Resumo:
Objetivo: A serendipidade se consolidou no âmbito das descobertas científicas e tem sido investigada na literatura científica internacional do campo da Ciência da Informação no que diz respeito à interação dos sujeitos informacionais com ambientes e sistemas de informação, bem como com a informação propriamente dita. Considerando sua importância nas áreas de estudo que tratam sobre os sujeitos informacionais, este artigo tem como objetivos: investigar como a serendipidade tem sido abordada no contexto da Ciência da Informação em relação aos seus aspectos teórico-conceituais; e apresentar suas contribuições preliminares para os estudos de Comportamento Informacional e Competência em Informação.
Método: Foi realizada uma pesquisa bibliográfica e de abordagem qualitativa.
Resultado: Os resultados demonstram que a serendipidade contribui de forma significativa com os estudos mencionados.
Conclusões: Conclui-se que a Ciência da Informação brasileira poderia desenvolver estudos teóricos e empíricos em relação à serendipidade, de modo a aplicar seus fundamentos em pesquisas junto aos sujeitos informacionais.
Palavras-chave:SerendipidadeSerendipidade,Comportamento InformacionalComportamento Informacional,Competência em InformaçãoCompetência em Informação,Sujeitos InformacionaisSujeitos Informacionais.
Abstract:
Objective: Serendipity has been consolidated within the scope of scientific discoveries and has been investigated in the international scientific literature of the field of Information Science with regard to the interaction of informational subjects with information environments and systems, as well as with the information itself. Considering its importance in the study areas that deal with informational subjects, this article aims to: investigate how serendipity has been approached in the context of Information Science in relation to its theoretical and conceptual aspects; and present their preliminary contributions to the studies of Informational Behavior and Information Literacy.
Methods: Bibliographic research and qualitative approach.
Results: The results show that serendipity contributes significantly to the mentioned studies.
Conclusions: It is concluded that brazilian Information Science could develop theoretical and empirical studies in relation to serendipity, in order to apply it in research with informational subjects.
Keywords: Serendipity, Information Behavior, Information Literacy, Informational Subjects.
Artigos
Serendipidade no contexto da Ciência da Informação: perspectivas para os estudos com sujeitos informacionais
Serendipity in the context of Information Science: perspectives for studies with informational subjects
Recepção: 07 Março 2020
Aprovação: 28 Maio 2020
Publicado: 04 Setembro 2020
Desde sua gênese, a Ciência da Informação tem evoluído em suas dimensões epistemológica, teórica e metodológica mediante a produção de conhecimentos ligados ao seu objeto de estudo – informação, como a investigação dos processos informacionais, dos fluxos de informação, das tecnologias de informação e comunicação e, sobretudo, dos sujeitos informacionais, para os quais as ações infocomunicacionais mediadas em ambientes e sistemas de informação se destinam.
Atualmente, podem ser citados o Comportamento Informacional (Information Behavior) e a Competência em Informação (Information Literacy) como alguns estudos realizados no âmbito deste campo científico que se preocupam com os sujeitos informacionais, especialmente em relação à busca, à recuperação, ao acesso, ao uso, à apropriação da informação e a construção de conhecimento.
Os estudos sobre Comportamento Informacional se dedicam a compreender o comportamento dos sujeitos em relação à informação, incluindo o comportamento de busca de informação e outros comportamentos não intencionais que podem possibilitar a descoberta de novas informações. (CASE, 2007).
A Competência em Informação, por sua vez, se dedica aos estudos e às práticas para o desenvolvimento de habilidades junto aos sujeitos em relação à informação, a partir de ações mediadoras que possibilitem aos sujeitos: reconhecerem suas necessidades de informação e as fontes relevantes para a busca de informação, saberem avaliar os resultados das pesquisas que realizam, bem como utilizarem e compartilharem a informação de forma crítica e ética. (ALA, 1989)
Especialmente em relação ao Comportamento Informacional, Erdelez (2004) problematiza que as pesquisas na Ciência da Informação, em geral, enfatizam o processo de busca intencional de informação (information seeking). Porém, há evidências de que as pessoas encontram e/ou descobrem informações úteis sem necessariamente utilizar uma estratégia de busca em um Sistema de Recuperação da Informação (SRI).
Essas experiências de descoberta acidental de informação remetem ao conceito de serendipidade (serendipity), cuja temática ganhou importância na Ciência da Informação nos últimos anos (SOLOMON; BRONSTEIN, 2016), porém no Brasil é abordada ainda de maneira incipiente no cenário deste campo científico.
A partir dessas premissas, este artigo tem como objetivos: investigar como a serendipidade tem sido abordada no contexto da Ciência da Informação na literatura internacional em relação aos seus aspectos teórico-conceituais; e apresentar suas contribuições preliminares para os estudos sobre Comportamento Informacional e Competência em Informação; tendo como foco oferecer elementos que motivem os pesquisadores brasileiros que lidam com os sujeitos informacionais a desenvolverem pesquisas relacionadas às referidas temáticas e suas relações com a serendipidade.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e de abordagem qualitativa. Foi realizada uma busca no Portal de Periódicos da CAPES no dia 24 de setembro de 2019, sem limitação temporal e com ênfase nos idiomas português, inglês e espanhol. O Quadro 1 que segue apresenta as estratégias de busca e os resultados recuperados referentes à busca:

Desse modo, o corpus total da pesquisa foi de 30 artigos, todos no idioma inglês, sendo a maioria relacionada à serendipidade e sua interlocução com o Comportamento Informacional. É possível observar que, em relação à Competência em Informação, as pesquisas se mostraram incipientes.
O termo “serendipidade” (serendipity) tem origem na literatura inglesa e possui uma manifestação associada à solução de problemas e construção de conhecimento que ocorrem a partir de descobertas fortuitas, ou seja, por acaso. Foi apresentado pelo escritor inglês Horace Walpole em 1754 a partir da obra “The three Princes of Serendip”, um conto de fadas que narra as aventuras de três príncipes viajantes cujos poderes de observação os levam a conclusões surpreendentes. (FOSTER; FORD, 2003; RUBIN; BURKELL; QUAN-HAASE, 2011; SUN; SHARPLES; MAKRI, 2011).
O termo não teve ampla utilização até meados do século XX, quando foi considerado adequado para representar o processo de descoberta acidental no contexto científico (RUBIN; BURKELL; QUAN-HAASE, 2011), o que pode ser observado no livro The way of an investigator, de W. B. Cannon, publicado em 1945, que forneceu um tratamento mais formal para o termo, associando-o às descobertas científicas (FOSTER; ELLIS, 2014). Desde então, a serendipidade tem se tornado popular, tendo sido eleita a palavra favorita do Reino Unido no ano 2000 (RUBIN; BURKELL; QUAN-HAASE, 2011).
De acordo com Foster e Ford (2003), a serendipidade foi considerada como parte integrante do processo criativo das Artes e Humanidades, das Ciências Sociais e de outros campos científicos, entretanto a experiência com tal abordagem pode ser distinta entre diferentes áreas do conhecimento.
Reviglio (2019) entende que a serendipidade é um processo complexo que ocorre na Ciência, mas também em todos os domínios da vida, e abrange curiosidade, pesquisa e descoberta. Björneborn (2017) também entende que a serendipidade é um elemento fundamental em nossas vidas e culturas, porém talvez seja subestimada. Para este autor, ela ocorre quando, de forma não planejada, encontramos informações, coisas e pessoas que achamos interessantes, o que nos auxilia a explorar mundos desconhecidos.
Mesmo diante da inegável relevância da serendipidade para a vida e para a Ciência, sua dimensão conceitual não é consenso entre os autores. Conforme reforçam Foster e Ford (2003, p. 323, tradução nossa),
Serendipidade parece ser importante nas áreas disciplinares por seu papel na construção de conexões, descoberta e criatividade. A literatura apresenta serendipidade como sendo de alguma forma passiva [...], ou técnicas pelas quais o conhecimento oculto pode ser recuperado. O processo criativo de pesquisa não desconsidera o que Walpole denominou como “descoberta fortuita”, mas decerto insinue algo mais ativo, operando no limite de consciência.
Diante disso, é possível perceber que as descobertas, no âmbito das pesquisas científicas, podem estar associadas à Intencionalidade, abrangendo experiências e conhecimentos prévios, o que sugere, portanto, certo controle sobre o processo (SUN; SHARPLES; MAKRI, 2011). Para fins de esclarecimentos conceituais, “a Intencionalidade, segundo Sokolowski (2004), é a doutrina nuclear da fenomenologia, ela explica que cada ato de consciência que nós realizamos, cada ato de consciência que nós temos como algo intencional, é consciência de ou experiência de algo ou outrem”. (MIRANDA, 2010, p. 155).
O Quadro 2 que segue apresenta alguns conceitos de diferentes autores para a serendipidade:
A partir dos conceitos dos autores, observamos que é possível que a serendipidade na Ciência ocorra a partir de um método previamente estabelecido. Isso porque, no contexto de pesquisas científicas, estamos frequentemente buscando por novas descobertas que apoiem os conhecimentos prévios existentes e que oportunizem a construção de novos conhecimentos.
Mais especificamente no âmbito dos estudos da Ciência da Informação, Agarwall (2015, p. 12, tradução nossa) conceitua serendipidade como
[...] qualquer situação em que um sujeito não esteja necessariamente buscando ou procurando informações. Em vez disso, a pessoa acidentalmente encontra as informações em um momento no tempo. Quando isso ocorre, o sentimento, reação ou resultado geralmente é feliz ou benéfico [...].
Podemos considerar que, na Ciência da Informação, o estudo da serendipidade não se associa apenas a descobertas científicas, mas também quaisquer descobertas que podem ocorrer nos mais diversos ambientes e sistemas de informação, o que nos permite ampliar o escopo da descoberta.
Na literatura, pesquisadores propõem modelos de serendipidade, sendo que alguns deles são aqui apresentados. Rubin, Burkell e Quan-Haase (2011) apresentaram um modelo conceitual que expõe quatro facetas de serendipidade. São elas:
Faceta A – Mente preparada – Se refere a dois tipos de preparação: a preocupação com um determinado problema ou a experiência prévia acumulada relacionada a algo;
Faceta B – Ato de perceber – Se refere à percepção de uma pista no ambiente que pode promover a descoberta, muitas vezes mudando o foco de uma atenção primária para o foco da descoberta;
Faceta C – Possibilidade – Se refere à casualidade da situação que gera a possibilidade de descoberta;
Faceta D – O resultado fortuito – A descoberta fornece resultados relevantes que possuem significados suficientes para a construção de novos conhecimentos.
Vale destacar que a primeira faceta, mente preparada, se associa a ideia de controle no processo de descoberta conforme conceitos de alguns autores presentes no Quadro 2. Embora o sujeito não saiba em que momento experimentará uma descoberta, ele possui algum problema ou experiência prévia sobre algo, bem como possui habilidades e pode traçar estratégias que poderão subsidiá-la. Para Foster e Ford (2003, p. 336, tradução nossa), “a noção de que certas atitudes e decisões estratégicas podem afetar, se não a ocorrência, pelo menos a exploração de encontros fortuitos de informações, tem sido reconhecida na ideia de “mente preparada” na literatura científica”.
Makri e Blandford (2012) consideram a utilidade do modelo de Rubin, Burkell e Quan-Hasse (2011) devido a descrição da essência da serendipidade a partir das facetas apresentadas. Porém, propõem desmistificar a experiência de serendipidade por meio da descrição de um processo e não apenas como a combinação das referidas facetas.
Nessa perspectiva, Makri e Blandford (2012) citam o modelo de serendipidade de Lawley e Tompkins (2008), que representa uma perspectiva de processo, o qual ocorre da seguinte forma:
E (Evento inesperado): Representa um evento considerado acidental, inesperado;
E-1 (Mente preparada): Representa um momento anterior à ocorrência do evento propriamente dito. O sujeito que experimenta o evento tem uma mente preparada, ou seja, pronta para reconhecer o potencial inesperado do evento;
E+1 (Reconhecimento de potencial): Representa um momento posterior ao evento, caracterizado pelo reconhecimento do potencial da descoberta associado ao evento;
E+2 (Aproveitamento do momento) e E+3 (Amplificação dos efeitos): Estão associados à ampliação do potencial de significância positiva do evento;
E+4 (Avaliação dos efeitos): Se refere à avaliação dos efeitos obtidos com a experiência de descoberta, o que possibilita preparar ainda mais a mente para reconhecer e agir em eventos futuros.
Tendo como base este modelo e uma pesquisa empírica, Makri e Blandford (2012) elaboraram um modelo empírico para a serendipidade, que enfatiza a conexão mental que é desencadeada por circunstâncias inesperadas. Essa conexão é feita a partir de informações relacionadas a uma pessoa, evento, local, objeto etc. com potencial para atender a uma necessidade e resultar em uma ideia que tem potencial para gerar um resultado valioso. Também são feitas reflexões sobre as circunstâncias que levaram à conexão e/ou o insight envolvido. (MAKRI; BLANDFORD, 2012).
O processo é descrito por Makri e Blandford (2012) da seguinte forma:
Nova conexão: Representa uma nova conexão mental que é feita entre uma necessidade (que pode ser informacional ou não, bem como consciente ou não) e algo com potencial para atender essa necessidade, envolvendo circunstâncias inesperadas e insight;
Valor potencial do resultado: Após a conexão, são feitas projeções em relação ao valor potencial do resultado;
Exploração da conexão: Uma vez que o potencial da conexão em resultar em uma experiência valiosa é reconhecido, são realizadas ações destinadas a explorá-la, as quais variam de acordo com a situação;
Reconhecimento do resultado valioso: Se refere ao reconhecimento do resultado, se foi valioso ou não. O valor do resultado pode se tornar aparente já no momento em que a conexão é feita;
Reflexão sobre o valor do resultado: Nesse momento são feitas reflexões sobre todo o processo, desde as circunstâncias e insight que levaram a descoberta até os resultados, bem como a confirmação se estes são realmente significativos;
Concretização da serendipidade: O sujeito poderá considerar ou não sua experiência de descoberta como serendipidade, a partir das reflexões realizadas e dos impactos dos resultados.
Percebemos que nos últimos anos houve um esforço pelos pesquisadores em representar as etapas e/ou facetas da serendipidade. Todavia, Zhou et al. (2017) atentam que poucos destes estudos examinam, de forma efetiva, a ocorrência da serendipidade em uma perspectiva sistemática do contexto, tendo em vista que, segundo Foster e Ellis (2014), a serendipidade é o produto do contexto.
Para Sun, Sharples e Makri (2011, p. 23, tradução nossa), o contexto
[...] inclui aspectos do sujeito, fatores temporais e ambientes físico e social (incluindo objetos, pessoas e recursos) nos quais ele está inserido. Descobrimos que o contexto (por exemplo, o estado do indivíduo experimentando serendipidade, fatores temporais e seu ambiente) desempenhou um papel influente nas pessoas que experimentavam serendipidade.
Considerando a importância do contexto para os estudos de serendipidade, Zhou et al. (2017) propuseram um modelo baseado em contexto. O referido modelo consiste em duas partes: primeiramente, se concentram os três principais processos que ocorrem na experiência da serendipidade, incluindo a descoberta ou encontro inesperado, a conexão e o valor, os quais, de algum modo, podem ser observados também nos modelos mencionados anteriormente; a segunda parte se refere ao impacto do contexto externo, social e interno do sujeito durante a experiência de serendipidade, os quais são aspectos inovadores neste modelo. (ZHOU et al., 2017).
Os contextos externo e social são considerados estímulos para um encontro inesperado ou descoberta, a qual está associada às necessidades e/ou experiências do contexto interno do sujeito. A conexão está associada a percepção e à sagacidade do sujeito, sendo estas características também do contexto interno. Entretanto, ocorrem situações em que as conexões são fornecidas também por variáveis presentes no contexto externo ou social. O reconhecimento do valor da descoberta se associa às emoções, as quais estão presentes no contexto interno do sujeito. (ZHOU et al., 2017).
Vale mencionar que os modelos citados são resultantes de pesquisas empíricas realizadas pelos pesquisadores, a fim de coletar dados sobre experiências de serendipidade. Em relação às pesquisas empíricas, Sun, Sharples e Makri (2011) enfatizam a dificuldade de identificar experiências de serendipidade durante a coleta de dados dependendo do método empregado.
A observação em tempo real, por exemplo, realizada a partir de estudos experimentais controlados em laboratório, é um método amplamente utilizado para estudar as experiências no contexto da vida real das pessoas. No entanto, sua eficiência é limitada no estudo da serendipidade, tendo em vista que: ela envolve ações imprevisíveis em momentos imprevisíveis e em espaços imprevisíveis; e a experiência impulsiona processos cognitivos sem ações evidentes. (SUN; SHARPLES; MAKRI, 2011; FOSTER; ELLIS, 2014).
Desse modo, Sun, Sharples e Makri (2011), por exemplo, optaram em seu estudo por utilizar o método de registro em diário móvel, com a finalidade dos participantes registrarem suas experiências inesperadas em seus contextos da vida real, combinando com entrevistas semiestruturadas.
Mesmo sendo uma temática ainda explorada incipientemente, acreditamos que os conceitos e modelos de serendipidade podem auxiliar na realização de estudos empíricos na Ciência da Informação junto aos sujeitos informacionais.
Em 2003, Foster e Ford entendiam que havia um paradoxo no conceito de serendipidade, tendo em vista que se trata de uma abordagem relevante, porém, em certa medida, ainda não era passível de entendimento, de controle e de previsão especialmente no contexto dos estudos sobre busca e recuperação de informação. Isso deve justificar a ausência do destaque para essa abordagem em modelos de comportamento informacional e de busca de informação, como os de Tom Wilson e de Carol Kuhlthau, por exemplo, tão conhecidos por pesquisadores da Ciência da Informação. (FOSTER; FORD, 2003).
Isso motivou Foster e Ford (2003) a revisitarem a literatura sobre Recuperação da Informação, o que permitiu considerar que a serendipidade ocorre nesse contexto de forma similar a outros campos do conhecimento, porém indicam que não se trata apenas em ter a mente preparada, mas os sistemas de informação precisam ser projetados adequadamente e as pessoas precisam ter habilidades de busca de informação para que ocorra a serendipidade (o que nos remete à Competência em Informação).
A partir dessas considerações, as subseções que seguem apresentam interlocuções e contribuições preliminares dos estudos de serendipidade para o Comportamento Informacional e a Competência em Informação, a partir da literatura consultada.
Os estudos sobre o comportamento humano relacionado à informação (information behavior) remontam ao início do século XX. Nas primeiras décadas, foram centrados nos sistemas de informação em vez da preocupação com os sujeitos e suas buscas. Anos depois, nas décadas de 1950 e 1960, passaram a considerar mais as necessidades informacionais e o uso da informação. (CASE, 2007).
De acordo com Wilson (2000, p. 1, tradução nossa), comportamento informacional é definido como “[...] a totalidade do comportamento humano em relação às fontes e canais de informação, incluindo a busca ativa e passiva de informação e seu uso”. Case (2007, p. 5, tradução nossa) apresenta uma definição na mesma perspectiva de Wilson: “Comportamento informacional [...] engloba a busca de informação e a totalidade de outros comportamentos não intencionais ou passivos (tais como “encontrar [ou descobrir] informação”), bem como comportamentos intencionais que não envolvem busca, por exemplo, evitar a informação.”
Percebemos que o comportamento informacional é uma abordagem complexa e que abrange conceitos que se inter-relacionam. Para Wilson (1999; 2000), o comportamento informacional (information behaviour) inclui o comportamento de busca de informação (information seeking behaviour) que, por sua vez, inclui o comportamento de busca em sistemas tecnológicos de informação (information search behaviour).
Desse modo, o comportamento de busca de informação (information seeking behaviour) é um subconjunto do ‘Comportamento Informacional’ que se dedica especialmente à busca intencional de informação, que ocorre como consequência de uma necessidade informacional prévia, bem como à variedade de métodos que as pessoas empregam para descobrir e obter acesso aos recursos informacionais. O comportamento de busca em sistemas tecnológicos de informação (information search behaviour), por sua vez, é um subconjunto do ‘Comportamento de busca de informação’, e se refere a todas as interações das pessoas com sistemas de informação baseados em computador, por exemplo, os SRI. (WILSON, 1999; 2000).
Os conceitos de information seeking behaviour e information search behaviour estão relacionados às buscas intencionais dos sujeitos, porém a dimensão mais ampla do Comportamento Informacional, conforme explicitado anteriormente, considera a descoberta acidental de informação, em que as pessoas encontram informação sem uma intenção prévia, o que nos remete ao conceito de serendipidade.
Nessa perspectiva, Björneborn (2008) correlaciona dois tipos de comportamento informacional, cujas características são expressas no Quadro 3 que segue:
Para o autor, o comportamento informacional convergente é característico do lado esquerdo do cérebro e expressa objetividade e racionalidade, por exemplo, por meio da utilização de estratégias de busca em SRI, em que os sujeitos buscam informação por itens conhecidos. (BJÖRNEBORN, 2008). Esse tipo de comportamento se associa aos conceitos de information seeking behaviour e information search behaviour de Wilson (1999; 2000), aliados à busca intencional de informação.
O comportamento informacional divergente, por sua vez, é característico do lado direito do cérebro e expressa subjetividade, intuição e curiosidade. Durante o processo de navegação em um ambiente informacional, por meio de uma busca exploratória, é possível que os sujeitos informacionais experimentem a serendipidade, ou seja, descubram informações de forma acidental. (BJÖRNEBORN, 2008). Esse tipo de comportamento se aplica à dimensão mais ampla do comportamento informacional e, como pode ser observado, está presente nas definições de Wilson (2000) e Case (2007).
Situações desse tipo ocorrem quando interagimos com ambientes informacionais, que podem ser analógicos ou digitais. Björneborn (2008) representa uma situação de experiência do sujeito na interação com estes ambientes, conforme apresenta a Figura 1 que segue:

Na figura, o triângulo é representado como um iceberg que, fora da água, ilustra as necessidades informacionais conscientes (A). Sob a água está a maior parte do iceberg, abarcando os interesses subconscientes, os quais podem ser acionados quando um sujeito se movimenta ou navega em ambientes informacionais e encontra opções e oportunidades oferecidas por eles. (BJÖRNEBORN, 2008).
Dentro do escopo dos estudos de Comportamento Informacional, encontramos diversas teorias e modelos, conforme podem ser consultados em Fisher, Erdelez e McKechnie (2006). Cada teoria e/ou modelo aborda aspectos específicos no tocante ao comportamento informacional dos sujeitos. Desse modo, a serendipidade não precisa ter um lugar explícito nesses modelos e estruturas. Porém, é necessário reconhecer que ela está inserida conceitualmente no campo do Comportamento Informacional e, portanto, também pode estar presente de forma implícita nestes modelos. (AGARWALL, 2015).
Como contribuição conceitual, Agarwall (2015) revisitou o modelo conceitual de Wilson (1999) e incluiu a serendipidade, demonstrando que ela pode ocorrer ou não durante uma busca intencional. A inclusão da serendipidade por Agarwall (2015) corrobora as definições para Comportamento Informacional de Wilson (2000) e Case (2007) apresentados anteriormente, bem como inclui outros aspectos como o uso da informação, também previsto por Wilson (1999; 2000).
Podemos perceber, portanto, que a serendipidade pode ocorrer durante os processos de busca intencional da informação (information seeking e information searching), porém também pode ocorrer quando o sujeito não está necessariamente buscando por nenhuma informação, mas apenas interagindo com um ambiente informacional, conforme também destacam Makri et al. (2015).
Erdelez (2000; 2004) inclui o conceito de ‘encontro da informação’ (information encountering) que, segundo a autora, é um tipo de ‘aquisição oportuna de informação’ (opportunistic acquisition of information), em que, durante o processo de busca de informação sobre um determinado assunto, um sujeito encontra acidentalmente informações relacionadas a algum outro assunto que também seja de seu interesse, mas que não era sua necessidade informacional de primeiro plano. A autora (ERDELEZ, 2006) elaborou um modelo de comportamento informacional que converge com a situação representada na Figura 1. O referido modelo pressupõe:
uma tarefa intencional de busca de informação relacionada a um problema que atua em primeiro plano para o sujeito (foreground problem);
um ou mais interesses, problemas e tarefas que atuam em um segundo plano para o sujeito informacional (background interest/problem/task), as quais não estão ativas no seu comportamento informacional.
Desse modo, em uma determinada situação, o sujeito informacional é submetido a uma interrupção de sua atenção, sendo transferido do seu foreground problem, ou seja, da busca intencional, para o background problem, ou seja, para a descoberta. Nessa situação mencionada, a autora (ERDELEZ, 2004) propôs um evento típico de ‘encontro de informação’ que consiste nas seguintes ações:
Perceber (Noticing): o sujeito percebe informações inesperadas que lhe chamam a atenção;
Parar (Stopping): o sujeito interrompe temporariamente a atividade inicial de busca de informação que estava desenvolvendo e se dedica às informações encontradas;
Examinar (Examining): o sujeito explora e avalia a utilidade das informações encontradas;
Capturar (Capturing): o sujeito armazena as informações mental ou fisicamente para uso futuro;
Retornar (Returning): o sujeito retorna à atividade inicial de busca de informação que foi interrompida.
Segundo a autora:
Nossa hipótese é que uma ocorrência de ‘encontro de informação’ seja facilitada pela presença paralela de várias situações no cotidiano das pessoas que podem ser definidas como “problemas”. Alguns desses problemas se traduzem em necessidades de informação e depois em várias formas de aquisição de informação. A qualquer momento, uma pessoa terá vários problemas (em vários assuntos, com vários níveis de especificidade, urgência, complexidade, etc.) [...] No entanto, devido às limitações do sistema perceptivo humano que está envolvido quando as pessoas procuram informações e prioridades que as pessoas atribuem aos seus problemas, uma pessoa normalmente atende apenas a um problema de cada vez. (ERDELEZ, 2004, p. 1015, tradução nossa).
Nessa perspectiva, vale mencionar o modelo integrado de informações online, proposto por Jiang, Liu e Chi (2015), que apresentam um processo específico na interação dos sujeitos com ambientes informacionais digitais, enfatizando aspectos comportamentais, diferente dos modelos de serendipidade apresentados na seção anterior, que enfatizam apenas as facetas e o processo de serendipidade.
O processo inicia nas pré-atividades, que se tratam de navegação, pesquisa e/ou interação social em ambientes informacionais digitais. Posteriormente, são realizadas as atividades-meio, assim como prevê as etapas de Erdelez (2004): “perceber”, associada ao estímulo; “examinar”, associada ao conteúdo; e “adquirir”, associada aos conteúdos interessantes e conteúdos úteis, que, posteriormente, podem ser explorados, armazenados e compartilhados, compreendidos como pós-atividades. (JIANG; LIU; CHI, 2015).
Vale destacar no modelo os catorze fatores influenciadores da informação encontrada, que se subdividem em três grupos:
Sujeitos: Intencionalidade, Curiosidade e Diversidade de atividades (fatores constantes), e Sensibilidade, Emoções, Experiência e Atitudes (fatores dinâmicos);
Informação: Tipos, Relevância e Qualidade (fatores constantes), e Visibilidade e Fontes (fatores dinâmicos);
Ambiente: Limites de tempo (fator constante) e Usabilidade da Interface (fator dinâmico).
É perceptível que as pesquisas sobre serendipidade no contexto do Comportamento Informacional estão em evidência na literatura internacional a partir dos aspectos teórico-conceituais mencionados, todavia são necessárias mais pesquisas empíricas associadas a estes modelos.
De acordo com Erdelez, Basic e Levitov (2011), o comportamento de busca de informação é um domínio de interesse compartilhado entre os estudos de Comportamento Informação e de Competência em Informação. Diante disso, alguns pontos tratados nesta seção podem auxiliar estudos focados na Competência em Informação em relação à serendipidade. Outros aspectos serão tratados na seção seguinte.
Dentro da perspectiva dos estudos de Comportamento Informacional, se instaura a Competência em Informação, que foi incorporada à Ciência da Informação a partir da área de gestão empresarial e da integração interdisciplinar da pedagogia e da didática com a psicologia educativa e a sociologia. (SILVA, 2008).
Vale mencionar que neste artigo optamos por utilizar o termo ‘Competência em Informação’, concretizado na literatura científica brasileira. Em Portugal, é utilizado o termo ‘literacia informacional’ (SILVA, 2008) para designar esse estudo e na Espanha, por seu turno, o termo consolidado é ‘alfabetización en información’ (MARZAL, 2009).
Destarte, no cerne do comportamento dos sujeitos em relação à informação estão suas habilidades e competências para identificar suas necessidades informacionais, bem como para localizar, avaliar, utilizar e compartilhar a informação criticamente com vistas à sua apropriação. (ALA, 1989; DUDZIAK, 2003).
Para a Association of College and Research Libraries (ACRL), a competência em informação é “[...] um conjunto de capacidades integradas que englobam a descoberta reflexiva da informação, a compreensão de como a informação é produzida e valorizada e o uso da informação na criação de novos conhecimentos e na participação ética nas comunidades de aprendizagem” (ACRL, 2016, p. 3, tradução nossa).
Para atingir seus objetivos, são desenvolvidos programas de competência em informação com vistas à elaboração de estratégias que permitam às instituições e aos mediadores o desenvolvimento das habilidades e das competências em informação junto aos sujeitos. (MATA, 2012).
Esses programas podem ser realizados com a utilização de instrumentos, como os Information Literacy Competency Standards for Higher Education da ACRL (2000), que estabelece padrões de competência em informação para estudantes do Ensino Superior, cujo documento foi atualizado recentemente para o Framework for Information Literacy for Higher Education (ACRL, 2016), visando oferecer uma estrutura adequada para o desenvolvimento da competência em informação (LOPES, 2019).
Os conceitos e modelos de serendipidade, de modo explícito ou não, abordam aspectos dos sujeitos informacionais quanto às suas habilidades no processo de descoberta de informação. Conforme Jiang, Liu e Chi (2015), seu modelo, apresentado anteriormente, inclui fatores como Sensibilidade, Experiência e Atitudes que estão associados à Competência em Informação.
A competência em informação é uma habilidade cultivável dos indivíduos. Muitos esforços têm sido dedicados a melhorar a competência em informação dos alunos no ensino superior e no ensino fundamental e médio, guiado por vários padrões que descrevem os requisitos [para o desenvolvimento de habilidades. A serendipidade, nesse sentido,] pode ser cultivada através do treinamento intencional de aspectos particulares da competência em informação. (JIANG; LIU; CHI, 2015, p. 1150, tradução nossa).
O Framework for Information Literacy for Higher Education (ACRL, 2016), por sua vez, menciona serendipidade de forma breve em seu documento no sexto quadro, dedicado à pesquisa como exploração estratégica (Searching as Strategic Exploration): “O ato de pesquisar geralmente inicia com uma pergunta que direciona o ato de encontrar informações necessárias. Abrange investigação, descoberta e serendipidade, buscando identificar tanto possíveis fontes relevantes, como os meios para acessar essas fontes”. (ACRL, 2016, p. 22, tradução nossa).
A pesquisa como exploração estratégica está associada à busca exploratória, que permite ao sujeito descobrir possíveis informações associadas a um problema específico.
Quanto aos modelos de competência em informação, Erdelez, Basic e Levitov (2011) entendem que as atividades descritas neles incluem identificação das necessidades de informação, seleção das fontes de informação, busca e uso da informação, aspectos estes que têm sido domínio de investigação do comportamento informacional.
Nesse sentido, as autoras acreditam que existe uma conexão conceitual entre esses modelos e a serendipidade, embora estes não a explicitem. Visando identificar os estágios em que a serendipidade poderia ser incorporada, avaliaram cinco modelos de competência em informação que foram utilizados em escolas primárias e secundárias dos Estados Unidos. O Quadro 4 que segue apresenta os modelos e os resultados da avaliação.

De acordo com Erdelez, Basic e Levitov (2011), o principal objetivo dos modelos de competência em informação é auxiliar os alunos a concluir com êxito o processo de pesquisa. Com o desenvolvimento de habilidades para pesquisa, seu processo pode se tornar mais intuitivo e suas fases ou estágios mais simultâneos, o que pode contribuir para que a serendipidade ocorra.
Os estágios marcados com asterisco (*) são aqueles em que o aprimoramento para a serendipidade pode ser incorporado, envolvendo principalmente o local e o acesso à informação, envolvendo, por exemplo, definição de tarefa, seleção de tópicos, coleta e busca de informações, refinamento de busca entre outras atividades. (ERDELEZ; BASIC; LEVITOV, 2011).
Por meio de modelos aprimorados de competência em informação, os alunos ficarão mais conscientes de suas próprias experiências com a descoberta de informações e, consequentemente, precisarão aprender a lidar com essas situações inesperadas com estratégias eficazes de gerenciamento de informações. (ERDELEZ; BASIC; LEVITOV, 2011, p. 16, tradução nossa).
A partir da correlação entre a serendipidade e a competência em informação, é possível desenvolver programas que antecipem a possibilidade de descoberta de informação dos pesquisadores e, consequentemente, a possibilidade de inovação nas pesquisas realizadas.
A serendipidade se consolidou no âmbito das descobertas científicas. Nas duas últimas décadas, percebemos os esforços empreendidos pelos pesquisadores da Ciência da Informação na literatura internacional no estabelecimento de limites conceituais, na realização de pesquisas empíricas e na proposição de modelos de serendipidade, com vistas ao entendimento de seu processo.
Neste artigo, a serendipidade foi abordada sobretudo em seus aspectos teórico-conceituais. De forma sintética, percebemos que a serendipidade ocorre a partir de uma situação em que um sujeito descobre algo que se torna valioso para a resolução de um problema ou de uma necessidade potencialmente inconsciente. A descoberta, por sua vez, é possível a partir da mente preparada, que corresponde às experiências e ao conhecimento prévio do sujeito; está associada aos insights que favorecerão as conexões mentais com a situação imprevista; bem como depende de pistas presentes no ambiente onde a situação ocorre. Além disso, a descoberta ocorre a partir de características do contexto interno do sujeito, bem como dos contextos externo e social.
Foi demonstrado que o estudo da serendipidade pode ser considerado profícuo para as pesquisas que envolvem sujeitos informacionais na Ciência da Informação, especialmente em relação às áreas de Comportamento Informacional e Competência em Informação.
No que diz respeito ao Comportamento Informacional, foram encontrados teorias e modelos que já se dedicam à serendipidade, no que tange à descoberta de informações que ocorre durante uma situação de busca de informação ou simplesmente por meio da exploração de ambientes e sistemas de informação.
Quanto à Competência em Informação, a serendipidade é mencionada no documento da ACRL (2016) que sugere uma estrutura para o desenvolvimento de habilidades junto aos sujeitos, especialmente no que diz respeito à pesquisa como exploração estratégica. Percebemos também que é possível incluir a serendipidade nos estágios que compreendem seus modelos, de modo a favorecer maior desempenho no processo de pesquisa.
Esperamos que este artigo seja um ponto de partida para o enriquecimento das pesquisas sobre serendipidade, sobretudo no contexto da Ciência da Informação brasileira nos estudos que enfatizam os sujeitos informacionais.
CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA: Concepção e elaboração do manuscrito: F. L. Vechiato, G. B. de Farias Coleta de dados: F. L. Vechiato, G. B. de Farias Análise de dados: F. L. Vechiato, G. B. de Farias Discussão dos resultados: F. L. Vechiato, G. B. de Farias Revisão e aprovação: F. L. Vechiato, G. B. de Farias
CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
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PUBLISHER: niversidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
EDITORES: Enrique Muriel-Torrado, Edgar Bisset Alvarez, Camila Barros.
Aos Grupos de Pesquisa “Competência e mediação em ambientes de informação” e “Tecnologia e Gestão da Informação e do Conhecimento” pelas discussões que auxiliaram na elaboração deste artigo.


