Artigo Original
Recepção: 20 Setembro 2020
Aprovação: 26 Julho 2022
Publicado: 08 Agosto 2022
DOI: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2022.e83994
RESUMO
Objetivo: Aborda a importância da informação para o acesso ao ensino superior em instituições públicas federais de cidadãos historicamente excluídos, como ação humana essencial que visa amenizar as desigualdades sociais e ressignificar o papel social dessas instituições.
Método: A pesquisa é natureza qualitativa, do tipo bibliográfica e documental, mais especificamente no que se refere a abordagem da Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.
Resultado: Os resultados revelam que a informação é um elemento absolutamente fundamental para o acesso desses cidadãos excluídos, bem como para despertar a compreensão sobre a importância da formação no âmbito do ensino superior para todos.
Conclusões: Identificou-se múltiplas maneiras de se discutir a informação, nessa pesquisa destacou-se a perspectiva de ação, que possibilita a apropriação, por parte do usuário de uma determinada informação, levando-o a compreender o processo seletivo discente e a escolha por qualquer curso de graduação, em instituições federais de ensino, que lhe possibilitará sua ascensão social e atuação profissional.
Palavras-chave: Informação, apropriação da Informação, acesso ao Ensino Superior Público, cidadãos Excluídos, Brasil.
ABSTRACT
Objective: It addresses the importance of information for access to higher education in federal public institutions for historically excluded citizens, as an essential human action that aims to alleviate social inequalities and re-signify the social role of these institutions.
Methods: With regard to methodological procedures, the research is qualitative in nature, of a bibliographic and documentary type, more specifically with regard to the address of Law 12.711, of August 29, 2012, which provides for admission to federal universities and federal institutions of secondary technical education and other measures.
Results: The results reveal that information is an absolutely fundamental element access for these excluded citizens, as well as to awaken an understanding of the importance of educations in higher education for all.
Conclusions: Multiple ways of discussing information were identified. In this research, the perspective of action was highlighted, which allows the user to appropriate certain information, leading him to understand the student selection process and the choice of any course. of graduation, in federal educational institutions, which will enable your social ascension and professional performance.
Keywords: Information, appropriation of Information, access to Public Higher Education, excluded Citizens, Brazil.
1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) potencializou a necessidade de se discutir a informação de maneira reflexiva e crítica, no sentido de impulsionar as informações à sociedade, por meio do acesso a recursos tecnológicos existentes, de modo que possam integrar indivíduos e grupos sociais que buscam informações com demandas e objetivos comuns. Compreende-se que esse fator tem demandado a atenção de pesquisadores de diversas áreas, principalmente do campo da Ciência da Informação, na medida em que as relações sociais se tornam complexas, considerando-se a diversidade sociocultural que compõe a sociedade em âmbito global. A informação é um elemento presente nessa dinâmica, pois inter-relaciona o indivíduo ao meio em que está inserido. Nesse contexto, registra-se a importância da informação sobre o acesso a qualquer curso do ensino superior por cidadão excluídos, em virtude da sua condição socioeconômica e/ou sociocultural, especificamente indivíduos que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Este trabalho apresenta uma análise inicial pelo viés teórico da Ciência da Informação enfocando e ressignificando a informação para o ingresso discente em instituições públicas federais, como ação humana essencial aos indivíduos desfavorecidos ao acesso a qualquer curso de ensino superior. O indivíduo é compreendido como um sujeito social e fundamental no processamento da informação, bem como na construção de conhecimento para a tomada de decisão.
Nessa perspectiva, as decisões estão relacionadas ao acesso ao ensino superior público, envolvendo primeiramente a compreensão do direito que o cidadão tem ao ensino superior público de qualidade, até a escolha de uma profissão, portanto, de um curso que proporcione as condições para atuar em um determinado campo de trabalho.
Nesse intuito, aborda-se a informação como um processo que conduz o olhar do cidadão excluído, sobre a importância de buscar uma formação que possibilite seu desenvolvimento e o exercício de atividades profissionais ao longo da vida.
No que tange aos procedimentos metodológicos, adotou-se a pesquisa de natureza qualitativa, do tipo bibliográfica e documental, analisando-se a Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências, a escolha ocorre por se tratar de uma Lei com abrangência federal. Para tanto, inicialmente realizou-se um levantamento bibliográfico nos campos da Educação e Ciência da Informação, posteriormente selecionou-se os materiais aderentes à temática da pesquisa, realizou-se as leituras e os fichamentos do material selecionado, visando a elaboração do referencial teórico.
A análise dos materiais selecionados embasou as reflexões e inferências sobre o papel da informação no processo de o cidadão excluído compreender a importância de buscar uma formação superior, para atuar em um determinado segmento profissional.
2 INFORMAÇÃO: UMA REFLEXÃO
No âmbito da Ciência da Informação a discussão sobre a informação tem abrangência multidisciplinar, favorecendo a compreensão e a interpretação sociocultural da sociedade contemporânea. Tal interpretação, fortalecida por múltiplos olhares conceituais, mas direcionada para o ponto de vista informacional, possibilita desvendar situações intrínsecas à sociedade e traçar seu perfil socio-informacional, desdobrando-se conforme a demanda organizacional (no caso de instituições), de pesquisa (no caso de pesquisadores) ou para outros fins.
Araújo (2014) destaca três conceitos de informação:
O primeiro é um conceito fisicista, em que a informação é tomada como algo objetivo, dotado de propriedades que poderiam ser identificadas e medidas. O segundo é um conceito cognitivista, em que a informação é entendida como algo subjetivo, produto da interação entre os dados (dimensão física) e a mente dos sujeitos, sendo a medida da alteração do estado de conhecimento. O terceiro é um conceito pragmatista, em que a informação é entendida como algo essencialmente intersubjetivo, em que algo só pode ser identificado como informação a partir de um determinado arranjo de elementos (um regime informacional) e por meio de ações específicas de informar (gerar registros de conhecimento) e se in-formar (utilizar esses registros) (ARAÚJO, 2014, p. 8).
Esses três conceitos abrem caminhos para se aplicar a concepção de informação na forma objetiva, relacionando-a à capacidade cognitiva dos indivíduos e, também, à intersubjetividade, cujos arranjos de elementos favorecem a identificação da informação por parte do indivíduo. Considera-se que é viável inter-relacionar os conceitos, conforme a necessidade de aplicação, contudo, destaca-se o terceiro conceito, o pragmatista, dada a complexidade social atual, uma vez que há um processo para o indivíduo se apropriar da informação como tal e, de fato, compreendê-la.
O termo “in-formar” corresponde à utilização de registros informacionais apropriados pelo indivíduo, abrindo espaço para estudos de novos paradigmas em todas as áreas do conhecimento. Nesse sentido, destaca-se a importância das etapas do regime informacional, do registro de conhecimento e da utilização desse registro para fins de processamento e consolidação de uma determinada informação.
Mattelart (2002) apresenta uma discussão voltada à Sociedade da Informação e destaca “[...] a tendência a assimilar a informação a um termo proveniente da estatística (data/dados) e a ver informação somente onde há dispositivo técnicos se acentuará” (MATTELART, 2002, p. 73). Essa tendência está vinculada à análise quantitativa e interrelacionada aos dispositivos técnicos de transmissão da informação. Note-se que a construção da compreensão de informação, de maneira qualitativa, considerando-se o cognitivo e/ou o pragmatismo, perpassa pela evolução conceitual vinculada às demandas por compreensão da própria sociedade. No campo da intersubjetividade, a compreensão da informação evidencia a necessidade de relação, direta ou indireta, do sujeito com o meio ou com o outro, uma vez que a ação final para a consolidação da informação corresponde ao uso do registro, ampliando a complexidade da concepção de informação para além do uso dos dispositivos técnicos.
Em reflexão respaldada no campo da Filosofia da Informação, Ilharco (2003) pondera que:
Essa mudança, que equivale ao estabelecer de um novo campo do saber, de uma nova área de investigação, de estudo e de reflexão, não será contudo nada radical nem de subido, mas será antes o culminar de um longo caminho do pensamento e das acções dos homens, juntando e cruzando de uma forma substantiva sob um novo paradigma intelectual, várias linhas de investigação noutras tantas áreas do conhecimento, todas elas circulando e progredindo à volta dos fenômenos da informação, da comunicação e das novas tecnologias (ILHARCO, 2003, p. 15-16).
Registra-se a abertura aos outros campos do conhecimento, em que a informação é abordada ou mesmo transversalizada, demonstrando a característica multidisciplinar da Ciência da Informação. Assim, a complexidade no que se refere a compreender a ‘informação’, se inter-relaciona com uma nova área de investigação, fundamentada em uma linha tênue e sutil, na construção da reflexão humana, em uma sociedade com relações complexas e globais. Há um novo campo do saber, que reconhece o pensamento e a ação do ser humano, envolvendo a informação.
No processo de investigação, Araújo (2018) contextualiza a informação submersa na ação, voltada para a relação com o outro em um determinado contexto. Segundo este autor,
Informação, assim entendida, passa a ser algo vivo, dinâmico, e, principalmente, passa a ter ligação com uma determinada sociedade, uma determinada época, uma certa cultura [...] Informação é parte constitutiva da realidade, seja ela tomada em um nível macrossocial, em escala mundial ou nacional, ou relacionada a ambientes restritos como uma empresa, uma escola, uma disciplina científica (ARAÚJO, 2018, p. 95).
A informação contextualizada em um tempo e espaço, em que as relações sociais se materializam por meio dela própria, só existe se compreendida e vivenciada pelo sujeito. Dessa maneira, expande-se a discussão sobre informação quando vinculada à representação fragmentada da realidade pelo olhar do indivíduo que a vivenciou. Outro ponto em destaque são os múltiplos espaços a que se vincula determinada informação, demonstrando a diversidade informacional existente na sociedade.
O reconhecimento das múltiplas abordagens sobre a compreensão da informação é fundamental para se pensar e repensar os objetos de pesquisa abordados em uma análise. Ilharco (2003, p. 33) afirma que “[...] a informação é um fenômeno, diversificado, complexo e penetrante”. Nas palavras do referido autor,
A informação enquanto e apenas enquanto informação, no seu mais puro, estrito e intuitivo entendimento não é as teorias que a ela se referem e que a tentam descrever, categorizar, hierarquizar e classificar, mas antes, e pelo contrário, a informação é aquilo que já é, o qual aquelas mesmas teorias previamente pressupõem e ao qual elas mesmas se referem (ILHARCO, 2003, p. 134).
Note-se que Ilharco (2003) expande a discussão sobre informação para além da simples aplicação da palavra, demonstrando seu universo complexo, e evidencia a importância da abordagem teórica sobre informação, o que possibilita ultrapassar a compreensão da informação enquanto fenômeno já existente e vinculá-la ao relacional, com um olhar crítico. Nesse sentido, a informação “[...] é sempre dependente da ação de sujeitos, do contexto e das relações entre esses e a sociedade na qual se informam e são informados” (GUARALDO, 2013, p. 35). As múltiplas relações que envolvem o indivíduo necessitam de uma reflexão que perpassa pelo enfoque sociocultural, pois uma informação vivenciada pelo indivíduo é, em geral, compartilhada ao coletivo.
Considerando o uso da informação, Almeida Júnior e Santos (2019, p. 103) afirmam que “[...] é por meio de seu uso crítico que agimos como protagonistas na construção de conhecimento, nas relações com os outros e nas reflexões, interpretações e intervenções sobre os fenômenos que nos cercam”. Essa afirmativa exalta a relação do indivíduo com o mundo, conectado por meio da informação, podendo ser objetiva e/ou subjetiva, direta e/ou indireta.
Ilharco (2003, p. 145) considera que “[...] a acção é o mundo feito humano na linguagem, no significado, na abertura do que pode ser, do que pode vir, das possibilidades que o futuro pode trazer”. Ao considerar a ação e a linguagem como meio de interação do sujeito com o mundo, pode-se inferir que a informação está repleta de linguagens, o que conduz a ação do sujeito em um determinado tempo e espaço. A delimitação espacial e temporal ocorre porque os indivíduos mudam. Logo, a informação, em outro tempo e espaço, talvez com outra linguagem, gera outras ações que podem demandar outras informações.
Somando-se à discussão sobre informação, ressalta-se os avanços tecnológicos que possibilitaram e, ainda possibilitam, a expansão de instrumentos informacionais. Esse cenário tecnológico foi destacado por Mattelart (2002, p. 81): “[...] a futurologia técnica planta o cenário que preside a construção das ideias encarregadas de anunciar, senão de explicar, que a humanidade está no limiar de uma nova era da informação e, portanto, de um novo universalismo”. Nesse sentido, evidencia-se as constantes mudanças sociais, uma vez que o ser humano está envolto na ação, como protagonista na construção da sociedade em determinado contexto. Tal construção está inter-relacionada ao processo informacional que possibilita a construção de ideias em todas as novas eras da informação. Destaca-se o momento vivido na atualidade, em que a tecnologia permeia quase todas as relações humanas na esfera global.
Vale mencionar que a Sociedade da Informação abrange conteúdos informacionais e não somente a tecnologia e a comunicação. Dessa maneira, compreende-se que mesmo imerso em toda a tecnologia atual, o indivíduo precisa compreender e se apropriar da informação para mover-se no mundo contemporâneo. Na concepção de Ilharco (2003, p. 177), “[...] o dado, a informação, a distinção é sempre aquilo que é para alguém; para alguém já imerso num todo referencial, envolvido na sua própria vida, à frente dele próprio, projectando possibilidades para o futuro, visando algo imediato, concreto, para um outro algo mais distante, no âmbito da apropriação de uma possibilidade de ser”.
A projeção para o futuro envolve a relação da informação como um todo, repleto de significados e sentidos, ultrapassando os limites dos dados. O imediatismo pode ser compreendido no universo do desenvolvimento tecnológico que possibilitou materializar, imediatamente, a informação por um determinado indivíduo e alcançar outro, independentemente da localização, mas, principalmente, dependente da possibilidade de ser apropriado, tanto no individual quanto no coletivo.
Tal situação evidencia que “[...] a interdependência obriga a pensar o mundo como uma unidade interconectada. A força pura torna-se obsoleta diante dos problemas complexos das sociedades contemporâneas” (MATTELART, 2002, p. 102). É possível interpretar que os caminhos para solucionar e possibilitar a existência da complexidade social perpassam pela relação informação/tecnologia. A tecnologia materializa a conexão mundial, enquanto a informação possibilita que aconteça essa conexão pela linguagem sociocultural nela envolvida, gerando a interdependência, aplicada aqui no sentido amplo, em âmbito global.
Considerando essa complexidade, Mattelart (2002) afirma que, ao apresentar a reflexão contextualizada “[...] com uma concepção aberta do espectro informacional, Machlup evitara deduzir a informação das atividades de uso intensivo de tecnologia e se questionara, por exemplo sobre as práticas não-industriais” (MATTELART, 2002, p. 70). Ao se referir ao pensamento de Machlup, Mattelart (2002) visualizou as relações que não dependem da tecnologia ou ocorrem antes da interação do sujeito com a tecnologia. Assim, a informação se faz presente em qualquer espaço, dependendo da relação que o indivíduo terá com ela.
É possível compreender, ainda, que há o reconhecimento da informação de alguma maneira vinculada à complexidade das relações sociais, podendo-se entender a tecnologia como potencializadora para o processo informacional, do local ao global. Ilharco (2003, p. 75) menciona que:
O nome da época, a era ou a sociedade da informação, sugere intuitiva e implicitamente a perspectiva, o aspecto ou o ângulo a partir do qual a vida nas sociedades contemporâneas surge natural e inapelavelmente, isto é, sob o prisma da informação, das tecnologias de informação e comunicação.
Note-se que o autor supracitado, a partir de uma reflexão crítica, destaca a Sociedade da Informação vinculando-a a relação informação-tecnologia-comunicação, evidenciando as relações sociais na contemporaneidade, explicando que se trata de uma sociedade cada vez mais complexa nas relações individuais e coletivas que, por sua vez, se representam e circulam por meio de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).
Ainda no contexto dessa reflexão, Ilharco (2003, p. 17) comenta que “[...] a filosofia da informação surge no contexto da emergência de um novo tipo de informação, a informação gerada, gerida, manipulada, armazenada, distribuída pela tecnologia”. Nessa perspectiva, pode-se compreender que a discussão sobre a informação distribuída pela tecnologia explicita a necessidade de se reconhecer o ser humano como imerso na relação informação-tecnologia- sociedade.
Mattelart (2002, p. 174) apresenta uma crítica sobre “[...] a falta de uma propedêutica da apropriação das tecnologias digitais ainda lado a lado com a fascinação pelo objeto técnico e a carência de uma reflexão sobre a história da utopia pedagógica [...]”. A partir desse ponto de vista, há de se considerar que o acesso à tecnologia demanda o desenvolvimento de um prévio ensino/aprendizado que perpassa por compreender a informação antes vivenciada nas relações sociais e que, segundo este autor, deve transcorrer, ainda, pela curiosidade intelectual.
As reflexões dos autores mencionados evidenciam que há diversas maneiras de compreender, contextualizar e/ou aplicar a informação. Neste texto, a abordagem perpassa pela informação procedente da ação humana, da relação sujeito-objeto, sujeito-sujeito, sujeito-meio contextualizado, considerando-se os mais variados tipos de instrumentos informacionais que possibilitam a apropriação da informação pelo indivíduo.
3 A LEI 12.711/2012: AÇÕES AFIRMATIVAS UMA INFORMAÇÃO PARA O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR
O ensino superior público, compreendido como a formação inicial de profissional, possibilita a entrada no mercado de trabalho, a partir do desenvolvimento de atividades específicas de modo qualificado e, possivelmente, gera melhores condições de trabalho. A conclusão de um curso superior perpassa pela perspectiva de ascensão social, visto que se espera uma formação de qualidade, tanto no que se refere ao ensino e à pesquisa quanto à extensão, de modo a proporcionar o sucesso profissional do egresso. Salata (2018, p. 220) afirma que a escolaridade é um “[...] fator crucial para as chances de os indivíduos conseguirem emprego, para o status da ocupação obtida e, também, para os rendimentos auferidos por meio desta”.
Ao se inter-relacionar a realização do ensino superior com a possibilidade de se obter melhores condições de vida, deve-se considerar o ingresso do cidadão das classes menos favorecidas em instituições públicas que, em geral, almejam o ensino superior público. Nesse sentido, tem-se como ação afirmativa a Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, dispõe sobre o ingresso, tanto nas universidades federais como nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Discutida nesta análise ao “[...] entender as políticas de ação afirmativa como um movimento de inclusão, e não de exclusão social” (BRANDÃO, 2005, p. 28).
Mediante a referida Lei, houve a necessidade de as instituições federais de ensino reservarem 50% das vagas de qualquer curso de graduação para alunos que tenham cursado integralmente o ensino médio em escola pública. Evidencia-se que nesses 50% há uma reserva de vagas para candidatos de escolas públicas, com renda igual ou inferior a um salário-mínimo e meio. Ainda nesse contexto, há os candidatos pretos, pardos, indígenas e pessoas com necessidades especiais. Dito isso, a relação do texto-contexto está estruturada a partir da identificação dos sujeitos sociais contemplados na referida Lei, especificando nesta análise os indivíduos oriundos de escolas públicas que, a partir do acesso e significação da informação sobre o acesso ao ensino superior, podem concorrer ao ingresso em qualquer curso de ensino superior público.
Van Dijk (2013, p. 359) destaca que “[...] a relevância social dos tópicos na interação discursiva e a estrutura social definem a orientação dos falantes, das organizações e dos grupos e traz discussões e ações futuras muito significativas”. Nesse sentido, a informação de sobre o acesso ao ensino superior por sujeitos sociais menos favorecidos contemplados na referida Lei, evidencia aspectos relacionados ao direito a educação, ampliando a compreensão da informação como elemento impulsionador para a interpretação dos direitos desses indivíduos de modo a contribuir para a (re)organização da sociedade.
Nota-se que, desde 2012, as informações sobre o ingresso em instituições públicas se tornaram múltiplas, visando atender à atual sociedade. Nessa perspectiva, defende-se a necessidade de cada instituição ressignificar as informações sobre o processo seletivo de ingresso, com o olhar voltado ao meio sociocultural em que a instituição de ensino superior pública está inserida e, principalmente, para o possível uso dessa informação, qual seja, o cidadão interessado em participar da seleção para ingresso na instituição.
Ao compreender a importância de disseminar a informação sobre o processo seletivo de ingresso ao ensino superior público, almejando alcançar os sujeitos sociais atendidos pela Lei, destaca-se as TIC em prol dessa ação, tal situação pode ser visualizada considerando que no “[...] século XIX, com a aceleração da velocidade dos fluxos de informação e de comunicação, já gerou uma opinião de dimensão planetária e que a emergência dos ‘públicos’ modernos é o resultado de meios de comunicação que não cessam de ampliar o ‘círculo social’” (MATTELART, 2002, p. 49)
Assim, ao identificar a relação entre o constante desenvolvimento tecnológico que fomenta os fluxos de informação e comunicação na sociedade, há de se considerar a utilização das TIC para a disseminação das informações sobre as políticas de ações afirmativas com múltiplas linguagens, formas, meios e contextos específicos, de modo que possam impulsionar o acesso à informação, evidenciando a possibilidade de mudanças sociais, a partir do acesso as políticas de ações afirmativas voltadas aos cidadãos menos favorecidos.
Ilharco (2003, p. 136) faz distinção entre dados e informação, introduzindo o conhecimento nesse processo: os dados, quando vinculados ao significado, proporcionam a informação; a informação, quando vinculada à experiência, conduz à possibilidade do conhecimento. Este autor ilustra essa concepção utilizando uma nuvem de palavras (Figura 1):
Na Figura 1, destaca-se a palavra significado. Pode-se inferir que a compreensão do processo de ingresso do cidadão excluído nas instituições de ensino superior públicas, tanto pela importância coletiva da complexidade atual, quanto pela importância do ingresso de minorias sociais, perpassa o significado que esse evento tenha para a sociedade em geral, uma vez que os significados sociais, culturais, econômicos e outros termos da Lei 12.711/2012 sejam apreendidos, ou seja, a importância de o cidadão excluído se apropriar da informação para valer-se de seus direitos e usufruir o espaço de ensino-aprendizagem, visando sua ascensão social.
Nesse caso, por se tratar de educação, o significado se expandiria para a apropriação da informação social, no sentido global. Assim, há a necessidade de se pensar em ressignificar continuamente a informação acerca do acesso e ingresso ao ensino superior público, adicionando-se a noção de significado para essa ação, uma vez que os indivíduos mudam conforme suas experiências vivenciadas.
Vale destacar que a informação, quando apropriada, “[...] requer uma interação entre sujeito e protoinformação em que os significados que se acumulam na construção da informação se agreguem os significados oriundos do usuário” (ALMEIDA JÚNIOR, 2015, p. 20). Novamente tem-se a relação informação-significado-usuário como um processo de interação dinâmico para a apropriação da informação.
Retomando algumas reflexões de Mattelart (2002, p. 174) em relação à falta de curiosidade intelectual da sociedade, elaborou-se o Quadro 1, a fim de demonstrar os elementos influenciadores para que o cidadão excluído possa compreender a informação:

Uma interpretação voltada à compreensão dos indivíduos possibilita identificar o seu meio sociocultural, bem como sua necessidade informacional, o que conduz as ações institucionais em favor da apropriação social da informação sobre o acesso ao ensino superior público. No Quadro 1, apresentam-se alguns dos pontos, considerados por Mattelart (2002), que podem ser percebidos como influenciadores da compreensão da informação na sociedade. Considerá-los como ponto de partida para compreender o usuário da informação é um caminho possível, uma vez que “[...] as ações para organizar, tratar e recuperar a informação têm um propósito, um contexto, um público, e só faz sentido relacionadas a essas variáveis [...]” (VALENTIM, 2010, s/p.).
Assim, o sentido de existência da informação sobre o ingresso discente em instituições federais, com base na Lei 12.711/2012, depende do usuário desta informação. Conforme já destacado, a Lei possibilita o ingresso, em curso de graduação, de egressos que tenha cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, com reserva de vaga para cidadãos com renda familiar igual ou inferior a um salário-mínimo e meio e perpassando ainda pelo ingresso de minorias sociais. Sendo assim, os usuários da informação dessa Lei são diversificados, múltiplos e importantes para a sociedade.
Nesse contexto, a abordagem da informação especificada na Lei 12.711/2012 seleciona enquanto estrutura social os grupos excluídos socialmente e historicamente, e, assim, no âmbito da Ciência da Informação tem-se uma determinada informação enquanto ação que possibilita enfrentar os “[...] problemas sociais, em especial no papel do discurso na produção e reprodução do abuso do poder ou da dominação (VAN DIJK, 2013, p. 353).
O Gráfico 1, representa os usuários da informação, ou seja, os estudantes potenciais com reserva de vagas pela Lei 12.711/2012.

Os elementos que fazem parte da reserva de vagas da Lei 12.711/2012 se interrelacionam, proporcionando um modelo de ingresso discente que oportuniza o acesso de estudantes oriundos de escolas públicas ao ensino superior público. Nesse universo, evidencia-se a importância da informação para o público-alvo da referida Lei, visto que a informação é “[...] o que ela mesma é enquanto aquilo que é, de pessoa para pessoa, de situação para situação, de contexto para contexto, [...]” (ILHARCO, 2003, p. 21).
Portanto, a transparência informacional é essencial, no sentido de atender seu objetivo, considerando-se o fluxo entre indivíduos, o contexto e o significado da informação para os usuários dessa informação.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A informação se constitui em elemento fundamental para a compreensão do cidadão excluído, no que se refere ao ingresso discente no ensino superior em instituições federais. Há múltiplas maneiras de se discutir a informação, destacando-se a perspectiva de ação, que possibilita a apropriação, por parte do usuário de uma informação, levando-o a compreender o processo seletivo discente e a escolha do curso de graduação que lhe possibilitará sua ascensão social e atuação profissional. Nesse sentido, identificou-se a importância da apropriação e ressignificação da informação sobre o acesso a qualquer curso de ensino superior, por indivíduos desfavorecidos historicamente, bem como ações que possam impulsionar a disseminação e apropriação de informações sobre os processos seletivos discentes que adentram as demandas informacionais de todos os indivíduos da sociedade.
Constata-se que o desenvolvimento tecnológico potencializou a disseminação da informação sobre os diferentes processos seletivos para o ingresso discente em instituições de ensino superior públicas, bem como a possibilidade de ressignificação dos dados para se obter informação relevante das demandas informacionais por candidatos ao ensino superior público, entre outras informações.
O informativo sobre ‘Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil’, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, evidenciava que a proporção de pessoas pretas/pardas cursando o ensino superior em instituições públicas brasileiras chegou a 50,3%. Segundo o IBGE, apesar de esta parcela da população representar 55,8% da população brasileira, foi a primeira vez que os pretos e pardos ultrapassaram a metade das matrículas em universidades públicas (NITAHARA, 2019).
Ainda, segundo a pesquisa divulgada pelo IBGE (2018) os pretos/pardos que concluíram o ensino superior somaram 18,3%, enquanto a taxa de ingresso no terceiro grau foi de apenas 35,4%. Na faixa de 18 a 24 anos que concluiu o ensino médio, mas que não estava estudando por precisar trabalhar ou procurar trabalho, 61,8% eram pretos/pardos (NITAHARA, 2019).
Observa-se que as instituições de ensino superior públicas devem ressignificar os dados sobre o ingresso de estudantes do ensino médio, de modo que esses cidadãos excluídos possam de fato perceber, apropriar e usufruir dos direitos que a Lei 12.711/2012 proporciona.
Assim, este texto trouxe algumas reflexões, ainda preliminares, que podem contribuir para a construção de pesquisas futuras, para a análise de questões que surjam no decorrer das constantes mudanças sociais. Nesse sentido, há a necessidade de emergirem novas leituras sobre esta temática, considerando-se as relações presentes na formação do conhecimento, de modo a atender às necessidades - temporárias ou não - da sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
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Notas
Autor notes
Coleta de dados: M.A. Ribeiro; M. L. P. Valentim; O. F. de Almeida Júnior
Análise de dados: M.A. Ribeiro; M. L. P. Valentim; O. F. de Almeida Júnior
Discussão dos resultados: M.A. Ribeiro; M. L. P. Valentim; O. F. de Almeida Júnior
Revisão e aprovação: M. L. P. Valentim; O. F. de Almeida Júnior
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