Artigo Original
Recepção: 14 Agosto 2021
Aprovação: 03 Novembro 2021
Publicado: 26 Dezembro 2021
DOI: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2021.e82627
RESUMO
Objetivo: A perspectiva de desenvolvimento de cidades inteligentes (smart cities) é uma tendência para a Administração Pública brasileira. Trata-se de um modelo de gestão tecnológico, interconectado e eficiente que supre a urgência de indicadores e estratégias para um planejamento inovador e sustentável. O conceito parte da utilização de tecnologias de informação e comunicação (TIC), mas evolui progressivamente até uma visão holística do sistema urbano, considerando suas dimensões: tecnologia (infraestrutura), pessoas (educação) e instituições (governança). Este artigo tem como objetivo analisar o potencial de atuação das bibliotecas públicas para o desenvolvimento de cidades inteligentes a fim de contribuir para uma visão mais ampla, necessária e humana do modelo de cidades inteligentes.
Método: A pesquisa caracteriza-se como bibliográfica e documental, de caráter exploratório. Para atingir o objetivo do artigo foi realizada uma revisão de literatura com posterior análise de conteúdo como técnica de tratamento dos dados qualitativos obtidos, o que permitiu inferir as contribuições das bibliotecas públicas no contexto em estudo.
Resultado: A recuperação de apenas um trabalho brasileiro que discute a relação entre bibliotecas e cidades inteligentes demonstra essa lacuna na literatura nacional de Biblioteconomia e Ciência da Informação. A partir da análise de conteúdo realizada nos 53 trabalhos recuperados, foram identificadas as seguintes contribuições das bibliotecas públicas para o desenvolvimento de cidades inteligentes: disponibilização de internet, promoção de competência informacional e midiática, fomento e incentivo à inovação, acesso e disseminação de informação utilitária.
Conclusões: Conclui-se que, no contexto das cidades inteligentes, a biblioteca pública tem potencial para ser um equipamento público que viabiliza a participação cidadã e o desenvolvimento comunitário.
PALAVRAS-CHAVE: Cidade inteligente, Biblioteca pública, Inovação, Tecnologia.
ABSTRACT
Objective: The perspective of development of smart cities is a trend for the Brazilian Public Administration. It is a technological, interconnected and efficient management model that supplies the urgency of indicators and strategies for innovative and sustainable planning. The concept starts from the use of information and communication technologies (ICT), but progressively evolves towards a holistic view of the urban system, considering its dimensions: technology (infrastructure), people (education) and institutions (governance). This article aims to analyze the action potential of public libraries for the development of smart cities in order to contribute to a broader, necessary and humane view of the smart cities model.
Methods: The research is characterized as bibliographical and documentary, with an exploratory character. To achieve the objective of the article, a literature review was carried out with subsequent content analysis as a technique for treating the qualitative data obtained, which allowed inferring the contributions of public libraries in the context under study.
Results: The recovery of only one Brazilian work that discusses the relationship between libraries and smart cities demonstrates this gap in the national literature on Library Science and Information Science. From the content analysis carried out in the 53 works retrieved, the following contributions of public libraries to the development of smart cities were identified: internet availability, promotion of informational and media literacy, fostering and encouraging innovation, access and dissemination of utilitarian information.
Conclusions: It concludes that, in the context of smart cities, the public library has the potential to be a public space that enables citizen participation and community development.
KEYWORDS: Smart city, Public library, Innovation, Technology.
1 INTRODUÇÃO
Há anos a sociedade questiona como será o futuro das bibliotecas. O desenvolvimento tecnológico seria o principal motivo para o declínio ou a significativa reformulação da instituição. As bibliotecas sempre possuíram papel estratégico e essencial para a educação e a competência informacional, habilidades mais que fundamentais para a consolidação da cidadania; logo, habilidades que permanecem necessárias no contexto das cidades inteligentes.
As cidades inteligentes (smart cities) podem ser definidas como “um ambiente de rede digital criado no território que interliga sistemas tecnológicos avançados e conecta serviços públicos, bens, marcas, escolas, organizações do terceiro setor, empresas, micro e macro comunidades de pessoas” (MULLER, 2015, p. 84).
Washburn et al. (2010, p. 5) comentam que as cidades inteligentes são aquelas que fazem uso das tecnologias de computação para proporcionar infraestrutura e serviços imprescindíveis para a cidade, como educação, saúde e transporte, de modo interconectado e eficiente.
O discurso sobre cidades inteligentes partiu da utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), mas evoluiu progressivamente até uma visão mais holística do sistema urbano, considerando três dimensões: tecnologia (infraestrutura), pessoas (educação) e instituições (governança) (RIZZON et al., 2017, p. 128).
As tecnologias são essenciais para criar e manter esses espaços, mas há de se desenvolver, também, parâmetros e estratégias governamentais para competência informacional, diversidade, inclusão digital e social, além de pensamento crítico, para a participação cidadã.
Conforme Desouza e Flanery (2013), os cidadãos são os principais atores no desenvolvimento de cidades inteligentes. São eles que moldam os padrões sociais, econômicos, ambientais e de governança. A despeito do consenso de que o que torna as cidades inteligentes são as pessoas, o foco das pesquisas continua prioritariamente no desenvolvimento tecnológico das cidades. O tema cidades inteligentes é mais frequentemente encontrado em trabalhos sobre planejamento urbano, sustentabilidade e tecnologias da informação e comunicação (sempre sob perspectiva tecnicista).
No ranking brasileiro de desempenho das cidades inteligentes, principais fontes de informação para tomada de decisão utilizadas pelos governos e investidores, a ausência de indicadores que contemplem os resultados das bibliotecas demonstra a invisibilidade da instituição nesse contexto e a relevância de pesquisar a relação entre bibliotecas (especialmente as bibliotecas públicas) e cidades inteligentes.
A problemática que se coloca, diante do avanço das tecnologias de informação e comunicação e das demandas das cidades inteligentes é: Qual o papel das bibliotecas no desenvolvimento de competências fundamentais dos cidadãos inseridos neste contexto? As bibliotecas públicas brasileiras estão contribuindo para o desenvolvimento de cidades inteligentes?
Assim, foi realizada uma pesquisa com o objetivo geral de analisar o potencial de atuação das bibliotecas públicas para o desenvolvimento de cidades inteligentes. Teve como objetivos específicos: 1. Identificar estudos sobre bibliotecas e cidades inteligentes na literatura nacional e internacional de Biblioteconomia e Ciência da Informação; 2. Analisar o papel que as bibliotecas públicas podem desempenhar no desenvolvimento de cidades inteligentes; 3. Identificar a contribuição das bibliotecas no desenvolvimento de cidades inteligentes. A pesquisa caracterizou-se como bibliográfica e documental, de caráter exploratório.
Para a atingir o primeiro objetivo específico foram realizadas buscas nas bases Library, Information Science & Technology Abstracts (LISTA), SciELO, Scopus, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI), além do Google Acadêmico. Também foram consultados os anais disponíveis online do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD) e do Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB) e os seguintes repositórios institucionais: Lume, da UFRGS, RiUnB, Repositório UFMG, RiUFF, Repositório Institucional UNESP, Repositório Institucional da UFPB, Repositório Institucional da UFSC, RiUFBA, Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp, Repositório de Acesso Aberto da Produção da USP e RI-UFSCar.
Para atingir o segundo objetivo específico uma vez identificados, por meio da pesquisa bibliográfica, os textos que se relacionam às questões de pesquisa, foi realizada a análise de conteúdo em que, apartir da leitura dos resumos e palavras-chave, os textos foram categorizados em temáticas que fornecem pistas de qual papel as bibliotecas públicas desempenham no desenvolvimento de cidades inteligentes.
Para alcançar o terceiro objetivo específico foi identificado e apresentado como exemplo o caso do sistema de bibliotecas e arquivos de Singapura, o National Library Board (NLB).
2 CIDADES INTELIGENTES (SMART CITIES)
O termo “smart city” apareceu pela primeira vez nos anos 1990, com finalidade de conceituar o fenômeno de desenvolvimento urbano dependente de tecnologia, inovação e globalização, especialmente na perspectiva econômica (RIZZON et al., 2017, p. 126).
A conceituação e o planejamento de cidades inteligentes passam a ser mais frequentemente debatidos em ambientes acadêmicos, principalmente na Europa, a partir dos estudos de Giffinger et al. (2007), englobando em seu conceito questões como a participação social e a governança e resultaram em um modelo de cidades inteligentes para medir e comparar a inteligência urbana. O modelo engloba seis características que garantem a alta performance das cidades: economia inteligente, pessoas inteligentes, governança inteligente, mobilidade inteligente, ambiente inteligente e vida inteligente.
Para Abdala et al. (2014), as cidades inteligentes contribuem para o desenvolvimento de cidades sustentáveis através do uso eficiente da tecnologia, que provê o envolvimento das pessoas, suas relações com o ambiente e a capacidade de desenvolvimento, superação e adaptação da comunidade.
Zanella, Bui e Castellani (2014) consideram que o objetivo final de uma smart city é utilizar melhor os recursos públicos, reduzindo os custos da administração pública. Ainda segundo os autores, esse objetivo é alcançado através do desenvolvimento e popularização da Internet das Coisas (IoT) aplicada principalmente a serviços públicos e mobilidade urbana.
Rizzon et al. (2017, p. 128) elencam cinco características essenciais das cidades inteligentes:
Incorporação das TIC ao tecido urbano;
Desenvolvimento urbano orientado para negócios, com abordagem neoliberal de governança;
Foco na dimensão social e humana da cidade a partir de uma perspectiva de cidade criativa;
Adoção de uma agenda de desenvolvimento de comunidades inteligentes com programas visando a aprendizagem social, educação e capital social;
Foco na sustentabilidade social e ambiental.
Em seus estudos, Komninos (apudMULLER, 2015) aponta quatro “novas” principais funções para as cidades inteligentes na lógica do cruzamento do digital e do real: inteligência estratégica coletiva; transferência de tecnologia; inovação colaborativa; e promoção de clusters (territórios caracterizados pela alta capacidade de aprendizado e inovação), formando, uma nova “arquitetura” urbana.
Para Strapazzon (2009, p. 95), as cidades inteligentes precisam ter bom desempenho em seis quesitos para serem consideradas espaços vitais propícios ao desenvolvimento econômico:
Economia: capacidade de inovação, competitividade, empreendedorismo, influência positiva na taxa de desemprego;
Sociedade: cultura cosmopolita dos ‘habitantes inteligentes’ o que significa, entre outros, tolerância étnica, educação continuada, participação dos assuntos públicos e índice de livros lidos;
Governo: sistema de gestão pública participativo e transparente dotado de perspectivas estratégicas;
Mobilidade: sistemas logístico e de transporte de pessoas eficientes e sustentáveis;
Meio ambiente: boa gestão dos espaços verdes, com programas de reciclagem e proteção ambiental, além de ter programa sustentável de gestão da água, da energia, do lixo e da poluição;
Qualidade de vida: bom nível de coesão social com presença de facilidades culturais e atrações turísticas aliadas a bons sistemas de saúde, de moradias sustentáveis e agradáveis, de segurança e de educação formal.
Lemos (2013) aponta para uma participação mais ativa dos cidadãos nas cidades inteligentes, indicando um entendimento de "cidadão inteligente", como aquele mais engajado em ações de pertencimento no espaço urbano. Esse pertencimento é alcançado principalmente pelo uso da IoT, da computação em nuvem e do Big Data associado ao Open Data (dados abertos). Isso se dá principalmente por meio dos aplicativos móveis, que são os maiores impulsionadores das cidades inteligentes. “A facilidade de aquisição de um smartphone, a variedade de aparelhos de baixo custo, a facilidade de instalação e uso, bem como as características interativas e colaborativas de muitos dos aplicativos, são todos fatores que contribuem para a sua popularização” (MONTEIRO; FERREIRA, 2015, p. 75) e consequente produção de informação.
A partir do modelo de indicadores desenvolvidos por Giffinger et al. (2007), alguns rankings de desempenho das cidades inteligentes foram sendo desenvolvidos em todo o mundo, levando em consideração contextos nacionais e o porte das cidades em observação. Esses rakings tornaram-se fontes de informação essenciais na tomada de decisão para investimentos públicos (governos municipais) e também da iniciativa privada. No Brasil, os parâmetros de cidades inteligentes utilizados são do Ranking Connected Smart Cities (URBAN SYSTEMS, 2020), cujos indicadores não contemplam os resultados das bibliotecas (de qualquer tipo), ao contrário do que ocorre em outros países, o que demonstra, conforme análise a ser feita posteriormente, o equívoco do Estado brasileiro em relação ao papel de suas bibliotecas.
Em tempo, vale mencionar que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 976/2021 que institui a Política Nacional de Cidades Inteligentes e, muito timidamente, coloca as BP como “espaços multifuncionais de criação, para desenvolvimento de atividades curriculares ou extracurriculares de alunos da rede pública”.
3 BIBLIOTECAS EM CIDADES INTELIGENTES
“Iniciativas em cidades inteligentes são uma mistura de domínios hard (energia e recursos naturais, mobilidade e edificações) e soft (qualidade de vida, governo, economia e pessoas)” (SCHÖPFEL, 2018, p. 5). O autor coloca que, ainda que a dimensão tecnológica seja a mais representativa, a mera disponibilização de tecnologias não faz uma cidade inteligente: “as pessoas fazem a cidade, e as pessoas inteligentes fazem a cidade inteligente - as pessoas, a sociedade” (SCHÖPFEL, 2018, p. 5).
Assim, na busca de um modelo focado em informação e efetivamente multidimensional, Schöpfel apresenta sua visão de biblioteca inteligente, que abrange elementos afins às características das cidades inteligentes (SCHÖPFEL, 2018, p. 2-4):
Information commons: recursos e instalações compartilhados pela comunidade (produtores e consumidores) que promovem os princípios de acesso livre. Os information commons são espaços híbridos que visam a promover o acesso à informação de qualidade por meio de ações de ensino e aprendizagem interdisciplinares. Compreendem, principalmente, os repositórios de acesso aberto e bibliotecas digitais gratuitas. Dois componentes são aprendidos para o modelo de biblioteca inteligente: a orientação para a comunidade e o compartilhamento de recursos e instalações.
Centros de aprendizagem: mais frequente em bibliotecas universitárias, tira da instituição o foco de espaço de leitura silenciosa para alcançar uma experiência mais dinâmica, de espaço de aprendizado e uso de tecnologias, como espaços de coworking. Aprende-se do conceito: compartilhamento de recursos e instalações, protagonismo das tecnologias móveis e a experiência e aprendizado autônomos.
Bibliotecas verdes: oferecem estrutura para ações de redução de resíduos, reciclagem, economia de energia, entre outras. São relacionadas a construções novas ou reestruturadas com teto verde e painéis de energia solar, mas também praticam a educação para a sustentabilidade com ações cotidianas, conscientização e acesso à informação especializada. Introduz a noção de sustentabilidade, considerada essencial para o conceito de cidades inteligentes.
Bibliotecas globais: propõe que a administração e o marketing das bibliotecas considerem o aspecto mais social do desenvolvimento sustentável e introduz a responsabilidade social, ou seja, uma abordagem mais holística dos serviços da biblioteca a fim de apoiar a comunidade. Em uma sociedade global, mesmo que suprindo necessidades locais, o profissional da informação deve preocupar-se com mais do que produção, organização e uso, mas em viabilizar a apropriação e a socialização da informação e do conhecimento. Deste conceito, são apreendidos para o modelo de biblioteca: responsabilidade social e competência informacional.
Além do modelo apresentado pode-se incluir o conceito de makerspaces, espaços destinados ao estímulo de ideias inovadoras, onde as pessoas têm a possibilidade de se dedicar a atividades de criação e desenvolvimento de projetos, por meio de ferramentas e tecnologias disponíveis. Algumas bibliotecas oferecem o uso de impressoras 3D, outras inclusive, emprestam ferramentas, instrumentos musicais e outros aparelhos.
Schöpfel (2018, p. 6) apresenta as quatro dimensões da biblioteca inteligente:
Serviços inteligentes (smart services): aplicação das tecnologias das cidades inteligentes ao desenvolvimento de serviços modernos em bibliotecas, como RFID, IoT, inteligência artificial, reconhecimento de voz e imagem, além de recursos mais disseminados na Biblioteconomia, como interoperabilidade e web semântica. A inovação deve ser amigável e centrada no usuário.
Usuários inteligentes (smart people): os serviços das bibliotecas devem ser desenvolvidos com a visão de que o usuário é um produtor de conhecimento e não um passivo consumidor de informações. Cidadãos em cidades inteligentes são participativos, flexíveis e criativos. A biblioteca consiste em um espaço de produção e compartilhamento de conhecimento, uma plataforma comunitária.
Espaço inteligente (smart place): o primeiro aspecto dessa dimensão é a ecologia; como no conceito das bibliotecas verdes, as bibliotecas em cidades inteligentes devem ser comprometidas com questões ambientais através da construção e do funcionamento sustentável. O segundo aspecto se refere a inovações que contribuem para a qualidade de vida dos usuários e da equipe (segurança e saúde), além da atratividade do espaço da biblioteca (design).
Governança inteligente (smart governance): dimensão que encapsula questões políticas e institucionais, como colaboração, cooperação, engajamento e participação social. Transparência do sistema administrativo e rede de relacionamentos (ambiente social e cultural) representam essa dimensão que visa a tomada de decisão com base em inteligência coletiva.
Ressalta-se que nem todas as bibliotecas precisam ser “inteligentes”, é preciso identificar as necessidades da comunidade e o contexto em que elas se inserem:
Uma biblioteca pode ser moderna, melhorar a qualidade do serviço, desenvolver novos serviços e implementar novas tecnologias da informação sem ser (ou se assumir como) inteligente. Por exemplo, para bibliotecas em ambientes rurais, smartness com certeza não é uma prioridade, devido a falta de contexto urbano (SCHÖPFEL, 2018, p. 9).
Relevante trazer para a discussão, além da questão da competência em informação, que tradicionalmente os bibliotecários promovem, a competência midiática (media literacy), que é “uma área interdisciplinar do conhecimento que se preocupa em desenvolver formas de ensinar e aprender aspectos relevantes da inserção dos meios de comunicação na sociedade”, “é o resultado esperado dessas ações pedagógicas, que envolvem, necessariamente, a compreensão crítica e a participação ativa” (CERIGATTO, 2018, p. 167). A consciência do que é feito e apreendido em ambientes digitais e formação de cidadãos com habilidades tecnológicas é fundamental para a troca de informações e ressignificação de ideias individual e coletivamente; possibilitando que passem de meros receptores passivos de informação para efetivos produtores de conhecimento (CERIGATTO, 2018; CUEVAS-CERVERO; MARQUES; PAIXÃO, 2014).
Em conformidade com os objetivos de cidades inteligentes, as bibliotecas podem ser grandes facilitadoras para atividades cotidianas de seus usuários e também proporcionar oportunidades de desenvolvimento de soluções criativas e inovadoras para as suas cidades através de espaços de inovação e aprendizagem, apresentados a seguir.
3.1 Cultura de inovação e colaboração em bibliotecas
As TIC formataram novos hábitos no comportamento informacional dos usuários, de modo que o acesso à informação deixou de estar tão fortemente associado aos serviços fornecidos pela biblioteca. Segundo Marcial (2017), a inovação tornou-se elemento decisivo na administração das bibliotecas e deve ser entendida como fator vital.
A inovação surge das ideias e, por consequência, de resultados que possam ser tangibilizados. Tais resultados surgem da capacidade de agregar valor às ideias, por meio das tecnologias e oferecendo produtos que atendam às necessidades do mercado, sendo fonte de renda e empregos. Inovar é um tema permanente e estratégico para a sobrevivência das organizações, além de contribuir para a competitividade econômica. Desempenha, portanto, um papel central na economia baseada no conhecimento, pois possibilita um crescimento inclusivo e sustentado, não apenas do ponto de vista tecnológico, mas socioeconômico (JULIANI et al., 2016, p. 104). Inovação e competitividade econômica são fundamentais para o bom desempenho de cidades inteligentes dentro dos quesitos propostos por Strapazzon (2009).
A inovação, noção cunhada por Schumpeter em 1912, é frequentemente relacionada aos avanços científicos e tecnológicos que impactam a economia e a sociedade em escala mundial (FINO-GARZÓN, 2019, p. 3). Entretanto, de maneira mais geral, pode se tratar de coisas rotineiras, mais tangíveis, como um processo mais eficiente para um produto ou serviço que já existe ou um novo método de trabalho. Faz-se necessário entender as diferenças entre inovação, descoberta científica e invenção. Segundo a FINEP (apudJULIANI et al., 2016, p. 105), invenção é a “criação de algo novo, resultado do esforço humano”; a descoberta científica trata-se de “algo que já existia, mas sem impacto para a sociedade”; e a inovação é fruto da “aplicação prática para uma descoberta ou invenção”. Segundo Schumpeter (1997 apudJULIANI et al., 2016, p. 106, grifos nossos), a inovação possui três aspectos estruturais:
a novidade, ou seja, a ideia de que uma inovação é o aparecimento de algo novo, ainda não usado ou explorado; a aplicação prática, isto é, esse algo novo precisa ser aplicado em uma atividade econômica; e, por fim, o resultado, que é a aplicação bem sucedida de uma invenção, podendo ser de ordem financeira, econômica ou organizacional.
Para Juliani et al. (2016, p. 107-108), assim como existem muitas definições de inovação, há uma variedade de tipos de inovação na literatura especializada; são eles: 1. Inovação em produto ou serviço (introdução de produto ou serviço, novo ou melhor, em relação às suas características ou usos pretendidos); 2. Inovação em processo (implementação ou melhoria de processo produtivo ou distributivo); 3. Inovação organizacional (mudanças em práticas de negociação e em protocolos organizacionais); e 4. Inovação em marketing (implementação de novos métodos de divulgação e venda).
Além da inovação em bibliotecas ser algo possível, é uma demanda urgente. Inovar continuamente é o que permite que as organizações continuem existindo.
Para Soto e Suescún (2015, p. 779), “a inovação nas bibliotecas públicas é relativa. O que é inovador em um contexto específico pode não ser em outro”. Ainda que nem toda inovação desenvolvida no contexto atual envolve tecnologia, como grande parte da informação circula em ambientes digitais, muitos dos serviços inovadores estão baseados nas tecnologias. García-Gómez (2013 apudSOTO; SUESCÚN, 2015, p. 779) indica que a inovação nas bibliotecas públicas (BP) pode ser classificada em: i) baseada em tecnologias de informação e comunicação; ii) baseada na capacidade de adaptação, flexibilidade, experimentação e rompimento de padrões, dando suporte a sua função sociocultural; e iii) baseada na busca de usuários potenciais e no desenvolvimento de serviços específicos para os usuários, tanto dentro da biblioteca como fora dela.
Assim, para as BP, a inovação diz respeito à capacidade de agregar valor ao espaço e aos serviços, com objetivo de resolver problemas específicos da comunidade. Serviços inovadores e viabilização de projetos inovadores dos usuários, que contribuem para o fortalecimento do tecido social, são uma excelente oportunidade para fortalecer a função das BP como cenários privilegiados para o desenvolvimento pessoal e comunitário (FINOGARZÓN, 2019, p. 2). É importante, ao falar de inovação, tratar do conceito de criatividade que está indissoluvelmente associado à inovação.
Segundo Marcial (2017, p. 47) criatividade pode ser descrita como a qualidade individual de gerar ideias inovadoras que fornecem soluções para problemas e acrescenta que “a criatividade é promovida e desenvolve-se por meio de ações instrumentais, como a criação de grupos de trabalho e a utilização de técnicas de geração e seleção de ideias”, logo, a sociabilidade tem muito valor no desenvolvimento, mesmo que individual, de soluções criativas. A biblioteca precisa ser criativa e disponibilizar serviços e promover ações que viabilizem a criatividade e a sociabilidade. Neste contexto, pode-se agregar a ideia postulada por Bruno Latour e pensar a biblioteca pública como um espaço público. O autor identifica a biblioteca como um nó de uma vasta rede onde circulam matérias que se transformam em signos, deixando de concebê-la como uma fortaleza isolada. Afastando a noção de biblioteca como um espaço estático é possível apresentá-la como um “laboratório potencializador e amplificador de inscrições”, Latour “potencializa a ideia da biblioteca pública como espaço cultural e informacional de acesso e pesquisa, mas também como espaço de produção de cultura e conhecimento” (LATOUR, 2008 apudMACHADO; ELIAS JUNIOR; ACHILLES, 2014, p. 118-119).
Segundo Marcial (2017), a transformação das bibliotecas está ligada às tecnologias e à promoção da cultura de colaboração e aprendizagem compartilhada. Tendo em mente as necessidades das cidades inteligentes e em conformidade com a inovação em bibliotecas e a difusão da cultura de espaço compartilhado, além do desenvolvimento de competência tecnológica e midiática, alguns serviços inovadores já têm se apresentado como tendências interativas e colaborativas nos processos de aprendizagem e produção de conhecimento. Alguns desses serviços, configurados em espaços de inovação, são os makerspaces, os learning commons e os espaços de coworking.
Os makerspaces são “espaços habilitados para funcionar com incubadoras de ideias, nas mais diversas áreas, que favorecem a criatividade, a experimentação e o empreendedorismo. São locais onde o espírito de comunidade e colaboração são estimulados” (MARCIAL, 2017, p. 52). Caracterizam-se como espaços que disponibilizam tecnologias e ferramentas (como impressoras 3D, cortadores de vinil, computadores e reprodutores diversos) para desenvolvimento de projetos individuais ou coletivos.
Já os learning commons (também chamados de information commons), mais frequentes em bibliotecas universitárias, mas ainda assim encontrados em BP, consistem em espaços de encontro, para discussão de projetos e reuniões diversas; são ambientes de aprendizagem mais informal com disponibilização de recursos tecnológicos.
Tem-se também os espaços de co-working, mais familiares no Brasil, que têm como objetivo o compartilhamento da estrutura física e mobiliário, o que “permite um ambiente propício à troca de experiências, ao compartilhamento de conhecimentos, à participação de eventos e a programas de capacitação” (MOYSES; MONT’ALVÃO; ZATTAR, 2019, p.18).
Na próxima seção, conforme previsto no segundo objetivo específico desta pesquisa, buscou-se identificar a contribuição das bibliotecas públicas a partir da análise de conteúdo dos trabalhos recuperados.
4 PRINCIPAIS RESULTADOS DA PESQUISA
1. A seguir são apresentados e discutidos os resultados mais relevantes obtidos a partir da análise dos 53 trabalhos que constituíram o corpus da pesquisa, de modo a demonstrar o panorama atual das publicações sobre bibliotecas e cidades inteligentes.
Durante a análise por fonte de pesquisa observou-se o seguinte percentual de itens recuperados: Google Acadêmico (66%), LISTA (17%) e Scopus (17%). Verificou-se que, ainda que a pesquisa tenha sido realizada em 12 fontes diferentes, foram obtidos resultados apenas em três bases de dados, o que demonstra o baixo índice de pesquisas sobre o tema.
Considerando que, para conseguir mais resultados, a estratégia de busca em muitas consultas foi mais genérica (smart city AND library) e que a pesquisa tem como escopo as bibliotecas públicas, optou-se por verificar a proporção dos textos quanto a tipologia de bibliotecas. Observou-se as seguintes porcentagens: biblioteca pública (62%), biblioteca universitária (6%), biblioteca escolar (2%) e sem especificação de tipologia (30%); nestes casos não específicos, estão os trabalhos que tratam da “biblioteca do futuro”, de competência informacional e das bibliotecas de maneira geral.
Quanto aos procedimentos metodológicos, foram identificados 20 trabalhos com estudo de caso de bibliotecas (ou outros locais, como espaços de coworking) em cidades inteligentes. A frequência de estudos de caso mostra que a Austrália é o país com maior número de ocorrências no levantamento, com 18% dos estudos de caso. Na sequência, Estados Unidos e Índia (14%, cada); Canadá, China e Indonésia (9%, cada); e Bahrein, Finlândia, Itália, Turquia, Reino Unido e Singapura (5%, cada). Constata-se que, além da ausência de estudo de caso no Brasil, infelizmente também não foram obtidos resultados de bibliotecas em cidades inteligentes na América Latina.
Quanto à categorização dos trabalhos recuperados, os textos selecionados foram distribuídos, de acordo com a análise de conteúdo, conforme o Quadro 1.

A porcentagem total é maior que 100% visto que os trabalhos podem ser - e com frequência foram - classificados em mais de uma categoria temática. Ainda por meio da análise de conteúdo, buscou-se apreender, dos textos recuperados, o papel das bibliotecas públicas (não mais caracterizado por serviços e desenvolvimento de competências tradicionais) no contexto das cidades inteligentes.
Segundo Mainka et al. (2016, p. 3), um aspecto importante das cidades inteligentes são as instituições de produção de conhecimento. Neste contexto, as bibliotecas públicas encontram novas funções tanto no espaço físico (design do prédio e espaços disponibilizados) quanto no espaço dos fluxos (bibliotecas digitais).
Goodman (2014, p. 1667 e 1693), aponta a biblioteca pública como “instituição âncora” para oferecimento de infraestrutura (equipamentos, rede, etc). De acordo com a autora, “a conquista da cidade inteligente” deve ser inclusiva e democrática e o desenvolvimento de uma política de rede de banda larga é necessária para o envolvimento significativo da sociedade civil. Propõe que escolas e bibliotecas públicas sejam essa âncora para suas comunidades, permitindo o empoderamento cidadão.
Segundo Paletta, Vasconcelos e Gonçalves (2015, p. 15) o papel da biblioteca pública neste contexto pode ser direcionado para a disseminação de informações estratégicas para que pesquisadores, gestores e outros interessados, sobre temas caros para a cidade, como mobilidade, meio ambiente e empreendedorismo. Isto é, organizar dados de interesse dos cidadãos, fornecer informação relevante sobre tais aspectos e fomentar o debate. Também sugerem a importância de bibliotecas com espaço e infraestrutura adequados para empreendedores ou startups começarem seus negócios, incentivando uma economia mais criativa. Considerando que é o único trabalho brasileiro, é importante mencionar que os autores colocam que antes disso há o desafio de aumentar a eficiência dos serviços já oferecidos, para dar mais visibilidade às bibliotecas.
Maika e Khveshchanka (2012, p. 10) acrescentam a disponibilização de recursos digitais gratuitos. Além do conteúdo disseminado, a experiência prática com recursos digitais através de tutoriais e seminários sobre competência informacional é importante para o efetivo desenvolvimento desta habilidade em cidadãos inseridos em cidades inteligentes. As autoras também ressaltam a importância de serviços em mais de um idioma e do serviço de referência online, o que fortalece hibridez, agilidade e cobertura dos atendimentos oferecidos pelas bibliotecas.
A tecnologia é a base da biblioteca inteligente, sendo as mais relevantes para as bibliotecas: mineração de dados, Big Data, RFID, inteligência artificial, realidade virtual, impressão 3D e IoT. Ainda em Jahdav e Shenoy (2020, p. 2) discute-se a desmaterialização das bibliotecas, que viriam a se tornar repositórios de conteúdo para acessar em qualquer lugar. Mersand et al. (2018) também discutem a materialidade da biblioteca pública. A infraestrutura da biblioteca pública inserida em uma cidade inteligente, além de física, tem forte presença virtual. Segundo os autores, seriam boas práticas o serviço de referência virtual, os repositórios e a disponibilização de materiais digitais. Em termos de ampliação da infraestrutura física e digital, mencionam os estúdios de criação digital e makerspaces, classificados online de empregos e bibliotecas móveis.
As “bibliotecas do futuro não precisarão de prédios enormes, mas necessitarão da habilidade de servir seus usuários eletronicamente, enfatizando tecnologia e serviços inteligentes em vez de prédios inteligentes” (JADHAV; SHENOY, 2020, p. 2). Li e Dong (2016 apud JADHAV; SHENOY, 2020, p. 2) se referem à biblioteca inteligente como “uma integração do prédio à tecnologia”. Para Jahdav e Shenoy (2020), a biblioteca do futuro combina a consciência ambiental de um “prédio verde” às suas instalações. A economia de energia e a redução de lixo são boas formas de começar. Tais iniciativas, além de urgentes sob perspectiva ambiental, também atraem mais usuários.
Ylipulli e Luusua (2019, p. 2 e 6), ressaltam o potencial de empoderamento tecnológico das bibliotecas públicas finlandesas, que desde os anos 1990 atuam como centros de educação tecnológica. Incentivando a inovação através de espaços de criação e aprendizagem (makerspaces) que contam com tecnologias emergentes como realidade virtual, impressão 3D e robótica, a Finlândia busca alcançar o potencial multifacetado do encontro entre pessoas e tecnologias.
O movimento maker é frequentemente mencionado nos trabalhos recuperados, visto que oferece aos cidadãos a oportunidade de aprender e criar por conta própria. Segundo Jahdav e Shenoy (2020, p. 3), o oferecimento de makerspaces em bibliotecas públicas fomenta o desenvolvimento comunitário, objetivo chave das bibliotecas inteligentes. Letnikova e Xu (2017 apud JADHAV; SHENOY, 2020, p. 3) sugerem que os makerspaces se tornarão parte essencial das bibliotecas no século XXI.
A biblioteca inteligente deve prover serviços personalizados aos seus usuários, preferencialmente pelos dispositivos móveis. Estes serviços inteligentes também incluem desenho assistido pelo computador (CAD), serviços de tradução e mineração (JADHAV; SHENOY, 2020, p. 3). Além disso, a biblioteca inserida em uma cidade inteligente precisa oferecer um ambiente confortável e que encoraje a participação do cidadão, especialmente em atividades culturais e recreativas. Jahdav e Shenoy (2020, p. 2) defendem que serviços que promovem troca de conhecimento na comunidade, como festivais e oficinais, melhoram o relacionamento intercomunitário.
A seguir, a fim de cumprir o terceiro objetivo da pesquisa, esse referencial é exemplificado pela apresentação de iniciativas interessantes e necessárias no contexto das cidades inteligentes desenvolvidas em Singapura.
4.1. National Library Board (Singapura)
Antes de tratar especificamente do sistema de bibliotecas e arquivos de Singapura, é importante entender, mesmo que brevemente, o contexto desta cidade-estado e suas diferenças em relação à realidade brasileira. Singapura é uma cidade-estado tropical, localizada no sudoeste da Ásia. É um país com pouco mais de 5.8 milhões de habitantes (em 2020, segundo o Worldometer) e que se tornou independente há pouco mais de 50 anos, em 1965. Singapura tem recursos naturais muito limitados; não há água potável, mas, com suas estratégias notáveis de reaproveitamento, 100% da população singapuriana tem acesso a água potável. A gestão hídrica de Singapura demonstra a política de governo da cidade-estado. O governo investe bastante, desde a década de 1980, na construção de uma economia baseada em conhecimento (DRESEL et al., 2020).
Desde os anos 1980 o governo de Singapura elabora planos adequados à sociedade do conhecimento, a partir do primeiro Plano Nacional de Informatização (1981). Atualmente o governo foca na implementação de uma “nação inteligente”. As bibliotecas públicas, em particular, têm um papel essencial para o desenvolvimento de competência digital em Singapura. O programa “Singapore’s Smart Nation” objetiva construir interações mais significativas entre conteúdo e comunidade nas bibliotecas singapurianas. O conceito de Singapura para “nação inteligente” inclui governo e economia digitais, além de competência informacional e digital para toda a população (DRESEL et al., 2020, p. 1).
Para atender as necessidades informacionais de quase 6 milhões de residentes, Singapura conta com o National Library Board (NLB), que comanda 26 bibliotecas públicas, a Biblioteca Nacional e os Arquivos Nacionais (National Archives of Singapore - NAS) (SINGAPORE, S.d.a.; S.d.c.). Também é importante ressaltar o estabelecimento de um “lifestyle” das bibliotecas. Dresel et al. (2020, p. 4) explicam que as bibliotecas públicas estabelecem uma rede que provê em um estilo de vida, com seus espaços de convivência (como cafés), eventos (shows, etc.) e localizações privilegiadas (algumas bibliotecas inclusive estão dentro de shoppings). Isso tudo a fim de atingir a meta das bibliotecas como um “terceiro lugar” na rotina dos singapurianos, logo após casa e trabalho. Há, portanto, interesse e incentivo por parte do governo na construção da imagem da biblioteca como espaço de inovação, colaboração e diversão.
Com base em Dresel et al. (2020, p. 5), foram identificados serviços e programas das bibliotecas do NLB que contribuem para o desenvolvimento de cidades inteligentes:
SG Digital: Programa de competência digital que visa conectar e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos por meio das tecnologias digitais. O governo de Singapura, agora mais intensamente devido ao contexto de pandemia de COVID-19 e pensando no futuro pós-pandemia, implantou em suas bibliotecas os SG Digital Offices (SDO) a fim de acelerar o processo de inserção dos cidadãos (em especial, idosos e comerciantes) na comunidade digital. As bibliotecas públicas, por meio dos SDO, auxiliam seus usuários com ferramentas digitais e informações governamentais online.
Singapore Memory Project (SMP): Projeto colaborativo que visa coletar e documentar momentos e memórias individuais e coletivas relacionadas à Singapura. O projeto é alimentado via crowdsourcing, logo, singapurianos, não singapurianos, empresas e associações podem enviar suas memórias para a plataforma. Os próprios usuários colocam tags de assunto nas memórias, configurando uma experiência colaborativa. As memórias enviadas podem ser em texto, imagem, vídeo e áudio. Com o SMP o cidadão é produtor de informação e participa ativamente da manutenção da memória de Singapura.
NLB Mobile: O NLB disponibiliza tecnologias não apenas para utilização dos usuários, mas também nas atividades internas. Esta aplicação, segundo Dresel et al. (2020, p. 6), era utilizada por mais de 4% dos residentes de Singapura. Além das funcionalidades tradicionais de catálogo, renovação e reserva, possui funções mais interativas e inovadoras, como: interação dos usuários por meio de avaliações e resenhas; realização de empréstimos feita exclusivamente pelo celular, através da leitura de código de barras; localização de itens desejados via radiofrequência; identificação dos usuários por meio de um eCard; entre outras.
Makerspaces: Os cidadãos podem desenvolver projetos por meio de ferramentas, tecnologias e oficinas disponibilizadas pelo NLB desde 2015. O conjunto de makerspaces, denominado MakeIT at Libraries, está presente em três bibliotecas do sistema (Jurong Regional Library, Tampines Regional Library e Woodlands Regional Library) e viabiliza a inovação em 5 áreas: Impressão 3D, Robótica e programação, Costura, Corte a laser e Upcycling (INFOCOMM MEDIA DEVELOPMENT AUTHORITY, S.d.). O sistema também conta com um espaço de aprendizagem exclusivo para crianças, o Tinker Truck.
S.U.R.E.: Programa de competência informacional e midiática para todas as idades que conta com eventos públicos e cursos online. (SINGAPORE, S.d.b.).
MOLLY: Programa de biblioteca móvel, relançado em 2008, que tem como objetivo atender comunidades com menos acesso às bibliotecas públicas, como orfanatos e asilos. É importante ressaltar que as bibliotecas rodam todos os dias da semana e são acessíveis às pessoas com deficiência (SINGAPORE, 17 nov. 2016).
Time of Your Life: Serviços exclusivos para usuários com mais de 50 anos, como
Early Read e READ@School: Programas de incentivo à leitura para crianças até 6 anos e de 7 a 17 anos, respectivamente.
2. Isto posto, foi possível verificar o forte potencial de atuação das BP para o desenvolvimento de cidades inteligentes. A seguir, nas Considerações Finais, também são colocadas algumas reflexões sobre o contexto brasileiro.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo de cidade inteligente requer foco na otimização da cidade, mas não se pode esquecer que o resultado esperado não é de um espaço injustificadamente controlado, mas sustentável e participativo. O uso integrado de TIC por si só não torna a cidade inteligente, isso se dá pelo impacto desse uso na qualidade de vida das pessoas.
Os escassos trabalhos brasileiros sobre cidades inteligentes em Ciência da Informação tratam, principalmente, de controle informacional. A recuperação de apenas um trabalho brasileiro que discute a relação entre bibliotecas e cidades inteligentes demonstra essa lacuna na literatura nacional de Biblioteconomia e Ciência da Informação.
A partir da análise de conteúdo realizada nos 53 trabalhos recuperados nesta pesquisa, foram verificadas algumas contribuições das bibliotecas públicas para o desenvolvimento de cidades inteligentes, como: disponibilização de internet, promoção de competência informacional no uso de computadores e outras tecnologias da informação, fomento e incentivo à inovação, acesso e disseminação de informação utilitária. Para além disto, a biblioteca pública tem potencial para ser, no contexto das cidades inteligentes, um espaço público que viabiliza a participação cidadã e o desenvolvimento comunitário.
Para que o cidadão seja um co-participante nessa cidade “inteligente”, não pode ser um passivo consumidor de informações, mas um efetivo produtor de informação. A biblioteca pública consiste, neste viés, em um equipamento de aprendizado, de consumo e de produção consciente de informação.
O desenvolvimento comunitário a partir da colaboração é viabilizado por meio da disponibilização de espaço e recursos que permitem que todos tenham chances menos desiguais de por em prática aquilo que aprendem. Trata-se da tendência do movimento maker, por intermédio dos makerspaces, que possivelmente se tornarão parte essencial das bibliotecas no século XXI, verdadeiras plataformas comunitárias.
O caso do NLB demonstrou algumas contribuições por meio de um sistema com apoio político forte e de serviços bem planejados para as necessidades dos usuários. Com a tecnologia a favor do fluxo de trabalho e objetivos bem delineados (pelo governo) para o desenvolvimento de competências fundamentais aos cidadãos inseridos nas cidades inteligentes, a cidade-estado é um bom exemplo de BP como espaço público de inovação, por meio de estratégias diversas e bem recebidas pela população, viabilizando a participação cidadã e o desenvolvimento comunitário.
Em relação aos parâmetros de cidades inteligentes utilizados no Brasil, o Ranking CSC, a ausência das bibliotecas em seus indicadores reflete a imagem equivocada que a sociedade brasileira tem das BP, pois quando as bibliotecas são excluídas dos indicadores de ambientes de inovação das cidades está invisibilizado todo o potencial da instituição biblioteca. A inclusão de indicadores como porcentagem da população que utiliza as BP, quantidade de livros eletrônicos e de espaços de inovação certamente acarretaria a conscientização de gestores públicos e investidores sobre a importância das bibliotecas no contexto das cidades inteligentes e, consequentemente, em mais investimentos para as instituições.
Contudo, uma reflexão autocrítica se faz necessária, pois as BP frequentemente são mal compreendidas inclusive pelos próprios bibliotecários. É urgente desvincular a imagem da biblioteca pública de espaço exclusivo de apoio à educação e ao empréstimo de livros. Para isso, mudar a opinião do bibliotecário(a) é essencial. Tanto sobre seu lugar na sociedade, quanto sobre a BP ser efetivamente um espaço que viabiliza informação e inovação.
A elaboração de políticas públicas é de extrema importância nesse contexto. Cabe aos governos na esfera federal, estadual e municipal, adotar a postura proativa de utilizar seus instrumentos de acesso à informação, especialmente na forma da biblioteca pública, para incentivar a inovação numa perspectiva menos desigual. Neste sentido, ainda que o Projeto de Lei 976/2021 surpreenda ao mencionar as BP em seu texto, é importante reforçar que a abordagem da legislação não faz jus ao potencial da instituição que não deve, de forma alguma, ser considerada um espaço que existe para servir alunos da rede pública. A BP deve ser tratada como uma instituição que viabiliza a colaboração e a inovação para toda a sociedade.
A inexpressiva quantidade de trabalhos sobre a temática pode ser vista como um indicativo do desconhecimento do potencial de contribuição desses espaços em relação às questões de inovação, tecnologia, transparência e participação cidadã, tão caras ao conceito de cidades inteligentes e aos projetos de governo aberto.
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NOTAS
Autor notes
Coleta de dados: C.C. Almeida
Análise de dados: C.C. Almeida
Discussão dos resultados: C.C. Almeida, R.B. Cianconi
Revisão e aprovação: R.B. Cianconi
Caso necessário veja outros papéis em: https://casrai.org/credit/
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