RESUMO
Objetivo: Discutir como o preconceito tem se evidenciado nas redes sociais digitais, com ênfase sobre o racismo; identificar os principais preconceitos sofridos e testemunhados por estudantes do ensino médio em redes sociais digitais.
Método: A fundamentação teórica foi construída a partir do diálogo de autores negros que discutem o tema. O estudo foi realizado em uma escola privada de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Para a coleta de dados, aplicou-se um questionário eletrônico ao conjunto de estudantes do ensino médio. Participaram da pesquisa 215 estudantes.
Resultado: constata-se que a maioria dos estudantes possui redes sociais e que também presenciam situações de preconceito na internet, sendo em grande parte devido a: cor ou raça, aparência física, por gostar de pessoas do mesmo sexo e por ser mulher. Os estudantes participantes da pesquisa possuem maior facilidade de perceberem o preconceito sofrido por terceiros, que reconhecer as situações em que foram vítimas.
Conclusões: A principal conclusão é que, assim como no mundo analógico, os educadores, incluindo os bibliotecários, precisam fortemente pautar os temas relacionados ao preconceito e racismo em sua prática educativa de forma crítica. Espera-se que os resultados possam ser usados como subsídio para preparação de programas de competência digital aos estudantes.
PALAVRAS-CHAVE: Redes sociais, estudantes do ensino médio, racismo, preconceito, competência digital.
ABSTRACT
Objective: Discuss how prejudice has been evidenced in digital social networks, with an emphasis on racism; identify the main prejudices suffered and witnessed by Brazilian high school students in digital social networks.
Method: The theoretical foundation was built from the dialogue of black authors who discuss the topic. The study was carried out in a private school in a city in the interior of the state of São Paulo. For data collection, an electronic questionnaire was applied to the group of high school students at the school. 215 students participated in the research.
Result: it appears that most students have social networks and also witness situations of prejudice on the internet, largely due to: color or race, physical appearance, liking people of the same sex and being a woman. It is easier for students participating in the research to perceive the prejudice suffered by others, rather than by themselves.
Conclusions: The main conclusion is that, just like in the analog world, educators, including librarians, need to strongly guide the themes related to prejudice and racism in their educational practice in a critical way. It is hoped that the results can be used as a subsidy for the preparation of digital literacy programs for high school students.
KEY WORDS: Social networks, high school students, racism, preconception, digital literacy.
Artigo Original
RACISMO E PRECONCEITO NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS: PESQUISA COM ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO
RACISM AND PREJUDICE IN DIGITAL SOCIAL NETWORKS: RESEARCH WITH HIGH SCHOOL STUDENTS
Recepção: 05 Outubro 2021
Aprovação: 04 Maio 2022
Publicado: 25 Maio 2022
Em nossa sociedade, o acesso à informação através da internet está cada vez mais presente no dia a dia de pessoas de diferentes faixas etárias. A mídia digital e os aplicativos voltados para crianças pequenas usam uma combinação de exibição de ícones, áudio e vídeo para fornecer instruções operacionais que lhes permitem acessar e interagir com a internet independentemente da supervisão de adultos (EDWARDS et al., 2018).
Crescer em um ambiente em que as pessoas estão constantemente on-line demanda uma educação sobre segurança cibernética, desde os anos iniciais (EDWARDS et al., 2018). Segundo Dias e Cavalcante (2016), a internet possui atualmente um papel fundamental na mudança de hábitos e de relacionamentos, criando um ambiente de formação de identidades. Como referem Correa e Jeong (2011), as ferramentas digitais para o compartilhamento na internet abriram um novo espaço “[...] para representação, conexão e participação para minorias raciais e étnicas que têm sido tradicionalmente excluídas da mídia tradicional e espaços públicos” (p. 654, tradução nossa).
Neste sentido, têm sido realizados estudos transversais, que procuram saber como as crianças e jovens se relacionam com os contextos digitais online, como é o caso do relatório EU Kids online (SMAHEL, 2020), envolvendo 19 países europeus. É importante identificar, por exemplo, que tipo de experiências são vivenciadas (negativas e positivas) e como os mais novos reagem perante esses fatos.
Pesquisas também buscam parâmetros para desenvolvimento de competências digitais nos estudantes, com o desenvolvimento de competência em informação e das mídias (LUCAS; MOREIRA, 2018).
Evidencia-se como problema de pesquisa que, atualmente, o perfil dos estudantes abrange não somente o consumo de informações, mas também a sua produção e disseminação. Comportamentos de descriminação e de violência, nomeadamente baseados em questões raciais, são vistos e difundidos nas redes, ampliando as suas repercussões, pelo que importa atuar, nomeadamente nas escolas e na educação dos jovens (SMAHEL, 2020; COSTELLO; DILLARD, 2019).
O respeito à diversidade, tolerância e empatia estão contidos nas competências gerais da Educação Básica estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e devem permear o período que abrange a formação básica (BRASIL, 2018). No entanto, pode-se questionar como estes conteúdos vêm sendo abordados nas escolas, entendendo que o bibliotecário no contexto escolar é também um educador. Sendo o processo de produção e uso da informação objeto de pesquisa da Ciência da Informação, o estudo sobre como se dá este processo permitirá conhecer as práticas informacionais deste grupo. A proposta de colaborar para o desenvolvimento da autonomia dos estudantes no processo de produção e uso de informação, considerando o respeito pelo outro, conforme prevê a BNCC, vem ao encontro dos objetos de estudo da Ciência da Informação e da biblioteca escolar no processo de ensino-aprendizagem. O tema também está alinhado com os pilares da educação do século XXI: aprender a conviver (DELORS, 2012) e com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, em particular com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, sobre educação (ONU, 2015).
Este artigo tem como objetivos a) discutir como o preconceito tem se evidenciado nas redes sociais digitais, com ênfase sobre o racismo; b) identificar os principais preconceitos sofridos e testemunhados por estudantes do ensino médio em redes sociais digitais; e c) levantar subsídios para programas de competência digital.
A proposta deste estudo se justifica pelo fato de que o acesso à informação proporcionado pelo advento da internet e das mídias digitais transformou a sociedade e, consequentemente, a forma de se relacionar, consumir, trabalhar e aprender (CAMARGO; DAROS, 2018). Estes aspectos conduzem a questionamentos sobre como se tem educado crianças e adolescentes para a utilização de uma ferramenta tão potente que interfere até mesmo na formação de identidades e no processo de racialização e desenvolvimento dos preconceitos. Neste sentido, importa considerar o desenvolvimento de projetos, designadamente na biblioteca escolar, que abordem o uso seguro e crítico das tecnologias digitais. Para isto, é fundamental conhecer como estas práticas têm ocorrido entre os adolescentes para que as atividades de formação a serem oferecidas possam ir ao encontro das necessidades dos estudantes, tendo como base os subsídios fornecidos por estudos como o que está sendo aqui apresentado.
Para a elaboração da fundamentação teórica deste estudo, foram escolhidos autores negros que discutem o tema de preconceito associado à questão das tecnologias, como: Ribeiro (2019); Almeida, (2019); Davis, (2016) e Gonzales, (1984), conforme será apresentado a seguir.
A partir de 2006, as redes sociais ganharam espaço na interação social, sendo o Orkut pioneiro. Hoje, a preferência é por outras redes, como Tik Tok, WhatsApp, Twitter, Instagram, entre outros. As redes sociais digitais, explicitam cada vez mais o crescimento e circulação de enunciados de protesto, situações de enfrentamento, lutas políticas e ideológicas, evidenciando seu potencial de se constituir como um espaço contemporâneo onde os próprios sujeitos publicam suas produções (QUADRADO; FERREIRA, 2020).
A internet também pode ser um ambiente de reprodução de preconceitos e divisões sociais, assim como em ambientes físicos, apesar da aparente democracia e igualdade de acesso e circulação, que dá voz a todos os que nela podem se conectar (CRUZ, 2012). Destaca-se, no entanto, que a disponibilidade de equipamentos, como por exemplo: celular, televisão, computador e a possibilidade de pagamento de tarifas de acesso a internet, por si só são excludentes, acrescidas ainda da necessidade de competência e habilidades para utilizar as redes sociais. Conforme afirma Almeida (2019, p.21), “[...] o racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia necessária para a reprodução das formas de desigualdades e violência que moldam a vida social contemporânea”.
Complementando, Cruz (2012) destaca duas principais constatações: o etnocentrismo social e/ou virtual, referindo-se à avaliação de uso de redes sociais específicas, classificando-as como sendo utilizada por pessoas mais inteligentes, relevantes e adequadas em detrimento aos usuários das demais redes, sendo banais e não dotados de intelectualidade. E a segunda constatação do autor, está relacionada à divisão de acesso às redes sociais por classe econômica, que somente convida indivíduos de alta classe social.
Este uso está contribuindo para a formação de perfis marcados pela intolerância e radicalismo, cujos participantes parecem tomados por uma fúria cega contra opiniões divergentes. A questão que se estabelece é a relação direta entre este comportamento e a racionalidade dos algoritmos existentes nestas redes, responsáveis pela distribuição dos dados, podendo denominar-se “efeito bolha” (QUADRADO; FERREIRA, 2020).
Ao refletir sobre as questões raciais no Brasil, Ribeiro (2019) destaca que a questão não é um posicionamento moral, individual, mas sim, um problema estrutural reforçado sobremaneira pelo capitalismo. A ação antirracista é urgente e se dá nas ações cotidianas, sendo uma luta de todos.
Ao encontrarem pessoas que pensam de forma semelhante, os sujeitos envolvidos se sentem confortáveis para livre manifestação de discursos de ódio em oposição às diversidades e pluralismo social, ainda que seu conhecimento pelo assunto seja mínimo. Vale ressaltar que a internet por si só não é boa ou má, o uso que se faz dela é que define seu caráter (QUADRADO; FERREIRA, 2020).
Antes de aprofundar-se a discussão, se faz necessário esclarecer e refletir sobre a não hierarquização das opressões, ou seja, de que maneira elas se combinam e o quanto é preciso considerar sobre a intersecção de raça, classe e gênero para possibilitar um novo modelo de sociedade (DAVIS, 2016).
Ao refletir sobre as “bolhas” formadas nas redes sociais, entende-se que o grande perigo formado pelo direcionamento das informações recebidas através da seleção dos algoritmos é de só receber informações de acordo com seu viés ideológico, impossibilitando refletir sobre o assunto em diferentes perspectivas. “O ciberativismo pode estar formando uma massa de especialistas em sua própria opinião”, salientam Quadrado e Ferreira (2020, p. 422).
A “Comunica que muda (CQM)”, uma iniciativa da agência Nova/SB, durante os meses de abril a junho de 2016, analisou, utilizando o software de monitoramento “Torabit”, posts em redes sociais como: Facebook, Twitter, Instagram (DOSSIÊ, 2016). Foram analisadas 542.781 menções nos dez temas pesquisados, com percentual de abordagem negativas acima de 84% das menções em cada um deles, como destaques para os temas como racismo com 97,6% e política com 97,4% (DOSSIÊ, 2016).
Os dez temas monitorados e seus respectivos resultados em ordem decrescente de intolerância nas redes sociais foram: racismo (97,6%), política (97,4%), classe social (94,8%), aparência (94,2%), homofobia (93,9%), deficiência (93,4%), idade/geração (92,3%), religiosa (89%), misoginia (88%) e xenofobia (84,8%). Conforme Figura 1.
A pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETICBR) de 2019 verificou que 43% crianças e adolescentes de 9 a 17 anos participantes do estudo afirmaram ter testemunhado alguém ser discriminado nos últimos 12 meses que antecederam a coleta de dados e 7% reportaram ter sofrido discriminação na internet. Os motivos para a discriminação testemunhada pelos participantes foram raça ou cor (53%), aparência (41%), por gostar de pessoas do mesmo sexo (30%), e por motivos religiosos (22%).
Entender o funcionamento das redes sociais digitais e seus filtros é algo indispensável à adesão de um comportamento crítico e equilibrado diante das informações produzidas diariamente pela Internet (QUADRADO; FERREIRA, 2020). Nandi (2018) afirma que o discurso de ódio proferido nas redes sociais ultrapassam as fronteiras da internet, tanto na origem quanto na finalidade. Esse discurso objetiva atingir minorias sociais que não são vistas como os mesmos direitos garantidos à classe dominante.
Neste sentido, evidencia-se o mito da democracia racial existente no Brasil, como todo mito, oculta para além daquilo que mostra, exercendo assim uma violência simbólica e o quanto o lugar que ocupamos socialmente determinará nossa interpretação sobre o fenômeno (GONZALES, 1984).
Algumas possibilidades de resolução do problema, como a criação de leis, encontram barreiras por transitar entre o limite da liberdade de expressão e são menos eficazes que a educação das pessoas para lidarem com estas situações. As empresas responsáveis pelas redes sociais, em grande parte dos casos, só se mobilizam quando a ação enfocando problemas raciais, por exemplo, ganha destaque na grande mídia e a utilização da inteligência artificial ainda se faz ineficaz devido a complexidade semântica do ser humano. Não poderia se deixar de lado a educação para o uso das redes, como um caminho de longo e médio prazo que prepara os indivíduos a reconhecer este tipo de situação e desenvolver o respeito à diversidade (NANDI, 2018).
Neste sentido, o EU Kids Online (CETICBR, 2021) atualizou uma classificação de riscos a que crianças e adolescentes estão expostas ou podem se envolver ao utilizarem recursos online. O racismo, o preconceito e discursos de ódio, que são o tema deste artigo, estão presentes em várias dimensões da classificação, entre elas: conteúdo, que diz respeito a situações em que “a criança se envolve ou é exposta a conteúdos potencialmente danosos”; contato, quando a “criança vivencia ou é alvo de contatos potencialmente danosos de ou por adultos” e conduta, na qual “criança testemunha, participa ou é vítima de condutas potencialmente danosas entre pares” (CETICBR, 2021, p. 63). Temas relacionados ao racismo e preconceito são identificados neste documento como sendo riscos de natureza agressiva e que têm impacto nos valores das pessoas. Estão presentes também em riscos transversais que perpassam todas as categorias de risco, pois afetam a privacidade, a saúde física ou mental, as desigualdades ou a discriminação.
Para minimizar os efeitos destes riscos, o papel de mediadores e de políticas públicas adequadas é essencial. Porém, o desenvolvimento da competência digital das próprias crianças e adolescentes é mais eficaz que apenas a regulamentação das práticas sobre este tema. O conceito de competência digital, até recentemente estava ligado ao domínio de ferramentas e instrumentos tecnológicos, no entanto, atualmente inclui diversos aspectos relacionados ao uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação - TDIC ( e seu conteúdo está contemplado na própria BNCC. Assim, conforme CETICBR (2021, p. 69) “É determinante que sejam conduzidas pesquisas sobre o quanto práticas culturais de crianças e adolescentes são mediadas por TIC e como tal uso influi no bemestar dessa população em contextos socioeconômicos distintos.” Os resultados destas pesquisas são fundamentais para o planejamento de ações educativas pautadas no conhecimento da realidade e das necessidades dos estudantes em que a mesma irá ser implementada, como é a proposta deste estudo conforme será descrito a seguir.
O estudo foi realizado numa escola localizada em uma cidade de porte médio, no interior de São Paulo, pertencente a uma das maiores redes de ensino particular do país, com escolas localizadas em mais de uma centena de municípios paulistas, além do convênio com prefeituras de diversas regiões do estado de São Paulo. A rede atende ao ensino fundamental e médio e tem como público-alvo estudantes de baixa renda, com algumas exceções de estudantes de classe média baixa, como, por exemplo, filhos de trabalhadores da indústria. Trata-se de uma escola localizada no centro da cidade que, desde dezembro de 2019, exclusivamente do Ensino Médio (E.M), com turmas nos períodos da manhã e tarde.
O estudo que deu origem a este artigo (PAULO, 2021) foi realizado utilizando a abordagem da Pesquisa-ação, conforme discutido por: Barbier (2007) e Melo, Maia Filho e Chaves (2016). A metodologia foi escolhida pelo fato de um dos autores do artigo atuar como bibliotecário na escola onde o estudo foi realizado à época. O estudo constou de três etapas: levantamento inicial sobre as práticas de uso das redes sociais pelos adolescentes; realização de encontros com os alunos para orientação sobre segurança no uso da internet e aplicação de um check-in sobre segurança no uso das redes sociais. Em Paulo (2021) pode ser conferida cada etapa da pesquisa realizada. Os dados que serão apresentados neste artigo dizem respeito à primeira etapa do estudo, acrescida da análise estatística dos resultados.
A etapa inicial da pesquisa teve como objetivo compreender e mapear as principais ações dos estudantes no uso da internet. O questionário da TIC Kids online Brasil 2017 - Crianças e adolescentes (CETICBR, 2017), serviu como base para a elaboração do instrumento utilizado na coleta de dados. O questionário original da CETICBR (2017) foi elaborado para ser aplicado no formato impresso e preenchido pelo entrevistador. Houve uma adaptação do mesmo pelos autores para o formato digital, possibilitando o autopreenchimento pelo estudante e exclusão de textos explicativos das questões dirigidas ao entrevistador. A nova versão do questionário segue as subdivisões do original, porém todas as perguntas foram transformadas em múltipla escolha, para ser mais interativo para os estudantes. As perguntas do questionário adaptado foram incluídas na plataforma SurveyMonkey, que é especializada em coleta de dados de pesquisa. Neste artigo serão apresentados os resultados das questões referentes ao preconceito sofrido ou percebido pelos estudantes no meio digital, além das questões de perfil demográfico.
Participaram da pesquisa 215 estudantes, o que corresponde a 77 % do total de 279 matriculados na escola à época em que os dados foram coletados, em outubro de 2019. A distribuição dos respondentes entre as turmas ficou da seguinte maneira: 88 (40,93%) estavam cursando o 1º ano do ensino médio; 80 (37,21%) o 2º ano; e 47 (22,32%) o 3º ano. Quanto ao perfil dos respondentes, 113 (52,55%) se definem como sendo do gênero masculino, 92 (42,79%) do feminino, quatro (1,84%) escolheram a opção Outro e seis (3,23%) preferiram não responder. Sobre a cor ou raça dos participantes, 118 (54,88%) se autodeclararam brancos; 50 (23,25%) pardos; 39 (18,14%) pretos; amarelos e indígenas, ambos com quatro (1,86% cada).
Primeiramente, perguntou-se se os estudantes mantinham perfil em redes sociais como Facebook, Instagram ou outra rede social, 211 (98,14%) responderam que possuíam e apenas quatro (1,85%) que não mantinham perfil. Este número demonstra a importância de se discutir sobre o uso dessas redes sociais digitais no ambiente escolar, pois, quase todos os estudantes possuem uma rede social e devem aprender como transitar nesses ambientes que possuem contratos sociais de convívio, para que os mesmos não reproduzam o racismo e preconceito do mudo analógico.
Foi perguntado se, nos últimos 12 meses, eles tinham visto alguém sofrer algum tipo de preconceito na internet. O Gráfico 1 mostra que a ocorrência de testemunho de preconceito por outros é recorrente entre os participantes, pois, dos 215 respondentes, 175 (81,4%) disseram que já haviam testemunhado alguém sofrer preconceito na internet, o que é preocupante.
Os dados acima demonstram que a maioria dos estudantes já viram outras pessoas sofrerem algum tipo de preconceito. Este percentual está muito acima do que foi verificado na pesquisa CETICBR (2019), na qual 43% das crianças e adolescentes haviam testemunhado alguém ter sido vítima de preconceito. Especificamente sobre o racismo, se faz necessário realizar um debate estrutural da sociedade e não uma análise individualizada sobre como esta relação, escravidão e racismo, favorece economicamente a população branca por toda a história (RIBEIRO, 2019). Esta compreensão histórica se faz necessária, pois costuma-se pensar erroneamente que os mais diferentes tipos de preconceito, com destaque para o racismo, existem pelo simples fato das pessoas serem boas ou ruins e esta não é a questão principal, mas sim, compreender como o sistema se estrutura e faz com que estes preconceitos continuem existindo ao longo da história, haja visto a sociedade capitalista em que se vive. Até mesmo porque, segundo RIBEIRO (2019), quase ninguém se diz racista.

Na sequência, foi realizada uma pergunta complementar para saber o motivo pelo qual essas pessoas tinham sofrido preconceito. Os estudantes podiam escolher mais de uma opção de resposta (Tabela 1).
Os dados apontam que os quatro motivos de preconceito que os estudantes respondentes mais observaram foram devido a: cor ou raça, aparência física, por gostar de pessoas do mesmo sexo e por ser mulher. Estes resultados coincidem com os encontrados na pesquisa CETICBR (2019), na qual os quatro principais motivos para os ataques testemunhados eram os mesmos, conforme foi apontado anteriormente. A pesquisa CETIC BR (2019) também comparou as respostas sobre os motivos da discriminação testemunhada por eles segundo o gênero. As principais diferenças foram verificadas em relação a: gostar do mesmo sexo (21% entre os respondentes do gênero feminino contra 9% do gênero masculino), por motivos religiosos (15% entre os respondentes do gênero feminino e 7% do gênero masculino), seguida por aparência física (26% do gênero feminino contra 15% do gênero masculino) e por raça (33% do gênero feminino contra 20% do gênero masculino).

Mesmo com muitas evidências sobre esta questão, Ribeiro (2019) ressalta que quem milita na luta feminista ou antirracista esbarra no questionamento “mas vocês só falam sobre isso?”, ignorando que o machismo e racismo são elementos estruturantes desta sociedade, de modo que nenhum espaço estará isento destas opressões.
Em seguida procurou-se averiguar se o próprio estudante já tinha sofrido algum preconceito, ou já havia se sentido discriminado nos últimos 12 meses que antecederam à coleta de dados. Como se vê no Gráfico 2, a maioria (149 ou 69,30%) disse que não havia sofrido ou se sentido discriminado, mas 21,86% afirmam ter se sentido discriminado e 6,98% não saber se foi ou não discriminado e 1,86% prefere não responder, o que pode indicar insegurança do respondente em entender se comentários ou postagens lhe eram ofensivas e mesmo incômodo ou constrangimento em admitir ter sido vítima, o que elevaria ainda mais o total de respondentes vítimas de preconceito.

Pode-se inferir então que a maioria consegue perceber o preconceito sofrido por terceiros, mas, embora alguns reconheçam que tenham sido vítimas, uma parcela de adolescentes tem dificuldade em dizer que sofreram algum tipo de preconceito nas redes sociais. Este resultado também está bem acima do encontrado na pesquisa CETICBR (2019), segundo a qual, nos últimos 12 meses que antecederam a coleta de dados da pesquisa, 7% reportaram ter sofrido discriminação na internet. Smahel et al. (2020), em todos os 19 países incluídos na pesquisa, mais crianças ou adolescentes apontaram se sentirem vítimas que serem agressores e, na maior parte dos países, mais de 20% das crianças experienciaram vitimização on-line ou off-line.
Averiguou-se uma possível relação entre raça ou cor dos respondentes e a situação de ter sido discriminado nas redes sociais (Tabela 2). A nível de 5% de significância, não há associação significativa entre cor (ou raça) e o sentimento de discriminação. Ou seja, entre os participantes do estudo, sentir-se discriminado não depende da cor (ou raça) de cada respondente. A tabela dupla de contingência (Tabela 2) explicita tal situação na medida em que é possível observar que as proporções do sentimento de discriminação (não, sim, não sei, prefiro não responder) por cor ou raça (Branca, Preta, Indígena, Parda, Amarela) não possuem diferenças entre si.

Verificou-se ainda a relação entre gênero dos participantes e o fato de se sentirem discriminados ou terem sido vítimas de preconceito (Tabela 3). A nível de 5% de significância, verificou-se que não há associação significativa entre o gênero dos respondentes e o sentimento de discriminação. Ou seja, neste caso, sentir-se discriminado não depende do gênero de cada respondente. A tabela dupla de contingência (Tabela 3) explicita tal situação na medida em que é possível observar que as proporções do sentimento de discriminação (não, sim não sei, prefiro não responder) por gênero (F, M, prefiro não responder, outro) não possuem diferenças entre si.
Smahel et al. (2020), que pesquisaram crianças e adolescentes de 9 a 16 anos em 19 países europeus, os resultados não apontaram diferença substancial de gênero entre aqueles que se dizem vítimas e os que admitem ser agressores. Entre aqueles que admitiram ter sofrido algum tipo de preconceito online, a diferença de idade e gênero não foi considerada significativa.

Ressalta-se que apesar da análise dos resultados apontar a não percepção de diferença de maior discriminação relacionada ao gênero ou raça, diversas pesquisas apontam que esta diferença existe, por exemplo, no Dossiê (2016), o racismo possui maior incidência de menções negativas (97,6%) e a misoginia como (88%) de um total de 542. 781 menções analisadas.
Acredita-se que a falta de percepção dos estudantes decorra do fato do preconceito, em grande parte das vezes, ocorrer de forma velada ou banalizada socialmente, fato este que dificulta sua percepção, ou até mesmo travestido de brincadeira, racismo recreativo, sendo assim mais difícil de perceber e comprovar sua materialidade.
Solicitou-se, então, àqueles que haviam sofrido algum tipo de discriminação ou preconceito, que indicassem o motivo do ataque. Os estudantes poderiam assinalar quantas respostas quisessem. As respostas variaram bastante, porém, de acordo com a Tabela 4, o principal motivo foi pela aparência física, seguido por outros motivos: por ser mulher, por ser jovem e por gostar do mesmo sexo.
Destaca-se na Tabela 4 que 62,79% responderam que a questão não se aplica, somado ao 10,70% que afirmaram não saber, a princípio parece algo contraditório, considerando que 81,40% respondeu que já presenciou preconceito na internet (Gráfico 1). Ao se considerar que a maioria dos respondentes se declarou homem e branco, a resposta passa a fazer mais sentido do porquê a questão não se aplica a este grupo social e revela, de forma mais latente, o grupo que sofre maior preconceito, ou seja, os que não se declaram homens e brancos.

Os motivos apontados pelos estudantes com relação ao preconceito sofrido diferem entre si a nível de 5% de acordo com o teste Qui-Quadrado. No caso dos respondentes, a aparência física foi apontada como sendo o principal motivo para eles terem sofrido preconceito (13,02%), o que vai ao encontro do que é apontado por Neves (2020). Segundo o autor, as redes sociais digitais favorecem o desenvolvimento de patologias de distorções de imagem entre seus usuários (NEVES, 2020), podendo levar à insatisfação de modo exagerado da autoimagem corporal, que é um indício do Transtorno Dismórfico corporal (TDC).
Comparando-se os motivos sofridos e testemunhados pelos participantes do estudo, vemos no Gráfico 4 que, independentemente da frequência, a ordem dos motivos varia. Enquanto os motivos mais comuns testemunhados são o preconceito por raça ou cor, seguido por aparência física e por gostarem do mesmo sexo, os principais motivos dos ataques sofridos pelos participantes são por aparência, por gostar do mesmo sexo e por raça.

Novamente salientamos que o fato da maioria dos respondentes se declararem brancos e homens pode ter acarretado nesta grande diferença entre a frequência e as causas apontadas para as situações de discriminação vivenciada e testemunhada pelos participantes. Porém, como não se tratava de uma amostra, mas sim do conjunto de estudantes de uma dada escola, a variável gênero não pode ser proporcional entre aqueles que se declararam homens, mulheres ou ainda de outro gênero. Este resultado evidencia que a diferença entre a discriminação sofrida e testemunhada quando se trata de um grupo de adolescentes majoritariamente branco e do gênero masculino.
Encontrar uma abordagem holística para o bem-estar de crianças e jovens, em especial face aos contextos online em que se movimentam cada vez mais, é importante, mas difícil de construir (SMAHEL et al, 2020). As oportunidades digitais têm o contraponto nos riscos e danos que os mais novos vivenciam. Encontrar o desejado equilíbrio entre benefícios e problemas trazidos pelo mundo digital será tarefa difícil. A escola pode e deve desempenhar, neste campo, um importante papel pedagógico, facultando oportunidades, nomeadamente a partir da biblioteca escolar, para debater o papel das redes sociais digitais nas relações entre pares.
Através da leitura dos autores negros citados neste artigo, compreende-se que a superação do racismo e dos demais preconceitos, passa pela reflexão de formas de sociabilidades em que a economia, de forma estruturante, não compreenda estas discriminações como parte do processo de exploração e opressão de uma sociedade que busca a mudança.
Para isso, é necessário compreender que as diversas opressões ocorrem de forma interseccional, articulando: raça, classe e gênero, como múltiplos sistemas de opressões que se intercruzam, às vezes oprimidos, às vezes opressores. Precisa-se evidenciar os privilégios que alguns grupos sociais, pessoas brancas, sempre tiveram historicamente, como desdobramento do processo de racialização dos seres humanos. O grande desafio é compreender e combater o conceito de raça que opõe os diferentes como se fossem inferiores. Portanto, o combate ao racismo e seus privilégios é uma luta de todos.
Assim como no mundo analógico, o mundo digital em particular nas redes sociais o racismo e os diversos preconceitos existem de forma latente e, portanto, os educadores precisam refletir e pautar esses temas em sua prática educativa.
Os resultados do estudo realizado mostram que a maioria dos estudantes participantes possui redes sociais e que também presenciam situações de preconceito na internet, sendo em grande parte devido: cor ou raça, aparência física, por gostar de pessoas do mesmo sexo e por ser mulher. A pesquisa mostra também que os estudantes conseguem identificar com maior facilidade, preconceitos sofridos por terceiros, porém, em sua autopercepção isto não ocorre de forma tão clara.
A Ciência da Informação com seu caráter interdisciplinar, envolvida com as problemáticas de sua época (sociais, culturais, políticas e econômicas, etc.) e em particular o bibliotecário podem colaborar com a diminuição dos diversos tipos de preconceitos, incluindo o racismo, através de uma postura crítica e diferentes ações. O bibliotecário pode contribuir para o desenvolvimento de uma postura mais crítica dos estudantes, de acordo com o que prevê e os objetivos da BNCC e a Agenda 2030 (ONU, 2015). É importante proporcionar aos estudantes e aos usuários em geral a compreensão de quem produz, como circulam e como são usados os registros do conhecimento, ressaltando a necessidade de se analisar, de forma crítica, a ideologia arraigada nestas produções. O desenvolvimento de atividades baseadas em PBL (Problem Based Learning) e o questionamento e reflexão conjunta a partir de situações concretas, por exemplo, obtidas em diferentes mídias, tal como realizado em Paulo (2021), permitem uma compreensão mais vívida dos processos de discriminação, dominação e preconceito. Isto irá contribuir para que o indivíduo, ao se deparar com discurso de ódio em diversos formatos, inclusive nas redes sociais digitais, consiga identificar e combater (denunciando, excluindo, respondendo) falas preconceituosas.
O bibliotecário no desenvolvimento das coleções da unidade de informação da qual é responsável pode refletir quem são os autores da maior parte de seu acervo. Pois gênero, raça, região do país, religião, classe social, poderá colaborar para ampliar a diversidade e o conhecimento de novos saberes. Neste sentido é pertinente indagar. Quantos autores negros, amarelos, mulheres, indígenas, nordestinos, periféricos, LGBTQIA+ compõem os diferentes acervos das bibliotecas? Estes dados são mensurados em unidades de informação? Com esta análise pode identificar quais são os discursos defendidos e o lugar de fala dos autores destes registros e o quão responsáveis somos em perpetuar estes discursos reproduzindo-os em nossas comunidades informacionais”. A reflexão que estas questões permitem podem auxiliar em ações que corroboram na construção de uma sociedade que respeita as diferenças e as valorizam como forma de compreender, que todas as contribuições são importantes e necessárias.
De forma alguma pretende-se limitar a produção científica ou literária de um autor a sua própria cor, etnia, gênero etc., pois seria resumir estas pessoas aos marcadores sociais e estigmas carregados. Ao mencionar a análise crítica dos autores que compõem os diferentes acervos no parágrafo acima, pensa-se na possibilidade da diversificação, tendo acesso a concepção que os diferentes grupos sociais (mulheres, indígenas, nordestinos, negros, entre outros) tratam sobre os mais diversos assuntos: seja o amor, a ciência, as artes, por exemplo.
Deve-se refletir também o quão responsáveis somos em perpetuar estes discursos reproduzindo-os em nossas comunidades informacionais. Assim como no mundo analógico, os educadores, incluindo os bibliotecários, precisam fortemente pautar os temas relacionados ao preconceito e racismo em sua prática educativa de forma crítica, visando ampliar e aguçar o olhar das pessoas e em particular dos estudantes em relação às questões aqui tratadas.
Coleta de dados: R.B. Paulo.
Análise de dados: R.B.Paulo, R. G. Castanha, H. C. S. Casarin.
Discussão dos resultados: R.B. Paulo, H. C. S. Casarin, G.M.L. Bastos.
Revisão e aprovação: R.B. Paulo, G.M.L. Bastos.
rodrigodepaulo22@hotmail.comr.castanha@gmail.comhelen.castro@unesp.brgloria.bastos@uab.pt






