Artigo Original
OS SERVIÇOS EDUCATIVOS DA BIBLIOTECA PÚBLICA BENEDITO LEITE E A MEMÓRIA DE SÃO LUÍS (MA): ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS
The educational services of the Benedito Leite Public Library and the memory of São Luís (MA): analysis of users perception
OS SERVIÇOS EDUCATIVOS DA BIBLIOTECA PÚBLICA BENEDITO LEITE E A MEMÓRIA DE SÃO LUÍS (MA): ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 26, e76783, 2021
Universidade Federal de Santa Catarina
Recepção: 30 Novembro 2020
Aprovação: 27 Julho 2021
Publicado: 15 Outubro 2021
RESUMO
Objetivo: Descrever e analisar a percepção dos diferentes participantes dos serviços educativos da Biblioteca Pública Benedito Leite voltados para a preservação da memória.
Método: Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório e descritivo, de abordagem quantitativa e qualitativa, que fez uso de observação sistemática com diário de bordo e questionários mistos aplicados junto a 62 (sessenta e dois) usuários que participaram dos serviços educativos desenvolvidos pela Biblioteca Pública Benedito Leite entre os meses de agosto e setembro de 2019.
Resultado: Os usuários e visitantes explicitam uma série de fatos cuja Benedito Leite os fazem rememorar. Evidenciam em suas falas a relação que a Benedito Leite estabelece com sua história, aos marcos sociais, bem como as circunstâncias desses acontecimentos. Pontua-se que por mais distintos que sejam os perfis dos usuários e visitantes da Benedito Leite, suas falas convergem quanto a importância da instituição para a preservação da história, da memória, do patrimônio material e imaterial. Reforça-se que os visitantes e usuários da Benedito Leite reforçam a contribuição da instituição ao destacarem em suas falas aspectos como cultura, conhecimento, história, patrimônio, memória, preservação e conservação. Afirma-se que a Benedito Leite, por meio de seus serviços educativos, sensibiliza seus visitantes e usuários quanto a necessidade de estes se apropriarem dos patrimônios que são seus por direito.
Conclusões: A Benedito Leite, ao mediar e difundir o patrimônio cultural por meio de seus produtos e serviços educativos, possibilita a reconstrução da memória dos participantes dos serviços educativos e a criação de laços, explicitados pelos contornos simbólicos e afetivos entre seus visitantes, usuários e profissionais.
PALAVRAS-CHAVE: Memória+ Serviços Educativos+ Biblioteca Pública Benedito Leite+ Patrimônio cultural de São Luís.
ABSTRACT
Objective: Describe and analyze the perception of the different participants in the educational services of the Public Library Benedito Leite focused on the preservation of memory.
Methods: This is an exploratory and descriptive research, with a quantitative and qualitative approach, which used systematic observation with a logbook and mixed questionnaires applied to 62 (sixty-two) users who participated in the educational services developed by the Public Library Benedito Leite between the months of August and September 2019.
Results: Users and visitors explain a series of facts that Benedito Leite remembers. In their speeches, they show the relationship that Benedito Leite establishes with his history, social milestones, as well as the circumstances of these events. It is pointed out that however different the profiles of Benedito Leite's users and visitors may be, their speeches converge on the importance of the institution for the preservation of history, memory, material and immaterial heritage. It is reinforced that Benedito Leite's visitors and users reinforce the institution's contribution by highlighting aspects such as culture, knowledge, history, heritage, memory, preservation and conservation in their speeches. It is said that Benedito Leite, through its educational services, sensitizes its visitors and users about the need for them to appropriate the assets that are rightfully theirs
Conclusions: Benedito Leite, by mediating and disseminating cultural heritage through its educational products and services, enables the reconstruction of the memory of participants in educational services and the creation of bonds, explained by the symbolic and affective contours between its visitors, users and professionals.
KEYWORDS: Memory, Educational Services, Benedito Leite Public Library, Cultural heritage of São Luís.
INTRODUÇÃO
A criação da Biblioteca Pública Benedito Leite no Estado do Maranhão acompanha os movimentos pelos quais o Estado vinha passando. A expansão das tipografias, a criação de novos jornais e os investimentos em educação foram elementos que contribuíram para uma verdadeira transformação cultural (BRAGA, 2013). A fundação da Biblioteca Pública do Maranhão teve como primeiro marco a criação da Biblioteca Provincial. Segundo Galves (2019), a Biblioteca Pública Provincial foi inaugurada com aproximadamente dois mil volumes, possivelmente fruto de doações e aquisições, também, fruto de arrecadações em dinheiro. Ressalta-se que em grande parte, as doações foram feitas por cidadãos radicados na capital ludovicense, fruto do “patriotismo provincial” (GALVES, 2019).
Após grandes lutas, a Lei Nº 816 de 1918 garantiu a construção de sua sede, concretizada em 1951. Em 1958, passou a ser chamada de Biblioteca Pública Benedito Leite - por meio Decreto nº 1316 de 08 de abril de 1958 - nome que tem até os dias atuais, em homenagem ao político homônimo, responsável por sua reabertura. A Biblioteca mantém-se instalada no centro da capital maranhense, na Praça do Pantheon, considerada a parte mais elevada geograficamente da capital ludovicense. Segundo antigo Campo do Ourique, largo do Quartel e Praça da Independência, espaço que chegou a abrigar o Quartel do 5º Batalhão de Infantaria erguido em 1797 e, provavelmente, o primeiro do Brasil (GALVES, 2019).
A BPBL é um importante espaço cultural público no Estado do Maranhão, cujas ações são voltadas para proporcionar aos cidadãos maranhenses o acesso a diferentes recursos informacionais e manifestações culturais promovidos em seus espaços. Nesse sentido, analisar a percepção dos usuários acerca dos serviços educativos da Biblioteca Pública Benedito Leite (BPBL), bem como suas contribuições para a preservação da memória de São Luís e do Maranhão se mostra desafiador, considerando a diversidade de ações que a instituição desenvolve em seus diferentes espaços. Tal característica da BPBL reforça a expansão dos conceitos dados às bibliotecas públicas, que se tornam espaços irrestritos, que não se limitam à recuperação e ao uso da informação bibliográfica.
A BPBL integra o conjunto de “Casas de Cultura”1 da Secretaria de Estado da Cultura do Estado Maranhão (SECMA). Se trata de uma estrutura para fomentar, divulgar e incentivar a produção cultural e artística estadual, por sua vez coordenado pela SECMA. Portanto, são espaços destinados ao reconhecimento e valorização da produção artística, cultural e histórica abrigados nos museus, teatros, centros de arte e produção artesanal.
Nessa assertiva, este estudo tem por objetivo descrever a percepção dos diferentes participantes dos serviços educativos da Biblioteca Pública Benedito Leite voltados para a preservação da memória. Além disso, dedica-se a identificar de que forma os serviços educativos desenvolvidos pela Biblioteca Pública Benedito Leite têm contribuído para a preservação da memória ludovicense junto aos seus visitantes e usuários por demanda espontânea. Diante disso, analisou-se a percepção dos usuários e visitantes provenientes tanto do Circuito de Visita Cultural, quanto por demanda espontânea na BPBL.
1 SERVIÇOS EDUCATIVOS E O SERVIÇO DE REFERÊNCIA E INFORMAÇÃO
Sabe-se que o termo “referência” apresenta diferentes associações no campo da Biblioteconomia (PINTO, 2016). Podendo estar relacionado a um setor físico (Setor de Referência), a uma função (Bibliotecário de Referência), um processo (Processo de Referência) ou um serviço (Serviço de Referência e Informação - SRI). Até firmar-se como um setor específico de bibliotecas, a referência teve seu sentido restrito às ações de ajuda e apoio aos usuários, a partir do processo de comunicação com o acervo, mediado pelo bibliotecário.
Desse modo, o Serviço de Referência e Informação (SRI) nasceu justamente da necessidade de o usuário fazer uso dos recursos informacionais disponíveis, culminando no pleno processo de recuperação e uso da informação. Podendo assumir diferentes perspectivas em uma unidade de informação, o SR é de difícil conceituação, vistos seus objetivos, características de funcionamento, organização e nível de desenvolvimento, além do tipo de biblioteca onde tal está inserido (MOTA, 2016).
O SRI se explicita por meio da mediação do bibliotecário ou profissional distinto junto aos usuários das unidades de informação. Portanto, o processo de referência é o que conduz a solução da necessidade informacional dos visitantes nas bibliotecas (ROSTIROLLA, 2006). Almeida Júnior (2013), pontua que o SR se trata de um espaço em que o usuário se conecta à informação, ou seja, preocupa-se com a satisfação das necessidades e demandas da população, indo além de um balcão.
Entende-se, portanto, o SRI como uma divisão complexa da biblioteca, Macedo (1990) apresenta cinco linhas básicas de atuação do SR, tendo em vista que cada unidade de informação apresenta características e demandas específicas. A Biblioteca Pública Benedito Leite, por exemplo, tem um conjunto de setores e espaços que irão exigir ações personalizadas, estratégias que promovam não apenas a identificação, mas a apropriação do acervo. Macedo (1990), ao pontuar as linhas de atuação do SRI, destaca a flexibilidade das ações que podem ser desenvolvidas nas unidades de informação, por sua vez alinhadas às características, condições e recursos disponíveis. Logo, o SRI depende tanto dos profissionais envolvidos, em especial o bibliotecário, quanto daqueles que serão beneficiados e usufruirão das atividades prestadas.
Nesse sentido, diferencia-se o SRI e os Serviços Educativos (SE), intentando expandir as responsabilidades e demandas das bibliotecas. Lage e Bandeira (2017) explicam que as unidades de informação, refletem, de forma simultânea as modificações e o dinamismo, notáveis, características da sociedade em expansão. No entanto, é fundamental ressaltar as dimensões do SRI, bem como as formas como este se explicita nas unidades de informação, serviço e setor. Na condição de serviço, o SRI está incumbido de sanar as necessidades informacionais específicas do usuário/consulente, no que diz respeito ao processo de busca, recuperação e uso de algum material no acervo da biblioteca, mediante o processo de comunicação face a face com o bibliotecário (GROGAN, 2007; MACEDO, 1990).
Entende-se que os SEs se trata de serviços inerentes e presentes no setor de referência, uma vez que este tem dentre seus encargos, instruir o leitor no uso da biblioteca, ajudá-lo na realização de consultas, além de promover a biblioteca dentro da comunidade (TYCKOSON, 2003), ou seja, ações articuladas ao que se propõem os serviços educativos. Logo, tais domínios não se separam nas bibliotecas, justamente por estarem imbricados na relação que tais instituições estabelecem com a comunidade e seus usuários.
Demarcar os serviços educativos não é uma tarefa fácil, tendo em vista a complexidade das bibliotecas e de outros aparelhamentos culturais, cujas múltiplas atividades também têm potencial educativo. Para facilitar a compreensão do objeto deste estudo, na ampla gama de serviços educativos presentes em unidades de informação, pode-se destacar: serviços voltados para orientação de usuários em suas mais distintas naturezas (uso e reuso de recursos, registro na biblioteca, serviços instrucionais etc.), procedimentos para usos específicos do acervo, manuseio de obras raras, mediação de leitura e literatura e suas múltiplas estratégias, visitas guiadas, serviços bibliotecários (consulta, reserva, empréstimo, renovação), projetos voltados para o acervo (leitura, literatura, patrimônio cultural), ações culturais diversas, dentre outras atividades, que variam conforme a unidade de informação e instituição cultural (SOUSA, 2015).
Entende-se que os serviços educativos se consolidam como um conjunto de estratégias que estão amparados em dinâmicas culturais e sociais que permitem a descoberta, a criatividades e a construção de conhecimentos. Assim, conferem às bibliotecas a capacidade de fomentar a igualdade de direitos no acesso à informação, o estímulo do senso crítico, o compartilhamento de saberes, bem como a criação de vínculos com seus visitantes cativos ou potenciais. Os SEs devem refletir a transformação da informação e como ela interfere na aprendizagem e no conhecimento, tal como os processos que os entes produzem.
2 MEMÓRIA E BIBLIOTECAS PÚBLICAS: traços de uma relação
As bibliotecas trazem consigo forte apelo memorial, não apenas pela relação histórica estabelecida desde a Antiguidade, mas sobretudo, por suas práticas estarem ancoradas na salvaguarda de materiais onde a história está registrada, ou seja, elementos que permitem a reconstituição da memória. Desse modo, pode-se afirmar que “[...] o trabalho da memória é essencialmente de elaboração, sendo mais preciso: de reelaboração da experiência de vida humana a partir do reconhecimento e da reatualização de uma lembrança.” (SILVEIRA, 2010, p. 73). Halbwachs (2006) afirma que as memórias não podem ser exclusivas de um indivíduo, uma vez que nenhuma de suas lembranças coexiste isolada de um grupo/grupos social/sociais, visto que, “Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece porque jamais estamos sós.” (HALBWACHS, 2006, p. 30, grifo nosso).
Halbwachs (2006) explicita não apenas a interdependência entre memória individual e coletiva, mas como uma está penetrada na outra. À medida que a memória individual assimila e incorpora os contributos externos da memória coletiva, no preenchimento de lacunas, ausências, tornando as lembranças particulares mais exatas, pois, “[...] para evocar seu próprio passado [...] a pessoa precisa recorrer às lembranças de outras, e se transporta a pontos de referência que existem fora de si, determinados pela sociedade.” (HALBWACHS, 2006, p. 72). Aspecto corroborado no pensamento de Silveira (2012b) ao dizer que a memória nada mais é que algo que atravessa e explicita pontos convergentes entre diferentes referências histórico-sociais e uma perspectiva individualizada, tal como defende Halbwachs (2006). Portanto, mediante o diálogo com Halbwachs (2006), Silveira (2012b, p. 7) afirma que “[...] nenhum indivíduo lembra “sozinho”, ele sempre o faz a partir das lembranças pertencentes ao grupo. Lembranças que, por sua vez, se modulam através dos códigos, normas, regras e valores que atravessam, informam e sustentam a vida coletiva.”
O ato de não lembrar sozinho coloca em evidência as práticas das bibliotecas, por exemplo, ao atuarem como espaços onde a memória coletiva registrada encontra abrigo. Tais memórias estão materializadas em livros, periódicos, iconografias que retratam um passado não tão distante, e dá condições para projetar-se um desenvolvimento futuro. As práticas comunicacionais e os ideais preservacionistas marcados nos fazeres das unidades de informação, são fundantes da busca por estabilidade social e cultural, incidindo no principal insumo de composição das memórias.
Nesse sentido, dialoga-se com Gondar (2016) acerca dos múltiplos entendimentos de memória, a partir de suas cinco proposições acerca da memória social. Refletir acerca da memória enquanto a reunião de “quadros sociais” definidos e delimitados - tal como os acervos das bibliotecas - se constitui como um posicionamento político, ou como bem esclarece a autora “[...] é tecida por nossos afetos e por nossas expectativas [...]” (GONDAR, 2016, p. 24), portanto podendo ser concebida como fruto das relações de poder.
Embora espere-se que as bibliotecas atuem na preservação, conservação e restauração de fundos documentais úteis à comunidade, é intrínseco delas o estabelecimento de vínculos afetivos com seus usuários, gatilhos da memória individual e coletiva. A Biblioteca Pública Benedito Leite permeia memórias à medida que é ponto de encontro de amigos, de manifestações sociais, está associada a lembranças vividas por um ou mais indivíduos. Embora tenha passado por diferentes reformas, o território onde está instalada tenha sofrido alterações em seus espaços, ainda assim serve de ponto de encontro com o passado.
Assim sendo, pontua-se que os lugares de memória não devem se resumir a espaços que recolhem poeira, mas sim território de ressureição e multiplicação de discursos, que trazem consigo as marcas de um tempo passado, lugar, valores, conceitos, “jogos de poder”, rituais e ressignificações da sociedade (CASTRO, 2006). Nesse sentido, dialoga-se com Jacob (2008), ao se afirmar que as bibliotecas, em especial a Biblioteca Benedito Leite, são lugares que possibilitam o diálogo com o passado, bem como a criação, inovação e conservação dos conhecimentos, que por sua vez devem estar a serviço da coletividade. Desse modo, destaca-se a importância da própria Educação Patrimonial como um dos elementos que possibilitam essa interlocução, consubstanciado pelos serviços educativos desenvolvidos pela biblioteca ora em tela.
Trata-se de espaços dialéticos, onde os sujeitos são conduzidos às reflexões e rompimento de barreiras temporais (JACOB, 2008), e onde possam perceber as mudanças ocorridas não apenas nos suportes que registram o conhecimento, mas onde a memória individual está assentada e composta a partir das percepções coletivas e pela memória histórica, ou seja a memória social (HALBWACHS, 2006). Nessa assertiva, reforça-se que as bibliotecas públicas são difusoras de um “passado” em processo permanente de reconstrução e vivificação, por conseguinte ressignificação (HALBWACHS, 2006).
Devendo ser encaradas como instituições incompletas, em constante devir, em movimento como diz Achilles e Gondar (2017), corroborada por Ranganathan (2009) na pertinência de sua quinta lei “a biblioteca é um organismo em crescimento”, deixa-se clara as interações que levam não apenas à cumulação, mas às reconstruções internas e externas dos indivíduos na luta contra o esquecimento, fazendo destas instituições espaços de socialização e cultura (SILVEIRA, 2012b; JACOB, 2008). Nessa assertiva, ressalta-se que as bibliotecas públicas
[...] encontram-se permeadas pelas mais diversas experiências humanas. Experiências que, em última instância, oferecem pontos de referências para as ações que dizem nosso lugar no mundo. Ou seja, através da estrutura caleidoscópica de seus acervos, cada uma dessas instituições oferece ao lugar onde se insere uma espécie de espelho que reflete os interesses e as fraquezas de seus interlocutores, bem como a maravilhosa pluralidade identitária que constitui os estratos vitais das mais diversas tradições coletivas. (SILVEIRA, 2010, p. 83-84, grifo nosso).
A partir dos apontamentos de Silveira (2010) e diante do desafio e do papel que a biblioteca pública tem na construção não apenas identitária, mas cultural, a partir de ações dialógicas e coletivas (GOMES, 2014). Em vista disso, confere-se à Biblioteca Pública Benedito Leite a incumbência de preservar e promover a constante revisitação do passado maranhense, e, por conseguinte, desvelar os processos reconstrutores da memória da população, levando os indivíduos que participam dos serviços educativos e demais ações a reconhecerem sua identidade e sua história, que os conduzem para um futuro pautado nas experiências vividas e registradas
3 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
Metodologicamente, consiste em uma pesquisa de caráter exploratório e descritivo, de abordagem quantitativa e qualitativa, que se dedica a analisar os serviços educativos desenvolvidos pela Biblioteca Pública Benedito Leite, bem como suas contribuições para a preservação da memória, do patrimônio cultural e informacional do Estado do Maranhão. Por conseguinte, parte-se da pesquisa bibliográfica e documental, para discutir o entrelaçamento de biblioteca pública, patrimônio e memória.
Regida pelas recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) de Nº 98726018.6.0000.5087 e Parecer de Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) Nº 2.934.847, a coleta de dados foi realizada na Biblioteca Pública Benedito Leite entre os meses de agosto e setembro de 2019.
Foram investigados os usuários da Biblioteca Pública Benedito Leite que participaram dos serviços educativos. O corpus da pesquisa foi composto por 30% dos participantes dos serviços educativos da BPBL. Para tanto, foi utilizada como técnica de amostragem as amostras intencionais ou de seleção racional (PRODANOV; FREITAS, 2013). Assim, o cálculo da amostra mínima levou em consideração a quantidade de participantes dos serviços educativos maiores de 18 (dezoito) anos registrados nos relatórios de agendamento dos meses de abril a julho de 20192. No referido intervalo, a Benedito Leite participaram dos serviços educativos cerca de 1.464 (mil quatrocentos e sessenta e quatro) pessoas, desse total, 201 (duzentos e um) foram maiores de idade. Desse modo, foram aplicados questionários com 62 (sessenta e dois) usuários que participaram dos serviços educativos agendados e desenvolvidos pela Biblioteca Pública Benedito Leite entre os meses de agosto e setembro de 2019.
A pesquisa utilizou questionários mistos, compostos por questões abertas e fechadas, no sentido de compreender a percepção dos usuários acerca dos serviços educativos desenvolvidos pela instituição investigada. Os questionários foram aplicados junto aos usuários participantes dos serviços educativos da BPBL, isto mediante a apresentação e assinatura do TCLE. Além disso, fez-se uso da técnica de observação sistemática, bem como diário de bordo (TRIGUEIRO et al., 2014). A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto e setembro, em dias cujos serviços educativos foram realizados na BPBL, uma vez que a instituição realiza agendamento prévio com os usuários por meio da Plataforma Circuito de Visita Cultural. Em face de tais instrumentos, o cruzamento dos dados teve suporte do software Nvivo voltado a análises qualitativas, bem com o Excel para tratamento dos dados quantitativos. À discussão dos dados adotou a análise de conteúdo de Bardin (2016), visto que fora realizada a categorização dos resultados, cujo conteúdo fora analisado, mediante diálogo com o referencial teórico que norteia o estudo, assim como os objetivos traçados para a investigação.
4 OS SERVIÇOS EDUCATIVOS DA BPBL E A PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA LUDOVICENSE: análise da percepção dos usuários e visitantes
Conforme esclarece Halbwachs (2006), apresenta-se uma realidade social composta por inúmeros grupos sociais, cujas memórias coletivas podem ser capazes de se entrelaçar de modo complexo. Com isso, tem-se distintas redes sociais que se opõem e se excluem mutuamente, bem como segmentam-se e entrelaçam-se no tempo. A partir desse convívio no mesmo espaço social, tenta-se minerar as memórias, entender as significações e os sentidos da BPBL para os visitantes e usuários, mediante o questionamento acerca de suas primeiras lembranças ou recordações associadas à Benedito Leite.
Para tanto, analisa-se, inicialmente as respostas dos visitantes e usuários, a partir dos preceitos de Bardin (2016) no que diz respeito à frequência de palavras, apropriandose de duas questões subjetivas, a saber: qual a primeira coisa que você lembra/recorda em relação à Biblioteca Pública Benedito Leite? Quais fatos históricos ou momentos marcantes você relembra ao passar ou estar na Biblioteca Pública Benedito Leite? Tal síntese, ajuda a visualizar em quais categorias estão fundamentadas as percepções dos participantes em relação a memória junto a BPBL. Os resultados da mineração podem ser observados na Tabela 1:

Conforme pode ser observado na Tabela 1, os termos com maior recorrência, validam a arquitetura e categorização desta pesquisa, ou seja, as palavras mais representativas. Os termos “Biblioteca” e “Livros” reforçam, tanto a dimensão Patrimônio cultural, quanto a dimensão Biblioteca Pública; os termos “Memória”, “Lembrança” e “História” coadunam com a dimensão Memória; os termos “Maranhense” valida a dimensão “Identidade”; e, os termos “Arquitetura”, “Patrimônio”, “Escadaria” e “Deodoro” fazem ressonância a dimensão Patrimônio cultural, ao ressaltarem as unidades de registro de tal dimensão.
A partir disso, pode-se destacar que os visitantes e usuários que participaram da pesquisa, explicitam em suas falas questões que perpassam tanto a história das bibliotecas, como por exemplo seus papéis enquanto espaço de fomento a leitura e literatura, seu acervo histórico e raro, seus periódicos. Com isso, ressalta-se que independente de sua tipologia as “[...] bibliotecas passaram [...] a ser identificadas como [...] instituições nas quais se promove a salvaguarda do patrimônio bibliográfico, estabelecimentos onde é possível ter acesso ao conhecimento produzido e acumulado pelos seres humanos [...]” (RODRIGUES, 2014, p. 69). Não somente aspectos relacionados às bibliotecas, mas os visitantes expressaram elementos que reforçam a relação da Benedito Leite com a memória, visto as seguintes respostas podem ser observadas no Quadro 1:

Os usuários e visitantes explicitam uma série de fatos cuja Benedito Leite os fazem rememorar. São lembranças acerca de obras lidas, recordações da infância, da escola, aprovações em vestibulares, manifestações sociais, atos políticos que tinham como ponto de encontro a BPBL, grandes revoltas ocorridas na capital e no Estado, ou seja, um conjunto de fatos sociais que a tornam um polo de enraizamento da cultura maranhense, de modo que através dela é possível mobilizar os referenciais identitários dos indivíduos (SILVEIRA, 2014a), além de mostrar como território de múltiplas vivências, seja pelas práticas leitoras ali realizadas, por apoiar as práticas educativas, por preservar a memória coletiva, quanto por socializar e enraizar os elementos que fortalecem a identidade social (GOMES; 2014; SILVEIRA, 2014b).
Ao longo de sua existência a Benedito Leite conseguiu não apenas se tornar referência nacional, por se tratar da segunda biblioteca pública mais antiga do Brasil, mas ser um espaço que recebe manifestações sociais de naturezas distintas, capaz de oferecer além de serviços informações, terreno para vivências que permitem que cada indivíduo consiga delinear a imagem que têm de si mesmo e como isso é posto na sociedade, tal como está refletido na fala dos participantes da pesquisa, ao destacarem lembranças que explicam tanto suas trajetórias individuais, e, ao mesmo tempo a história, a identidade e a memória de São Luís (SILVEIRA, 2014b; SILVEIRA, 2010).
Nesse sentido, faz-se interface com o que dize Pollak (1992), acerca da relação intrínseca entre memória e identidade. Não pode haver identidade sem memória, tampouco memória sem identidade, pois essa imbricação é a base para que o indivíduo se reconheça enquanto membro de um determinado grupo social. Nessa direção, para Pollak (1992, p. 205) existe “[...] uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade [...]”. Desse modo, a Benedito Leite se torna um território onde as pessoas encontram substratos para tecerem suas lembranças e, por conseguinte suas identidades. Nessa perspectiva, Halbwachs (2006, p. 55) contribui destacando que a “[...] grande protagonista da história é a memória [...]”, pois ela permite a construção, reconstrução, definição, redefinição, mistificação e requalificação do passando, evitando que este desapareça.
São estes processos que explicitam o que Pollak (1992) descreve como elementos responsáveis por constituir a memória, tais como os acontecimentos vividos individualmente, pelo grupo ou coletividade, por pessoas ou personalidades, bem como aqueles que fazem referência ao lugar, tal como explicitado na fala dos participantes dos serviços educativos. Ao apontarem comícios políticos, manifestações populares ocorridas na praça, obras literárias, visitas a Benedito Leite, eles reforçam a importância da instituição enquanto lócus de memória (NORA, 1993).
Por tanto, os usuários ao ressaltarem a relação que a Benedito Leite estabelece com sua história, aos marcos sociais, bem como as circunstâncias desses acontecimentos, que uma vez reunidos constituem o que Halbwachs (2004) chama de memória coletiva, fazem da Benedito Leite para seus visitantes, usuários e profissionais um espaço de consolidação de suas identidades. Logo, a relação entre “[...] biblioteca e memória institui-se tendo por referência vestígios e discursos de lembrança selecionados com o objetivo de tecer uma trama mnêmica que englobe projetos ideológicos e representações culturais específicos [...]” (SILVEIRA; MOURA, 2016, p. 208).
Nessa perspectiva, reconhece-se a importância da Benedito Leite para os participantes dos serviços educativos. Desta feita, como visualizar a importância da BPBL para eles? De que forma mensurar o valor da BPBL para seus visitantes e usuários? No intento de fazer tal constatação, os participantes foram inquiridos em um primeiro momento, se alguma pessoa próxima (familiares, amigos, vizinhos) conhece ou já visitou a BPBL. 82% disso que sim, fato que explica inclusive a recomendação da instituição por parte deles, à medida que 98% afirma indicar a visita para outras pessoas.
Constata-se, desta forma, que a Benedito Leite busca se consolidar como um dos mais importantes espaços culturais do Estado, ao passo que se esforça para demarcar a história e a memória de São Luís por meio dos bens patrimoniais (materiais e imateriais) reunidos em seu acervo, e como este se relaciona com seus usuários/cidadãos, levando seus visitantes a se tornarem difusores de seus produtos e serviços educativos (COSTA; CUTRIM; CARVALHO, 2018).
Nessa assertiva, afirma-se que a Benedito Leite, embora diante de inúmeros desafios, intenta preservar o patrimônio que está sob sua guarda, cujas ações de ação cultural, mediação e educação leva os cidadãos ludovicenses a se reconhecerem, a recordarem sua história e a valorizarem seu conhecimento. Ressalta-se, assim a importância da memória coletiva para a preservação do patrimônio do Maranhão, ao qual a BPBL é uma das mediadoras. Fruto das memórias individuais, a memória coletiva explicitada na fala dos visitantes e usuários da BPBL dá condições para que os demais indivíduos evoquem seu passado, a partir das lembranças da coletividade, ou seja, “[...] se transporta a pontos de referência que existem fora de si, determinados pela sociedade.” (HALBWACHS, 2006, p. 72). Com isso, entende-se que a BPBL capitaliza a herança cultural maranhense e possibilita sua expansão graças a ação de seus visitantes, usuários, profissionais e cidadãos, transformando-a em espaço de criação, inovação, fomento de saberes à serviço da população local, principal utilizadora de seus produtos e serviços (SILVEIRA, 2014a).
Dentre os mecanismos que a Benedito Leite utiliza para sensibilizar seus visitantes e usuários quanto a questão do patrimônio cultural e da memória do Maranhão são, seus produtos e serviços. A mediação que a instituição intrinsecamente desenvolve, reforça a importância que as bibliotecas públicas têm ao se tornarem espaço de encontros, diálogos e convívio. Desse modo, pode-se colocar a lente desses espaços como lócus de comunicação e transmissão cultural, portanto, agentes de mediação sociocultural.
Preservar a memória e os patrimônios do Estado do Maranhão é algo naturalizado nos fazeres da Benedito Leite, e como bem ressalta Chartier (2002), devem multiplicar ações para tomada da palavra e de tudo que circunda seus patrimônios - bibliográfico, imaterial, arquitetônico, entre outros - e, assim construir um extenso espaço público em São Luís. Esse papel é reforçado com a visão que os usuários têm e, daquilo que eles conseguiram apontar como principal contributo das ações educativas ao qual participaram na BPBL, visto os aspectos que podem ser identificados:
A importância da preservação de nossa história e de como as próximas gerações devem ter o direito de conhecê-la também.
Muitas coisas interessantes dos velhos tempos;
Refletir sobre a importância da biblioteca como patrimônio de São Luís; - A importância do cuidado e valorização com a nossa história, nossa memória e nosso patrimônio material e imaterial;
A importância que a conservação de registros antigos, contribuem na construção da nossa história; [...]. (PARTICIPANTES DA PESQUISA, 2019, grifo nosso).
Por mais distintos que sejam os perfis dos usuários e visitantes da Benedito Leite, suas falas convergem quanto a importância da instituição para a preservação da história, da memória, do patrimônio material e imaterial. Sendo assim, por mais que a composição dos acervos atendam demandas específicas, seus serviços sejam pensados para diferentes públicos, cada indivíduo evoca a BPBL a partir de suas vivências, interações e intersubjetividades, devendo-se considerar “[...] a mescla entre valores, desejos e necessidades particulares que levam determinado sujeito a frequentar espontaneamente tais lugares.” (SILVEIRA; MOURA, 2016, p. 208). Acredita-se que os visitantes e usuários da Benedito Leite conseguem visualizar elementos mnêmicos e identitários na instituição, por tanto, a biblioteca atua como ponto de referência externo ao indivíduo, que por sua vez possibilita o diálogo com o passado, o reconhecimento de símbolos, memórias e sensibilidades de cada período (VILLAFAN; DODEBEI, 2019).
Enquanto espaços referenciais, as bibliotecas públicas se constituem locais onde a informação e os registros de ações da sociedade encontram abrigo. Diante das transformações sociais, marcadas por deslocamentos e incertezas, é explícita a necessidade de os indivíduos conhecerem e compreenderem suas raízes e origens, vistas as erosões de memórias, empobrecimento para as gerações vindouras. Urge, assim, a necessidade de as bibliotecas atuarem na preservação, conservação e restauro dos reais sentidos dos patrimônios uteis às comunidades. Posto isso, evidencia-se a responsabilidade que a Biblioteca Benedito tem ao pensar produtos e serviços que preservem seu patrimônio bibliográfico, e, além disso, consiga permitir que os cidadãos ludovicenses e maranhenses tenham memória e identidade. Nesse sentido, buscou-se identificar junto aos visitantes e usuários da Benedito Leite, suas percepções quanto ao contributo dos serviços educativos para a preservação e valorização do patrimônio cultural e da memória de São Luís. Para tanto, utiliza-se, novamente da estratégia de análise da frequência de termos, apoiada pela análise de conteúdo (BARDIN, 2016), cujas unidades de registro mais citadas podem ser visualizadas no Tabela 2, abaixo:

As bibliotecas públicas estabelecem uma importante relação com a cultura, o patrimônio e a memória, por serem espaços que propiciam o desenvolvimento em diferentes sentidos. Suas ações de salvaguarda, acesso e uso da informação, possibilita aos cidadãos a manifestação cultural de diversas formas. Os visitantes e usuários da Benedito Leite reforçam a contribuição da instituição ao destacarem em suas falas aspectos como cultura, conhecimento, história, patrimônio, memória, preservação e conservação.
Ao passo que as bibliotecas públicas são responsáveis por cimentar as identidades e reverberar histórias essenciais para a integral compreensão do desenvolvimento da sociedade, deve ser um espaço aberto e capaz de refletir a cultura de todos (CIVALLERO, 2020). Ao observar os termos mais recorrentes no que disseram os participantes, usuários da Benedito Leite, reconhece-se a necessidade da preservação da instituição não apenas como reduto de um vasto acervo literário, mas como um espaço capaz de garantir o futuro da cultura, ou seja, dar voz a grupos sociais invisíveis, favorecer o acesso à informação em múltiplos suportes, preservar a memória coletiva e viva, ainda mais em um momento crítico com a qual a humanidade tem passado.
Ao ancorarem suas respostas em tais unidades de registro, é possível afirmar que a Benedito Leite, por meio de seus serviços educativos sensibiliza seus visitantes e usuários quanto a necessidade de estes se apropriarem dos patrimônios que são seus por direito. Os cidadãos, por sua vez corroboram esse papel enxergando na instituição sua responsabilidade em preservar e conservar a memória, a identidade e o patrimônio do Maranhão. Logo, é imperioso o fortalecimento das bibliotecas públicas, visto esta integrar, juntamente com arquivos, museus, centros de documentação, o grupo de instituições gestoras da memória, as quais mostram quem somos nós, de onde viemos e aonde queremos chegar (CIVALLERO, 2020). Em um momento histórico marcado pela silenciamento e desesperança, recordar e visualizar novos caminhos por meio da Benedito Leite, por exemplo, conduz o Estado do Maranhão e seus cidadãos a saída da obscuridade.
Mesmo sendo “[...] instâncias de mediação e elaboração intersubjetiva da memória requer pensá-las não apenas como lugares nos quais certas representações coletivas ganham forma e se cristalizam.” (SILVEIRA; MOURA, 2016, p. 208), mas como caminho para que os indivíduos se identifiquem, se reconheçam, se apropriem da cultura maranhense, despertem para a necessidade de preservarem o que lhes pertence. A Benedito Leite consegue ir além de um loci de memória, mas desperta em seus usuários e visitantes “vontade de memória” (NORA, 1993).
Seus serviços educativos, assim como demais projetos desenvolvidos acentuam os diferentes usos que seus usuários, visitantes, profissionais, ou seja, a população maranhense como um todo, estabelece e atribui aos seu multifacetado acervo (SILVEIRA; MOURA, 2016). É esse relacionamento que fortalece os vínculos entre a BPBL com a comunidade, que dá sentido às suas ações e faz com que cada um edifique sua própria biblioteca. Sendo assim, consolida-se como espaço onde a população guarda e encontra seus pensamentos, conhecimentos e compartilham suas vivências.
Como bem enfatizam Silveira e Moura (2016), as bibliotecas públicas, imbuídas de uma dupla vocação mnêmica, se constituem espaços onde vivências intersubjetivas ganham força e a cultura e seus substratos sócio-históricos são tensionados e transformados. Por tanto, a Benedito Leite ao mediar e difundir o patrimônio cultural por meio de seus produtos e serviços, possibilita a reconstrução da memória dos cidadãos maranhenses e a criação de laços, que por sua vez ganham contornos simbólicos e afetivos entre seus visitantes, usuários e profissionais.
O elo entre esses personagens - usuários, visitantes e profissionais da Benedito Leite - vai ao encontro do que diz Pollak (1992, p. 204), ao explicar que a memória é um elemento basilar na constituição da identidade, “[...] tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e coerência de uma pessoa ou de um grupo em construção de si [...]”. Ou seja, a BPBL age tanto como território de preservação da memória, de histórias e de cultura, quanto como espaço para que seus usuários, visitantes e profissionais se sintam membros de um grupo cujas memórias estão seguras e são coletivamente compartilhadas (POLLAK, 1992; HALBWACHS, 2006; SILVEIRA; MOURA, 2016).
Sendo assim, seus serviços educativos são além de serviços fins do setor de Referência e Informação, se tornam importantes ferramentas de sensibilização para o reconhecimento do patrimônio cultural - material e imaterial - da cultura popular maranhenses, do patrimônio bibliográfico produzido no Estado, bem como todos os demais bens sob a tutela da Benedito Leite. Os serviços educativos são caminhos para que a memória seja preservada e ecoada em todos os municípios do Maranhão.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Domínios como memória, identidade, patrimônio cultural e mediação cultural estão interligados, sobretudo, por fazerem parte de práticas humanas como preservação, circulação, recuperação e apropriação de saberes, fazeres, dentre outros elementos culturais. Tais elementos estão intrinsecamente presentes no âmbito das bibliotecas desde sua concepção, em especial nas bibliotecas públicas, estas enquanto espaço de interação social, acesso e uso da informação em suas mais distintas manifestações. Nesse viés, a mediação do patrimônio que ocorre em lugares de memória, especificamente na Biblioteca Pública Benedito Leite, constitui-se como o principal mecanismo para que interações, representações e símbolos sejam reconhecidos e compreendidos. Logo, ressalta-se a importância dos profissionais inseridos nesses espaços, em especial os bibliotecários, que assumem o papel de educadores, mediadores, ou seja, agentes capazes de fomentar a construção de sentidos a partir dessas vivências.
O reconhecimento do patrimônio cultural e da memória como elementos incutidos nas atividades, ações, produtos e serviços da Benedito Leite ecoa e faz ressonância na percepção dos visitantes e usuários. A visão que estes têm da instituição, ressalta sua importância enquanto instituição cultural e renova seus desafios junto à cidade de São Luís. Os participantes dos serviços educativos da BPBL a reconhecem como depositária do conhecimento ludovicense registrado e do patrimônio bibliográfico local, portanto consolidam sua responsabilidade em preservá-lo, organizá-lo, difundi-lo e torná-lo acessível a todos. Logo, advoga-se a importância que as bibliotecas públicas têm ao se tornarem espaço de encontros, diálogos e convívio. Demarca-se, com base nos resultados da pesquisa, a posição desses espaços como territórios de comunicação e transmissão cultural, ou seja, agentes de mediação sociocultural.
Portanto, a Benedito Leite, ao mediar e difundir o patrimônio cultural por meio de seus produtos e serviços educativos, possibilita a reconstrução da memória dos participantes dos serviços educativos, à medida que estabelece laços, explicitados pelos contornos simbólicos e afetivos entre seus visitantes, usuários e profissionais. Tal elo, entre usuários, visitantes e profissionais da Benedito Leite, vai de encontro ao papel que a memória tem na constituição de identidades, cuja instituição sensibiliza e proporciona substratos (POLLAK, 1992; HALBWACHS, 2006). Sendo assim, a BPBL age tanto como território de preservação da memória, de histórias e de cultura, quanto como espaço para que cada sujeito do seu público se sinta membro de um grupo, cujas memórias estão seguras e são coletivamente compartilhadas.
Logo, seus serviços educativos são além de serviços fins do setor de Referência e Informação (SRI), se tornam importantes meios para a sensibilização cultural para o reconhecimento dos patrimônios material e imaterial da cultura popular maranhense e do patrimônio bibliográfico produzido no Estado, além dos bens sob a responsabilidade da Biblioteca Benedito Leite em São Luís. Vê-se os serviços educativos como caminhos pelos quais a memória pode ser preservada e ecoada nos demais municípios do Maranhão. Outrossim, é necessário que esta pesquisa tenha continuidade, com vistas a alcançar um recorte maior de participantes, bem como indivíduos de cidades onde a Benedito Leite chega com suas intervenções, fator este apontando como uma limitação para este texto.
AGRADECIMENTOS
A Direção da Biblioteca Pública Benedito Leite, na pessoa da Aline Nascimento.
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Notas
Autor notes
Coleta de dados: M. J. M. Costa. K. D. G. Cutrim.
Análise de dados: M. J. M. Costa. K. D. G. Cutrim.
Discussão dos resultados: M. J. M. Costa. K. D. G. Cutrim.
Revisão e aprovação: M. J. M. Costa. K. D. G. Cutrim.
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