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DA XILOGRAVURA NA MATRIZ À DIGITAL
Karcia Lúcia Oliveira Dias; Bernardina Maria Juvenal Freire De Oliveira; Maria Elizabeth Baltar Carneiro De Albuquerque
Karcia Lúcia Oliveira Dias; Bernardina Maria Juvenal Freire De Oliveira; Maria Elizabeth Baltar Carneiro De Albuquerque
DA XILOGRAVURA NA MATRIZ À DIGITAL
FROM WOODCUT IN THE MATRIX TO DIGITAL
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 27, pp. 1-21, 2022
Universidade Federal de Santa Catarina
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RESUMO

Objetivo: Apresentar o processo de transição da xilogravura na matriz à digital, ou seja, iniciando pelo suporte físico (tradicional) à representação gráfica intermediada pelas mídias digitais.

Método: Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico assentada em livros e artigos científicos, que serviram como norteador na produção do estudo. Diante disso, foi realizada uma revisão da literatura para contextualizar o tema abordado.

Resultado: Verificaram-se as técnicas utilizadas no processo de xilogravura na matriz ao digital. É uma arte popular que contribui de forma significativa para o patrimônio cultural de um grupo social que determina a identidade cultural de um povo.

Conclusões: A transição da xilogravura tradicional para a digital ocasionou tanto a disseminação quanto a produção destas, uma vez que os modelos digitais denotam a variedade de categorias de produção de gravuras inseridas no espectro das representações técnicas, o que viabiliza a preservação e o acesso dessa arte nos acervos online e proporciona o acesso à informação na sociedade do presente.

PALAVRAS-CHAVE: Xilogravura digital, memória social, identidade cultural, fonte de informação.

ABSTRACT

Objective: To present the transition process from the woodcut in the matrix to the digital one, that is, starting with the physical support (traditional) to the graphic representation mediated by digital media.

Method: This is a bibliographic research based on books and scientific articles, which served as a guide aiming at the production of the study. Therefore, a literature review was carried out to contextualize the addressed topic.

Result: The techniques used in the woodcut process in the matrix to digital were observed. It is a popular art that contributes significantly to the cultural heritage of a social group that determines the cultural identity of a people.

Conclusions: The transition from traditional woodcut to digital led to both the dissemination and production of these, since digital models denote the variety of production categories of prints included in the spectrum of technical representations, which enables the preservation and access of this art to online collections and provides access to information in today's society.

KEYWORDS: Woodcut digital, memory social, cultural identity, source of information.

Carátula del artículo

Artigo Original

DA XILOGRAVURA NA MATRIZ À DIGITAL

FROM WOODCUT IN THE MATRIX TO DIGITAL

Karcia Lúcia Oliveira Dias
Universidade Federal da Paraíba, Brazil
Bernardina Maria Juvenal Freire De Oliveira
Universidade Federal da Paraíba, Brazil
Maria Elizabeth Baltar Carneiro De Albuquerque
Universidade Federal da Paraíba, Brazil
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 27, pp. 1-21, 2022
Universidade Federal de Santa Catarina

Recepção: 26 Abril 2022

Aprovação: 24 Agosto 2022

Publicado: 09 Setembro 2022

INTRODUÇÃO

As xilogravuras se apresentam como fonte de informação que representam e ressignificam a memória da cultura popular através de sua estrutura imagética. O xilógrafo é o profissional que utiliza técnicas em gravura esculpidas em madeira (matriz), possibilitando a reprodução da imagem gravada em diversos tipos de suporte, a exemplo das representações gráficas simbolizadas nas capas de folhetos de cordel, cujo suporte é o papel. A inspiração do xilógrafo provém de suas raízes culturais e, através de seu recurso imagético, transmite suas manifestações, tornando-a rica fonte de informação cultural, representada por figuras reais ou imaginárias oriundas de sua criatividade (CARVALHO, 2014).

Inspiradas nos textos poéticos, as xilogravuras evocam nos leitores várias acepções e memórias, representando a narrativa descrita no folheto de cordel que, por sua vez, evidencia as nuances da cultura popular, reconstrói eventos pretéritos e contemporâneos de nossa sociedade. Na xilogravura, o conteúdo não escrito, mas representado por imagens. Pode-se dizer que o pensamento do xilógrafo se fundamenta na poesia, para atribuir significado à sua abordagem temática, exprimindo seus anseios com base em sua visão de mundo. Ao ilustrar os seus próprios folhetos e narrativas no cordel, torna-se um poeta e xilógrafo (SANTOS, 2019).

A memória coletiva e social está intrinsecamente ligada ao processo de construção da identidade. Candau (2011, p. 16) afirma que “a memória, ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nós modelada. Isso resume perfeitamente a dialética da memória e da identidade que se conjugam, se nutrem mutuamente”.

No decorrer dos anos, a identidade cultural do povo nordestino é construída, e assim, as manifestações culturais da região, como a literatura de cordel, xilogravuras, capoeira, frevo, festas juninas, reisado, entre outras, passam de geração em geração. Essa “tradição se remete a um passado atualizado no presente” (CANDAU, 2011, p. 122).

Candau cita, em seu livro “Memória e Identidade”, as três modalidades do tradicionalismo, distinguidas por Georges Balandier. A primeira modalidade é “o ‘tradicionalismo fundamental’, que objetiva a manutenção fiel dos valores”; a segunda, “o ‘pseudotradicionalismo’, que é uma tradição remodelada por ocasião de grandes e profundas mudanças”: e a terceira, “o ‘tradicionalismo formal’, que se utiliza de formas que foram mantidas, mas os conteúdos foram modificados. De acordo com a tradição", é tanto respeitá-la sem muitas alterações, como acomodá-la ou mesmo recriá-la” (CANDAU, 2011, p. 124). A tradição da cultura nordestina, ao longo do tempo tem trazido modificações e adequações ao século XXI, porém, respeitando os costumes enraizados na cultura popular, por exemplo, a xilogravura.

De acordo com o exposto, a xilogravura, um dos elementos da cultura popular, tradicionalmente é feita na matriz, entretanto, vem se adequando ao ambiente digital. De acordo com Almeida (2003, p. 331), o ambiente digital são “sistemas computacionais disponíveis na internet, destinados ao suporte de atividades mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação”.

A informação está em variados suportes, inclusive na xilogravura que é objeto do presente estudo. Assmann (2000, p. 8) diz que “toda a informação pode ser classificada, analisada, estudada e processada de qualquer outra forma a fim de gerar saber. Nesta acepção, tanto os dados como a informação são comparáveis às matérias-primas que a indústria transforma em bens”. Alves e Duarte explicam que:

O próprio termo - informação - exprime um espaço de significação e de produção de sentido que proporciona abertura à construção de uma nova forma de ver, interpretar, planejar, transformar, inovar e modernizar o funcionamento das organizações que, em atividade, são, por sua natureza, um sistema aberto e interativo, bem como um ambiente em que fluxos e redes de processos são articulados e sustentados por informação. Certamente, nesse ambiente, recursos representativos são gerados e revelados pelo foco de suas culturas (ALVES; DUARTE, 2014, p. 2).

Complementando essa ideia de informação, Capurro e Hjorland (2007, p. 187) escrevem que “é qualquer coisa que é de importância na resposta a uma questão. Qualquer coisa pode ser informação” e que pode ser definida “em relação às necessidades dos grupos-alvos [...] de modo coletivo ou particular. Informação é o que pode responder questões importantes relacionadas às atividades do grupo-alvo”.

En los albores del siglo XXI estamos asistiendo sin duda alguna a un nuevo modelo de sociedad en el que la información, entendida como conocimiento acumulado de forma comunicable, aparece como el cimiento del desarrollo económico, político y social (SEBASTIÁN; RODRÍGUES; MATEOS, 2000, p. 22).

Diante disso, compreende-se que a sociedade da informação traz consigo alguns benefícios econômicos, sociais, políticos, ambientais e culturais: com a inovação tecnológica, a cultura popular tornou-se mais conhecida no âmbito digital, poetas populares e xilógrafos comunicam-se com agilidade, além de criar suas artes por meio de tecnologias.

O estudo realizado por Santos (2019), intitulado “A indexação de xilogravuras à luz semântica discursiva” demonstra como as imagens figuradas nas capas dos folhetos de cordel representam o seu cerne temático. Embasados na tríade informação, memória e sociedade, estudos dessa natureza consistem na confluência das tradições culturais de um povo, de suas narrativas memorialísticas junto à representação temática. Contanto, a essência desse estudo faz menção à descrição dos conteúdos de itens informacionais mediante atribuição de termos e/ou descritores, possibilitando sua posterior recuperação e, consequentemente, correspondendo às necessidades dos/das usuários/as.

Os suportes dos registros do conhecimento mudam conforme a sociedade se transforma. Nesse sentido, a xilogravura se adaptou às inovações tecnológicas, reconstruindo-se e trazendo novas definições e práticas. Destarte, propõe-se nessa pesquisa apresentar o processo de transição da xilogravura na matriz à digital, ou seja, iniciando pelo suporte físico (tradicional) à representação gráfica intermediada pelas mídias digitais.

Mesmo existindo em sua variedade, é importante reconhecer que há muitas divergências quanto ao termo xilogravura digital. Como destaca Silva (2020, p. 299), “O termo Xilogravura Digital é controverso e suscita questionamentos acerca de sua materialidade, tais como: Como assim Xilogravura Digital? Onde está a madeira? Onde está o corte das goivas?”

Na plataforma Behance1, a artista mostra ilustrações em xilogravura digital, e toma como base o processo de permuta entre a xilogravura na matriz (histórica) e o processo contemporâneo baseado no processo digital de produção de arquivo e de impressão. A artista desenvolve novos traços físicos que têm características de xilogravura, só que em ambiente digital.

Tendo a problemática pautada na transição para as xilogravuras digitais, que trazem imagens similares às gravuras artesanais, cuja produção ocorre em menos tempo, é notória a praticidade devido ao uso de softwares, a exemplo do corel draw e adobe photoshop, o que mantém a tradição do trabalho artesanal, perpetuando a memória da cultura nordestina.

A realização desse estudo se justifica pela escassez de literatura sobre a metamorfose dos moldes de produção de xilogravuras na matriz para os suportes digitais, situados no contexto da memória e da organização do conhecimento, subáreas investigativas da Ciência da Informação (CI).

No que tange o percurso metodológico, trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico assentada em livros e artigo científicos o levantamento bibliográfico que serviu como norteador na produção do estudo. No entanto, é preciso destacar que a pesquisa bibliográfica não se resume na reprodução do que fora dito, mas propicia o exame do tema sob uma nova perspectiva e conclusões acerca da respectiva temática (GIL, 2008). Diante disso, foi realizada uma revisão da literatura para contextualizar o tema abordado.

2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA XILOGRAVURA COMO FONTE DE INFORMAÇÃO NA ESTEIRA DA MEMÓRIA SOCIAL

Os recursos informacionais estão se transformando constantemente. Ao adentrar no contexto histórico da xilogravura, convém ressaltar que a informação vem sendo produzida desde as tabuletas de argila nos primórdios da humanidade até a internet usada na era pós-moderna. A invenção da escrita favoreceu a criação de novas técnicas de memória: as mnemotécnicas que, oriundas na Grécia, conhecerão uma grande expansão na Idade Média (YATES, 2007).

Assim sendo, a xilogravura se relaciona com a cultura e o imaginário, estabelecendo um diálogo com os valores, símbolos e formas de representação e de organização do cotidiano de um determinado grupo social através das memórias. Dessa forma:

A partir do entendimento de Le Goff, compreendemos que memória seria o processo de captar, guardar e recuperar informações que foram fixadas pelo campo cognitivo do ser. Neste entendimento, a memória social seria a socialização de todo este decurso. Sendo considerado o pioneiro na instituição deste pensamento, o sociólogo Maurice Halbwachs, considerava que memória social se trata do âmago do conhecimento coletivo, conhecido e contextualizado culturalmente entre os indivíduos, e este “conhecimento coletivo”, reflete as relações identitárias (SILVA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2018, p. 7).

A informação se encontra numa diversidade de suportes na forma de como é produzida, consultada e disseminada (YATES, 2007). Essa informação tem,

[...] um valor semiótico pelo fato de descrever todos os tipos de sentido lógicos e possíveis num processo de relação contínua que envolve qualidade, relação (reação) ou interpretação, representação e mediação. Toda informação, quando usada como meio de conhecimento e de comunicação, precisa estar bem representada em sua significação e em seu sentido (ALVES; DUARTE, 2014, p. 3).

Por isso, a xilogravura traz em sua imagem um sentido, que necessita de um interpretante, favorecendo a transmissão do conteúdo de forma acessível e constituindo um instrumento de disseminação da informação que atinge diversos públicos. A admiração entre cordel e grandes autores é recíproca. Clássicos da literatura mundial já podem ser lidos em adaptações produzidas por cordelistas e ilustradas pelos artistas responsáveis pela xilogravura no cordel (ASSIS; TENÓRIO; CALLEGARO, 2012).

A xilografia é uma técnica oriunda da Ásia que se difundiu na China. Nessa modalidade artística, a gravura é produzida num artefato de madeira onde se entalha o desenho a partir de um relevo gráfico. Sua etimologia vem da junção dos termos gregos “nylon” (madeira) e “graphein” (gravar). Esta é uma explicação para a razão de este vocábulo definir a madeira gravada com o uso de ferramentas cortantes, e que, após o preparo da matriz e a realização da impressão, obtém-se a xilogravura propriamente dita. São diversas as formas de xilogravuras apresentadas ao longo dos séculos, sendo as mais conhecidas a gravura feita em metal (calcogravura) ou em pedra (litografia), entretanto a xilogravura é a primeira forma de gravuras em matriz que se tem conhecimento (COSTTELA, 2003; BRITO, 2016).

Na Figura 1 está representada, em forma de arte ilustrativa, a goiva, que é um instrumento cortante utilizados para o entalhe em madeira, ou seja, é o material essencial para fazer a xilogravura na matriz.


Figura 1
Goiva: instrumento cortante utilizados para o entalhe em madeira
Fonte: Arte elaborada por Jackson Macena (2021)

Já a Figura 2 mostra a matriz em processo de preparação. Para iniciantes, o recomendado é fazer a arte em lápis e, após talhar na madeira, como mostra a Figura 3 a arte em xilogravura na matriz pronta para impressão.


Figura 2
Processo Matriz feita por Karcia Dias
Fonte: Arquivo Pessoal Karcia Dias (2012)


Figura 3
Matriz talhada por Karcia Dias
Fonte: Arquivo Pessoal Karcia Dias (2012)

A xilogravura é uma arte que reproduz textos e imagens na madeira gravadas em relevo. Trata-se de um processo de escavação com a finalidade de compor imagens: a parte escavada resulta no branco do papel e o alto-relevo, a parte não escavada, é o preto. A xilogravura tem uma relevante expressão artística e cultural, bem como retrata temas variados, em conformidade com a inspiração do artista (SOARES, 2006).

O método para imprimir as imagens era simples: o xilógrafo usava a faca para retirar da madeira tudo o que não deveria aparecer na estampa. Já o que tinha que aparecer em preto ficava saliente num conjunto fino de arestas. O efeito era similar de qualquer carimbo de borracha, utilizado na atualidade. O princípio de impressão praticamente não mudou e consiste na cobertura da superfície do bloco com a tinta, imprimindo a partir do uso de óleo e fuligem, sendo apertadas contra a folha de papel. Fazia-se quando possível a realização de numerosas impressões antes do desgaste do bloco: a essa técnica rudimentar deu-se o nome de xilogravura (GOMBRICH, 1993).

Não há uma data específica quanto à origem dessa técnica. Relatos históricos apresentam uma oração budista “Sutra do Diamante” que fora impressa na China no ano de 868 d.C., por Wang Chieh, considerada pelos historiadores como o primeiro registro datado da xilogravura. Por outro lado, outros historiadores destacam que o desenho se tornou reprodutivo através da xilogravura, antes da invenção da escrita e da imprensa (COSTELLA, 2006).

As utilizações das xilogravuras na Europa são datadas a partir século VI. O discurso de Burke (2003, p. 24) aponta que “o conhecimento da pintura e de suas técnicas, que passou a ser chamado de “connoisseurship”, foi um conhecimento transmitido oralmente que começou a aparecer sob forma impressa no século XVI”. Mas, a arte xilográfica impressa em papel teve início entre os séculos XIV e XV, sendo produzidas uma variedade de xilogravuras de santos, baralhos, permanecendo no solo europeu até meados do século XIX, período em que os franceses tiveram contato com as gravuras japonesas (GABRIEL, 2012; BURKE, 2003).

Nas primeiras décadas do século XV, houve a difusão de saberes entre árabes, asiáticos e europeus. Com essas trocas de conhecimentos e técnicas, a xilogravura tornase popularizada na estampagem de livros, documentos religiosos, cartas de baralhos, o que a fez ganhar notoriedade nas feiras populares. Os países europeus: Alemanha, Holanda, Itália e França, tornaram-se produtores dessas imagens que se mantiveram presentes na Idade Média devido ao baixo custo. Sobre a troca e a produção de conhecimento entre árabes, asiáticos e europeus, Peter Burke contextualiza:

Assim como na Europa ocidental, no início do Império Otomano, os estudantes começavam a ter expectativas de emprego no ulemá ou “hierarquia erudita” depois de completar seus estudos, e a frustração dessas expectativas em meados do século XVII levou a protestos em Istambul de forma semelhante ao que aconteceu em Oxford e Nápoles. O grande contraste entre os estudiosos muçulmanos e seus equivalentes europeus era um contraste entre meios de comunicação. Como vimos, a imprensa oferecia muitas oportunidades aos homens de letras europeus. O mundo do Islã, por outro lado, rejeitava a imprensa e continuou sendo até aproximadamente 1800 um mundo de comunicação oral ou manuscrita (BURKE, 2003, p. 39).

[...]. Em termos gerais, os europeus educados obtinham seu conhecimento do mundo exterior à Europa de um conjunto relativamente pequeno de livros, conjunto que mudou gradativamente ao longo do período. Em torno de 1600, por exemplo, poder-se-ia, como Montaigne, ler González de Mendoza sobre a China, López de Gomara sobre o México e Jean de Léry sobre o Brasil, complementados pelo relato do jesuíta italiano Matteo Ricci sobre a missão à China e o de seu colega Luis Frois sobre missão semelhante ao Japão (BURKE, 2003, p. 182).

De acordo com o exposto, a xilogravura como fonte de informação promoveu a transmissão de conhecimentos como ocorreu na China. Da mesma forma, os países europeus usaram a xilogravura para imprimir os seus primeiros livros. O surgimento da ideia do agrupamento de várias folhas de gravuras religiosas, associadas de uma forma coerente, tinha um formato de um códice, do latim códex, ou seja, caderno. Na afirmação de Asmann (2011, p. 172), “os livros, como armazenadores de dados, substituem aquele antigo grupo de trabalho dos “louvadores”, aos quais cabia, na cultura oral, a função de perpetuadores profissionais responsáveis pela construção e preservação da memória coletiva”.

A junção das imagens com os textos escritos promoveu a utilização do livro feito em xilografia pelos não alfabetizados, permitindo-lhes o entendimento do conteúdo do texto escrito e, assim, compreendendo a narrativa, mesmo sem ter o conhecimento das letras. Diante disso, a valorização dos livros xilográficos está evidenciada na ‘Biblia Pauperum’ (Bíblia dos pobres), difundida no século XV, na Europa. Essa obra teve várias edições em xilogravura. Nas páginas da Bíblia, estavam as xilogravuras no quadro central, com a temática da narrativa voltada à passagem da história de Jesus e, no entorno, cenas inspiradas no Velho Testamento, facilitava a transmissão dos ensinamentos religiosos, fazendo com que as informações fossem assimiladas, até mesmo, por um indivíduo analfabeto (COSTELLA, 2006).

Dessa forma, a xilogravura europeia melhorou as ilustrações nos livros para um alto aprimoramento artístico. A xilografia tornou-se impressa como obra independente. As xilogravuras eram impressas nas matrizes entalhadas ao fio em tábuas cortadas de alto a baixo; com detalhes, o xilógrafo limitava-se a reproduzir na madeira as linhas do desenho fornecido por um artista.

No século XIX, a xilogravura tornou-se conhecida, e seu uso foi implantado no Brasil, com a finalidade de ilustração direta nos livros, periódicos, anúncios, entre outros impressos. No Brasil, a partir da primeira metade do século XIX, os xilógrafos eram estrangeiros. Em 1860, houve a criação do “Instituto Artístico”, pertencente aos irmãos Fleiuss e de Carl Linde, onde fora introduzido o curso de xilografia no Rio de Janeiro, e lá se formaram os primeiros xilógrafos brasileiros (COSTELLA, 2003).

Um dos pioneiros da xilogravura artística brasileira foi o mestre Oswaldo Goeldi (1895-1961). Nascido no Rio De Janeiro, estudou na Europa, Goeldi foi influenciado pela obra de Munch. Retornando ao Brasil, as obras desse artista tiveram participação na Semana de Arte Moderna de 1922. Fascinado com a xilogravura, sua produção ocorreu de forma intensa no decorrer da vida, gravando dezenas de imagens. Goeldi lecionou na Escola Nacional de Belas Artes, que influenciou a nova geração de xilógrafos brasileiros (GABRIEL, 2012).

No nordeste do Brasil, a xilogravura torna-se utilizada no começo do século XX. A ascensão ocorre devido ao consumo de cordéis por intelectuais e turistas. Entretanto, a primeira xilogravura utilizada na literatura de cordel teve sua aparição na cidade de Recife, num folheto sem apresentação, com apenas uma legenda indicando o nome de Antônio Silvino e a impressão da imagem de um homem vestido de chapéu de couro com um bacamarte na mão e uma espada na cintura (FRANKLIN, 2007).

Os folhetos de Athayde continham ilustrações estampadas produzidas através da litogravura e zincogravura (Ver Figuras 4 e 5). Sua editora teve atuação destacando-se como uma das maiores em sua época, cujo funcionamento ocorreu entre os anos de 1909 e 1950. Em seguida os proprietários da editora decidiram vender seus direitos de publicação para outro editor de renome, José Bernardo da Silva, proprietário da Tipografia São Francisco. As ilustrações eram feitas em litogravura e zincogravura. João Martins de Athayde foi um dos percursores da introdução de imagens nas capas dos folhetos de cordel, quando solicitavam o trabalho de “desenhistas e caricaturistas que trabalhavam para o Jornal do Recife e para o Diário da Manhã para produzirem as ilustrações” (MELO, 2010, p. 107).


Figura 4
- Zincogravura
Fonte:http://orespigadorearespigadora.blogspot.com/2010/05/zincogravuras-iii.html


Figura 5
- Litogravura
Fonte: https://blog.leiloesbr.com.br/litogravura-xilogravura-tecnicas/

Destarte, a xilogravura conquista um espaço definitivo nas capas de cordel a partir da sua implantação na tipografia São Francisco, que contribuiu com relevância para esse processo.

De acordo com Jurandy Temóteo (2002), o xilógrafo cearense Walderêdo Gonçalves de Oliveira pode ser considerado um dos maiores xilógrafos da primeira metade do século XX, porém sua projeção nacional e internacional se deu na década de 1960. A partir do final da década de 40, o paraibano, poeta e xilógrafo José Costa Leite (In memoriam2) utiliza a xilogravura como o mais importante adorno para os folhetos de Literatura de Cordel. Destacam outros xilógrafos brasileiros como: os irmãos Amaro Francisco (PE), Mestre Dila (José Soares da Silva), Abraão Batista (CE), Gilvan Samico (PE), José Lourenço (CE), J. Borges (PE), Marcelo Soares (PE) e tantos outros.

A xilogravura torna-se uma alternativa, por apresentar um baixo custo e rápida distribuição. Entretanto, havia praticidade e menos custos ao optar por xilogravuras confeccionadas em madeira, do que comprar matrizes de metal vindas de Recife ou Fortaleza.

As xilogravuras exprimem elementos reais e imaginários. Os elementos reais que são representados nas xilogravuras estão ligados aos aspectos originados da realidade social, de algum acontecimento ou do contexto interpretados pelos xilógrafos. Os elementos imaginários são representados de maneira espontânea nessas imagens e são oriundos das invenções fantasiadas pela imaginação desses artistas ou baseados no folclore ou lendas contadas em uma determinada região. Nesse último caso, a realidade se configura como um produto do imaginário, mas a xilogravura representa a memória de um povo, uma organização social, sendo, portanto, uma fonte de informação.

A xilogravura é classificada como patrimônio cultural integrado ao “o conjunto de bens, materiais e imateriais, de interesse coletivo, relevantes para a perpetuação no tempo”. É uma fonte informação que faz recordar, através da qual é possível (re) memorar acontecimentos para a memória social. Também destacamos que a xilogravura compõe uma série de “símbolos sacralizados, no sentido religioso e ideológico, que um grupo, normalmente a elite, política, científica, econômica e religiosa, decide preservar como patrimônio coletivo” (RODRIGUES, 2012, p. 4).

Inserida na memória, a elaboração da xilogravura consiste no processo de captar, guardar e recuperar informações que estão fixas no campo cognitivo. Baseado nesse entendimento, a memória social pode ser definida como a socialização e o decurso. Dessa forma, o sociólogo Maurice Halbwachs tinha a concepção de que a memória social aborda, no âmago do conhecimento coletivo, conhecido e contextualizado culturalmente pelos os indivíduos, o “conhecimento coletivo” que reflete as relações identitárias (SILVA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2018).

Em 20 de agosto de 2018, com a publicação do Diário Oficial da União, anexado à notícia de que o cordel foi registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico, Nacional (IPHAN) como patrimônio cultural do Brasil, teve a apresentação da relação das xilogravuras desses folhetos. As xilogravuras têm um papel fundamental para ilustrar as capas dos folhetos de cordel. Visto que não se resume a uma mera ilustração do texto, porém possui a “função mnemônica, condensando a trama da narrativa e a função metafórica, multiplicando sentidos e significados que abarcam a observação do cotidiano e da vida social. Dentre todas as técnicas imagéticas já empregadas”, destaca-se que “a arte da xilogravura acabou conferindo uma identidade visual ao folheto de cordel” (BRASIL, 2018, p. 12).

As xilogravuras são relevantes no que diz respeito à disseminação da cultura popular, e a representação da escrita por meio das imagens, ainda na atualidade, facilita o entendimento das pessoas analfabetas ou semianalfabetas. No entanto, são acessíveis às classes populares, sendo imprescindíveis para o processo de representação da narrativa de cordel e para a construção histórica da cultura popular brasileira.

O pensamento criativo do xilógrafo é inspirado na poesia, no caso dos folhetos de cordel. É notório como o artista é fiel ao conteúdo exposto no folheto. O gravador não reproduz, por sentido autônomo e independente. Sua arte reflete em função da obra, do texto, induzindo o indivíduo à percepção do fenômeno. A arte da xilografia, nessa perspectiva, está associada a atividade de representação temática da informação, pois o xilógrafo objetiva reproduzir através da imagem o assunto contido na poesia do cordel (CARVALHO, 2014).

Dessa forma, a concordância sintagmática da gravura articulada ao texto escrito representa um relevante léxico pictórico, em que a sintaxe figurativa ou da imagem performática aborda o tema tratado nesses recursos, assim sendo, a imagem não é apenas ilustração, mas exemplifica o cordel, tornando-se um instrumento em que o paradigma se solidifica, dado que se resume a um repertório extraverbal e paralinguístico. A gravura favorece a visualização do que se tenta modelar, transcodificando, “transpondo intersemioticamente o texto linguístico para a imagem pictórica e a imagem pictórica ao texto linguístico” (MELLO, 2016, p. 256).

Nesse sentido, as xilogravuras associadas aos elementos da técnica e ao “refinamento de uma adequação de meios e mensagens iconográficas”, consegue alcançar “níveis expressivos de descrições e manifestações” fundamentadas nas “percepções visuais” que são pluralizadas conforme “os aspectos históricos, éticos, morais, políticos, socioeconômicos e culturais” do seu público (SANTOS, 2020, p. 9).

A xilogravura é integrante da cultura popular e está intimamente ligada à literatura de cordel. Mesmo havendo a junção dos dois, ambos são independentes. Portanto, os dois se complementam e são cruciais para a divulgação e preservação da cultura popular, ilustrando de maneira única os folhetos e transmitindo em suas capas a idoneidade e ênfase necessária a temática exposta.

Em suma, as xilogravuras não são precisamente uma representação da realidade nem tampouco do contexto real, mas a contextualização dos elementos que fazem menção a objetos e fatos inerentes a essa realidade. Isso é o que define o seu caráter de singularidade, sendo um recurso imagético que exprime o rico imaginário da cultura popular, e que contém as técnicas e os métodos específicos para a sua indexação (SANTOS, 2019, p. 102). A xilogravura pode ser compreendida como um resumo ilustrado, um recurso que atrai o público que incita a curiosidade dos leitores.

3 A ADAPTAÇÃO DAS TÉCNICAS DE XILOGRAVURAS

O entendimento da xilogravura como uma técnica utilizada na reprodução de imagens tradicionais, e sua constituição como mídia está associada ao início da concepção e da definição de imagem como um mecanismo de comunicação. Isto porque os recursos e técnicas surgiram e se estruturaram como extensões do próprio homem. A automação e as mudanças na forma de produzir gravuras naturalmente ocasionaram mudanças na formação anos depois das sociedades. Dessa forma, a técnica produtora de imagens em série, a xilogravura, ao ser inventada possibilita a reprodução e em seguida a automatização na emissão de suas mensagens.

É importante destacar que uma vez que simultaneamente a aplicabilidade das técnicas da xilogravura se resume a procedimentos manuais, estas também são utilizadas nos processos mecanizados (por exemplo, quando se é acoplada a uma prensa mecânica), de onde se retiram diversas cópias da imagem gravada. Dessa forma, é notório que a técnica da xilogravura está entrelaçada ao potencial da reprodutibilidade do traço original pertencente ao artista gravador (BRITO, 2016).

Num dado momento histórico, esta técnica tem uma aplicabilidade utilitária para a comunicação e o comércio. A invenção da tipografia e as inovações tecnológicas no ramo da comunicação fizeram com que a xilogravura ganhasse um teor de produção artística, constituindo-se de um mecanismo de expressão da arte e, ao longo dos séculos, no Brasil, esta arte tem se destacado nas capas da literatura de cordel.

A técnica aplicada pelo xilógrafo otimiza a produção das imagens e, ao longo do tempo, tornou possível o acesso às mesmas por várias pessoas, sendo a razão pelos quais foi popularizada na literatura de Cordel nas cidades do interior brasileiro. Com a modernização das máquinas, entretanto, os cordéis produzidos pelo xilógrafo Stenio Diniz se enquadraram nesta situação. Essa realidade possibilita observar a interferência da máquina no que respeita a uma maior produção e visibilidade de seus folhetos. Outra questão que motiva o xilógrafo é o favorecimento recebido pelo histórico da sua família, que é proprietária de uma tipográfica na cidade de Juazeiro do Norte - CE (BRITO, 2016).

Os objetos foram gradativamente passando por uma transição: de uma concepção artesanal para um fazer mecânico, até chegar aos níveis do automático e digital, em que a realização das operações e suas funções são aplicadas com o uso de computação gráfica. Percebe-se a xilogravura como um exemplo de técnica em que integra tal processo, dado que, mesmo havendo a produção de imagens tradicionais através de uma técnica que é artesanal, também se destaca a consolidação dos códigos eletrônicos/digitais. Esse percurso histórico, entretanto, demonstra adaptação dos materiais tradicionais, passando para uma elevação ao status dos pixels e dos bits de informação difusa e imaterial.

No contexto das imagens técnicas, as informações existentes são colocadas nos aparelhos, e não em objetos dados, de maneira que se exemplificam nas obras que têm tais aparelhos automáticos inseridos no seu processo de produção e/ou veiculação. É o caso das xilogravuras presentes na identidade visual de emissoras de televisão, por exemplo, a novela “Cordel Encantado”, veiculada pela Rede Globo no ano de 2011, o quarto do Reality Big Brother Brasil (BBB) que foi inspirado na literatura de cordel e xilogravura, veiculado no ano de 2021.

Essas imagens que foram exibidas na abertura da trama podem ser definidas como “xilogravuras”. Em contrapartida, são imagens que não são produzidas pela técnica artesanal, mas produto de recursos tecnológicos que as produzem e/ou as veiculam. Ou seja, o fenômeno da xilogravura, que era uma técnica pertencente unicamente aos artesãos, foi convertido em estética, sendo, portanto, um exemplo, a adaptação ocorrida no percurso do tempo para as imagens técnicas, em que a produção e/ou veiculação foram reduzidas ao pixel, ou ao bit de informação (BRITO, 2016).

Portanto, a interface do software adobe ilustrador é utilizado constantemente para a criação de desenhos digitais, favorecendo a criação de logomarcas diversas, a exemplo da própria logo da novela “Cordel Encantado”. Através dos vários filtros pré-definidos, existe a possibilidade de se inserirem ferramentas como o lápis ou um balde de tinta, causando efeitos semelhantes aos que se obteriam a partir de uma produção da xilogravura. Dessa forma, possível identificar como se configura a origem de um objeto técnico, embora seja uma tarefa desafiadora. A individualidade e as especificidades do objeto estão presentes de forma incipiente na sua própria gênese, onde todo o contexto pode ser identificado e observado a partir dos detalhes e peculiaridades da sua dimensão técnica (GABRIEL, 2012).

Entretanto, é notório que o desenvolvimento da técnica de xilogravura desde sua origem como ferramenta artesanal, partindo do seu processo de mecanização e modificação da xilogravura no seu aspecto técnico, é relevante quanto ao aspecto simbólico e interpretativo envolvido em sua produção, como uma arte presente na sociedade e na construção da memória desta.

4 A TÉCNICA DA XILOGRAVURA DIGITAL

A xilografia digital consiste no método de produção de imagens em estampas coloridas com base na combinação entre duas ou mais matrizes que são completadas na impressão. Isto porque o gravador reproduz a xilogravura, no formato de alto e baixo-relevo, o que torna possível a visualização de uma única cor por vez na xilogravura. Dessa forma, o resultado da combinação ocorre através da sobreposição dessas cores numa mesma impressão. Este é um detalhe a ser observado como uma inovação no processo, surpreendendo os gravadores (SILVA; SANTOS FILHO; OLIVEIRA, 2019).

Gravura Digital e Xilogravura Digital são termos relativamente recentes em Artes Visuais, resultado da ação artística no meio, cujo fim é concebê-lo como um ramo do pensamento conceptivo enraizado na Xilogravura histórica e não sua substituta. Assim, esta experiência artística pode contribuir tanto com o meio digital quanto com a gravura, através do modo de montagem de arquivos, com foco na impressão cor a cor ao invés da impressão simultânea de todas as cores, como é mais comum nas impressoras digitais. Quando foi utilizada impressora pessoal formato A4, descobriu-se ser possível imprimir imagens em formatos que excedem este formato em comprimento, mantendo restrita somente a largura, como é possível verificar nos formatos que constam nas legendas das imagens. (SILVA, 2020, p. 302).

Nesse contexto, o aspecto formal da xilogravura que apresentava natureza apenas monocromática evolui para o colorido vem no decorrer dos séculos. A xilogravura digital tornou-se significativa, demonstra a cor aliada aos veios (traços) da madeira e ainda reproduz as imperfeições de impressão.

O uso das ferramentas digitais básicas de softwares e impressoras, cujas funções são ocultadas na facilidade do “print” automático padrão, contribui num aspecto amplo para a difusão da impressão digital de arte ou estética. São aplicados recursos, por exemplo, a impressora pessoal que possui as ferramentas elementares de software, como recorte, borracha, divisão das cores, inversões do positivo para o negativo, utilização de um filtro, assim como a regulagem de luz e sombra, que são crucias para viabilizar a transposição da técnica da xilogravura para o ambiente digital (SARLO, 2013).

A autora detalha algumas características que diferencia a xilogravura digital da tradicional:

A paleta está na tela do computador. O ato de imprimir quantas tiragens desejadas exige apenas um comando, o que diferencia esse tipo de gravura dos métodos artesanais e ritualísticos da litogravura, xilogravura e gravura em metal. Suas características fizeram com que seus artistas sofressem limitações de cores, formatos, tiragens. A exploração das infinitas possibilidades tecnológicas da impressão digital está apenas começando, e o artista visual tem que estar preparado para esse novo mundo. (SARLO, 2013, p. 275).

A transposição do fundamento da Gravura histórica promove a visualização instantânea irrelevante. Isso ocorre não pelo purismo histórico ou distinção pela dificuldade. O fato de as novas tecnologias estarem presentes em nossa memória no decorrer do tempo possibilitou o predomínio da ação humana que deu à imagem uma sutileza no ambiente digital atualmente. A definição estabelecida traz um impacto que sobrepuja o purismo histórico e a dificuldade na sua execução. Conforme Francastel (2011, p. 30), “a arte e a mão de obra humana são inseparáveis. Nossa época, que é a época da técnica, necessita desenvolver as consequências dessa verdade”.

É importante ressaltar que o termo xilogravura digital causa divergências, levantando alguns questionamentos sobre a sua materialidade, visto que não há a matriz de madeira onde se fazem os cortes das goivas. Assim, não é uma xilografia original, independente e autônoma, nem uma réplica do modelo desta, mas uma repetição tão exata que anula o original ao mesmo tempo o preserva (PERNIOLA, 2000).

A xilogravura digital é uma arte que está em processo de aprimoramento de traços. Podemos verificar na Figura 6 que a técnica pode ser utilizada em folhetos de cordéis. Importa explicar que essas capas são apenas exemplos dos folhetos publicados pelo xilógrafo digital.


Figura 6
Exemplos de xilogravuras digital nas capas de folhetos de cordel
Fonte: Arte elaborada por Jackson Macena (2021)

A principal inovação dessa técnica digital permite que se possa “ainda criar imagens desenhando diretamente sobre a tela do Ipad, Iphone ou pranchas de digitalização gráficas (esta é a melhor opção para captar o gesto do artista). Assim, elas já nascem digitais” (SARLO, 2013, p. 274).

Alguns ilustradores no ambiente digital já estão aprimorando a técnica e ofertando cursos e oficinais para especializar outras pessoas na área. Pode-se citar o exemplo do artista Fernando Andrada que transmite seus conhecimentos e suas artes no âmbito digital3. Já o artista Jackson Macena apresenta suas artes em xilogravura digital4, com traços diferenciados da gravura histórica.


Figura 7
Quadro xilogravura
Fonte: Arte elaborada por Jackson Macena (2021)

Em pleno século XXI, surge a xilogravura digital através do uso das novas tecnologias, softwares para ilustração de imagens, impressoras de alta performance, tablets onde se pode fazer desenhos, mouse do computador substituindo a goiva, enfim novos recursos que possibilitam novas técnicas estão em aprimoramento. No entanto, a cultura do povo nordestino não caiu no esquecimento e continua enraizado na memória de seu povo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A xilogravura está inserida na cultura visual do Nordeste, seja de forma física ou virtual, e faz parte da memória coletiva e individual do ser humano ao longo do tempo, com representatividade na cultura nordestina. A xilogravura é uma arte popular que contribui de forma significativa para o patrimônio cultural de um grupo social que determina a identidade cultural de um povo.

Constituída ao longo da história, com divulgação de imagens pelo mundo, bem antes das invenções que deram origem às inovações tecnológicas, a xilogravura representa uma imagem técnica peculiar no seu processo de difusão que agora no presente ocorre pelas mídias digitas. Isso pode ser observado de diversas maneiras, desde o próprio princípio de reprodutibilidade em série das gravuras por meio desta a técnica que em todos os períodos históricos favoreceu sua multiplicação, manuseio e escoamento na sua confecção, resultado da grande capilaridade que a impressão sobre o papel apresentou desde os primórdios das civilizações até o presente.

Desta maneira, a xilogravura popular não se reduz apenas a um patrimônio da cultura popular brasileira, mas é vista como uma forma de democratização das informações, seja para acadêmicos ou não, viabilizando a preservação e o acesso dessa arte nos acervos online e proporcionando o acesso à informação na sociedade do presente.

Material suplementar
AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Artista Jackson Macena por ter elaborado as xilogravuras digitais.

REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
1 Disponível em: https://www.behance.net/gallery/52728377/Xilogravura-Digital. Acesso em: 09 abril 2022.
2 Faleceu na data de 25 de agosto do ano de 2021, enquanto nós escrevíamos esse artigo. Prestamos nossa homenagem ao paraibano, poeta e xilógrafo que dedicou anos de sua vida para a cultura popular.
3 Disponível em: https://fernandojcandrada.com.br/courses/oficina-de-pintura-digital/
4 Disponível em: https://br.pinterest.com/Eu_Jack/xilogravura/my-woodcuts/
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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
EDITORES Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Patrícia Neubert e Genilson Geraldo.
Declaração de interesses
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Autor notes
CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA Concepção e elaboração do manuscrito: K. L. O. Dias, B. M. J. F. de Oliveira, M. E. B. C. de Albuquerque

karciadias@gmail.combernardina.oliveira@academico.ufpb.brebaltar2007@gmail.com


Figura 1
Goiva: instrumento cortante utilizados para o entalhe em madeira
Fonte: Arte elaborada por Jackson Macena (2021)

Figura 2
Processo Matriz feita por Karcia Dias
Fonte: Arquivo Pessoal Karcia Dias (2012)

Figura 3
Matriz talhada por Karcia Dias
Fonte: Arquivo Pessoal Karcia Dias (2012)

Figura 4
- Zincogravura
Fonte:http://orespigadorearespigadora.blogspot.com/2010/05/zincogravuras-iii.html

Figura 5
- Litogravura
Fonte: https://blog.leiloesbr.com.br/litogravura-xilogravura-tecnicas/

Figura 6
Exemplos de xilogravuras digital nas capas de folhetos de cordel
Fonte: Arte elaborada por Jackson Macena (2021)

Figura 7
Quadro xilogravura
Fonte: Arte elaborada por Jackson Macena (2021)
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