Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
O uso de figuras de linguagens do domínio da lesbiandade no acervo fotográfico do Lesbian Herstory Archives: uma proposta de taxonomia
Raquel da Silva TEIXEIRA; Brisa Pozzi de SOUSA
Raquel da Silva TEIXEIRA; Brisa Pozzi de SOUSA
O uso de figuras de linguagens do domínio da lesbiandade no acervo fotográfico do Lesbian Herstory Archives: uma proposta de taxonomia
The use of figures of speech in the lesbianity domain in Lesbian Herstory Archives's photographic collection: a taxonomy proposal
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 25, pp. 1-21, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Objetivo: Explorar os termos metafóricos empregados na representação temática (assunto) em uma amostra de fotografias do Lesbian Herstory Archives (LHA), no intuito de organizá-los semanticamente para o ambiente web.

Método: Utiliza o metafiltro proposto por Orrico (2001b), baseado na Classificação Facetada de Ranganathan, para categorizar as figuras de linguagem selecionadas por meio de sua Essência, Função e Modo, e, a partir disso, estabelecer as características que nortearão os renques e as cadeias da proposta taxonômica.

Resultado: Demonstra que a comunidade lésbica utiliza as figuras de linguagem como meio de afirmação de identidade. Aponta a urgência de soluções práticas que corrijam os desvios na representação de assunto sobre lésbicas e propõe uma estrutura taxonômica baseada em figuras de linguagem que proporcione visibilidade em ambiente web.

Conclusões: Destaca a necessidade e a urgência das discussões sobre gênero e sexualidade no contexto da representação temática, principalmente no que diz respeito a lesbiandade e a representação das lésbicas e das suas relações afetivo-sexuais, de forma que essa comunidade discursiva se veja eticamente representada nos instrumentos de controle de vocabulário.

Palavras-chave:Figuras de linguagemFiguras de linguagem,Representação temáticaRepresentação temática,TaxonomiaTaxonomia,LesbiandadeLesbiandade,Lesbian Herstory ArchivesLesbian Herstory Archives.

Abstract: Objectives: To explore the metaphorical terms used in the thematic representation (subject matter) in a sample of photographs in the Lesbian Herstory Archives (LHA), in order to organize them semantically for the web context.

Methods: Uses the metafilter proposed by Orrico (2001b), based on Ranganathan's Faceted Classification, to categorize selected figures of speech ​​through their Essence, Function and Mode. From this establishes characteristics that will guide the ranks and successions of the taxonomic proposal.

Results: Demonstrates that the lesbian community uses the figures of speech as a means of affirming their identity. It points out the urgency of practical solutions that correct the deviations in the representations of lesbians’s subject and comes up with a taxonomic structure based on figures of speech that provide visibility in the web context.

Conclusion: Highlights the need and urgency for discussions about gender and sexuality in the context of thematic representation, especially with regard to lesbianity and lesbians's representation and affective-sexual relationships between women so that this discursive community see themselves ethically represented in the instruments of a controlled vocabulary.

Keywords: Figures of speech, Thematic representation, Taxonomy, Lesbianity, Lesbian Herstory Archives.

Carátula del artículo

Estudos de Caso

O uso de figuras de linguagens do domínio da lesbiandade no acervo fotográfico do Lesbian Herstory Archives: uma proposta de taxonomia

The use of figures of speech in the lesbianity domain in Lesbian Herstory Archives's photographic collection: a taxonomy proposal

Raquel da Silva TEIXEIRA
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Brasil
Brisa Pozzi de SOUSA
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Brasil
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 25, pp. 1-21, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina

Recepção: 18 Março 2020

Aprovação: 19 Maio 2020

Publicado: 04 Setembro 2020

1 INTRODUÇÃO

Embora seja possível encontrar registros de relação entre mulheres desde a Antiguidade, a lesbiandade como movimento político emergiu no século XX alinhado ao movimento feminista e ao movimento homossexual, hoje denominado LGBTQIA+[1].

A partir de 1970, as lesbianas[2] que integravam os movimentos feministas e de homossexuais iniciam um processo de emancipação, tendo em vista formar um movimento que desse visibilidade às demandas sociais e políticas específicas dessas mulheres. Em linhas gerais, segundo Campos (2014), o movimento de início dos primeiros grupos políticos majoritariamente compostos por mulheres homoafetivas, resultou, nas décadas seguintes, na formação de grupos políticos lésbicos em todo o mundo.

No contexto da comunidade lesbiana, as formas de entender e de organizar o mundo se expressam também por meio de metáforas e eufemismos, ou seja, figuras de linguagem que se apresentam como recursos linguísticos a partir dos quais se atribui sentidos conotativos a um termo ou sentença, ampliando, assim, sua esfera de significação. Dessa forma, qualquer instrumento de organização que seja criado ou otimizado para representação temática (ou por assunto) dessa comunidade discursiva precisa abranger as figuras de linguagem características desse meio. É justamente nesse sentido que esta pesquisa se desenvolve.

O presente artigo é resultado da pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), que foi sendo amadurecida a partir da observação de termos com carga semântica metafórica na lista de assuntos do Lesbian Herstory Archives (LHA), uma fundação americana, criada na década de 1970, em Nova York, detentora do maior acervo do mundo sobre a comunidade lésbica, e, portanto, também tendo como público-alvo tal comunidade.

O contexto pioneiro em que o LHA se insere e o interesse pelos estudos que abordam o uso de figuras de linguagem na representação temática, despertou-nos a seguinte questão: como o LHA, que tem como público-alvo a comunidade lésbica, emprega termos metafóricos na representação do(s) assunto(s) das fotografias? Como pressuposto, partiu-se da priorização institucional do ponto de vista das lésbicas na seleção dos termos que compõem a lista de assuntos, fato que se comprova na presença de metáforas e eufemismos inerentes à cultura lésbica nesse instrumento de controle.

Posto isso, este artigo tem como objetivo explorar os termos metafóricos empregados na representação temática de uma amostra de fotografias do LHA, no intuito de organizá-los semanticamente para o ambiente web por meio de uma proposta de taxonomia. A opção pelas fotografias decorre do fato desses documentos estarem disponíveis para consulta on-line, tendo em vista que a instituição está localizada em outro país, optou-se por selecionar os materiais que estivessem disponíveis para consulta remota.

A motivação deste artigo é, sobretudo, uma ânsia de tornar visível a existência e as vivências lesbianas por meio de sua representação temática, prezando uma abordagem ética que respeite as particularidades dessa comunidade discursiva e do conhecimento por ela produzido. Por isso, este artigo pretende ser um passo inicial de estudos vindouros sobre a representação temática no contexto lésbico, no sentido de criar alternativas que corrijam os desvios aos quais a história hegemônica submeteu essas narrativas.

2 DE COADJUVATES A PROTAGONISTAS: LESBO-FEMINISMO E AS VOZES LESBIANAS INSURGENTES

A lesbiandade, enquanto movimento político, emergiu no século XX, paralela aos movimentos feministas e ao movimento homossexual, hoje movimento LGBTQIA+. Soares e Costa (2011) apontam que o movimento lésbico emergiu no fervor das transformações políticas e culturais das décadas de 1960 e 1970, com estreita ligação com os feminismos e o movimento homossexual. Esses dois últimos buscavam o reconhecimento dos direitos das mulheres e dos homossexuais, respectivamente, concomitante a reflexões teóricas e epistemológicas sobre os fatores históricos e políticos que levaram a marginalização desses grupos sociais.

Por outro lado, embora houvesse a intersecção de narrativas e de trocas, essa relação foi também carregada de tensões e desencontros. Em sua relação com o movimento homossexual, embora as lésbicas pudessem se ver assistidas no quesito de ruptura com a heterossexualidade obrigatória, elas não dispunham de posições igualitárias dentro do movimento, tendo suas preocupações frequentemente marginalizadas (ANTONINO, 2018).

No movimento feminista as lésbicas encontram iguais condições de invisibilidade, sendo por vezes rechaçadas e impedidas de se posicionarem politicamente enquanto mulheres que amam mulheres. Soares e Costa (2011) pontuam que, na visão das feministas à época, a presença das lésbicas trazia um estigma para o movimento, pois ia ao encontro da visão que atribui às feministas a imagem de mulheres masculinizadas, desprovidas de feminilidade, e isso acabaria por afastar potenciais seguidoras da possibilidade de aderirem ao movimento pelo desejo de não associar-se a esse modelo de vivência.

Por consequência, essa falta de voz e de representatividade das lésbicas dentro dos feminismos e do movimento homossexual ocasionou a ruptura entre estes e o movimento lésbico, que viu na articulação política centrada nas vivências e reivindicações de mulheres lésbicas a possibilidade de se fazerem ouvidas e de lutarem por seus direitos. Soares e Costa (2011) enunciam que aos poucos o movimento lésbico foi adquirindo autonomia, fundando suas próprias organizações e, ancoradas nas argumentações feministas, começaram a produzir crítica ao patriarcado e ao falocentrismo do movimento homossexual e à ausência de lugar dentro dos feminismos.

No contexto estadunidense, a eclosão de organizações políticas lésbicas acontece na segunda metade da década de 1950, tendo como grupo pioneiro o Daughters of Bilitis (DOB). Formado em São Francisco, Califórnia, o DOB é considerado a primeira organização nacional de lésbicas e o marco inicial da articulação política de mulheres homoafetivas. Em 1970 surge o Lavender Menace. Considerado um divisor de águas para o movimento lésbico estadunidense, o grupo travou luta contra a invisibilização das pautas lésbicas dentro das agendas feministas (ANTONINO, 2018).

O DOB e o Lavender Menace são considerados os precursores de um movimento que nas décadas seguintes deu origem a diversos grupos lésbico-políticos mundo a fora. A dinâmica desses grupos abriu espaço para que as vozes lesbianas fossem ouvidas e compreendidas em suas particularidades. Sua metodologia de trabalho era baseada na criação de espaços que privilegiassem a troca de experiência em grupos de reflexão e em encontros feministas, incentivando a convivência, a solidariedade, a cumplicidade e a intimidade entre mulheres (SOARES; COSTA, 2011).

Com a mesma demanda dos Estados Unidos, o movimento lésbico no Brasil surge da insatisfação com a falta de representatividade das mulheres lésbicas no âmbito dos feminismos e do movimento homossexual. Dessa maneira, por não existir espaço com a discussão dentro destes movimentos, as lesbianas que compunham esses grupos, concebem a ideia de um espaço exclusivo para a discussão sobre suas vivências. Assim se formou o primeiro grupo lésbico do país, o Lésbico Feminista (LF) (CAMPOS, 2014).

O LF tem sua origem no grupo Somos/SP, um dos primeiros grupos pelos direitos dos homossexuais no país, fundado na década de 1970. A princípio, as integrantes do LF faziam parte do Somos, e percebendo essa necessidade de um espaço de reflexão para as questões lésbicas criaram, em 1980, um subgrupo dentro do Somos com esse objetivo. Fortemente influenciado pelas ideias da teoria e dos movimentos feministas, o LF se alinha a vertente das lésbicas feministas, como vieram a fazer a maioria dos grupos que se seguiram (CAMPOS, 2014).

Feito esse breve panorama sobre o domínio que compõe o foco dessa investigação, a seguir trataremos aspectos que permeiam comunidade discursiva e a Organização do Conhecimento, para assim refletirmos sobre a representação temática no recorte proposto.

3 A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO FRENTE À REPRESENTAÇÃO DA COMUNIDADE DISCURSIVA HOMOSSEXUAL

Nas últimas décadas tem-se lançado luz sobre os aspectos que permeiam a representação de domínios relacionados a gênero e sexualidade. Percebe-se uma crescente produção sobre esses temas nas diversas áreas da ciência que tenta dar conta das complexidades relacionadas ao ser feminino e ao ser LGBT, ao mesmo tempo em que descortinam e desconstroem os tabus erigidos por teorias antigas que hoje, sabe-se, são repletas de preconceito e visão de senso comum e legitimam grande parte da violência ao qual esses grupos são submetidos.

O mesmo ocorre no âmbito da Organização do Conhecimento (OC), área em que muitos pesquisadores têm se debruçado sobre os instrumentos voltando-se para o recorte de gênero, como por exemplo, a maneira como as mulheres e a população LGBT são representadas, realizando reflexões e propondo alternativas de reparação desses desvios. Em âmbito internacional destaca-se a contribuição de Campbell (2000), que em estudo pioneiro aponta os desafios na elaboração de sistemas de classificação e vocabulários controlados para o domínio da homossexualidade. Diferentes perspectivas de abordagem se impõem ao olhar dos que buscam criar esses instrumentos, afirma o autor; assim, diferindo-se a abordagem, diferem-se também os termos escolhidos para compor o universo de assuntos do domínio. Por isso, enfatiza Campbell (2000), os profissionais que se ocupam dessa atividade devem esperar trabalhar em um contexto de minúcias e controvérsias.

Da mesma forma, Christensen (2008) analisa a terminologia empregada no catálogo de assuntos da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, onde aponta a tendência universalizante na seleção dos termos de temática homossexual que compõe o catálogo. A visão universalizante no tratamento temático do domínio da homossexualidade é um dos desafios abordados por Campbell (2000). Trata-se de abordagem que enfoca numa representação sem destaque, com terminologias e estruturas hierárquicas que não chamem atenção para as diferenças, enfatizando o todo unificado. Há dissonância com a abordagem minoritária, que se desenvolve no sentido de criar uma representação destacada, com terminologias e estruturas hierárquicas que chamem atenção para a diferença, mas com olhar inclusivo e não excludente (CHRISTENSEN, 2008).

López-Huertas (2008) sinaliza a crescente demanda por diversidade nos sistemas de organização e representação do conhecimento, em detrimento a uma visão global e padronizada. Enfatiza que os recursos de informação para gays e lésbicas têm crescido consideravelmente e precisam ser categorizados de acordo com a cultura de seu público-alvo, pautando-se na filosofia de “acomodar de maneira semelhante, pequenos grupos com necessidades ou situações sociais especiais” (LÓPEZ-HUERTAS, 2008, p. 120, tradução nossa).

Em contexto brasileiro, o destaque é dado ao trabalho de Pinho (2010). O autor investiga os aspectos éticos que envolvem a representação do domínio da homossexualidade e propõe a inserção de termos do universo da homoafetividade masculina em linguagens documentárias. Em sua tese, Pinho (2010) identifica termos do universo da homossexualidade masculina que possam ser inseridos em linguagens de indexação para representar essa comunidade discursiva. Assim como o autor considera a comunidade homossexual masculina como uma comunidade discursiva, consideramos também a comunidade lesbiana, tomando por princípio o conceito de Swales (1990). Swales (1990) afirma que para ser identificada como uma comunidade discursiva, um grupo social precisa apresentar seis características distintas, sendo:

  1. 1. conjunto de objetivos comuns amplamente aceitos;
  2. 2. mecanismos de intercomunicação entre seus membros;
  3. 3. mecanismos participativos para fornecer e retornar informações;
  4. 4. um ou mais gêneros na comunicação de seus objetivos;
  5. 5. além de seus próprios gêneros discursivos, possui léxico específico; e
  6. 6. membros de variável nível de experiência.

Tais características podem ser encontradas na comunidade lesbiana, e por isso, podemos dentifica-la como uma comunidade discursiva.

Embora haja discussões densas no âmbito da OC em torno da representação temática da comunidade LGBTQIA+, onde se busca, sobretudo, uma abordagem ética, a lesbiandade ainda se apresenta de forma incipiente nessas discussões, o que talvez reflita o apagamento das vivências lésbicas na sociedade como um todo. Durante a pesquisa identificamos poucos estudos dedicados à investigação da lesbiandade, em especial no que tange a sua terminologia em instrumentos de controle, como por exemplo, nos Sistemas de Organização do Conhecimento (SOC).

Como em todo domínio, a lesbiandade possui termos e conceitos próprios, inerentes à cultura lésbica. Esse domínio também produz conhecimento, que precisa ser organizado e representado de acordo com seu próprio universo semântico, de forma que o público-alvo dessas informações se veja eticamente representado. Nesse sentido, estudos como os de López-Huertas e Barité Roqueta (2002) e López-Huertas e Torres Ramírez (2005) prestariam grande contribuição a reflexão. Nesses trabalhos os autores analisam o léxico documental, os modelos temáticos e o tratamento conceitual da terminologia dos estudos de gênero em SOC e em diretórios de mecanismos de busca web, apontando desvios causados por preconceitos étnicos e de gênero, e defendendo a importância da correção desses vieses para garantia de uso igualitário e universal dessas ferramentas. A mesma análise poderia ser empregada no domínio da lesbiandade, o que contribuiria para discussões pormenorizadas a respeito do universo terminológico dessa comunidade discursiva.

Ademais, é relevante ressaltar que este artigo parte da abordagem minoritária (CAMPBELL, 2000) e defende a necessidade e a urgência das discussões sobre gênero e sexualidade. É latente a necessidade de olhar para essas vivências, que há muito vêm sendo apagadas, e dar-lhes voz por meio de sua representação, pois, embora tenhamos conquistado maior abertura para discutir sobre as questões de gênero e sexualidade como em nenhum outro momento da história, é necessário prosseguir nas reflexões no sentido de criar alternativas práticas para correção das injustiças sociais que afetam não apenas as mulheres e a comunidade LGBTQIA+, mas também negros, indígenas, deficientes físicos e todas as populações historicamente marginalizadas pela sociedade.

Feita essa abordagem sobre os aspectos relacionados à representação e contextualização da comunidade LGBTQIA+ como comunidade discursiva, a seguir as discussões centrarão nas figuras de linguagem em busca de compreender como a comunidade lesbiana utiliza as metáforas e os eufemismos como meio de afirmação de identidade.

4 AS FIGURAS DE LINGUAGEM COMO AFIRMAÇÃO DE UMA IDENTIDADE LESBIANA

“Eu sou sapatão, eu sou sargento, fanchona, lésbica…” – trecho do filme “A Partilha”, de 2001, dirigido por Daniel Filho. A fala é de Laura, personagem interpretada pela atriz Paloma Duarte, que ao utilizar uma série de metáforas para se designar como lésbica quando revela sua orientação sexual às irmãs, demonstra de maneira clara como no universo semântico da lesbiandade metáforas podem ser empregadas para se autonomear.

Pinho (2010), quando se debruça sobre o universo léxico da homossexualidade masculina, identifica a frequente utilização de figuras de linguagem nessa comunidade discursiva, com destaque para o uso das metáforas e dos eufemismos. Para o autor, a utilização de figuras de linguagem no âmbito da homossexualidade é uma forma de “[...] proteção contra um ambiente hostil e, por isso, tornam-se parte na esfera discursiva, da construção de sua identidade.” (PINHO, 2010, p. 62).

Nesse sentido, destaca-se a metáfora, compreendida aqui como um mecanismo de transmissão de sentidos, que torna possível atribuir significados conotativos a um termo ou uma sentença. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS; VILLAR, c2009, p. 1281) define metáfora como “[...] designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança”, ou ainda como a “transposição de um sentido próprio ao figurado.”

No universo da homossexualidade feminina tem-se como exemplo de metáfora o termo “sapatão”, que literalmente é o aumentativo de sapato, mas que nesse contexto é usada como um termo genérico para designar as lésbicas de uma maneira geral ou, especificamente, lésbicas masculinizadas.

O eufemismo, por sua vez, é uma “[...] palavra, locução ou acepção mais agradável, de que se lança mão para suavizar ou minimizar o peso conotador de outra palavra, locução ou acepção menos agradável, mais grosseira ou mesmo tabuística.” (HOUAISS; VILLAR, c2009, p. 1281). Assim, o eufemismo consiste em substituir um termo desagradável por um mais palatável, mas sem alteração no sentido.

Existem também os disfemismos, que opostos à intenção suavizadora dos eufemismos, caracterizam-se como termos com conotações ofensivas, usados quando se tem a intenção de difamar, humilhar ou desagradar, podendo se manifestar por palavrões, xingamentos ou qualquer tipo de comentário depreciativo (PINHO, 2010). No contexto lésbico o termo “sapatão”, além de servir como termo genérico para designar as lésbicas de maneira geral, também pode ser compreendido como uma espécie de disfemismo, visto que, de forma geral, essa palavra é utilizada como uma ofensa. Diz-se “sapatão” a mulher que não performa feminilidade, ou seja, que possui aparência ou até mesmo comportamentos tidos como masculinos. Essa ideia tão presente no senso comum modelou a noção do que significa ser uma mulher lésbica, sempre a relacionando com a rejeição da feminilidade em detrimento de uma postura masculinizada.

Todavia, nos últimos anos tem se percebido a reapropriação de termos disfêmicos e sua ressignificação pelas comunidades homossexuais. Sobre isso, Pinho (2010, p. 124) evidencia que “no universo homossexual os discursos são permeados por figuras de linguagens [...] muitas vezes de caráter pejorativo [...] que foram apropriadas pelos próprios indivíduos para descaracterizá-las e assumir um novo significado”. Na comunidade lesbiana, “sapatão” talvez seja o símbolo mais latente dessa busca por novos significados para termos que outrora eram considerados depreciativos. Hoje, o termo funciona como uma afirmação da sexualidade e da identidade lésbica.

Cabe ressaltar, porém, que na comunidade lésbica existem opiniões e visões de mundo plurais, sendo assim não seria ético nalisa-la como uma massa unificada em um artigo que pretende discutir a representação da mulher lesbiana no âmbito da Organização do Conhecimento. Nesse sentido, lançamos luz sobre as dissonâncias, também, as quais se encontram bem demarcadas no âmbito da linguagem.

Aguião (2008) desvela os modos de classificação de si e do outro no contexto da homossexualidade feminina sob um recorte socioeconômico específico. A autora identificou que lésbicas de estratos sociais e econômicos mais baixos, utilizam formas de classificação que remetem tanto a prática sexual quanto aos atributos estéticos, corporais e gestuais, em que as características físicas se relacionam à questão sexual.

Nesse contexto, por exemplo, “lésbica” é um termo pouco utilizado, pois é compreendido como uma palavra esquisita, de difícil identificação, o que vai na contramão do discurso vigente entre as lésbicas consideradas politizadas, que advogam o termo. Por outro lado, a demarcação pautada na relação direta entre estética e papel sexual não recebe destaque entre lésbicas feministas, visto que tal recorte é baseado na reprodução de papeis binários, os quais, por sua vez, são alvos de críticas constantes nesse meio.

Essas diferenças terminológicas dentro da mesma comunidade discursiva reforça a necessidade de estudos mais aprofundados sobre as culturas e as vivências lesbianas, pois uma abordagem universalizante, ainda que dentro do mesmo contexto, pode continuar gerando ruídos comunicacionais. Para investigar as terminologias lesbianas é também bem-vinda uma abordagem interseccional, que contemple os aspectos de raça, classe e gênero, pois como se pode perceber a partir da pesquisa de Aguião (2008), estes são fatores determinantes à preferência ou ao preterimento de certos termos dentro dessa comunidade discursiva.

5 PERCURSO METODOLÓGICO

Esta pesquisa se concentra em analisar as figuras de linguagem presentes no catálogo de assuntos do Lesbian Herstory Archives (LHA)[3], buscando compreender como essa instituição, que tem como público-alvo mulheres lésbicas, faz uso de termos dessa natureza para representar o seu acervo e, com base nestes termos, propor uma estrutura taxonômica para a coleção de fotografias da instituição.

O LHA é uma fundação que reúne a maior coleção do mundo de materiais sobre a comunidade lésbica. Localizado em Nova York, foi criado na década de 1970 por iniciativa de Déborah Edel e Joan Nestle, ativistas políticas pelos direitos dos homossexuais, com a proposta de ser um centro de memória e um espaço de convivência inteiramente construído pela comunidade lésbica (LESBIAN HERSTORY ARCHIVES, 2019).

Todo o acervo do LHA foi formado de maneira colaborativa a partir de doações da comunidade lesbiana, e tal qual a sua formação, a organização do acervo também se deu de forma cooperativa. Formado por coleções que incluem diversas tipologias documentais, que vão de fotografias a objetos tridimensionais, bottons e camisetas, o LHA tem como princípio fundamental a premissa “nenhuma mulher e nenhum trabalho concebido por uma mulher é recusado”[4]. Todo material doado por lésbicas é considerado relevante para compor uma narrativa histórica que privilegie as vivências dessas mulheres.

Neste artigo estreitaremos o olhar para a coleção de fotografias do LHA e, embora apenas uma pequena parcela das fotografias estejam disponíveis para consulta on-line, é a partir desse recorte da coleção que iremos desenvolver a nossa proposta, com base nos termos metafóricos e eufêmicos empregados como assunto em sua representação. Essa coleção reúne fotografias que registram atividades públicas da comunidade lésbica e da vida privada de personagens que se destacaram nesse meio. Todas as fotografias do acervo são doações de pessoas físicas e jurídicas à instituição. Algumas fotografias, inclusive, faziam parte de acervos pessoais e foram doados ao LHA pelas próprias donas do acervo ou por seus herdeiros(as).

A coleção fotográfica é formada por 12 mil fotografias, mas apenas 664 estão hospedadas no repositório que dá acesso via web a estes documentos. O repositório que congrega as fotografias, o Digital Culture of Metropolitan New York (DCMNY), é uma iniciativa do Metropolitan New York Library Council, um conselho que reúne diversas instituições de memória e centros de informação da área metropolitana de Nova York. O Digital Culture foi desenvolvido para hospedar coleções digitais de instituições que participam do conselho e utiliza a plataforma Islandora, um sistema de repositório digital de código aberto baseado no Fedora Commons, Drupal e Solr, empresas desenvolvedoras de plataformas de código aberto (DIGITAL CULTURE OF METROPOLITAN NEW YORK, 2019ª).

Os termos do corpus desta pesquisa fazem parte da lista de assuntos do acervo fotográfico do LHA, denominada pela instituição de Subject-Topics. O Subject-Topic compõe a estrutura de metadados descritivos das fotografias, caracterizando-se como um campo que recebe o termo ou frase que melhor represente o assunto/tema abordado no documento (DIGITAL CULTURE OF METROPOLITAN NEW YORK, 2019b). Dessa forma, o Subject-Topic pode ser entendido como o assunto principal do documento.

Os Subject-Topics estão estruturados, até o momento de conclusão desse levantamento (abril/2020), em 100 termos organizados por número de ocorrência. Para ilustrar, o termo writer (escritora) é o primeiro da lista, pois sobre este assunto existem 88 fotografias disponíveis, enquanto feminism (feminismo) ocupa a oitava posição na lista, visto que abarca somente 23 fotografias. Destes 100 termos, identificamos a ocorrência de 4 figuras de linguagem, são elas: Butch/femme (ativa/passiva), Dyke (lésbica; sapatão), Leather (couro) e Passing Woman (mulher transgênero ou andrógina).

Para alcançar os termos que expressam uma figura de linguagem, seguimos um percurso metodológico que nos permitisse compreender o significado de cada termo empregado como Subject-Topic, atrelado ao contexto da fotografia que ele estava representando. Para isso, inicialmente, traduzimos os termos na ferramenta de tradução do Google e comparamos o resultado com a descrição da fotografia, com o intuito de verificar se aquele termo foi utilizado em seu sentido literal.

Nos casos em que o tradutor não oferecia uma definição coerente do termo, por meio de busca livre no Google, procurávamos por artigos científicos, matérias jornalísticas, artigos de opinião e outras tipologias textuais que trouxessem em sua estrutura o termo que precisávamos traduzir. Privilegiamos textos com temática LGBTQIA+, principalmente lésbica, visto que buscávamos compreender o significado de um termo nesse domínio.

A Encyclopedia of sex and gender (MALTI-GOULAS, c2007) foi empregada para conceituar as figuras de linguagem selecionadas, se mostrando como ferramenta importante para compreensão dos termos, pois além de apresentar o conceito também aborda questões históricas relacionadas à aplicação do termo em diferentes contextos sócio-históricos, fornecendo-nos assim, o amparo necessário à devida contextualização do termo na língua portuguesa.

Em seguida, submetemos as figuras de linguagem ao metafiltro proposto por Orrico (2001b) a fim de categorizá-las. Tal metafiltro se baseia nas teorias de Ranganathan e sua classificação multifacetada, “[...] a qual objetiva a estruturação do conhecimento, através da organização dos conceitos e das relações entre eles, permitindo o mapeamento de uma área de assunto e a inclusão de novos conceitos.” (PINHO, 2014).

A aplicação do metafiltro de Orrico (2001b) é propícia ao alcance dos objetivos desta pesquisa, uma vez que exploramos aqui o universo léxico de uma comunidade discursiva específica, selecionando termos metafóricos e eufêmicos que a represente, no sentido de validá-los e organizá-los conceitualmente e com o intuito de construir uma taxonomia para recuperação da informação na web.

Após a categorização dos termos, estruturamos a proposta de uma taxonomia tendo como base as figuras de linguagem selecionadas. Para modelagem da estrutura taxonômica utilizamos a ferramenta on-line Mindomo, um software de modelagem de mapas mentais desenvolvido pela empresa romena de tecnologia Expert Software Applications srl. Para ter acesso a todas as funções do software é preciso fazer uma assinatura, porém fizemos uso da versão livre da ferramenta (disponível no endereço: https://www.mindomo.com/pt/), que mediante cadastro prévio permite ao usuário o acesso a algumas funções.

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO

A partir da seleção e análise dos termos empregados como assunto na coleção de fotografias do LHA, foi possível identificar um conjunto de termos com carga metafórica e eufêmica utilizados para organizar o conhecimento do domínio da lesbiandade. O LHA é a instituição com o maior acervo do mundo sobre a comunidade lésbica, que prioriza em sua organização temática o ponto de vista dessas mulheres. Assim, os assuntos empregados nas coleções da instituição buscam representar de forma ética a comunidade discursiva lesbiana, inclusive com relação às figuras de linguagem utilizadas. Nossa intenção é compreender o conceito e a relação entre esses termos para criar uma proposta com princípios formais, objetivando a construção de uma taxonomia que auxilie a organização e a recuperação da informação em ambiente web.

As taxonomias podem ser uma boa proposta de auxílio à recuperação da informação em ambiente web.Bräscher e Carlan (2010) indicam que as taxonomias são instrumentos que organizam logicamente os conteúdos informacionais, encontrando ampla utilização em contexto web, sendo aplicadas na organização de portais corporativos de empresas, bibliotecas virtuais e portais governamentais (AQUINO; CARLAN; BRÄSCHER, 2009). Para recuperação da informação, as taxonomias são utilizadas na geração de metadados para descrição de objetos, na categorização para definir classes e subclasses e como suporte à navegação no ambiente web (BRÄSCHER; CARLAN, 2010).

Durante o processo de pesquisa foram identificadas uma série de inconsistências entre os termos empregados na representação das fotografias, ou seja, nos Subject-Topics, entre elas a ausência de padronização terminológica, que é um fator determinante na geração de ruídos na recuperação da informação. Essas incongruências na estrutura de representação temática da coleção fotográfica do LHA deixam visível a necessidade de seleção e padronização dos termos, tendo em vista o aperfeiçoamento deste instrumento tão importante não somente para o acesso à informação, mas também à representação da comunidade lesbiana.

Assim, no sentido de propor a construção de uma estrutura que contribua para o aperfeiçoamento da experiência de recuperação das fotografias do LHA na web, tendo como ponto inicial as figuras de linguagem, procuramos compreender o significado dos termos metafóricos e eufêmicos e como são empregados na representação temática e a possível relação conceitual entre eles. Esse percurso evidenciou um conjunto complexo de significados e relações, descritas de maneira sintética a seguir:

Butch/Femme – termo usado para designar uma forma de prática sexual e de gênero, que se caracteriza a partir de uma dinâmica erótica e afetiva pautada no binarismo masculino/feminino. São papeis desempenhados no âmbito dos relacionamentos afetivos/sexuais que se estendem a esfera social, caracterizando-se também como uma identidade.

Dyke – termo usado como sinônimo para lésbica, ou como eufemismo para lésbica masculinizada que pratica sadomasoquismo, uma prática sexual que envolve relações de dominação e submissão. Por muito tempo foi utilizado em sentido pejorativo para designar mulheres lésbicas que não performavam feminilidade, mas foi ressignificado pela comunidade lésbica que hoje o utiliza como afirmação de identidade.

LeatherPinho (2017) identificou esse termo no domínio da homossexualidade masculina como um fetiche sexual caracterizado pelo uso de objetos feitos de couro para o estímulo sexual. O couro, em seu sentido literal, é uma matéria-prima utilizada na produção de diversos objetos, mas na comunidade lésbica dos Estados Unidos o termo se aplica como uma metáfora que relaciona sadomasoquismo e o uso do couro como um marcador de identificação sexual ou erótica entre as lésbicas.

Passing Woman – Esse termo foi muito utilizado durante o século XX para definir mulheres que eram vistas socialmente como homens, a partir da adoção de características masculinas. Elas se vestiam com roupas tipicamente masculinas, como fraques e ternos, relacionavam-se com mulheres, tinham vida pública e desfrutavam de poder aquisitivo e político.

Com o intuito de dar visibilidade a representação de assunto sobre a, e da mulher lésbica, considerando as figuras de linguagem, lançaremos mão do metafiltro proposto por Orrico (2001b) para categorizar os termos candidatos à inserção da proposta taxonômica. Cabe ressaltar que essa proposta é direcionada à organização do acervo fotográfico do LHA disponível no repositório do DCMNY, e para elaborá-la utilizaremos como base terminológica e conceitual os Subject-Topics, a partir dos assuntos principais atribuídos as fotografias hospedadas no repositório.

O metafiltro é baseado nas cinco categorias fundamentais propostas por Ranganathan, que formam a sigla PMEST, a saber: Personalidade, Matéria, Energia, Espaço (em inglês Space) e Tempo. Assim, admitindo que “[...] as metáforas servem para representar categorias constituídas socialmente” (ORRICO, 2001ª, p. 3), a autora desenvolve um filtro que “[...] ajude os membros de determinado grupo social a recuperar as informações com maior precisão.” (ORRICO, 2001ª, p. 3).

Baseando-se no PMEST, o metafiltro viabiliza a classificação semântica dos termos por meio da Essência, da Função e do Modo. Essas três categorias representam os elementos fundamentais do metafiltro, seguidas da facetas Espaço e Tempo, consideradas categorias acessórias que podem ou não serem aplicadas à análise. Nesse sentido, a categoria Essência é a chave principal do metafiltro, representando a Personalidade, a faceta que diz respeito a quem enuncia o discurso. A Função é uma chave que está diretamente relacionada à Essência e que registra o grupo de metáforas que representam a função do campo. Deve ser preenchida com a faceta Matéria, a qual diz respeito “[...] aquilo sobre o que o homem trabalha para conseguir um produto final [...], isto é, aquilo sobre o que gira o discurso: o que faz.” (ORRICO, 2001b, p. 125, grifo da autora). A chave Modo ou Condição apresenta metáforas pelas quais a Função é exercida, sendo preenchida pela faceta Energia, que “[...] se manifesta nas atividades espirituais, mentais e físicas.” (ORRICO, 2001b, p. 125). Assim, o Modo ou Condição responde a como faz. As facetas Espaço e Tempo dizem respeito a onde e quando uma ação acontece, sendo consideradas chaves periféricas que podem, ou não, serem utilizadas sem, no entanto, invalidar a aplicação do metafiltro (ORRICO, 2001b).

Para testar as figuras de linguagem selecionadas utilizamos uma versão adaptada do esquema empregado por Pinho (2014). O autor categoriza os termos aplicando-os as facetas PMEST e ao metafiltro, e apresenta em seguida o resultado do teste. Dessa forma, o quadro 1 apresenta o teste do termo Leather (couro) ao metafiltro.

Quadro 1
Teste da metáfora Leather

Fonte: adaptado de Pinho (2014)

Todas as figuras de linguagem selecionadas – Butch/femme (ativa/passiva), Dyke (lésbica; sapatão), Leather (couro) e Passing Woman (andrógina)foram submetidas ao teste do metafiltro, dando origem às categorias da proposta de taxonomia.

A categorização dos termos evidenciou três características que dão origem aos renques da proposta de taxonomia, são elas: performance de gênero, identidade e preferência sexual, estando essas três características abrigadas pelo termo geral escolhido para representar o domínio, ou seja, Lesbian (Lésbica). A figura 1 apresenta a proposta a partir das figuras de linguagem selecionadas.


Figura 1
Proposta de taxonomia das figuras de linguagem
Fonte: as autoras (2019)

Os termos classificados quanto a performance de gênero foram Butch e Femme, visto que o conceito do termo evidencia tratar-se de lésbicas que desempenham uma performance de gênero baseada em papeis sexuais masculinos e femininos. Optamos por subdividir o termo (Butch/Femme) em dois eixos semânticos distintos (Butch; Femme). A escolha se justifica no fato de conceitualmente serem papeis opostos que não necessariamente estão relacionados a uma relação amorosa. A separação dos termos viabiliza, por exemplo, a representação de uma fotografia pelo assunto Femme quando houver somente esta persona retratada no documento. Empregar os termos em conjunto em situações que não expressam as duas manifestações pode induzir o usuário a equívoco.

Os termos classificados quanto à identidade foram Dyke e Passing Woman, visto que ambos dizem respeito a manifestações de identidades relacionadas a masculinidade lésbica, que se diferenciam pelo estilo adotado: Dykes vestem-se de maneira despojada e estão relacionadas a cultura underground, enquanto Passing Woman era um termo utilizado para identificar mulheres que assumiam uma persona masculina para terem uma vida pública, gozando de privilégio social e financeiro. Além disso, Dyke é utilizado pelo LHA para indexar fotografias que retratam lésbicas masculinas que trajam couro e estão relacionadas ao universo do sadomasoquismo como prática sexual. Assim o ser Dyke se expressa por meio dessas características agregadas, que juntas formam a identidade pela qual o estilo e a preferência erótica se manifestam. As mesmas premissas guiam a categorização do termo Passing Woman, que designa uma mulher lésbica cujas características masculinas fazem com que seja vista como homem pela sociedade.

Por fim, o termo categorizado quanto à preferência sexual foi Leather, uma vez que entre as lésbicas esse termo referencia o uso do couro como marcador de preferência sexual por sadomasoquismo. As fotos do LHA representadas com esse termo apresentam mulheres lésbicas trajando couro, utilizando esse material como um marcador erótico, e por isso, o assunto Leather está sempre acompanhado do assunto SM, sigla para sadomasoquismo. Trata-se, portanto, da manifestação da preferência sexual por meio de um material, nesse caso o couro.

Por fim, cabe ressaltar que desenvolvemos a proposta de taxonomia a partir de um recorte específico, tanto com relação ao objeto de estudo, neste caso o Lesbian Herstory Archives, quanto com relação ao recorte terminológico do domínio, sobre o qual privilegiamos as figuras de linguagem.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da compreensão de que as figuras de linguagem representam um meio de lidar com a hostilidade do mundo e de afirmar uma identidade, este artigo pretendeu iniciar uma discussão sobre o uso de metáforas e eufemismos produzido pela e para a comunidade lesbiana. Dessa forma, o objetivo deste artigo esteve centrado na análise dos termos metafóricos empregados na representação temática de fotografias em ambiente web, no intuito de desenvolver uma proposta de taxonomia baseada nessas figuras de linguagem.

Buscando contribuir para as reflexões acerca da representação das lésbicas com subsídio da Organização do Conhecimento, esta pesquisa se debruçou sobre um conjunto de termos metafóricos empregados na representação das fotografias do Lesbian Herstory Archives (LHA), instituição cuja missão consiste em preservar e disseminar a memória da comunidade lésbica por meio do seu acervo. Nesse sentido, desenvolvemos uma proposta de taxonomia estruturada a partir de 4 termos metafóricos, empregados na representação das fotografias do LHA, sendo eles: Butch/femme (ativa/passiva), Dyke (lésbica; sapatão), Leather (couro) e Passing Woman (andrógina). A aplicação desses termos ao metafiltro proposto por Orrico (2001b) evidenciou um conjunto de características que deram origem aos renques da taxonomia, em que os termos puderam ser representados quanto à performance de gênero (Butch; Femme), quanto à identidade (Dyke; Passing Woman) e quanto à preferência sexual (Leather).

Tal proposta taxonômica partiu de um recorte específico do universo de termos que compõem a lista de assunto do LHA, e não pretende ser um fim em si, mas o início de um percurso investigativo sobre os termos empregados pela instituição para organizar tematicamente o seu acervo.

Ademais, a investigação do domínio da lesbiandade, no que concerne as suas terminologias, poderia se estender ao recorte brasileiro. O país, mesmo sendo jovem na formação de um pensamento lésbico-feminista, possui tamanha pluralidade nas vivências lesbianas, com tantas nuances, que se demonstra como ambiente fértil para explorações mais profundas pela Organização do Conhecimento na perspectiva da Biblioteconomia e Ciência da Informação.

Material suplementar
Informação adicional

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA: Concepção e elaboração do manuscrito: R. S. Teixeira, B. P. Sousa Coleta de dados: R. S. Teixeira Análise de dados: R. S. Teixeira, B. P. Sousa Discussão dos resultados: R. S. Teixeira, B. P. Sousa Revisão e aprovação: R. S. Teixeira, B. P. Sousa

CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

LICENÇA DE USO: Os autores cedem à Encontros Bibli os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution (CC BY) 4.0 International. Estra licença permite que terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico.

PUBLISHER: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

EDITORES: Enrique Muriel-Torrado, Edgar Bisset Alvarez, Camila Barros.

REFERÊNCIAS
AGUIÃO, S. “Sapatão não! Eu sou a mulher da sapatão!”: homossexualidades femininas em um espaço de lazer no subúrbio carioca. Gênero, Niterói, v. 9, n. 1, p. 293-310, 2008. Disponível em: https://is.gd/z6FHYu. Acesso em: 09 nov. 2019.
ANTONINO, D. Lesbianismo é uma posição política. [S. l.]: QG Feminista, 2018. Disponível em: https://is.gd/uB7Oih. Acesso em: 08 out. 2019.
AQUINO, I. J.; CARLAN, E.; BRÄSCHER, M. B. Princípios classificatórios para a construção de taxonomias. Ponto de Acesso, Salvador, v. 3, n. 3, p. 196-215, dez. 2009. Disponível em: https://is.gd/w5j99y. Acesso em: 20 nov. 2019.
BLUEVISION. O que significa a sigla LGBTQIA+?. [S. l.]: Bluevision, 2019. Disponível em: https://is.gd/kKvK0F. Acesso em: 28 abr. 2020.
BRÄSCHER, M. B.; CARLAN, E. Sistemas de organização do conhecimento: antigas e novas linguagens. In: ROBREDO, J.; BRÄSCHER, M. B. (org.). Passeios no bosque da informação: estudos sobre representação e organização da informação e do conhecimento - eroic. Brasília, DF: IBICT, 2010. p. 147-176. Disponível em: https://is.gd/ukPKaK. Acesso em: 06 dez. 2019.
CAMPBELL, G. Queer theory and the creation of contextual subject access tools for gay and lesbian communities. Knowledge Organization, Würzburg, v. 27, n. 3, p. 122-131, 2000. Disponível em: https://is.gd/z0GV2a. Acesso em: 06 dez. 2019.
CAMPOS, N. C. A lesbianidade como resistência: a trajetória dos movimentos de lésbicas no Brasil – 1979-2001. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: https://is.gd/NbUXqp. Acesso em: 15 out. 2019.
CHRISTENSEN, B. Minoritization vs. universalization: lesbianism and male homosexuality in LCSH and LCC. Knowledge Organization, Würzburg, v. 35, n. 4, p. 229-238, 2008. Disponível em: https://is.gd/5Y0qnf. Acesso em: 06 dez. 2019.
DIGITAL CULTURE OF METROPOLITAN NEW YORK. About digital culture of metropolitan New York. New York: DCMNY, 2019a. Disponível em: https://is.gd/x0WtBl. Acesso em: 24 nov. 2019.
DIGITAL CULTURE OF METROPOLITAN NEW YORK. DCMNY metadata requirements and guidelines. New York: DCMNY, 2019b. Disponível em: https://is.gd/aFBYb6. Acesso em: 17 nov. 2019.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, c2009.
KLINGER, A. Resources for lesbian ethnographic research in the Lavender Archives. In: ROBERTSON, J. (ed.). Same-sex cultures and sexualities: an anthropological reader. Massachusetts: Blackwell Publishing, 2005, p. 73-88. (Blackwell readers in anthropology, 6).
LESBIAN HERSTORY ARCHIVES. A brief history. New York: LHA, 2019. Disponível em: https://is.gd/VpQryN. Acesso em. 06 dez. 2019.
LÓPEZ-HUERTAS, M. J. Some current research questions in the field of knowledge organization. Knowledge Organization, Würzburg, v. 35, n. 2/3, 2008, p. 113-136. Disponível em: https://is.gd/zdfLZx. Acesso em: 17 maio 2020.
LÓPEZ-HUERTAS, M. J.; BARITÉ ROQUETA, M. G. Knowledge representation and organization of gender studies on the Internet: towards integration. In: LÓPEZ-HUERTAS, M. J. (ed.). Challenges in knowledge representation and organization for the 21st century: integration of knowledge across boundaries. Würzburg: ERGON Verlag, 2002, p. 393-403. (Advances in Knowledge Organization, 8). Disponível em: https://is.gd/2Krbot. Acesso em: 12 maio 2020.
LÓPEZ-HUERTAS, M. J.; TORRES RAMÍREZ, I. Terminología de género. Sesgos, interrogantes, posibles respuestas. DataGramaZero: Revista de Ciência da Informação, Rio de Janeiro, v.6, n.5, out. 2005. Disponível em: https://is.gd/OKBPmI. Acesso em: 15 maio 2020.
MALTI-DOUGLAS, F. (ed.). Encyclopedia of sex and gender. 4 v. Detroit: Thomson Gale, c2007.
NAVARRO-SWAIN, T. O que é lesbianismo. São Paulo: Brasiliense, 2004.
ORRICO, E. G. D. A representação metafórica como filtro de recuperação da informação. DataGramaZero: Revista de Ciência da Informação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 5, p. [1-6], out. 2001a. Disponível em: http://www.brapci.inf.br/index.php/article/download/7453. Acesso em: 07 dez. 2019.
ORRICO, E. G. D. Binômio lingüística - ciência da informação: abordagem teórica para elaboração de metafiltro de recuperação da informação. 2001. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia / Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001b. Disponível em: https://is.gd/oNM6n9. Acesso em: 23 nov. 2019.
PINHO, F. A. Aspectos éticos em representação do conhecimento em temáticas relativas à homossexualidade masculina: uma análise da precisão em linguagens documentárias brasileiras. 2010. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade do Estado de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://is.gd/noDGKG. Acesso em: 30 out. 2019.
PINHO, F. A. Metafiltro para controle terminológico de metáforas no domínio da homossexualidade masculina. Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 41 n. 1, p.120-133, jan./abr., 2014. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/1422. Acesso em: 23 nov. 2019.
PINHO, F. A. Percurso investigativo para contextualização de metáforas relativas à gênero e sexualidade em linguagens documentais. Informação & Informação, Londrina, v. 22, n. 2, p. 117 -143, maio/ago. 2017. Disponível em: https://is.gd/I5lm4Y. Acesso em: 06 dez. 2019.
SOARES, G. S.; COSTA, J. C. Movimento lésbico e movimento feminista no Brasil: recuperando encontros e desencontros. Labrys, estudos feministas, [s. l.], jul./dez. 2011. Disponível em: https://bit.ly/33vEaK6. Acesso em: 13 out. 2019.
SWALES, J. M. The concept of discourse community. In: SWALES, J. M. Genre analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1990, p. 21-32.
Notas
Notas
[1] Movimento político e social de inclusão de pessoas de diversas orientações sexuais e identidades de gênero. Iniciado sob a sigla GLS, o movimento expandiu-se, passando a englobar pessoas bissexuais e transgêneras (LGBT), sendo identificado atualmente pela sigla LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Transsexuais ou Transgênero, Queer, Intersexo, Assexual e todas as diversas possibilidades de orientação sexual e identidades de gênero existentes) (BLUEVISION, 2019).
[2] Navarro-Swain (2004) elucida que qualquer conceito que se esforce em apreender o ser lésbica se mostraria reducionista, uma vez observada a pluralidade das vivências e desejos das pessoas que assim se identificam. Respeitadas as discussões acerca dessa questão, neste artigo emprega-se o termo lesbiana (ou lésbica) para definir mulheres que se relacionam ou sentem atração afetiva e sexual por outras mulheres.
[4] Nossa tradução de: “No woman is refused and no woman’s work is refused.” (KLINGER, 2005, p. 78).
Quadro 1
Teste da metáfora Leather

Fonte: adaptado de Pinho (2014)

Figura 1
Proposta de taxonomia das figuras de linguagem
Fonte: as autoras (2019)
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc