Artigo Original

RESILIÊNCIA INFORMACIONAL E MICROCEFALIA: PRÁTICAS DIGITAIS DE BUSCA POR INFORMAÇÃO

Informational resilience and microcephaly: digital information search practices

Paullini Mariele da Silva Rocha
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Fellipe Sá Brasileiro
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Daniella Alves de Melo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Edvaldo Carvalho Alves
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Ana Margarida Pisco Almeida
Universidade de Aveiro, Portugal

RESILIÊNCIA INFORMACIONAL E MICROCEFALIA: PRÁTICAS DIGITAIS DE BUSCA POR INFORMAÇÃO

Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 26, e78180, 2021

Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação - Universidade Federal de Santa Catarina

Recepção: 10 Novembro 2020

Aprovação: 28 Abril 2021

Financiamento

Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES)

Número do contrato: 001

Descrição completa: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

RESUMO

Objetivo: Em momentos de transição, como mudanças inesperadas ou eventos estressantes, os sujeitos tendem a buscar bases informacionais que diminuam seu estado de incerteza e contribuam com a tomada de decisão informada. Uma das formas de transpor as dificuldades impostas por um novo ambiente informacional complexo é o desenvolvimento da resiliência informacional, construída a partir das práticas de letramento dos sujeitos. Esse trabalho, então, tem como objetivo compreender o processo de busca por informações no ambiente digital e sua relação com a resiliência informacional, no contexto do surto de microcefalia vivenciado no Brasil em 2015.

Método: Pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa. Realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com sete mulheres - com filhos diagnosticados com microcefalia causada por Zika vírus - residentes na região Nordeste do Brasil. Dados analisados com base na análise temática de conteúdo.

Resultado: O acesso à informação no ambiente digital não foi homogêneo, algumas mulheres preferiram priorizar as informações advindas dos profissionais de saúde. Àquelas que permaneceram acessando o ambiente digital, experimentaram tanto experiências positivas quanto negativas relacionadas à informação. A desinformação se apresentou como a principal barreira de acesso à informação no ambiente digital.

Conclusões: As limitações quanto à busca informacional no ambiente digital foram enfrentadas a partir da articulação entre as fontes digitais situacionais e as não digitais. Os espaços de saúde e seus profissionais agiram como curadores das informações encontradas no ambiente digital, oferecendo confiança e credibilidade. Além disso, a colaboração entre as mulheres proporcionou o aprendizado mútuo que favoreceu o processo de resiliência informacional.

PALAVRAS-CHAVE: Resiliência informacional+ Letramento informacional+ Busca de informação+ Desinformação+ Microcefalia.

ABSTRACT

Objective: In moments of transition, such as unexpected changes or stressful events, subjects tend to seek informational bases that reduce their state of uncertainty and contribute to informed decision making. One of the forms of transportation as difficulties imposed by a new complex informational environment is the development of informational resilience, built from the subjects' literacy practices. This paper, then, aims to understand the process of searching for information in the digital environment and its relationship with informational resilience, in the context of the outbreak of microcephaly experienced in Brazil in 2015.

Methods: Descriptive research with a qualitative approach. Conducted through semi-structured interviews with seven women - with children diagnosed with microcephaly caused by Zika virus - living in the Northeast region of Brazil. Data analyzed based on thematic content analysis.

Results: Access to information in the digital environment was not homogeneous, some women preferred to prioritize information from health professionals. Those who remained accessing the digital environment, experienced both positive and negative experiences related to information. Disinformation was presented as the main barrier to access to information in the digital environment.

Conclusions: The limitations regarding informational search in the digital environment were faced from the articulation between situational and non-digital sources. Healthcare spaces and their professionals acted as curators of the information found in the digital environment, offering trust and credibility. In addition, collaboration between women provided mutual learning that favored the process of informational resilience.

KEYWORDS: Informational resilience, Information literacy, Information search, Misinformation, Microcephaly.

1 INTRODUÇÃO

Em 2015, o surto de microcefalia1 em diferentes estados da Região Nordeste do Brasil (Pernambuco, Bahia, Paraíba e Maranhão) causou uma ruptura na vida cotidiana (CLEMENS; CUSHING, 2010) das famílias que foram surpreendidas pelo diagnóstico, principalmente de mulheres que assumiram a responsabilidade de cuidar de suas crianças sozinhas. Para elas, essa ruptura da normalidade, associada às expectativas sociais da maternidade, despertou incertezas quanto ao futuro, tratamento e aceitação de seus filhos.

Somada às incertezas, a desordem informacional nas mídias digitais causou outras inseguranças - relacionadas às informações oficiais - à medida que descentralizou as possíveis fontes de verdade, resultando em problemas de imprecisão, descrédito, notícias falsas, entre outros. Concomitantemente, nos momentos iniciais da endemia, os profissionais de saúde, cientistas e o Ministério da Saúde não dispunham de informações precisas sobre causas e tratamentos. Tal indefinição deslocou, portanto, a busca por informações, por parte das mulheres, para fontes convenientes, a exemplo das mídias sociais, a fim de reduzir as tensões e experiências de incerteza.

Atualmente é pouco provável pensar em busca por informação sem considerar o ambiente digital. Isso porque as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) têm perpassado todas as instâncias da vida humana, mediando relações pessoais e profissionais (CASTELLS, 2006). Nesse cenário, a partir do momento em que estamos expostos ao imenso volume informacional produzido pelas redes digitais, diversos problemas ameaçam o nosso bem-estar, a exemplo das incertezas e da desinformação.

Em momentos de transição, como mudanças inesperadas ou eventos estressantes, os sujeitos tendem a buscar bases informacionais que diminuam esse estado de incerteza (BRASILEIRO, 2020) e contribuam com a tomada de decisões. Alguns autores, como Lloyd (2014), apontam que uma das formas de transpor as dificuldades informacionais impostas por um ambiente informacional complexo é a capacidade de os sujeitos superarem as incertezas por meio da construção coletiva de práticas de letramento informacional situadas. Essa capacidade é denominada por Lloyd (2014) de resiliência informacional.

Considerando a informação enquanto construção baseada nas práticas sociais, o letramento informacional seria, então, a capacidade de o sujeito entender como a informação se configura em um novo ambiente informacional, de reconhecer e construir coletivamente as habilidades e o senso crítico que lhe permite o acesso e o uso efetivo das novas informações disponíveis, de se engajar em novas práticas informacionais (LLOYD, 2015). A resiliência informacional, por sua vez, seria a capacidade de (re)construção do letramento informacional frente às barreiras informacionais emergentes.

Diante do exposto, na intenção de compreender o processo de busca por informações no ambiente digital e sua relação com a resiliência informacional, no contexto do surto de microcefalia vivenciado no Brasil, levantou-se uma questão: como as práticas de busca por informação no ambiente digital influenciaram a resiliência informacional de mulheres com filhos diagnosticados com microcefalia causada por Zika vírus?

Para tanto, delinearam-se três objetivos operacionais: (1) identificação das práticas digitais de busca por informação das mulheres com filhos diagnosticados com microcefalia; (2) verificação dos efeitos dessas práticas no processo de tomada de decisão sobre o contexto da microcefalia; e (3) análise das estratégias informacionais favoráveis ao autogerenciamento das informações sobre os cuidados acerca da saúde dos filhos. Esse esforço operacional contou com o suporte do Centro de Referência Municipal de Inclusão para Pessoas com Deficiência (CRMIPD) da cidade de João Pessoa, que autorizou o contato entre os pesquisadores e as mulheres atendidas, após a aprovação da pesquisa pela Secretaria de Saúde do Município de João Pessoa (SSMJP) e pelo Comitê de Ética em Pesquisas (CEP) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

2 AS PRÁTICAS DIGITAIS DE BUSCA POR INFORMAÇÃO E O FANTASMA DA DESINFORMAÇÃO

Vivenciamos um momento histórico em que a tecnologia e a informação ganham cada vez mais importância nas dinâmicas sociais e produtivas da nossa sociedade. Para Castells (2006, p. 43), “a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas”. Em consonância a esse momento, hoje, é impossível pensar um mundo em que a internet e a conectividade não sejam protagonistas nos processos diários dos sujeitos. Nesse sentido, a tecnologia, em especial a digital, se configura como um suporte para o desenvolvimento social, econômico e político da humanidade, servindo, também, como ferramenta para transformações sociais.

Santaella (2012, p.32) assegura que “a história, a economia, a política, a cultura, a percepção, a memória, a identidade e a experiência estão todas elas hoje mediadas pelas tecnologias digitais”, disponíveis em grandes quantidades e nos mais diversos formatos. Desse modo, é possível dizer que as tecnologias digitais estão emaranhadas com o nosso cotidiano, co-constituindo as nossas práticas de busca por informação. Considerando as práticas de informação como uma série de atividades e habilidades relacionadas à informação, constituídas coletiva e materialmente (LLOYD, 2011), as tecnologias digitais, juntamente com os humanos, agenciam as nossas práticas, para o bem e para o mal. Assim, seria um erro pensar o ambiente sociocultural de modo desvinculado aos ambientes digitais (BRASILEIRO, 2019).

Em momentos de transição, como aqueles que decorrem de mudanças inesperadas (cultural, social, afetiva e outras) ou eventos estressantes (diagnóstico de doença, perda de emprego, gravidez indesejada, etc.) (CLEMENS; CUSHING, 2010), as tecnologias digitais podem tanto tornar as experiências de incertezas mais complexas quanto auxiliar na redução dessas incertezas e na tomada de decisões. Segundo Brasileiro (2019), o estado de incerteza experimentado por sujeitos em contextos significativos e pessoais, como é o caso do objeto desse estudo (mulheres com filhos diagnosticados com microcefalia devido ao Zika vírus), não se refere apenas às incertezas inerentes ao processo de busca por informação, refere-se também às incertezas sobre a realidade sociocultural da experiência frente ao contexto de mudanças, o que requer a constituição de novas habilidades e perspectivas informacionais.

Para a transmutação do estado de incerteza informacional, é esperada do sujeito a capacidade de autogerenciamento da informação para a consequente tomada de decisão informada (BRASILEIRO, 2019). Nesse sentido, o autogerenciamento da informação envolve a capacidade do indivíduo de realizar práticas conscientes sobre a informação, ou seja, ter autonomia informacional, o que engloba, dentre outras coisas, as habilidades de buscar, evitar e prover informação quando e da forma que se quer (BRASHERS; GOLDSMITH; HSIEH, 2002). Já a tomada de decisão informada é o contrário da decisão sem informação, isto é, a decisão que é tomada mediante ignorância ou vulnerabilidade, sem a devida análise crítica das fontes.

Assim, a transição de um ambiente informacional familiar para um ambiente informacional desconhecido requer o desenvolvimento do letramento enquanto prática informacional que possibilita construir um novo cenário informacional envolvendo a orientação, o ajustamento e a ressignificação (LLOYD, 2014, 2015). Considerando as habilidades de busca por informação como integrantes do autogerenciamento de informações e das práticas de letramento informacional, o Modelo Bidimensional de Práticas Informacionais de McKenzie (2003) é útil para o entendimento do processo de letramento e desenvolvimento da resiliência informacional sob a perspectiva das práticas de busca informacional. Tal modelo foi elaborado a partir de uma pesquisa qualitativa que abordou os relatos de buscas informacionais de mulheres canadenses grávidas de gêmeos. O estudo levou em consideração as necessidades de informação, as práticas informacionais e as fontes de informação utilizadas por tais mulheres (MCKENZIE, 2003).

O Modelo Bidimensional de Práticas Informacionais é composto por quatro fases: (1) a busca ativa (active seeking); (2) a varredura ativa (active scanning); (3) o monitoramento não dirigido (non-directed monitoring); e (4) a busca por procuração (by proxy). O modelo também é composto por duas fases de busca: a conexão (connecting), processo em que ocorre a identificação da fonte e é estabelecido o contato; e a interação (interacting), quando o sujeito informacional interage com a fonte que escolheu.

No modelo proposto por McKenzie (2003), a busca ativa é a fase mais direcionada da prática informacional, quando ocorre uma busca específica em fontes de informação previamente determinadas, por meio de perguntas planejadas. Já a varredura ativa envolve práticas como: a navegação semidirigida ou varredura em locais prováveis; a observação sistemática; a identificação de oportunidades para fazer perguntas; e o reconhecimento de informações ou fontes particularmente úteis. O monitoramento não dirigido, por sua vez, se refere a encontrar e reconhecer uma fonte, quando não se está em busca ou quando se está acessando uma fonte sem a intenção de se informar sobre aquele assunto especificamente. Por fim, a busca por procuração é o contato ou a interação com uma fonte de informação por intermédio de outros (McKENZIE, 2003).

Partindo desse entendimento, importa dizer que, ao estudar a busca por informação no ambiente digital, é primordial considerar que as dificuldades para o autogerenciamento de informações se ampliam à medida que o ambiente informacional se torna mais complexo, o que pode ocorrer devido à ampla disseminação de informações contraditórias e descontextualizadas e pelo grande volume informacional acessado. Em termos pragmáticos, conforme Brashers, Goldsmith e Hsieh (2002), os canais digitais disponíveis para a busca e o provimento de informações agem nas incertezas e na desinformação à medida que dificultam o evite das informações, a sua interpretação, a busca, a provisão e a seleção.

2.1 A desinformação no ambiente digital

A desinformação envolve dinâmicas que levam os sujeitos a experimentarem uma série de sentimentos e estados de espírito, tais como confusão, incerteza, medo, preocupação, raiva, alienação etc. Por outro lado, pode trazer desconfiança em relação ao governo e instituições, e, até mesmo, em relação à própria comunidade de interlocução. Pode, também, afetar opiniões e valores atrelados à opinião pública, como assuntos políticos, religiosos, de saúde, científicos e econômicos (RUOKOLAINEN; WIDÉN, 2019).

A literatura predominante sobre desinformação aborda o conceito na perspectiva política ou da manipulação intencional para fins negativos (BRITO, 2015). Contudo, a desinformação que emerge da complexidade dos fluxos de informação nas mídias digitais - envolvendo as inúmeras possibilidades de percepção da informação por parte dos sujeitos inscritos em seus contextos particulares - revela uma realidade complexa que concorre com o espectro político, a qual demanda novas abordagens para sua compreensão e, assim, soluções multidimensionais (COCK BURNING, 2018).

Ao estudar desinformação, Ruokolainen e Widén (2019) propõem dois conceitos: desinformação percebida e desinformação normativa. A desinformação percebida está baseada no conceito de misinformation, proposto por Karlova e Fisher (2013), e pode ser definida como o conjunto de informações percebidas como imprecisas, incompletas, vagas ou ambíguas pelo sujeito receptor; elas não teriam, dessa forma, intenção deliberada de enganar ou manipular. Já a desinformação normativa é baseada no conceito de informação normativa proposto por Haasio (2015), que a define como informação alinhada às normas e atitudes dominantes. Desse modo, a desinformação normativa diz respeito a informações que, em alguns contextos sociais, são aceitas como imprecisas.

Diante desse cenário, um dos principais desafios que se apresenta ao sujeito é a construção de mecanismos que proporcionem um autogerenciamento eficiente da informação, de modo a viabilizar o acesso informacional efetivo e eficaz através das TIC, proporcionando o contato com conteúdos informacionais confiáveis, que amenizem as incertezas (ocasionadas também pela desinformação). Tais mecanismos, nesses contextos desafiadores, podem ser analisados pelo prisma do processo de resiliência informacional.

3 O PROCESSO DE RESILIÊNCIA INFORMACIONAL

O conceito de resiliência informacional foi introduzido no campo da Ciência da Informação por Annemarre Lloyd (2014; 2015) em um esforço de entender/explicar o processo que resulta das práticas informacionais de letramento de sujeitos que enfrentam desafios. Na concepção da autora, os espaços cotidianos de construção informacional seriam capazes de promover o letramento informacional necessário para que os sujeitos pudessem superar contextos informacionais adversos, permitindo, assim, a transição para um novo ambiente de informação.

A resiliência significa “a capacidade que uma pessoa, grupo ou comunidade desenvolve para precaver, minimizar ou superar contingências ambientais consideradas adversas” (BRASILIERO, 2019, p. 104). De acordo com Junqueira e Deslandes (2003), não é algo linear, finito, acabado ou pré-determinado; depende do contexto, isto é, dependendo da situação, podemos ser ou não resilientes. Não seria prudente, então, falar em sujeitos resilientes, e sim na capacidade de os sujeitos, em determinadas situações, contextos ou circunstâncias, desenvolverem a resiliência (JUNQUEIRA; DESLANDES, 2003).

No campo da Ciência da Informação, tendo como base abordagens culturais e coletivas, Lloyd (2014, p. 62) apresenta a resiliência informacional como “capacidade de usar a informação para orientar, ajustar e ressignificar em tempos de incerteza”. Nesse sentido, a resiliência pode ser influenciada pelo acesso à informação e pelas práticas colaborativas de letramento informacional (LLOYD, 2014; 2015). Pode-se dizer que Lloyd desenvolve uma perspectiva coletivista da resiliência no campo da informação, na qual se observa que as “experiências sociais adversas (e suas incertezas) afetam as respostas individuais de busca por informação e, positivamente, são afetadas pelos efeitos das práticas informacionais coletivas, fazendo emergir o ‘novo’” (BRASILEIRO, 2019, p. 109).

O conceito desenvolvido por Lloyd (2014) emerge de um estudo empírico sobre o letramento sanitário e a experiência com informações médicas por parte de pessoas refugiadas. Seu objetivo foi investigar como esses sujeitos começaram a entender o cenário de informações sanitárias do novo país e quais meios utilizaram para se informar e tomar decisões relacionadas à saúde. A autora explora o desenvolvimento coletivo do letramento informacional em contextos de transição e, logo, a construção da resiliência informacional (BRASILEIRO, 2020).

Nesse estudo, Lloyd (2014) aponta os três elementos que caracterizam o processo de construção da resiliência informacional associada às práticas informacionais dos sujeitos, a saber: orientação, ajustamento e ressignificação. Esses três elementos, em conjunto com o Modelo Bidimensional das Práticas Informacionais, proposto por McKenzie (2003), nortearam o entendimento dos resultados apresentados no presente artigo.

A orientação se traduz em uma experiência física, visual e oral com fontes de informação relevantes, que reduz os estresses relacionados às incertezas decorrentes da mudança do ambiente informacional conhecido ou, ainda, em situações de grande volume informacional (LLOYD, 2014). É um processo que torna possível ao sujeito, a partir de mediadores, desenvolver habilidades para manter conexão com o novo ambiente, auxiliando-o na redução das incertezas informacionais (BRASILEIRO, 2019) e no processo de ajuste aos novos cenários informativos. Já o ajustamento consiste no desenvolvimento de novos métodos de conhecimento, habilidades e estratégias que permitem ao sujeito se conectar com o novo ambiente informacional, possibilitando, assim, a superação das barreiras que dificultam esse processo. Por fim, a ressignificação resulta da orientação e ajustamento, e consiste na reformulação do conhecimento pré-existente (experiências e entendimentos socioculturais), a partir da nova realidade informacional (LLOYD, 2014).

Para Lloyd (2014), a orientação, o ajustamento e a ressignificação são complementados ainda por outros três elementos restantes, são eles: a construção do cenário, que permite conhecer o local das coisas, com quem falar e os recursos informacionais disponíveis; as informações sobre saúde em espaços cotidianos, que se refere aos espaços para buscar informações e confirmar sua veracidade (e. g., grupos religiosos e comunitários); e o agrupamento de informações, relacionado à estratégia informacional de enfrentamento coletivo, que envolve a reunião de pessoas que encontram as mesmas barreiras informacionais, gerando apoio na tomada de decisões.

Percebe-se que Lloyd (2014), em seu constructo teórico, evidencia a importância da construção de relacionamentos sociais para a resiliência informacional, pois, são eles que permitem a apropriação dos recursos necessários para a transição de ambientes informacionais. Além disso, cada contexto necessita ser compreendido, situacionalmente, como uma negociação de significados, sendo uma prática sociocultural coletiva, e não apenas um conjunto de crenças imutáveis (HICKS; LLOYD, 2016). Nessa direção, conforme Brasileiro (2020), a coesão social situacional - que suscita a confiança, o entendimento mútuo, a solidariedade e os afetos para as trocas adequadas dos recursos de informação - pode compor o quadro compreensivo da resiliência informacional.

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esse estudo possui abordagem qualitativa (RICHARDSON, 1999), realizada mediante uma pesquisa de campo. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, pois propõe relatar os fatos e situações informadas pelos sujeitos pesquisados. A fonte principal de informação utilizada foi o espaço social onde o fenômeno delimitado encontra-se inscrito. Nesse sentido, o campo empírico foi o Centro de Referência Municipal para Inclusão da Pessoa com Deficiência (CRMIPD) da cidade de João Pessoa. Este centro integra a rede de Proteção Social Especial de Média Complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) do município, sendo o primeiro centro municipalizado do país a oferecer atendimento especializado a pessoas com deficiência. Sua escolha se deu pelo fato de ele realizar atendimentos às crianças com microcefalia, causada por Zika vírus, acompanhadas pelas respectivas mães/responsáveis.

Os sujeitos da pesquisa foram mulheres com filhos diagnosticados com microcefalia causada por Zika vírus, atendidas no CRMIPD. Essa escolha ocorreu pelo motivo das mulheres terem vivenciado um contexto de ruptura de suas bases informacionais no momento da descoberta da síndrome que acometera seus filhos, e, portanto, experienciado um processo de ressignificação de suas bases informacionais. As mães foram selecionadas de forma não probabilística por conveniência, envolvendo a participação de sete mulheres, de forma voluntária, mediante assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, a partir de um roteiro com sete perguntas relativas aos objetivos de pesquisa. Os assuntos abordados foram: o acesso dos sujeitos às fontes de informação em ambiente digital; as dúvidas com relação ao contexto de saúde vivenciado; as barreiras encontradas durante o processo; as estratégias utilizadas para minimizar as dificuldades encontradas; e a ressignificação dos problemas vividos. A coleta de dados foi realizada nos meses de agosto e setembro de 2018 e gravada em áudio para facilitar as transcrições, análises e inferências. Na ocasião, também foi realizado um levantamento socioeconômico das entrevistadas, a partir de um questionário com onze perguntas, cujos resultados estão apresentados na sessão de caracterização das participantes.

A técnica de análise de dados escolhida foi a análise de conteúdo (BARDIN, 1979), por meio da análise temática, por considerá-la apropriada para as investigações qualitativas. A análise temática “consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência signifique alguma coisa para o objetivo analítico visado” (MINAYO, 2010). A análise foi dividida em três fases, a saber: pré-análise (chamada também de leitura flutuante) - realizada durante a transcrição dos áudios das entrevistas e durante a leitura e releitura das referidas transcrições; exploração do material (fase que engloba codificação e categorização) - esse foi o momento em que as classes temáticas, as categorias e subcategorias foram determinadas; tratamento dos resultados (destaque para as informações obtidas durante a pesquisa) - compreendeu a análise dos dados.

4.1 Caracterização das participantes

Na primeira etapa da entrevista, investigou-se o perfil socioeconômico das mulheres. Quanto à faixa etária, as entrevistadas tinham entre 21 e 39 anos. A idade dos filhos com microcefalia era entre 2 anos/8 meses e 2 anos/10 meses, constatando-se que as crianças nasceram em 2015, entre os meses de outubro e dezembro, período em que o Ministério da Saúde divulgou o surto da doença, associando-a ao Zika vírus. Todas as entrevistadas foram acometidas por Zika durante a gestação.

No que diz respeito ao local de domicílio, seis mulheres indicaram residir em bairros considerados periféricos ou comunidades do município de João Pessoa. Já em relação à raça e etnia, cinco se consideraram pardas, uma branca e uma negra. No quesito escolaridade, uma encontrava-se na graduação, duas possuíam o ensino médio completo e três o ensino fundamental incompleto.

No que compete à renda familiar, quatro das entrevistadas possuíam renda mensal de um salário mínimo, referente ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pelo Governo para pessoas enquadradas em enfermidades específicas, sendo a microcefalia uma delas. As demais, além do BPC, contavam com outra fonte de renda (cônjuge, pensão e/ou bolsa família).

5 RESULTADOS DA PESQUISA

Para fins de análise, foram estruturadas três classes temáticas, com o intuito de atender aos objetivos específicos da pesquisa e responder à problemática do estudo, a saber: práticas informacionais; estratégias favoráveis à resiliência informacional; e ressignificação da realidade vivenciada. As classes temáticas, por sua vez, se subdividiram em seis categorias e dez subcategorias, conforme o Quadro 1:

Quadro 1
Classes temáticas e categorias dos discursos emitidos
Classes temáticas e categorias dos discursos emitidos
Fonte: dados da pesquisa, 2018.

5.1.1 Práticas informacionais

Nessa classe temática, surgiram duas categorias de análise: acesso/fontes no ambiente digital, que se subdivide nas subcategorias inexistente, ocasional, frequente e barreiras; e experiências no contexto, que se subdivide em positivas e negativas.

5.1.1.1 Acesso/fontes no ambiente digital

As mulheres entrevistadas apresentaram frequências distintas em relação ao acesso à informação em ambiente digital e, em alguns casos, até mesmo nenhum acesso para a busca por informação sobre microcefalia. Aquelas que acessaram o ambiente digital relataram que, em um primeiro momento, foi na tentativa de entender a nova condição de saúde que se apresentava para elas, no período do diagnóstico de seu filho. Em alguns casos, esse acesso ocorreu durante a gestação. Em outros, no momento do nascimento ou alguns meses depois.

Nesse contexto, quatro, das sete mulheres entrevistadas, faziam uso frequente do ambiente digital, com a finalidade de confirmar o que era dito pelos profissionais de saúde. Isto pode indicar que a intermediação da fonte digital aconteceu para fins de confirmação das informações recebidas (LLOYD, 2014). Nesses casos, as consultas serviram de base para as buscas informacionais na internet. Tal prática situa os profissionais de saúde como intermediadores formais ou contingentes, para os fins de mediação sobre as informações do contexto (LLOYD, 2014), e o ambiente digital como fonte complementar ou secundária.

[...] eu procurava [informação] sempre depois que eu vinha do médico, que o médico falava, aí eu ia procurar para ver se realmente era aquilo e batia a mesma coisa [...]. No início minhas dúvidas eram muitas né, porque eu comecei, ia pro médico, aí era um diagnóstico, ia pra o outro, aí outro diagnóstico (Entrevistada 1).

Outras duas mulheres relataram que só fizeram buscas por informação no ambiente digital após a experiência do diagnóstico ou quando pretendiam entender uma informação específica sobre a enfermidade, ou seja, ocasionalmente. Nesse sentido, constatou-se que o ambiente digital, embora favorável, não foi determinante para a fase de orientação informacional (LLOYD, 2014).

No que diz respeito à inexistência de acesso ao ambiente digital, importa ressaltar dois fatores: o fato de a entrevistada não saber ler, o que indica uma barreira de letramento informacional; e a ansiedade causada por informações acessadas anteriormente nesse ambiente - fotos de crianças acometidas pela doença, indicações de baixas chances de vida, sequelas da microcefalia etc. -, o que indica a emergência de barreiras emocionais.

[...] Foi horrível... o que você coloca...você pode colocar lá [no Google] “microcefalia infantil”, vai aparecer cada coisa que parece um negócio do outro mundo, que você se abala muito se você for ficar lá. Eu na primeira pressão fiz uma pesquisa e assim mesmo não fui mais, não entrei mais no Google, porque não é positivo! Não tem nada de positivo, de dizer assim: não, eles vão, vai dar certo, vão ter uma expectativa de tudo, não diz nada disso, é tudo ao contrário (Entrevistada 3).

Nesse primeiro momento, quando se trata do ambiente digital (mas não apenas nele), a barreira mais evidenciada está relacionada à desinformação. Porém, não é a desinformação em seu sentido clássico, mas aquela que emerge da complexidade dos fluxos de informação nas mídias digitais, conforme os estudos desenvolvidos por Ruokolainen e Widén (2019). Nessa perspectiva, a desinformação diz respeito às informações percebidas como imprecisas, incompletas, vagas ou ambíguas, as quais, não sendo disseminadas com intenção deliberada de enganar/manipular, acabam por confundir e trazer ainda mais incertezas (ROUKOLAINEN; WIDÉN, 2019).

Além da desinformação, o acesso às informações relacionadas aos problemas pessoais do contexto, capazes de abalar o estado emocional das mulheres, como dito anteriormente, revelou uma barreira emocional à informação (BRASILEIRO, 2019), responsável pelo não uso deliberado do ambiente digital como fonte informacional. Destaca-se que essas barreiras estiveram inter-relacionadas e perpassaram todas as práticas associadas ao ambiente digital, afetando o acesso/frequência às fontes de informação digitais.

5.1.1.2 Experiências no contexto

Uma das questões investigadas nessa subcategoria se refere ao fato de a internet ter sido percebida como uma experiência positiva ou negativa. Nesse sentido, para quatro das entrevistadas - apesar dos dados, imagens e informações desagradáveis encontradas sobre microcefalia - o acesso ao meio digital para a busca por informação foi uma experiência positiva, quando associada às consultas com os profissionais de saúde. Nesses casos, o ambiente digital auxiliava a redução das incertezas sobre as informações recebidas no consultório.

[...] Tem os dois lados [...] Tinha o positivo porque eu estava vendo ali o que eu realmente queria ver, quando começou estourar a bomba, explicando tudo do Zika, o que ninguém chegou pra mim pra conversar, né verdade? [...] E tinha o negativo, porque falava muito questão de expectativa de vida, entendeu? É pequena [...] isso que era pior. Mas é positiva, pra mim foi mais positivo que negativo, me ajudou muito de início porque, até porque até muitos médicos não entendem bem microcefalia (Entrevistada 5).

Por outro lado, para três mulheres, a experiência no ambiente digital foi negativa, o que justificou o fato de não acessarem mais as fontes digitais para buscar informações sobre a microcefalia. O motivo mencionado por elas, e já citado anteriormente, está relacionado aos resultados da busca: imagens chocantes de bebês e crianças com a doença, informações negativas sobre a sobrevida dos bebês, sequelas e demais enfermidades que acompanham os pacientes portadores dessa síndrome.

[...] Foi negativa. Bom, porque eu já fiquei pensando em perder meu filho, sem informação se meu filho ia se criar, aí eu já fiquei perturbada. Pra mim, eu achava... pra mim naquele momento que era tudo invenção de computador [...] É tudo mentira, porque o jeito que o meu filho tava e o jeito que eu criava, num era o que tava ali no computador (Entrevistada 7).

Chama a atenção que, com o passar do tempo, essas mulheres perceberam que as informações negativas, acessadas em fontes digitais, não condiziam com a realidade vivenciada por elas no processo de interação com seus filhos. Ou seja, reconheceram que tais informações tratavam de padrões ou estereótipos construídos como verdades, mas que envolviam uma desinformação normativa - relacionada às informações tomadas como verdadeiras, mas incoerentes com a realidade (ROUKOLAINEN; WIDÉN, 2019). Nesse caso, o letramento informacional, construído a partir das conexões com profissionais de saúde, fontes digitais e experiências com os filhos, contribuiu para a superação da desinformação e uso crítico das fontes digitais.

5.1.2 Estratégias favoráveis à resiliência informacional

A classe temática em questão é constituída por duas categorias de análise: contribuição de fontes digitais, que tem como subcategoria - consulta; e contribuição de fontes não digitais, que, por sua vez, tem como subcategoria - agentes informacionais.

5.1.2.1 Contribuição de fontes digitais

Para as entrevistadas que mantiveram acesso frequente ou ocasional ao meio digital, a internet configurou-se como ambiente para consulta relacionada à microcefalia. As mulheres queriam saber sobre o assunto e como poderiam contribuir para o desenvolvimento dos filhos. Entre as dúvidas estavam: (a) o que era e quais eram os tipos de microcefalia; (b) se era ocasionada por algum tipo de fator genético ou não; (c) quais exames deveriam ser feitos; (d) quais remédios tomar; (e) o que fazer diante do choro constante durante dias a fio nos primeiros meses de vida; (f) o que fazer e para onde ir no momento das crises de convulsão/epilepsia; (g) como proceder quando os bebês estavam com excesso de secreção; (h) como realizar broncoaspiração em seu filho.

Nota-se que os meios digitais contribuem, conforme Lloyd (2014), para a construção do cenário informacional (conhecer o local das coisas, com quem falar e os recursos informacionais disponíveis), além de servir como espaços cotidianos para o acesso à informação sobre saúde. Porém, para usar as informações disponíveis em ambiente digital, se faz necessário saber operacionalizar e entender quais benefícios e malefícios elas oferecem, o que é possível mediante o desenvolvimento do letramento informacional (HICKS; LLOYD, 2016). No contexto analisado, considera-se que as limitações quanto ao letramento favorecem à desinformação e as incertezas no ambiente digital.

5.1.2.2 Contribuição de fontes não digitais

Observou-se que, mesmo com o acesso às fontes digitais de informação, as entrevistadas não descartaram as informações acessadas a partir dos médicos ou outros profissionais de saúde. Por essa razão, elas foram questionadas quanto ao acesso a fontes de informação não digitais.

Todas as mulheres mencionaram que suas fontes de informação não digitais foram outras pessoas. Esses agentes Informacionais correspondem aos profissionais de saúde (obstetras, ginecologistas, enfermeiros, neurologistas, fonoaudiólogos e fisioterapeutas) e aos seus próprios familiares.

A gente tem que perguntar a um profissional que trabalha, que sabe, que convive e eu tive a oportunidade de ter umas perto de mim [...] meu filho fazia [fisioterapia] respiratória na FUNAD [Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência], aí lá eu perguntava a ela, explicava a ela e ela dizia também como era: - Não é assim, é assim. Muito simples, fácil. Aí foi assim que eu fui aprendendo, hoje eu sei (Entrevistada 2).

[...] A minha irmã me ajudou. Foi minha irmã que me ajudou pra dar banho nela, porque eu nunca, eu nunca cuidei de menino assim com problema, que nasce com 6 meses, muito cuidado (Entrevistada 6).

Tal resultado corrobora com outros estudos (FERRAZ et al., 2016; FERRAZ; ALMEIDA; MATIAS, 2015, 2020) que apontam que os profissionais de saúde prevalecem sobre outras fontes de informação, inclusive as fontes digitais, quando diz respeito à tomada de decisões em contextos de saúde. Segundo Ferraz et al. (2016), embora a internet seja frequentemente utilizada, o contato presencial, em especial com o médico, ainda é o principal fator de tomada de decisões sobre a maternidade. Na mesma direção, Ferraz, Almeida e Matias (2020) demonstram que, apesar de as comunidades online e redes sociais terem influência, o contato com parentes/amigos e, principalmente, as informações obtidas em consultas médicas são determinantes. De fato, no contexto de incertezas generalizadas sobre a microcefalia, percebeu-se que a participação de profissionais de saúde é posta como fonte primária à medida que envolve a articulação entre a provisão de informações precisas e as práticas de cuidado.

O laço social construído com os profissionais de saúde nos espaços cotidianos, além da família, é essencial para o processo contínuo de letramento informacional dessas mulheres. Esse movimento, que envolve o acesso à informação por meio de outros sujeitos, configura o que McKenzie (2003) denomina de busca por procuração. Tais pessoas são importantes para a construção da confiança e a solidariedade necessária ao aprendizado sobre o contexto (BRASILEIRO, 2019). Seguindo Lloyd (2014), essa dinâmica contribui com a fase de ajustamento, que, segundo a autora, consiste no desenvolvimento de novos métodos de informação e bases informacionais por meio de outras pessoas.

5.1.3 Ressignificação da realidade vivenciada

Na terceira classe temática, duas categorias se destacaram durante os estudos: interação com pares, que se ramificou na subcategoria - colaboração; e evolução durante o processo, com a subcategoria - aprendizado.

5.1.3.1 Interação com pares

Quando questionadas em relação à existência de grupos de apoio, as entrevistadas relataram a formação de grupos presenciais (reuniões em espaços físicos) e virtuais (por meio de aplicativo de mensagens instantâneas - WhatsApp) para mulheres que enfrentam a mesma situação adversa (neste caso, mães de crianças com microcefalia), gerando um contexto de colaboração.

A partir desses grupos, as mulheres têm acesso às informações por meio da interação, de tal modo que dividem angústias, insatisfações, medos e progressos, diariamente. Essa prática informacional colaborativa gera a coesão social situacional (BRASILEIRO, 2019), que suscita confiança e entendimento mútuo, além da solidariedade necessária ao enfrentamento das barreiras informacionais que envolvem a experiência.

[...] tem o nosso grupo, que é a associação, pra nós procurar ajuda, pra nós conversar mais sobre esse assunto, pessoalmente. Quem se reúne mesmo é as mães, as mães tudinho, lá no Instituto dos Cegos. [...]. Tem o grupo [WhatsApp], existe, que é mães com microcefalia, aí nós conversa pelo grupo também (Entrevistada 4).

Além da colaboração deliberada, retomando o modelo de McKenzie (2003), a interação proporciona o modo de busca informacional por varredura ativa - situação em que o sujeito se encontra em locais (presenciais ou não) cuja possibilidade de encontrar informação é iminente, por meio da observação e da escuta ativa. Mesmo as mulheres que não interagem ativamente nos grupos podem se beneficiar do espaço à medida que ficam atentas à toda informação que é compartilhada pelas demais participantes. Tal espaço, assim, permite o recebimento de informações específicas da realidade vivenciada.

5.1.3.2 Evolução durante o processo

Por fim, quando questionadas sobre como se sentiam atualmente e quais mudanças foram identificadas com o passar do tempo (do diagnóstico à data da pesquisa), as respostas das entrevistadas trouxeram, com frequência, o termo aprendizado. Nesse sentido, as vivências relativas ao contexto da microcefalia, envolvendo os profissionais de saúde e a colaboração (digital ou não), foram percebidas como mecanismos de aprendizagem sobre o novo contexto.

[...] hoje pelo que eu entendo do meu filho, muitas coisas [...] qualquer negocinho, se meu filho tiver com secreção, é... nariz entupido, eu sei lavar, sei fazer ele tossir, sei fazer alguns passos de fisioterapia em casa [...]. Muita coisa que eu não imaginava aprender (Entrevistada 2).

[...] a gente já aprendeu que tudo é no tempo dele e não precisa forçar, não tem que tá se martirizado né? Não sei se um dia vai andar nem vai falar, o importante é que tá bem (Entrevistada 3).

As mulheres demonstraram sinais de ressignificação do contexto vivido, a partir do suporte informacional construído coletivamente nas interações com fontes significativas. A ressignificação, de acordo com Lloyd (2014), resulta da orientação e do ajustamento, e consiste na reformulação/redefinição do conhecimento pré-existente (experiências pessoais e entendimento sociocultural já estabelecido). Nessa direção, é possível dizer que houve um processo de resiliência informacional, à medida que as mulheres alegaram se sentirem mais seguras e apoiadas quanto ao processo de tomadas de decisão.

A maneira como as mulheres buscam por informação também foi aperfeiçoada. Elas percebem que as informações contidas no ambiente digital podem trazer contribuições e aprendizado. Apresentam a consciência de que o ambiente digital contém desordens informacionais, que podem provocar incertezas e desinformação, que, por sua vez, pode provocar sentimentos de medo e dúvidas. Diante disso, o laço social construído com os profissionais de saúde e os pares, alicerçado em informações relevantes e acolhedoras, catalisa os sentimentos de segurança e tranquilidade para a tomada de decisões.

[...] Eu me sinto tranquila. No começo, pra ser sincera, foi muito difícil [...] não sabia de quase nada, tinha que tá correndo atrás de tudo, pra isso, pra aquilo, porque não sabia de nada. E hoje não, hoje tá até mais tranquilo, a informação que eu quero eu vou no médico, o médico me explica, fiz a fisioterapia de TO [Terapia Ocupacional], tudo que é dúvida [...] ela vai explica como é, como não é (Entrevistada 4).

Atesta-se, assim, a importância da formação das redes sociais - situacionais e emergentes - como elemento fundamental à resiliência informacional, pois são elas que permitem a apropriação dos recursos necessários para a transição de ambientes informacionais e experiências adversas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários são os motivos que nos instigam a buscar por informação: educação, entretenimento, dúvidas, curiosidades, apropriação de bases informacionais para transpor momentos difíceis, dentre outros. Atualmente, essa busca quase sempre está relacionada ao ambiente digital, já que as TIC se fazem presentes em todas as instâncias da vida.

O ambiente digital, embora facilite o acesso à informação e seu compartilhamento, impõe aos seus usuários dificuldades para lidar com as informações que são disponibilizadas, seja por carências instrumentais ou operacionais. Com efeito, as limitações quanto ao autogerenciamento das informações e tomada de decisões compõem essas dificuldades. Nesse contexto, o desenvolvimento do letramento informacional se configura como um passo importante em direção a uma relação mais profícua com a informação. As práticas informacionais envolvidas com o letramento permitem aos sujeitos o desenvolvimento da resiliência informacional necessária frente às rupturas de suas bases informacionais. Nesse panorama, o objetivo deste estudo foi compreender como as práticas de busca por informação no ambiente digital influenciaram a resiliência informacional de mulheres com filhos diagnosticados com microcefalia causada por Zika vírus.

Ao longo da pesquisa, identificou-se que embora o ambiente digital tenha desempenhado o papel de apresentar, inicialmente, o que seria a microcefalia e seus desdobramentos, também causou angústias, dúvidas, receios, medos, incertezas e tristezas, por revelar informações que as mulheres não estavam preparadas para acessar ou por compartilhar informações imprecisas, incompletas, vagas ou ambíguas - que podemos caracterizar como desinformação (ROUKOLAINEN; WIDÉN, 2019).

Foram percebidas várias barreiras quanto à busca por informação no ambiente digital, algumas delas relacionadas aos aspectos negativos das informações acessadas - fotos de crianças acometidas pela doença, indicações de baixas chances de vida, sequelas - e outras relacionadas às questões operacionais - como não saber ler. Tais limitações foram enfrentadas a partir da articulação entre fontes digitais situacionais e não digitais. Nesse sentido, os espaços de saúde e seus profissionais agiram como curadores das informações encontradas no ambiente digital, oferecendo confiança e credibilidade. Além disso, a colaboração entre as mulheres, mediante grupos presenciais e virtuais, também proporcionou o aprendizado mútuo que favoreceu o processo de resiliência informacional.

Percebe-se que, além do acesso ao ambiente digital, a experiência diária com os seus filhos, o contato com familiares, outras mães e os profissionais de saúde foram determinantes para que as mulheres conseguissem reconstruir suas bases informacionais e ressignificar o momento experienciado. É importante dizer que o processo coletivo observado junto às mulheres não modificou o diagnóstico de seus filhos, todavia, ofereceu segurança, tranquilidade e esperança de futuro, apesar da condição de saúde adversa.

Esse estudo se mostrou relevante por trazer um panorama sobre como funciona o processo de letramento informacional que ocorre cotidianamente e como ele se faz importante para a construção da resiliência informacional quando os sujeitos enfrentam situações adversas. Além disso, foi importante também para destacar que, ao estudarmos a busca por informação, é primordial levar em consideração o ambiente digital, uma vez que nossas relações estão sendo agenciadas pelas TIC. Entende-se que outras pesquisas podem ser realizadas a fim de evidenciar a realidade experienciada por mulheres de outros estados, com outras condições sociais, ou, até mesmo, indicar de modo específico o agenciamento dessas tecnologias digitais nos mecanismos de resiliência informacional.

AGRADECIMENTOS

Não se aplica.

REFERÊNCIAS

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Notas

1 Neuropediatras de hospitais públicos do Recife (PE) observaram um aumento expressivo de casos de microcefalia no Estado. Depois de algumas investigações, a hipótese formulada para o fenômeno foi que ele estava associado à infecção causada pelo Zika vírus nas mães ainda em período de gestação. Tal hipótese foi estabelecida e, posteriormente, comprovada com base na correlação espaço-temporal e nas características clínico-epidemiológicas das duas enfermidades (ALBUQUERQUE et al., 2018).
2 Os papéis descrevem a contribuição específica de cada colaborador para a produção acadêmica inserir os dados dos autores conforme exemplo, excluindo o que não for aplicável. Iniciais dos primeiros nomes acrescidas com o último Sobrenome, conforme exemplo.
8 Caso necessário veja outros papéis em: https://casrai.org/credit/
CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA 1) O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente.
FINANCIAMENTO O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA A pesquisa teve a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal da Paraíba, parecer nº 2.174.727, de 17 de julho de 2017. Também possui Termo de Anuência concedido pela Secretaria Municipal de Saúde da Cidade de João Pessoa, processo nº 11.597, de 30 de junho de 2017.
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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Autor notes

Concepção e elaboração do manuscrito: P. M. S. Rocha, D. A. Melo.
Coleta de dados: P. M. S. Rocha.
Análise de dados: P. M. S. Rocha, D. A. Melo
Discussão dos resultados: P. M. S. Rocha, D. A. Melo, F. S. Brasileiro, E. C. Alves, A. M. P. Almeida.
Revisão e aprovação: F. S. Brasileiro, E. C. Alves, A. M. P. Almeida.
Enrique Muriel-Torrado, Edgar Bisset Alvarez, Camila Barros.

Declaração de interesses

Não se aplica.
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