblioteca de sementes em uma biblioteca pública surgiu recentemente, em 2004, na Biblioteca Pública de Gardiner, em Nova Iorque. No entanto, elas se multiplicaram em poucos anos e hoje há centenas espalhadas pelo mundo, ainda que quase não existam estudos sobre o tema.

Em 2013, a American Library Association (ALA) lançou um grupo exclusivo para desenvolver e promover práticas de sustentabilidade, o Sustainability Round Table. Com esse foco, a ALA propõe incentivar coleções, eventos, materiais informativos, projetos arquitetônicos e design de bibliotecas que valorizem o meio ambiente e contribuam para uma sociedade mais igualitária e saudável. Para Williams, Charney e Smith (2015), as duas principais linhas de ação entre as bibliotecas preocupadas com o tema são: 1) a reformulação dos espaços e procedimentos da biblioteca para criar um ambiente que evite o desperdício de materiais de consumo, água e energia; 2) a produção de projetos educacionais, de mediação e de colaboração com a comunidade para a conscientização e divulgação de práticas sustentáveis, como a biblioteca de sementes.

Bibliotecas que já possuem parcerias com organismos voltados para a educação ambiental, dispõem de acervo sobre a agricultura e são frequentadas por moradores de zonas rurais ou produtores agrícolas estão entre as mais bem preparadas para sediar uma biblioteca de sementes. Nesse caso, a biblioteca de sementes se insere em um projeto que inclui parceiros, acervo bibliográfico e usuários. O próprio prédio onde ela se encontra pode ter sido construído a partir de princípios sustentáveis de economia de energia e reaproveitamento da água. Todavia, mesmo quando a biblioteca não apresenta essas características, ela pode adotar a ideia para intervir e adquirir uma maior relevância social a partir da promoção da biodiversidade e do acesso a meios para garantir uma alimentação saudável (PEEKHAUS, 2018).

Além de disponibilizar e emprestar sementes, essas iniciativas visam aumentar o capital social da comunidade e facilitar o compartilhamento de informações. A partir de palestras, encontros e do plantio das sementes, espera-se que os participantes interajam entre si, descubram interesses em comum, troquem experiências e se vejam como parte de um coletivo preocupado com o bem estar e o meio ambiente. Reconhece-se que muitos dos usuários da biblioteca não possuem os conhecimentos necessários para selecionar sementes e cultivar plantas. Alguns também não têm condições financeiras para desenvolver uma horta. Logo, ao participar desse tipo de projeto em uma biblioteca pública, eles adquirem novos conhecimentos sem precisar pagar por isso.

Criar uma biblioteca de sementes parece algo simples, mas apresenta desafios para uma biblioteca pública. Primeiro, ela precisa ter as sementes, que podem ser obtidas por compra ou doação. As sementes devem possuir um padrão de qualidade e testes devem ser feitos regularmente para evitar a contaminação e garantir a germinação. Depois, a biblioteca precisa de um local para armazenar e disponibilizar as sementes. Um funcionário precisa lassifica-las, descrevê-las e expô-las. Como complemento, a instituição oferece cursos e palestras sobre o tema, precisando de mais espaço e a participação de especialistas. Muitas bibliotecas solicitam que os usuários devolvam algumas sementes após a colheita, garantindo a manutenção do seu acervo sem custos adicionais, mas o retorno tende a ser baixo.

Os bibliotecários não se formam com conhecimentos sobre os cuidados com sementes. Assim, é comum que eles também precisem aprender sobre o assunto. Bibliotecas de sementes com websites disponibilizam vídeos e textos para orientar leigos[1]. Outros materiais informativos podem ser encontrados na internet. Por fim, a biblioteca pode utilizar a iniciativa para adquirir obras que versam sobre meio ambiente, agricultura e sustentabilidade. Desse modo, uma ação considerada inovadora e recente contribui para um objetivo fundamental da Biblioteconomia, o incentivo à leitura de livros.

Limitar a orientação aos usuários a cursos e palestras presenciais tem a desvantagem de exigir descolamentos físicos e tempo disponível. Nessa perspectiva, para facilitar a circulação da informação, a biblioteca pode produzir folhetos e manuais para distribuição. As redes sociais também são aliadas para disseminar recados, dicas e curiosidades sobre as sementes. Acreditamos ainda que os próprios usuários podem utilizar essas redes online para trocar entre si, com o auxílio de imagens e vídeos, suas dúvidas e conquistas com o manejo das sementes.

Peekhaus (2018) afirma que, usualmente, os recipientes com as sementes informam a sua espécie, variantes do nome, informações básicas de desenvolvimento e a proveniência. De todo modo, há uma variedade de classificações que podem ser adotadas. Algumas bibliotecas separam as sementes em ornamentais, ervas, verduras e frutas. Outras as dividem por dificuldade de cuidados com o armazenamento e plantio. Assim, elas são classificadas em fácil, médio, difícil e muito difícil. Uma alternativa mais simples é organizá-las em ordem alfabética pelo nome científico e criar catálogos com remissivas para os termos variantes mais populares entre os usuários. Algumas sementes são conhecidas por diversos nomes de acordo com a região. Dependendo da classificação escolhida, o bibliotecário necessitará de amplos conhecimentos sobre cada uma, exigindo a consulta a obras de referência.

Como citamos, bibliotecas pedem para o usuário devolver algumas sementes, configurando uma espécie de empréstimo: ele pega sementes no acervo e devolve outras da mesma espécie após alguns meses. Porém, o controle tende a ser rudimentar, pois não há como devolver as mesmas sementes e não há certeza se a semente inicialmente cedida foi germinada. Uma solução é colocar as sementes em pacotes com códigos de barra. Assim, ao se emprestar as sementes, o sistema informatizado da biblioteca lê o código de barras, realizando o empréstimo. Posteriormente, o usuário deve entregar as novas sementes no mesmo pacote, permitindo a devolução por código de barras. Esse processo garante a produção de relatórios sobre a taxa de retorno, o prazo médio entre o empréstimo e a devolução, as sementes mais emprestadas etc., assim como já se faz com os empréstimos de livros (PEEKHAUS, 2018).

Um problema que identificamos nesse modelo é que ele criaria um registro no sistema informatizado. Como sabemos que não há como exigir o retorno das sementes e ele ser geralmente baixo, vários itens apareceriam como emprestados e não devolvidos, criando uma pendência no perfil do usuário. Desse modo, é necessário estudar as especificidades do sistema informatizado utilizado pela biblioteca assim como o seu controle patrimonial para verificar a possibilidade de utilizar código de barras para empréstimos e devoluções de sementes. A não devolução das sementes não significa inadimplência com a biblioteca, mas pode ser resultado da característica do item, que não sobreviveu após plantio. Outros procedimentos precisam ser criados para garantir que as sementes devolvidas sejam da mesma espécie e apresentem boa qualidade.

3 UMA BIBLIOTECA DE SEMENTES NO BRASIL

O presente estudo de caso foi aplicado em uma biblioteca de uma instituição de ensino pública brasileira que inclui ensino médio, técnico e superior. Como o objetivo era incentivar que os alunos pegassem sementes, plantassem em suas casas, divulgassem a experiência nas redes sociais e devolvessem algumas sementes para o projeto, estabelecemos algumas etapas para a sua realização. Primeiro, coletamos sementes. Para tanto, entramos em contato com diversas instituições e empresas que as comercializavam ou estudavam. O foco estava em sementes de plantas que produzem alimentos, mas sem excluir opções ornamentais. Também privilegiamos instituições que tinham como intuito a produção de sementes adaptadas à região, sem uso de agrotóxicos e com proposta sustentável.

Após o envio de inúmeros e-mails apresentando o projeto e solicitando doações, obtivemos apenas duas respostas. Uma instituição, já próxima de um dos integrantes da iniciativa, se dispôs a enviar algumas sementes. Outra estipulou contrapartidas, como possível apoio financeiro e a formalização da parceria, o que exigiu uma viagem até a sede da instituição para discussões, atrasando o recebimento de sementes. Como não sabíamos a quantidade e quais sementes iríamos receber, já que aceitaríamos receber a variedade e a quantidade possível, não podíamos avançar com as etapas seguintes antes da chegada da doação.

No início de abril de 2019, ganhamos diversas sementes de uma das instituições que se disponibilizaram a doar. De uma vez, obtivemos sementes de crotalária, girassol, quiabo, feijão fradinho, mucuna preta, feijão carioca, soja vermelha, feijão guandu, calopogônio, alface mimosa, cenoura, alface americana, repolho, almeirão, beterraba, pimenta ambuci, milho, jiló, alface crespa e rabanete. Nem todas as sementes vieram identificadas e algumas chegaram com a informação de que elas deveriam ser plantadas o mais rápido possível, pois logo morreriam. A biblioteca não possuía um servidor exclusivo para o projeto, não tinha recipientes para organizar as sementes, não sabia identificar cada variedade e o tempo disponível não era suficiente para resolver todas essas pendências, considerando que algumas sementes deveriam ser plantadas depressa.

A princípio, prevíamos receber as sementes, identificar cada uma com o nome popular e científico, providenciar um número adequado de recipientes, produzir material de divulgação para as redes sociais da biblioteca (Facebook e Instagram) e até mesmo conversar pessoalmente com turmas e grupos de alunos. Não imaginávamos que, após receber as sementes, deveríamos correr contra o tempo para plantá-las antes que elas morressem.


Figura 1
Sementes expostas em recipientes
Fonte: Acervo pessoal

Ainda que um integrante do projeto possuísse certos conhecimentos sobre as plantas, já que praticava a agricultura sustentável e cuidava de uma horta, não sabíamos os seus nomes científicos. Até com os nomes populares havia dúvidas e confusões. A princípio, a semente de mucuna preta foi classificada como uma variedade de feijão preto. Também houve questionamentos sobre a semente identificada como feijão fradinho. Como existem muitas espécies com características parecidas, até quem já era agricultor levantava questionamentos sobre essas variedades. Essa situação tornou-se um problema, pois além de ser um direito do participante saber o que ele está carregando para casa, a imprecisão na classificação podia oferecer riscos à saúde daquele que as consumia. Se a diversificação das sementes na agricultura é um requisito para a preservação do meio ambiente e a segurança alimentar, a falta de controle pode ocasionar o efeito contrário.

Todas as pessoas que solicitaram sementes preencheram um formulário com o nome, curso (caso fosse aluno da instituição) e nomes das sementes. Nesse formulário, havia o pedido para que doassem o dobro de sementes quando as plantas estivessem adultas, embora fossem avisados de que o projeto não estipulava penalidades para o não envio. Elas também recebiam um papel pedindo para compartilhar fotos e vídeos das plantas nas redes sociais com uma hashtag desenvolvida especialmente para o projeto. A circulação de conteúdo pelas redes sociais, com o intuito de criar uma comunidade virtual, era um dos pontos centrais da iniciativa. Contudo, a interação com os participantes fez com que o projeto seguisse outros rumos e permitisse algumas descobertas.

3.1 Perfil do público e do acervo de sementes

As sementes foram disponibilizadas para o público entre os dias 10 e 29 de abril de 2019. Após essa data, as pessoas continuaram a ir à biblioteca usca-las ou pediam diretamente pelas redes sociais, quando informávamos que não tínhamos mais naquele momento. Nesse intervalo, 53 pessoas levaram sementes para a casa, sendo 18 do sexo masculino e 35 do sexo feminino. Os mais envolvidos foram os alunos do Ensino Técnico Integrado ao Médio, totalizando 28 pessoas ou 52,8% dos participantes. Em seguida, os alunos dos cursos superiores responderam por 13,2% das retiradas. Alunos dos cursos técnicos, pós-graduação, servidores e terceirizados completaram a divisão. Entendemos que os alunos do Ensino Técnico Integrado ao Médio foram o grupo mais participativo por ser constituído por adolescentes entre 14 e 18 anos, que permanecem várias horas por dia no campus e na biblioteca em razão de, na sua maioria, não trabalhar. Alunos de outros cursos costumam frequentar a instituição apenas durante o seu período de aula.

A semente mais procurada foi a de girassol, sendo retirada por 54,7% dos participantes. O girassol foi bem recebido por produzir uma flor popularmente conhecida. Até mesmo alunos que não têm espaço com terra em casa ou o hábito de plantar demonstraram interesse nessa semente por acreditar que poderiam ter uma planta ornamental. Essa experiência revelou que havia demanda por sementes que produzem plantas com flores.

Em segundo lugar ficou o quiabo, com 43,3% de retiradas entre todos os participantes. Essas pessoas enfatizavam que elas e/ou seus pais gostavam do fruto. Já verduras como alface, rúcula, almeirão, entre outras, poderiam ter alcançado mais destaque se possuíssemos um estoque maior, pois elas começaram a acabar em 48 horas após a exposição e muitos interessados não puderam pegá-las. O dia de maior procura foi o segundo dia do projeto, dia 11 de abril, quando 11 pessoas foram à biblioteca para a retirada, acabando com algumas espécies. Em contrapartida, houve a disponibilidade, durante quase todo o período do projeto, de diferentes tipos de feijão, milho e adubação verde (mucuna, crotalária e calopogônio).

Sementes para adubação verde foram preteridas por não gerar alimentos para o consumo humano nem por prover flores populares que pudessem ser utilizadas como ornamento. Além disso, quando descobriam que essas sementes nasciam facilmente e precisavam ser controladas, os participantes tinham receio de que elas trouxessem mais problemas do que benefícios. Para contornar o desinteresse, utilizamos argumentos como o de que a crotalária repele o mosquito aedes aegypti, o que fez algumas pessoas aceitarem a oferta. Desse modo, o conhecimento sobre as aplicações das sementes foi importante para o projeto.

Como as sementes acabaram em poucos dias e o seu cultivo dura meses, os participantes não tiveram condições de retornar sementes para nova distribuição. Um projeto autossustentável só é possível após um longo período e com a participação dos envolvidos. Nos primeiros meses, não há como exigir que os participantes devolvam sementes para o acervo. Depois desse período, eles precisam continuar estimulados e interessados em contribuir com a proposta. Se eles não frequentam a biblioteca com assiduidade, diminuem-se as chances de se lembrarem desse compromisso e se deslocarem até à instituição para entregar algumas sementes. Sem reposição, o acervo se esvazia rapidamente e o projeto pode ser encerrado.

3.2 A reação dos usuários

A reação das pessoas que viam as sementes mesclava entre entusiasmo e espanto. Ao percebê-las, os alunos perguntavam, com curiosidade, do que se tratava, se eram produtos à venda, parabenizando a biblioteca pelo projeto quando esclarecidos. Ao mesmo tempo, não entendiam a iniciativa como um serviço bibliotecário. Em nenhum momento verificamos uma atitude crítica ao não identificarem a proposta como um trabalho específico do setor. Pelo contrário, desejavam valorizar os profissionais por estar fazendo algo “diferente”.

Após entender a proposta, a maioria desejava mais informações sobre as espécies de sementes, a quantidade ideal para levar, como plantá-las e os cuidados necessários, mas nem sempre tínhamos condições de respondê-las. Em alguns momentos, procurávamos informações na internet junto com os alunos. Em outros, devido ao grande número de usuários na biblioteca, não era possível oferecer a atenção adequada. Ainda que poucas pessoas comparecessem à biblioteca por dia para pedir sementes, elas tendiam a aparecer no mesmo momento, especialmente nos períodos de intervalo dos cursos, dificultando o atendimento e o esclarecimento de dúvidas. Algumas dessas pessoas também tinham pressa porque deviam retornar para a aula.

Embora com dúvidas, vários participantes não eram totalmente leigos em relação à agricultura familiar. Muitos já possuíam uma área em casa onde plantavam diversas plantas. Era comum relatarem que viviam na área rural ou que possuíam uma extensa área em casa onde plantavam feijão, milho, alface, mandioca, entre outros alimentos. Ainda assim, os pais eram os principais responsáveis pelo manejo com a terra e tinham mais conhecimentos.

O projeto foi pensado para atender os alunos regulares da instituição, mas ele alcançou pessoas que não tinham o hábito de frequentar a biblioteca, como alunos de cursos de extensão. Quase todos os segmentos de pessoas relacionadas ao estabelecimento foram representados entre os solicitantes de sementes: alunos de ensino médio, técnico, graduação, extensão, professores, técnico-administrativos e terceirizados. Ressalta-se que alunos de cursos de extensão, servidores e terceirizados pouco utilizam a biblioteca e não aguardávamos a sua presença para coletar sementes. Eles foram informados da sua disponibilidade por dois meios: divulgação da biblioteca nas redes sociais, sobretudo Facebook, e por amigos.

Pela primeira vez, percebemos o alcance da página do Facebook da biblioteca. Em dias usuais, as postagens recebem cerca de duas a seis curtidas; logo, a interação é muito baixa. Foi uma surpresa encontrar pessoas que nunca entraram na biblioteca solicitando sementes porque viram as postagens na internet. Segundo as informações do Facebook, a primeira postagem sobre o projeto alcançou 30 compartilhamentos e cinco comentários, sendo vista por 3.206 pessoas e com 368 envolvimentos. Por outro lado, também confirmamos as limitações desses meios. Alguns alunos que já seguiam, curtiam e interagiam nas páginas disseram que não viram as postagens sobre as sementes mesmo após vários dias, descobrindo-as apenas quando adentraram na biblioteca. Como a publicidade digital do projeto não foi impulsionada com investimentos financeiros, o seu alcance foi limitado, não sendo exposta a todos os seguidores dos perfis do Facebook e do Instagram.

Ao irem à biblioteca pegar sementes a pedido dos pais, tínhamos a oportunidade de conversar e entender o contexto no qual o aluno vivia. Eles nos informavam sobre as plantações que já tinham em casa, onde moravam e o espaço do terreno, como era a divisão do trabalho com a terra – era comum as mães também terem o hábito de plantar e cuidar das plantações –, como eles ajudavam os pais etc. Todas essas interações nos ajudavam a melhor entender o perfil do usuário.

Entre todas as sementes, a mais popular foi a de girassol, pois queriam possuir a sua flor. Como alguns desejavam plantas ornamentais e não tínhamos outra opção, parte dos participantes só teve interesse nessa semente. Por outro lado, as sementes de feijão não despertaram grande empolgação, tanto porque a viam como algo comum como porque exigiriam mais espaço. Uma aluna alegou que ninguém iria se interessar por feijão guandu, pois era algo barato e que as pessoas não gostavam de comer. Alegou que a escola onde cursava o ensino médio oferecia com frequência esse tipo de feijão porque não tinha verba para comprar outro melhor. No entanto, poucos dias depois, voltou interessada na mesma semente dizendo que a mãe queria plantar em casa.

O fato dos alunos perguntarem a opinião ou voltarem alguns dias depois a pedido dos pais indica que eles abordaram o assunto em casa, que informaram as sementes disponíveis e que os pais se mostraram interessados. Também presenciamos usuários pegarem sementes para amigos e demais parentes. Duas professoras do ensino fundamental compareceram à biblioteca com a expectativa de levar sementes para os seus alunos. Porém, desistiram ao perceber que a quantidade não era grande. Houve casos de pediram sementes para levar até para pessoas que estão em outro estado do país e que viram as postagens no Facebook.

Assim sendo, obtivemos um resultado contraditório. Por um lado, os participantes não recorriam às redes para divulgar fotos e vídeos das sementes coletadas nem de suas plantações, como sugeríamos. Por outro, fomos surpreendidos com o alcance das publicações da biblioteca, sobretudo entre não alunos, pois as redes sociais, com ênfase para o Facebook, nunca tiveram um grande engajamento, sendo pouco curtidas e compartilhadas. Uma mãe de aluna começou a seguir a página no Facebook para acompanhar as sementes, escrevendo recados para a filha assim que postávamos sobre a sua disponibilidade.

Essa situação sugere que o projeto conseguiu expandir o alcance da biblioteca na comunidade. No entanto, não foi possível confirmar esse impacto pelas ferramentas de acompanhamento das próprias redes sociais, pois não houve um aumento abrupto de seguidores nem de compartilhamento de conteúdo com a hashtag do projeto. A comprovação foi auxiliada pelo relato dos próprios usuários em interação presencial com os servidores da biblioteca.

A empolgação dos participantes fez com que surgissem questionamentos sobre o porquê de não aproveitarmos parte das sementes e plantar na própria instituição. Alguns alunos disseram que iriam plantar as sementes também em terrenos próximos a casa onde moravam, no caminho que percorriam até à escola/universidade, na casa de vizinhos, dos avôs e assim por diante. Logo, a circulação das sementes não se restringiu aos coletores, mas, antes mesmo do plantio, alcançou pessoas que habitam nas proximidades ou parentes que podem nunca ter ouvido falar da instituição.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o conhecimento de iniciativas internacionais bem sucedidas em bibliotecas, acreditamos que seria simples oferecer algumas sementes para que as pessoas pudessem pegá-las e levá-las para a casa. A princípio, bastaria um pouco de sementes, um pequeno local para expô-las e a busca de informações em websites especializados para definir as características de cada planta. Para incentivar a formação de redes para a divulgação do plantio e troca de experiências, sugerimos que os alunos da instituição onde aplicamos o estudo de caso divulgassem fotos e vídeos na internet com uma hashtag criada para o projeto.

Porém, ao tentar adaptar o que lemos na bibliografia, verificamos inúmeros empecilhos: o tempo destinado para atender os interessados deveria ser muito maior do que o previsto, pois as pessoas tendem a tirar dúvidas sobre as sementes e o projeto antes de escolhê-las e retirá-las no balcão da biblioteca. Por outro lado, as sementes são organismos vivos que morrem com o tempo, podendo ter seu fim acelerado caso sejam expostas ao calor, à luz e à umidade. Desse modo, é necessário organizá-las, identificá-las e cedê-las aos usuários em tempo hábil para o plantio, o que dificulta ainda mais ações de apoio ao projeto, como o treinamento dos participantes e a ampla divulgação.

Cada semente também apresenta um período do ano ideal para ser plantada. Há sementes que devem ser plantadas no verão. Outras, no inverno. Além de explicar isso para os frequentadores da biblioteca, não tínhamos como criar um estoque de sementes para cada estação. Após o plantio, é preciso esperar meses para a colheita. Algumas plantas, como a alface, são geralmente consumidas antes de gerar sementes, impedindo o seu replantio. Todos esses detalhes se tornaram limitações para o que imaginávamos inicialmente. Ao buscar a hashtag criada, não encontramos nenhuma postagem dos participantes.

Em contrapartida, não prevemos a participação de todos os estratos da comunidade acadêmica e até de fora dela. O foco inicial era nos estudantes locais e não realizamos nenhuma medida planejada para atrair terceirizados ou professores. Também não esperávamos que os participantes falassem do projeto com os seus pais, amigos e demais parentes. Se tínhamos como objetivo criar redes virtuais para o fortalecimento da comunidade, os participantes preferiram criar e fortalecer redes presenciais. As redes sociais online foram úteis para alcançar pessoas até de outros estados, mas o engajamento proporcionado foi restrito. Ao tomar conhecimento das sementes, as pessoas falavam entre si, sem intermediários e uso de redes como Facebook e Instagram.

O entusiasmo dos participantes indicou que a iniciativa foi bem aceita e valorizou a biblioteca perante os usuários, ainda que causasse estranhamento. A experiência em campo reforçou ainda a importância da formação do bibliotecário e daqueles que desenvolverão a iniciativa para orientar os participantes e esclarecer as suas dúvidas.

Em suma, esse tipo de projeto mostra para os usuários de uma biblioteca que ela pode contribuir de diferentes formas para o fortalecimento da comunidade. No nosso caso, a biblioteca de sementes estimulou a comunicação entre pais e filhos e a busca por mais informações sobre a agricultura familiar. Os participantes descobriram novas espécies, se sentiram animados a plantar ou levar sementes para amigos e conhecidos, reforçando laços sociais. O fato de a distribuição ser gratuita permitiu a participação de todos os interessados.

As bibliotecas têm experimentado diferentes serviços e usos do seu espaço para atender as necessidades dos seus usuários. Ao se estabelecerem como um centro onde a população pode compartilhar informações, adquirir novos conhecimentos e participar de iniciativas que contribuem para a vida em sociedade, elas reafirmam a sua relevância social.

A biblioteca de sementes colabora para atender as aspirações dos seus usuários em relação à proteção do meio ambiente e a adoção de um estilo de vida sustentável. No entanto, novos estudos precisam ser realizados para expor as limitações e benefícios de desenvolver bibliotecas de sementes em bibliotecas públicas. As discussões sobre a missão da biblioteca pública e a formação do bibliotecário complementam as análises e melhor situam esses projetos na gama de serviços oferecidos pela instituição.

Material suplementar
Informação adicional

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA: Concepção e elaboração do manuscrito: W. E. R. Souza Coleta de dados: W. E. R. Souza Análise de dados: W. E. R. Souza Discussão dos resultados: W. E. R. Souza Revisão e aprovação: W. E. R. Souza

CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

LICENÇA DE USO: Os autores cedem à Encontros Bibli os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution (CC BY) 4.0 International. Estra licença permite que terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico.

PUBLISHER: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

EDITORES: Enrique Muriel-Torrado, Edgar Bisset Alvarez, Camila Barros.

Agradecimentos

Agradecimentos a Maria Cristina Marques, Vicente Pereira de Barros, Renata Kristin Succi e Adriano Tsunematsu pelo apoio ao projeto.

REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
[1] Entre as bibliotecas de sementes com websites, podemos destacar a Richmond Grows Seed Lending Library (disponível em: http://www.richmondgrowsseeds.org/) e a Seed Libraries (disponível em: http://seedlibraries.weebly.com/).

Figura 1
Sementes expostas em recipientes
Fonte: Acervo pessoal
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