Artigo Original
ACESSO ABERTO E FINANCIAMENTO DA PESQUISA NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS E TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
OPEN ACCESS AND RESEARCH FUNDING IN BRAZIL: CHARACTERISTICS AND TRENDS IN SCIENTIFIC PRODUCTION
ACESSO ABERTO E FINANCIAMENTO DA PESQUISA NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS E TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 27, pp. 1-26, 2022
Universidade Federal de Santa Catarina
Recepção: 15 Dezembro 2020
Aprovação: 13 Agosto 2021
Publicado: 03 Janeiro 2022
RESUMO
Objetivo: este estudo se propõe a analisar a distribuição da produção científica brasileira, considerando seu crescimento e possível relação entre as variáveis indexação, financiamento da pesquisa e modalidades de acesso aberto. Mensura a adesão ao acesso aberto, considerando as bases de indexação, a presença ou ausência de financiamento, e as modalidades e áreas de financiamento de pesquisa pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Método: o estudo tem caráter exploratório, pautando-se em abordagem cientométrica para análise das variáveis de interesse. Considera a totalidade de artigos originais e de revisão publicados por autores filiados a instituições brasileiras no período de 2009 a 2016. Informações sobre as modalidades de financiamento de artigos resultantes de pesquisa financiada pela Fapesp foram obtidos de sua Biblioteca Virtual (BV Fapesp).
Resultado: observou um aumento significativo de artigos em acesso restrito na Web of Science (WoS), além de aumento percentual de artigos sem menção a financiamento. Dentre as modalidades de acesso aberto a via Bronze se destaca no início do período, dando lugar à Dourada; e a SciELO representa quase 50% em acesso aberto, quando não há menção a financiamento, e 20% quando se declara o financiamento. As modalidades de fomento Fapesp revelam relação entre: níveis de bolsa e modalidades de acesso aberto, com maior nível e publicação na WoS, e menor nível na SciELO; auxílios Regular e Biota têm na SciELO maior percentual, enquanto Temáticos, CEPIDs e Jovem Pesquisador na WoS. Finalmente, observou-se que praticamente todas as áreas aumentam o percentual de artigos em acesso restrito no final do período, com destaque para as Humanas.
Conclusões: a produção científica brasileira sinaliza que a tendência em direção ao acesso aberto é invertida entre os subperíodos analisados. As iniciativas da Fapesp são percebidas, tendo-se observado tendência favorável à via Dourada, em periódicos Web of Science, enquanto o SciELO reforça tal tendência, tanto na pesquisa financiada pela Fapesp, quanto na produção financiada por outras agências, assim como nas publicações sem menção a financiamento. Diante de tais circunstâncias, os pesquisadores de instituições paulistas credenciados em programas de pós-graduação veem-se obrigados a encontrar um ponto de intersecção, que priorize o fator de impacto, porém muitas vezes tendo que abrir mão do acesso aberto.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso Aberto+ financiamento+ indexação+ Brasil+ cientometria.
ABSTRACT
Objective: this study aims to analyze the distribution of Brazilian scientific production, considering its growth and possible relationship between indexing variables, research funding and open access modalities. It measures adherence to open access, considering the indexing databases, the presence or absence of funding, and the modalities and areas of research funding by Fapesp.
Methods: the study has an exploratory character, based on a scientometric approach for the analysis of the variables of interest. It considers all original and review articles from 2009 to 2016, published by authors affiliated to Brazilian institutions. Information on funding modalities of articles resulting from research funded by Fapesp was obtained from its Virtual Library (BV Fapesp).
Results: a significant increase in restricted access articles was observed on the Web of Science (WoS), in addition to a percentage increase in articles with no mention of funding. Among the open access modalities, the Bronze route stands out at the beginning of the period, giving way to Golden; and SciELO represents almost 50% in open access when there is no mention of funding, and 20% when funding is declared. The Fapesp funding modalities reveal a relationship between: scholarship levels and open access modalities, with higher level and publication in WoS, and lower level in SciELO; Regular and Biota grants have a higher percentage in SciELO, while Thematic, CEPIDs and Young Researcher in WoS. Finally, it was observed that practically all areas increase the percentage of articles in restricted access at the end of the period, with emphasis on Humanities.
Conclusions: Brazilian scientific production signals that the trend towards open access is reversed among the subperiods analyzed. Fapesp's initiatives are perceived, with a favourable trend towards the Golden route, in Web of Science journals, while SciELO reinforces this trend, both in Fapesp-funded research and in production funded by other agencies, as well as in publications without mention to funding. In such circumstances, researchers from São Paulo institutions accredited in post-graduate programs are forced to find an intersection point, which prioritizes the Impact Factor, but often having to give up open access.
KEYWORDS: Open Access, funding, indexing, Brazil, scientometrics.
1 INTRODUÇÃO
Diversos fatores influenciam o fluxo de informação que nutre o complexo sistema de comunicação científica. Há muito tempo, os periódicos se consolidaram como principal veículo de publicação. No entanto, a aderência temática, que representava sua razão de ser em sua origem - determinando a escolha do periódico para submissão de um manuscrito -, não pode mais ser considerada como fator principal atualmente. Devido à variedade de títulos que compartilham um mesmo escopo temático, as bases de dados, há décadas, cumprem um papel essencial, no que diz respeito à seletividade que rege a definição da coleção de periódicos que indexa (CASTRO, 2011). Além da questão temática, passa-se, ainda, a diferenciá-los - ranqueando-os - a partir de indicadores bibliométricos (MCKIERNAN et al., 2019; MUGNAINI; PIO; PAULA, 2019). Os periódicos, então, passaram a usufruir diferentes níveis de reconhecimento perante a comunidade científica, com potencial proporcional de transferência de crédito aos pesquisadores que têm seus resultados de pesquisa publicados.
Contudo, esse empoderamento de periódicos - que Guédon (2010) chega a afirmar que são instituições estabelecidas no amplo sistema de ciência e tecnologia - tornou-se grande oportunidade para o mercado editorial, encarecendo sobremaneira seu custo de assinatura e culminando em uma crise que, na virada do último século, deu lugar movimento de Open Access, ou Acesso Aberto (AA). Nesse sentido, apesar do aspecto do acesso se mostrar essencial para o fluxo da comunicação científica, o pesquisador nem sempre pode se pautar somente nessa questão quando da decisão de onde publicar. É necessário considerar, por exemplo, as políticas que regem sua carreira, seu programa de pós-graduação, a instituição à qual se está afiliado e/ou, ainda, as agências nacionais e internacionais que financiarão a pesquisa.
Dentre a maioria das políticas estabelecidas em diversas instâncias dos sistemas de ciência e tecnologia ao redor do mundo, o fator de impacto - indicador proposto na década de 1970 pelo então Institute for Scientific Information e publicado anualmente pela Clarivate Analytics, mantenedora da base Web of Science (WoS) - tem sido largamente utilizado para classificação de periódicos em processos avaliativos da carreira acadêmica, independente de muitas posições contrárias a essa prática (MCKIERNAN et al., 2019; VANCLAY, 2012; VESSURI; GUÉDON; CETTO, 2014). Frente a isso, há uma crescente resistência ao mercado editorial, por parte de instituições públicas - dentre as quais as agências de fomento se destacam -, que ganha força com um movimento mais amplo, em favor da abertura da ciência como um todo, reforçando a necessidade de publicação em acesso aberto (ALBAGLI; CLINIO; RAYCHTOCK, 2014; SCIENCE EUROPE, 2020).
Contudo, os pesquisadores precisam atender aos critérios de processos avaliativos, que valorizam indicadores como o fator de impacto, recorrendo aos periódicos que cobram assinatura (BJÖRK; SOLOMON, 2012). Esse seria um dos fatores considerados pelos pesquisadores, que, em um ambiente cuja competitividade é reforçada por políticas avaliativas, têm suas escolhas influenciadas por parâmetros de excelência determinados pelas grandes corporações do meio editorial (SALATINO, 2020).
Diante desse cenário, é importante recorrer a indicadores cientométricos, a fim de facilitar a compreensão do processo de geração e comunicação do conhecimento científico, pois permitem analisar sua evolução, considerando taxa e direção de mudanças, podendo ter como entidade produtora um país, área, instituição ou autor (BORGMAN; FURNER, 2002). Nesse sentido, diversas variáveis podem ser consideradas, no intuito de buscar possíveis explicações para os fenômenos observados.
As bases de dados bibliográficas representam uma variável a se considerar, pelo fato de apresentarem critérios de seleção próprios, influenciando, assim, a escolha de veículos de publicação pelos pesquisadores e servindo para avaliação (SANTOS; MUGNAINI, 2019), além de oferecerem metadados que enriquecem e facilitam sobremaneira as análises, como é o caso da menção à fonte de financiamento da pesquisa (PAUL-HUS; DESROCHERS; COSTAS, 2016). É assim que agências têm podido compreender o efeito de suas atividades na pesquisa que financia e delineado suas políticas de fomento e avaliação (RIGBY, 2011). Contudo, deve-se levar em conta que a prática da menção ao financiamento está em consolidação, uma vez que as agências de fomento vêm reforçando sua obrigatoriedade nos últimos anos. Portanto, a possibilidade de ausência de menção deve não ser ignorada, considerando os casos em que não há obrigatoriedade (COSTAS; VAN LEEUWEN, 2012).
Estudos anteriores verificaram a relação entre financiamento e país de afiliação (WANG; SHAPIRA, 2011), base de dados, área e idioma (PAUL-HUS; DESROCHERS; COSTAS, 2016) e entre modalidade de Acesso Aberto e editoras (PIWOWAR et al., 2018).
Este estudo se propõe a analisar a distribuição da produção científica brasileira, considerando seu crescimento e possível relação entre as variáveis indexação, financiamento da pesquisa e modalidades de acesso aberto. Para tanto, recorre à vinculação entre diferentes fontes de informação: as bases de dados de produção científica - Web of Science (WoS) e SciELO - e uma fonte de informação de agência de fomento à pesquisa, a Biblioteca Virtual da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (BV Fapesp).
1.1 O movimento do Acesso Aberto (AA)
Três importantes reuniões ocorridas em Berlim, Bethesda e Budapeste, respectivamente, entre os anos de 2002 e 2003, contribuíram para que o movimento de AA - cujas origens datam da década de 1990 - se consolidasse e mantivesse sua trajetória ao longo de quase duas décadas. Há um significativo volume de literatura destinado à análise da trajetória do movimento de AA. Laakso e demais autores (2011) apresentam o desenvolvimento do AA no período de 1993 a 2006, enquanto Tennant e demais autores (2016) revisaram os impactos econômicos e sociais e já há algum tempo Eysenbach (2006) analisou o efeito do AA em citações. Com o passar dos anos, o movimento adquiriu novas características, diversos atores participantes do processo de comunicação científica - autores, editores, sistemas de informação, agências de fomento, universidades, entre outros - desenvolveram novas formas, formatos e modelos de negociação e publicação, mantendo a premissa de disponibilizar a literatura sem restrições.
Duas vias - que dizem respeito a diferentes modalidades de abertura do acesso - foram determinadas inicialmente: dourada e verde (HARNAD et al., 2008). Enquanto a primeira diz respeito a periódicos que não cobram assinatura a seus leitores e transferem para o autor o pagamento para publicação do artigo, a segunda consiste no autoarquivamento dos trabalhos pelos autores, em repositórios digitais mantidos por instituições de pesquisa, universidades, bibliotecas, entre outras.
Björk e Solomon (2012) comentam que é possível distinguir alguns marcos significativos no movimento a partir da segunda metade da década de 1990 e no início do novo século. Sendo assim, uma primeira fase seria caracterizada pelo lançamento de periódicos de livre acesso por pesquisadores individualmente, que é o caso do Journal of Medical Internet Research, publicação de grande renome em sua área de atuação, e a segunda fase seria a adoção e disponibilidade do modelo AA por grandes editoras científicas, que trabalhavam somente mediante subscrição, podendo-se citar o British Medical Journal, que ofereceu AA desde o ano de 2000.
Um modelo híbrido foi proposto em 2012 como solução viável para garantir a sustentabilidade do AA, principalmente por parte das grandes editoras comerciais, que têm visto no mesmo um grande negócio (WEITZEL, 2014). Nesse modelo, a cobrança passa a incidir sobre o autor, que paga uma taxa para publicação do artigo - Article Processing Charge (APC) -, em vista da disponibilidade do texto em AA, enquanto que os artigos de autores que optam por não pagar essa taxa ficam disponíveis mediante assinatura.
O valor dessas taxas é variável, sendo que grandes editores, como BioMed Central e PLoS, cobram entre 1.350 e 2.250 dólares (US$), enquanto, em periódicos mais renomados, o valor pode atingir de 2.700 a 2.900 dólares (VAN NOORDEN, 2013). No caso de periódicos editados no Brasil, o uso do estrato Qualis demonstrou que as APCs estavam associadas (APPEL; ALBAGLI, 2019). Essas constatações sugerem que os editores tiram proveito do prestígio alcançado pelo periódico, explicando, assim, a vantagem do modelo híbrido para obtenção de lucro, nas palavras de Salatino (2020, p. 130), configura-se o “acesso aberto comercializado”.
Finalmente, a modalidade Bronze compartilha atributos das vias dourada e híbrida, pelo fato de ser oferecida por editoras, que disponibilizam o artigo para leitura, mas sem licença para extensão de direito de uso, como é o caso da modalidade híbrida (PIWOWAR et al., 2018). Segundo os mesmos autores, torna-se a modalidade mais prevalente em cada uma das amostras utilizadas em seu estudo.
Björk e Solomon (2012) apontam para a dificuldade de realizar análises comparativas de impacto entre periódicos, dada a reputação de editoras estabelecidas há décadas, em relação a periódicos recentes que nasceram em AA. Em seu estudo, eles simplesmente diferenciam os periódicos segundo sua data de criação - antes de 1996, 1996-2001 e 2002-2011 - e duas regiões de origem - quatro maiores países editores (Estados Unidos, Reino Unido, Países Baixos e Alemanha, que respondem por cerca de 70% dos periódicos da amostra do estudo) e demais -, encontrando maior impacto médio dos periódicos em acesso fechado em relação ao AA, principalmente os mais antigos. Adicionalmente, os autores verificaram que, dentre os periódicos em AA, os que cobram APC apresentam maior impacto. Esses resultados indicam a existência de associação entre o pagamento para publicação e o impacto em citações, sendo tais fatores possíveis balizadores da escolha dos periódicos para publicação.
Como se pode notar, o movimento do AA alterou significativamente o modelo de negócio das editoras, e seu estabelecimento exigiu o posicionamento de diversos atores do sistema que envolve a publicação da pesquisa, merecendo destaque os responsáveis por seu financiamento.
1.2 O financiamento da pesquisa e o Acesso Aberto
As agências de fomento exercem uma parte importante e crucial no processo de geração e disseminação do conhecimento, notadamente por seu papel de estabelecer políticas e critérios como prerrequisitos a serem adotados pelos pesquisadores solicitantes de financiamento. O papel chave das agências, bem como a significativa influencia que detém perante os outros atores do sistema acadêmico, é destacado no relatório de Curry e demais autores (2020). Crescentemente, caminhase para um consenso de que os resultados da pesquisa financiada com recursos públicos devem estar disponíveis ao público.
Assim também preconiza o programa europeu Horizon 2020, que objetiva proporcionar um significativo avanço à ciência, convertendo ideias surgidas nos laboratórios em produtos de mercado, que beneficiem a comunidade em geral. Em seu item 29.1, registra a obrigatoriedade de disseminar os resultados por meios apropriados com a maior brevidade possível, além de estabelecer, no item 29.2, que todas as publicações científicas resultantes dos projetos aprovados dentro do programa devem ser depositadas em repositórios disponíveis em acesso aberto, para qualquer usuário e sem custo. Detalha, ainda, que todas as questões sobre o acesso aberto - quem deve depositar, quando, como e o que depositar -, mas deixando a decisão de escolha do repositório, assim como as rotas - dourada ou verde -, a cargo do autor. Por outro lado, recomenda aos autores incluir no orçamento dos projetos o Pagamento de Artigos (APC) em periódicos com peer-review.
Lançado em setembro de 2018, o Plano S dá sequência ao programa Horizon 2020, sendo um consórcio formado por uma coalizão de 13 agências financiadoras europeias, denominada cOAlitions S, e apoio da Comissão Europeia (EC), European Research Council (ERC), sob os auspícios da Science Europe. Com objetivo principal de acelerar o processo de abertura da ciência na Europa, adota os princípios estabelecidos pelo Horizon 2020, definindo dez princípios, dentre os quais destaca-se o desestímulo à adoção do sistema híbrido, além de não advogar a favor de nenhum modelo de AA específico (SCIENCE EUROPE, 2020).
Dentre os resultados encontrados por Pölönen e Auranen (2021), a produção finlandesa financiada apresentou cerca de 2,5% mais artigos nas modalidades híbrida e verde em relação à produção não financiada. O percentual publicado em acesso fechado foi de 47,4% para a produção financiada, sendo 4,6% menor que a não financiada. Considerando que os dados utilizados correspondem ao período entre 2015 e 2018, espera-se que, sob os princípios do Plano S, os percentuais na modalidade híbrida e no acesso fechado devem diminuir.
No Brasil, ainda não se observa uma política mandatória oficial em favor do AA. Rezende e Falgueras (2020), que mapearam os marcos regulatórios no âmbito da Ciência Aberta no Brasil, identificaram 12 políticas institucionais - universidade e instituições de pesquisa - que incentivam os pesquisadores a publicar em canais de acesso aberto, sendo que duas delas beneficiam aqueles que o fazem quando da participação em editais internos. Os autores esclarecem, no entanto, que tais políticas ainda estão muito voltadas à via verde, como resultado da multiplicação de repositórios. Dentre as 28 agências de fomento pesquisadas, apenas a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em 2019, formalizava sua Política para Acesso Aberto às Publicações Resultantes de Auxílios e Bolsas Fapesp1.
Assim, importa destacar que os esforços da Fapesp se concretizam nos seguintes incentivos:
Apoio ao acesso aberto dos periódicos do Brasil, via SciELO;
Apoio à publicação de artigos científicos - oriundos de projetos e/ou bolsas financiados pela agência, por meio de verba de reserva técnica do projeto - em periódicos estrangeiros.
O Projeto SciELO, iniciativa mais notável de periódicos na via dourada da América do Sul, surgiu no Brasil em 1997. Atualmente, ele reúne cerca de 1.250 títulos ativos de países ibero-americanos, além de englobar os sul-africanos, formando uma rede que reúne 16 países (PACKER, 2009). Para sua operação, além da Fapesp, o projeto tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Por outro lado, a Fapesp vem envidando esforços para reduzir os custos dos APCs dos artigos financiados para publicação em periódicos estrangeiros, por meio de acordo com as editoras, que cobram para abertura de acesso no modelo híbrido.
Diante desse cenário, este estudo analisa a distribuição da produção científica brasileira, considerando variáveis como indexação, principalmente por se tratar de um país como o Brasil, no qual os autores contam com uma iniciativa como o SciELO, modalidades de acesso aberto priorizadas, para mensurar o nível de adesão ao AA; financiamento, dado o alto percentual financiado por agências nacionais e estaduais, e, finalmente, aprofunda a análise considerando características dos projetos financiados pela Fapesp, como modalidade de bolsas e auxílios, além de sua área de conhecimento.
2 METODOLOGIA
O estudo tem caráter exploratório, pautando-se em abordagem cientométrica para análise das variáveis de interesse. O corpus analisado consiste em 394.319 artigos recuperados das bases Web of Science (WoS) e SciELO, com pelo menos um autor com afiliação institucional do Brasil, no período de 2009 a 2016, destacando-se que as duplicidades foram eliminadas. Os periódicos foram classificados segundo bases de indexação - WoS e/ou SciELO, e ainda, bases que compõem a WoS Core Collection -, permitindo, assim, a classificação dos artigos publicados. Merece destaque o Emerging Sources Citation Index (ESCI), que, a partir de 2015, passou a reunir periódicos que ainda não foram aceitos nos índices tradicionais - Science Citation Index Expanded (SCIE) and Social Sciences Citation Index (SSCI) -, mas já conferem visibilidade da produção científica da WoS. Outra classificação respectiva aos periódicos considerou as categorias temáticas do Essential Science Indicators, que reúne os periódicos indexados na WoS em 22 categorias, às quais foi adicionada a área de ciências humanas.
A escolha da fonte de dados considera os resultados de Singh e demais autores (2021), com dados da base Dimensions de 2010 a 2018, que sugere que a Scopus oferece melhor cobertura que a WoS apenas para as ciências sociais, no caso do Brasil. Assim, complementando os dados da WoS com a SciELO, melhora-se significativamente a cobertura da produção brasileira para as ciências da saúde e humanas.
Já uma variável relacionada a cada artigo foi a existência - ou não - de qualquer menção a financiamento. Para tanto, foi considerado o campo “Funding Agency and Grant Number” (FU), disponibilizado pela Web of Science, enquanto a SciELO igualmente armazena essa informação. Cerca de metade da produção científica nas duas bases apresentava menção a financiamento.
O passo seguinte foi verificar se a Fapesp era informada - considerando as várias formas de grafia pelos autores -, o que se observou para aproximadamente 60 mil artigos (ou 29,9%). Desses, pouco mais de 33 mil tiveram seu identificador - “Unique Article Identifier” ou "UT" da WoS, ou “Publisher Item Identifier” ou "PID" da SciELO - poderia ser localizado na BV Fapesp2. O acesso a seus metadados permitiu identificar as modalidades de projetos financiados pela agência - diferentes tipos de auxílios à pesquisa, bolsas e estágio no exterior -, além da área em que se dá o financiamento.
A identificação do tipo de acesso aberto dependeu estritamente do campo bibliográfico da WoS - Open Access Indicator -, diferenciando modalidades de acesso a cada artigo, cujas categorias foram codificadas conforme explicitado na Tabela 1.
É importante observar que artigos com mais de uma modalidade informada foram codificados de modo a priorizar a melhor opção de acesso para o usuário, respeitando a seguinte ordem: Dourada, Verde e Bronze. Quanto aos artigos publicados em periódicos SciELO, a modalidade Dourada - somente gold - foi atribuída, sendo, contudo, codificada como "DOAJ Dourada", por se tratarem de periódicos totalmente abertos. A codificação "outra dourada" abrange artigos em AA publicados em periódicos híbridos, conforme exposto anteriormente. Já as modalidades Verde dizem respeito à presença em repositório, dependendo que sua disponibilidade tenha se dado antes ("Verde Aceito") ou depois da publicação ("Verde Publicado"). Finalmente, a categoria Bronze indica que o artigo está em AA no site do editor, o que pode se dever a uma promoção por tempo limitado - embargo -, porém sem menção ao tipo de licença pelo Creative Commons, e esse nível de incerteza fez com que tivesse menor prioridade.

Os dados da Web of Science foram obtidos on-line, mediante recuperações sucessivas de 500 registros por vez, conforme disponibilizado por seus mantenedores. Já os dados da SciELO e BV-Fapesp foram obtidos junto às respectivas instituições. Uma base de dados em CISIS (BIREME/OPS/OMS, 2006) - executado em ambiente Linux - vem sendo mantida e atualizada, agregando dados das diversas fontes, que passam por limpeza e normalização de diversos campos bibliográficos. Os dados respectivos às variáveis utilizadas no estudo foram gerados em arquivo texto e analisados no software Microsoft Excel, por meio de tabelas dinâmicas e gráficos.
As análises consideraram evoluções temporais, em números absolutos e relativos, assim como o período completo para estudo da incidência das variáveis qualitativas. Taxas de crescimento percentual foram utilizadas, comparando-se o incremento de determinado ano em relação ao anterior. Por essa razão, o primeiro ano a contar é 2010, ou seja, o percentual de incremento em relação a 2009 - primeiro ano do período -, e para se comparar as duas metades do período, foram tomadas as médias anuais de crescimento do primeiro (2010 a 2013) e segundo (2013 a 2016) subperíodos, com quatro taxas de crescimento anual cada.
3 RESULTADOS
Analisando a produção científica brasileira publicada em periódicos indexados na SciELO e WoS entre 2009 e 2016, pode-se notar, no Gráfico 1-A, que o montante de artigos em periódicos SciELO permanece praticamente inalterado ao longo do período se somadas as áreas amarelas e verdes. No entanto, nota-se um aumento nos artigos SciELO até 2012, que se estabiliza posteriormente, enquanto, nos periódicos SciELO-WoS, observa-se leve diminuição a partir de então. No Gráfico 1B, pode-se notar que a SciELO responde por cerca de 15% dos artigos que indexa exclusivamente, e que por conta do ESCI - em amarelo claro - passa a ter uma pequena porção indexada também na WoS Core Collection. Isso é também observado em relação aos artigos publicados em periódicos de ambas as bases (verde, com 22,6%, sendo uma pequena porção no ESCI).
A maior porção de artigos no ESCI é notada entre os artigos de periódicos indexados exclusivamente na WoS, que representam 4% do total, mesmo que o ESCI tenha começado somente em 2015. No Gráfico 1-A, observa-se que eles representam um aumento notório da produção brasileira na WoS nos últimos dois anos (azul claro), representando respectivamente 13,3% e 19,6%. Por outro lado, o aumento do número de artigos na WoS é praticamente constante ao longo de todo o período. Finalmente, considerando a média do crescimento anual do total da produção, observa-se 5,6% até 2013, e 9,2% de 2013 em diante.
![Distribuição da produção científica brasileira indexada nas bases SciELO e WoS no período 2009-2016, sendo: [A] evolução anual do número de artigos e [B] percentual](../1518-2924-eb-27-e78818-gf1.gif)
Outro estudo já evidenciava que o crescimento da produção científica brasileira já se evidenciava majoritariamente em periódicos estrangeiros (MUGNAINI; DIGIAMPIETRI; MENA-CHALCO, 2014), o que pode se dever, principalmente, aos estímulos à internacionalização, provenientes da política científica, que emana das diversas instâncias de avaliação (SANTOS; MUGNAINI, 2019). Sob tais estímulos, os pesquisadores tendem a encontrar nos periódicos das diversas áreas e países uma gama de possibilidades para submissão de seus trabalhos, causando a dispersão da produção. No entanto, deve-se considerar o que afirmam Mugnaini e demais autores (2019), analisando a produção brasileira completa e usando como fonte a Plataforma Lattes, que, apesar dos periódicos SciELO se apresentarem em menor número, representando apenas 3% do total de periódicos utilizados para publicação, eles publicam 21% dos artigos do país.
Se, por um lado, a demanda de muitas submissões satura o processo editorial, por outro explica o não crescimento da taxa de publicação do Gráfico 1-A, o que estaria relacionado à seletividade da base SciELO. Quanto ao financiamento da pesquisa, Mugnaini, Igami e Krzyzanowski (2020) observaram que praticamente metade da produção brasileira faz menção a alguma fonte de financiamento, contudo, os 30% que mencionavam a Fapesp apresentaram menor crescimento ao longo do período. Os autores ponderaram que o maior aumento de artigos que mencionavam outras fontes poderia se dever ao fato de as demais fontes serem diversas, como observaram Mcmanus e demais autores (2020) sobre a produção de 2004 a 2019, na qual foram identificadas 831 fontes de financiamento na produção brasileira na WoS, subsidiando, assim, um maior número de projetos.
3.1 Modalidades de Acesso Aberto e financiamento da pesquisa brasileira
Passando à análise do percentual da produção científica brasileira que não está em AA, pode-se notar, no Gráfico 2A, que a parte sem menção a financiamento fica entre 75 e 80% no início do período, alcançando 90% no final - linha preta contínua - considerando somente artigos na WoS. Esse aumento, a partir de 2014, foi sinalizado no Gráfico 1, porém, o Gráfico 2 revela que o aumento de artigos em acesso restrito (não AA) na WoS se dá principalmente com artigos sem menção a financiamento. Por outro lado, ao considerar o cenário completo (WoS e SciELO), observa-se uma diferença negativa de cerca de 50% menos de artigos não AA, revelando a relevância da SciELO para publicações que não mencionam fonte de financiamento (tendência que se acentua após 2014).
Ainda no Gráfico 2A, o conjunto de artigos com financiamento Fapesp (azul), ou menção a outra(s) fonte(s) de financiamento (rosa), nota-se um comportamento similar, apresentando decréscimo na primeira metade do período e leve aumento na segunda metade (linhas contínuas). É importante observar que as linhas estão muito próximas da linha preta em 2009, mas, no final, apresentam um montante de cerca de 20% dos artigos a mais em AA, evidenciando a relação da abertura do acesso e o financiamento da pesquisa. Ao observar as linhas pontilhadas coloridas, percebe-se que o seu comportamento também é similar entre si, e a distância de cada uma à respectiva linha contínua revela que os artigos SciELO representam acréscimo de 10% no percentual de AA.
Do Gráfico 2A, pode-se concluir que o incentivo da Fapesp via Projeto SciELO tem um papel crucial para a disponibilidade da produção cientifica brasileira, principalmente quando não se observa menção a financiamento. Essa parte da produção abrange grande parte das publicações resultantes do sistema de pósgraduação. Por outro lado, merece atenção o fato de que, quando os artigos SciELO não são considerados, os artigos sem menção a financiamento são os que apresentam maior percentual em acesso restrito, sugerindo que a parte financiada recorre mais intensamente ao AA.
![Percentual anual de artigos que não estão em AA, sem menção a alguma fonte de financiamento, menção à Fapesp ou outra (s) fonte (s), considerando distribuição: [A] anual e apenas WoS ou base completa (WoS+SciELO); [B] por áreas dos periódicos e base completa (WoS+SciELO) - período 2009-2016](../1518-2924-eb-27-e78818-gf2.gif)
No que tange à distribuição entre as diferentes áreas da produção científica (Gráfico 2B), observa-se que as áreas de ciências exatas são as que apresentam maior percentual de artigos não AA, mesmo que sejam considerados conjuntamente os artigos na WoS e SciELO. No outro extremo, tem-se as áreas de ciências humanas e sociais, enquanto as biológicas ficam em posição intermediária. O comportamento das áreas tem estreita relação com o panorama apresentado por Mugnaini e demais autores (2019), usando os dados de currículos Lattes, já que, em ambos os casos, parte-se da produção científica de autores do Brasil. A diferença do presente estudo é que a produção não indexada nas bases SciELO e/ou WoS não é considerada.
As diferentes categorias de financiamento, no entanto só permitem alguma diferenciação para poucas áreas, com menor percentual (pelo menos 15%) de artigos não AA:
Física, quando os artigos mencionam financiamento da Fapesp;
Ciências agrárias, ciências de plantas e animais, economia/negócios e
Ciências humanas, biologia molecular/genética, imunologia e multidisciplinar, quando os artigos mencionam algum financiamento.
Sobre o primeiro grupo, apenas com a área de física com menção à Fapesp, o maior percentual de AA não está ligado ao SciELO - pois a produção do período em seus periódicos não chega a 5% -, devendo-se, principalmente, às vias douradas (cerca de 24%) e às verdes (aproximadamente 9%). Já o segundo grupo reúne áreas cujo percentual em SciELO é significativo - somando 65% - quando os artigos não mencionam fonte de financiamento, restando menos de 7% de artigos nas demais vias de acesso aberto. As áreas do terceiro grupo, por sua vez, quando mencionam alguma fonte de financiamento, destacam-se pelo percentual de 51% dos artigos na modalidade DOAJ Dourada (40% na WoS e 11% na SciELO), sendo as ciências humanas uma exceção, por terem 94% de seus artigos DOAJ provenientes da SciELO.
Complementando a análise anterior, o Gráfico 3 apresenta a análise temporal do percentual de artigos em AA, mas somente aqueles com menção a financiamento - diferenciando Fapesp (linhas contínuas) de outros (linhas pontilhadas) -, segundo as modalidades de AA.
A modalidade DOAJ Dourada é representada por linhas laranjas em diversos tons, sendo a única que pode ser complementada com dados da SciELO (com tom mais claro). Pode-se notar que o percentual de artigos com menção a outros financiamentos predomina até 2014, decrescendo a partir de 2015 e se aproximando do percentual de artigos financiados pela Fapesp. Contudo, o grande destaque do Gráfico 3 é o aumento do percentual de DOAJ Dourada, que se dá especificamente na WoS (laranja escuro), ainda mais elevado para artigos com menção à Fapesp.
Dentre as demais modalidades, nota-se pouca diferença entre artigos com financiamento Fapesp e outros, merecendo destaque a via bronze, com crescimento entre 2010 e 2011, porém decrescendo continuamente a partir de então e se aproximando das outras modalidades no final do período. As vias Verde Publicado (verde escuro) e Outra Dourada (em vermelho) apresentam percentual ligeiramente maior para financiamentos Fapesp por quase todo o período. E a via Verde Aceito, com menor percentual, não representa nem 1% do total de artigos financiados no período completo.

3.2 Modalidades de financiamento Fapesp e de Acesso Aberto
Para um aprofundamento na análise do financiamento, os Gráficos 4A e 4B apresentam as diversas modalidades de projetos financiados pela Fapesp, com Auxílios à Pesquisa (AP) à direita e Bolsas (BO) e Estágio no Exterior (EEx) à esquerda.
Na parte superior do radar do Gráfico 4A, apresentam-se as modalidades com maior percentual de publicação em periódicos SciELO (máximo a 22%, e representando 11% do total de artigos): entre os auxílios à pesquisa, destacam-se os projetos (temático e regular) do programa Biota (biodiversidade) e o regular (modalidade com mais volume de publicações), e, dentre as bolsas, destacam-se as de iniciação científica, mestrado e do programa de capacitação e treinamento técnico.
Nas laterais do radar, observam-se as modalidades nas quais o maior percentual de publicação na modalidade DOAJ Dourada na WoS (máximo 21%, e 12% do total de artigos): dentre as bolsas, pode-se notar que as de maior nível são as que se destacam nessa modalidade, especialmente a de doutorado direto, assim como as bolsas de doutorado e pós-doutorado no exterior. Dentre os auxílios, também se observa uma correlação com os níveis, indo do regular e jovem pesquisador a vários tipos de temáticos e Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs).
A modalidade Bronze atingiu, no máximo, 16% (auxílios no programa Equipamentos Multiusuários) e 10% do total de artigos, destacando-se, ainda, no auxílio temático e CEPIDs, além de bolsas de doutorado direto e programa de capacitação e treinamento técnico. A modalidade Verde Publicado, com máximo de 12% (auxílios temáticos no Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais), e 5% para o total de artigos, podendo-se destacar auxílio para reunião no exterior. Finalmente, as modalidades Outra Dourada e Verde Aceito representaram, respectivamente, 2% e 1% do total de artigos.
No Gráfico 4B, observam-se as mudanças ocorridas no percentual de artigos que não são de AA, de acordo com a média do aumento percentual anual, comparando os subperíodos antes e após 2013, ou seja, 2010 a 2013 e 2013 a 2016. Aumentos mais pronunciados foram observados, principalmente, na linha respectiva ao segundo subperíodo, sendo o programa Biota Regular o único que denota diminuição do percentual de artigos em acesso restrito, pelo fato de ter aumentado o percentual em AA. Merece destaque o auxílio para reunião no exterior, que apresentou o maior aumento do percentual de artigos em acesso restrito (mais de 25%), seguido do programa em bioenergia (temático), com 15%, enquanto todas as demais modalidades aumentaram cerca de 5%. De maneira geral, pode-se observar que o auxílio à pesquisa aumentou mais do que as bolsas.
Por outro lado, o primeiro subperíodo (2010-2013) é marcado por diminuição do percentual de artigos em acesso restrito (Gráfico 4B) como já se pôde observar nas linhas azuis do Gráfico 2. Tal diminuição significa aumento do percentual de artigos em AA, podendo-se destacar: auxílios temáticos no Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (cerca de 20%) e no programa Equipamentos Multiusuários (11%), e bolsas do programa de capacitação e treinamento técnico (10%).
![Distribuição da produção científica com menção a financiamento da Fapesp, segundo modalidade de financiamento e de AA (SciELO ou WoS): [A] percentual e número de artigos de 2009-2016; [B] média do aumento percentual anual antes e após 2013](../1518-2924-eb-27-e78818-gf4.gif)
Ao analisar as áreas de financiamento, nos Gráficos 5A e 5B, os Auxílios à Pesquisa (AP) encontram-se à direita e as Bolsas (BO), que incluem aquelas relacionadas a estágio no exterior, à esquerda. As extremidades laterais do radar permitem observar que humanas é a área com maior percentual de publicação em periódicos SciELO - 25% dos artigos, tanto para bolsas quanto para auxílios -, seguida de agrárias, saúde e engenharias.
O percentual de artigos na modalidade DOAJ Dourada na WoS destaca-se tanto nas bolsas quanto nos auxílios das áreas de biológicas e interdisciplinar (Gráfico 5A). Por outro lado, a área interdisciplinar destoa das demais, com pronunciado aumento do percentual de artigos em acesso restrito (Gráfico 5B), valor que deve ser considerado com cautela, por se tratar da área com menor número de artigos.
Já as biológicas e exatas e da terra apresentam percentual mais elevado na modalidade Bronze para bolsas e auxílios. Finalmente, destaca-se a modalidade Verde Publicado, que tem na área de biológicas o percentual mais pronunciado.
Dentre as áreas dos projetos, destacam-se as exatas e da terra e engenharias, que totalizam os maiores percentuais de publicação em acesso restrito, apresentando, ambas, aumento tímido nos subperíodos representados no Gráfico 5B.
No outro extremo estão as ciências humanas, que apresentam diminuição mais significativa de artigos em acesso restrito no primeiro subperíodo (2010 a 2013), com 20% dos artigos relacionados a bolsas e 10% a auxílios à pesquisa, mas a mesma área apresentou o maior aumento percentual no segundo subperíodo (2013 a 2016) foi de 10% para bolsas. As agrárias apresentam tendência similar, em direção ao acesso restrito, com clara mudança entre os subperíodos, tanto para artigos relacionados a bolsas quanto a auxílios, ao passo em que as áreas da saúde seguem a mesma tendência rumo ao acesso restrito no segundo subperíodo, mas apenas quando são considerados os auxílios.
A opção de publicação em periódicos mainstream é bastante influenciada pela política de avaliação da pós-graduação da Capes, que classifica periódicos de acordo com o fator de impacto, principalmente nas hard sciences, mas, crescentemente, nas ciências sociais e humanas. Isso explica o crescimento no segundo subperíodo, que se pronuncia até mesmo em áreas como humanas e agrárias. Tais movimentos evidenciam a importância de analisar esse comportamento, diferenciando-se as áreas, quando da presença ou não de menção a financiamento.
![Distribuição da produção científica com menção a financiamento da Fapesp, segundo modalidade e área de financiamento, e modalidade de AA (SciELO ou WoS): [A] percentual e número de artigos de 2009-2016; [B] média do aumento percentual anual antes e após 2013](../1518-2924-eb-27-e78818-gf5.gif)
4 CONCLUSÕES
Diversas mudanças são observadas no modus operandi dos canais editoriais da publicação científica, exigindo das editoras a busca por modelos alternativos de negócios, durante pelo menos as duas últimas décadas. Contudo, as agências de financiamento são os principais agentes catalisadores desse processo, considerando seu poder de indução na comunidade científica. A comunidade europeia lidera o movimento de AA, primeiramente com o lançamento do programa Horizon 2020 e, mais recentemente, com o Plano S.
Os resultados apresentados neste estudo evidenciam o aumento da produção científica brasileira na base Web of Science, notadamente todos estrangeiros. A tendência é marcada por um percentual de artigos publicados em acesso restrito, com maior intensidade na produção científica sem menção a financiamento da pesquisa.
Já as modalidades de Acesso Aberto revelaram o predomínio da via Bronze no início do período, porém, um aumento crescente da via Dourada. Além disso, ao se considerar SciELO, o percentual de via Dourada é ainda mais significativo para a pesquisa financiada por outras agências do que financiamentos da Fapesp, situação que se inverteu de 2015 em diante.
Quanto às modalidades de fomento da Fapesp, observou-se relação entre níveis de bolsa e modalidades de Acesso Aberto: quanto maior o nível, maior o percentual de artigos na via Dourada, em periódicos Web of Science. Quanto menor o nível, maior o percentual de artigos em periódicos SciELO. Considerando os auxílios, observou-se a importância de periódicos SciELO para os auxílios regular e Biota, ficando os auxílios temáticos, CEPIDs e jovem pesquisador associados à publicação em periódicos Web of Science. No entanto, notou-se que os auxílios e estágios de pesquisa no exterior evidenciaram tendência de aumento do percentual de artigos em acesso restrito, em maior magnitude que as bolsas ao considerar o segundo subperíodo. Por outro lado, no primeiro subperíodo, observou-se a tendência oposta, com algum aumento rumo ao AA, entre as modalidades de bolsas e a maioria dos auxílios.
As áreas de fomento que se destacaram pelo maior percentual de artigos na via Dourada, em periódicos Web of Science, foram biológicas, interdisciplinar e saúde; enquanto agrárias, humanas e saúde, pelo percentual de artigos em periódicos SciELO. Todas as áreas apresentaram algum aumento do percentual de publicações em acesso restrito no segundo período, sendo nas humanas a maior evidência.
O cenário delineado pela produção científica brasileira evidencia a visibilidade das informações sobre fomento à pesquisa, mas tendência em direção contrária ao acesso aberto no final do período. As iniciativas da Fapesp são percebidas à medida que se observa um maior percentual de artigos na via Dourada em periódicos Web of Science. Na mesma modalidade, o Projeto SciELO evidencia um papel fundamental, não apenas relacionado à pesquisa financiada pela Fapesp, mas para a produção que menciona outras agências, assim como as publicações sem menção a financiamento.
É importante observar que o fenômeno de internacionalização ocorre principalmente na via de acesso restrito, o qual pode estar estreitamente atrelado ao estímulo dos critérios de avaliação dos programas de pós-graduação, nos quais o fator de impacto é adotado de maneira crescente e indiscriminada. Diante desse fato, cabe indagar, no caso dos pesquisadores de instituições paulistas, se a política de avaliação da pós-graduação não conflita com o movimento de abertura da ciência, impondo ao pesquisador a necessidade de recorrer a um ponto de intersecção: publicar em periódicos de alto fator de impacto e em Acesso Aberto. Segundo Björk e Solomon (2012), a coocorrência dessas duas características não é muito comum, tornando a Article Processing Charge a única opção para a via dourada, e satisfazendo, assim, os interesses dos oligopólios editoriais. Diante da consolidação de um modelo que não atende aos rumos da ciência aberta, a reação recente dos países europeus tem sido no sentido da não consideração do fator de impacto. Até quando insistiremos nesse parâmetro?
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Apêndice

Notas
Autor notes
Coleta de dados: R. Mugnaini, R. F. Krzyzanowski
Análise de dados: R. Mugnaini
Discussão dos resultados: R. Mugnaini, M. P. Z. Igami, R. F. Krzyzanowski
Revisão e aprovação: R. Mugnaini, M. P. Z. Igami, R. F. Krzyzanowski
mugnaini@usp.brmery@ipen.brrosalyfk@fapesp.br