Artigo Original

INFORMAÇÃO E RESISTÊNCIA NA ERA DA SOCIEDADE DA TRANSPARÊNCIA: A RECONSTRUÇÃO DO ETHOS DEMOCRÁTICO ENQUANTO ESPAÇO DE LIBERDADE

Information and Resistence in the era of the transparency society: the reconstruction of democratic ethos e as a space of freedom

Gabriel Scudeller De Souza
Centro Universitário Eurípedes Soares da Rocha, Brasil
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brazil
Deise Maria Antonio Sabbag
Universidade de São Paulo, Brazil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brazil
Daniele Achilles
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brazil

INFORMAÇÃO E RESISTÊNCIA NA ERA DA SOCIEDADE DA TRANSPARÊNCIA: A RECONSTRUÇÃO DO ETHOS DEMOCRÁTICO ENQUANTO ESPAÇO DE LIBERDADE

Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 27, pp. 1-20, 2022

Universidade Federal de Santa Catarina

Recepção: 29 Setembro 2021

Aprovação: 24 Agosto 2022

Publicado: 09 Setembro 2022

RESUMO

Objetivo: O artigo se propõe a pensar a importância da resistência, por meio da negatividade e da falibilidade humanas, presentes na dialética que constrói o indivíduo e permite sua emancipação, na tentativa de proporcionar a reconstrução da política pelas práticas subjetivas e institucionais. A sociedade caminha pautada pela informação e pela comunicação, especialmente a partir das novas tecnologias e pela disseminação e uso das redes sociais.

Método: O método que pautou a construção do artigo foi o dedutivo, tendo como embasamento teórico o conteúdo epistemológico de instrumentos bibliográficos, resenhas e materiais científicos.

Resultado: verificou-se que a sociedade se apropria da informação e comunicação por meio das novas tecnologias, principalmente pelo uso das redes sociais; dessas tecnologias e da matéria prima informacional pelas grandes empresas, que dominam o cenário mundial a partir da análise e extração de dados, utilizados para segmentação do mercado e renderização. Forças homogeneizantes trabalham coesas para os interesses do capital, qual seja o neoliberalismo no mundo contemporâneo.

Conclusões: Nessa ótica, há interferência nos direitos humanos e no sistema democrático, bem como a consagração de um novo dispositivo de poder, que se traduz numa psicopolítica neoliberal. A questão da liberdade é posta em discussão a partir da manipulação e controle social exercido pelos detentores do psicopoder, o que busca romper com espaços banais e tudo aposta na técnica elevada à máxima potência. Os espaços informacionais institucionalizados podem oferecer elementos para a experiência e prática de resistência e liberdade para a construção e formação do ethos democrático, pois a informação tem o dínamo do atravessamento e da deriva que possibilita o encontro de novos caminhos, novos lugares, invenção, conhecimento e reconhecimento.

Palavras-chave: Informação e Resistência+ informação e Democracia+ sociedade da Transparência+ ethos Democrático+ psicopolítica.

ABSTRACT

Objective: proposes to think about the importance of resistance, based on human negativity and fallibility, present in the dialectic that builds the individual and allows his emancipation, to provide the reconstruction of politics through subjective and institutional practices.

Methods: This article, carried out under the deductive method, based on consultations with bibliographic instruments, reviews and other scientific materials.

Results: Society walks guided by information and communication, especially from new technologies and the dissemination and use of social networks, and the appropriation of these technologies and informational raw material by large companies, which dominate the world scene from analysis and data extraction, used for market segmentation and rendering. Homogenizing forces of social domination work cohesive to the interests of capital, which is neoliberalism in the contemporary world, state structures work to satisfy their interests.

Conclusions: From this perspective, there is interference with human rights and the democratic system, as well as the consecration of a new power device, which translates into a neoliberal psychopolitics. The issue of freedom is discussed from the manipulation and social control exercised by the holders of psychopower, which, in the end, seeks to break with banal spaces and, ultimately, with the idea of resistance, everything from bet on technique raised to maximum power. Institutionalized informational spaces can offer elements for the experience and practice of resistance and freedom for the construction and formation of the democratic ethos, as information has the dynamo of crossing and drift that makes it possible to find new paths, new places, invention, knowledge, and recognition.

Keywords: Information and Resistance, information and Democracy, transparency Society, democratic Ethos, psychopolitics.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade encontra-se num dilema entre maior segurança e invasão a direitos individuais. A escolha socialmente feita pelos indivíduos é cada vez mais pela cessão de direitos e permissão de interferência externa nas subjetividades, em prol de um aumento - ilusório - da segurança. Isso é materializado por meio de um discurso normalizador, ocultado enquanto poder, transformando clientes em produtos por meio da manipulação e acúmulo de dados. Dados que, segundo Harari (2016), é o novo modelo de negócios que transfere a autoridade dos dados pessoais e privados dos humanos para os algoritmos, transformando-os em ativos valiosos.

Esta é a sociedade da informação (MATTELART, 2002) com sujeitos fornecendo gratuitamente os mais diversos dados, fomentando e consolidando uma nova cultura algorítmica (STRIPHAS, 2015).

Castells (2020) nomeia de sociedade reticular facilitada pelas comunicações entre os diversos setores sociais dentre os cidadãos que, cada vez mais, em busca de um status socialmente adequado, ocupam-se no alcance de um capital econômico, social e cultural que lhes conceda o pertencimento no corpo coletivo a partir da criação de um habitus dominante (BOURDIEU, 2007).

Porém, os novos mecanismos de poder buscam responder às vontades de grandes empresas para a promoção da coisificação do ser humano, usando os dados pessoais gerando perfis personalizados que aquecem o segmentado do mercado de capital visando os interesses liberais. O estado democrático de direito sofre violações com a instalação de uma nova soberania tirânica (ZUBOFF, 2015): humano como produto.

Neste contexto, o objetivo deste trabalho é a reflexão de como reconstruir o ethos democrático enquanto espaço de liberdade, pensando a informação e a resistência, já que a realidade está embriagada na sociedade tecnológica que contribui para o fim desta frente ao poder neoliberal. A hipótese para a resolução desta questão é a informação como atravessamento e espaço de luta para produção da resistência na sociedade da transparência.

Neste sentido, o que se verifica é que o mundo globalizado está sob as ordens de um novo sistema, neoliberal, que forja subjetividades e se apropria das relações e informações para satisfação de suas próprias pretensões. O próprio Estado encontra-se atrelado à nova racionalidade, sob as forças do regime capitalístico de produção (GUATARRI; ROLNIK, 1996). Fazer frente a essas condições impostas de forma vertical não é tão simples, em especial a partir da possibilidade de manipulação da psique humana.

O presente artigo se desenvolve por uma metodologia dedutiva, de análise crítica, a partir de procedimentos de investigação pautados em instrumentos teóricos, tais como pesquisa, seleção, análise e síntese de material bibliográfico coletado, buscando, ao final, apresentar considerações sobre a problemática apresentada, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas fomentar e propor subsídios que contribuam para o debate. Para tanto, utiliza-se das ideias de Milton Santos (2001), Pierre Dardot e Christian Laval (2016; 2017), Byung-Chul Han (2017; 2018; 2020), Shoshana Zuboff (2018), entre outros teóricos que pensam o mundo contemporâneo, à luz do neoliberalismo e seus mecanismos de poder e dos espaços de resistência, numa dialética imprescindível à emancipação.

2 GLOBALIZAÇÃO PERVERSA: TÉCNICA, POLÍTICA A SERVIÇO DO CAPITAL E DO SISTEMA NEOLIBERAL

Milton Santos (2001), nos apresenta (i) a globalização como fábula; (ii) a globalização perversa e (iii) uma outra globalização, desenvolvendo ideias a partir das quais demonstrará as narrativas que situam o mundo globalizado, suas problemáticas e suas possibilidades.

O autor desenvolve uma dialética que contrapõe dois mundos. O mundo da globalização como fábula, que repousa no imaginário e na ideologia construída pelos discursos atuais, e o mundo da globalização perversa, que desconstrói as bases idílicas trazidas no imaginário, apresentando pontos de fricção com as realidades cotidianas; por outro lado, há a proposta de uma outra globalização, por meio de novas forças que orientam a construção horizontal das realidades sociais. O destaque recai sobre a globalização perversa construída por discursos que buscam estimular a individualidade e a competitividade, objetivando o individualismo das empresas hegemônicas ou sua morte (SANTOS, 2001).

Com isso, há verdadeira alienação territorial, diante da distância de atores sociais dos espaços de ação e pela inconformidade com o sentido de vida gerado. É a criação de uma ordem desordeira, tradutora da preocupação apenas com a produção, satisfazendo interesses das grandes empresas.

Surgem situações de alienação, impostas pela lógica da competitividade global, produzindo egoísmos locais por um discurso capitalista que se pretende unitário. Em paralelo provocam-se novas dialéticas, endógenas ao espaço territorial, a partir do esclarecimento promovido pelas relações entre pessoas, atividades e empresas que agora se encontram capitalizadas entre cidades,

Portanto, há, na sociedade rizomática atual (DELEUZE; GUATTARI, 1995), a produção de um discurso exógeno, do capital, que desenvolve uma política debilitada, ineficaz e inoperável, e, a partir dessa constatação social, o descolamento dos sentidos da vida local em face do discurso totalizante global, que gera incômodo nos cidadãos.

Pode-se, assim, traçar duas forças que se desenvolvem na sociedade globalizada: força vertical e força da produção do estranhamento no cotidiano (caracterizada pelo espaço banal de todos).

Em síntese, a partir da imposição vertical de forças racionais determinantes, surgem espaços de resistência que se caracterizam como forças dominantes, apoiado na produção de irracionalidades.

A globalização perversa de Milton Santos (2011) encontra eco na proposta de Pierre Dardot e Christian Laval (2016). Os filósofos realizam uma arqueologia das ideias do neoliberalismo destacando seu início no Colóquio Walter Lippmann, em Paris, 1938, onde surgiram duas vertentes da teoria: os ordoliberais e os austro-americanos.

Uma nova racionalidade se impõe no mundo, organizando governantes e governados, numa lógica de relações de poder e maneiras de governo. O ponto comum na lógica neoliberal das duas correntes é que ambas rejeitam a proposta de mercado como direito natural, presente no liberalismo clássico, e defendem uma postura intervencionista do Estado, para garantir a racionalidade neoliberal (DARDOT; LAVAL, 2016).

A lógica empresarial tem guiado os Estados em virtude de uma espécie de racionalidade neoliberal. Essa condição fomenta a concorrência entra países e capitais estrangeiros gerando fortes influências dos oligopólios internacionais. Tudo isso contribui para a alteração de legislações observando-se, assim, a presença do Estado de forma mais reduzida, isto é, esse aparelho passa a se colocar como uma entidade integradora diante dos processos e dimensões coletivas. Tal dinâmica maximiza os resultados e o estado passa a funcionar também pela lógica empresarial, da razão neoliberal é totalizadora, atingindo não apenas o Estado, mas todas as dimensões humanas. Por meio de novas reestruturações, o Estado regula e avalia, mobilizando novos instrumentos de poder e forjando novas relações sociais. A lógica empresarial guia os Estados na racionalidade neoliberal, buscando fomentar a

Nesse contexto Dardot e Laval (2016) afirmam que tais mudanças são apresentadas como neutras, isentas, e baseadas em critérios técnicos, reforçando a intervenção estatal nas subjetividades. Ao passo que Queiroz (2018) ao refletir sobre o significado dos serviços públicos, do sujeito político esclarece que a esfera do coletivo e do bem comum dá espaço ao consumo

Essa nova racionalidade atinge os sujeitos, e a ideia de competição introjeta-se nas subjetividades, transformando o indivíduo em um empreendedor de si mesmo. O neossujeito deverá naturalizar as regras neoliberais, o que significa que os riscos e a responsabilização pelas escolhas são de sua responsabilidade. A flexibilidade exigida pelas mudanças constantes do mercado também o atinge, fazendo com que sua existência seja marcada por constantes mudanças.

O neoliberalismo é como uma fábrica de sujeitos que se portam em constante competição uns com os outros. JESUS, 2018, p.214). Disso decorre a destruição de laços pessoais, com reflexos patológicos corroendo personalidades e a dessimbolização da vida (SILVA, 2017, p.282). Dessa forma, surgem os mecanismos de controle social como uma corrente invisível, isto é, a cultura do desempenho atuando para o alcance do sucesso individual, que recalca a culpa no perdedor (interiorizada como opressão e heteronomia) e exalta o egoísmo do vencedor; "é como se a figura do capataz existisse agora não mais como um sujeito que age com violência física, mas sim dentro da mente, com violência psíquica". (JESUS, 2018, p. 214-215).

A partir dessas considerações, verifica-se que a nova racionalidade do mundo é um conjunto de dispositivos, com rede complexa, a partir de narrativas, discursos institucionais, políticos e sociais, traduzindo-se em uma tomada econômica, política, social e subjetiva, atingindo todas as dimensões da vida humana temos como exemplo a uberização das relações trabalhistas (ANTUNES, 2020).

Ademais, Queiroz (2018, p.190), apresenta duas alternativas: a primeira delas comunga dos ideais pessimistas frankfurtianos, onde os indivíduos não conseguem romper com a nova razão do mundo, de forma a nos encontrarmos em uma jaula de aço neoliberal (WEBER, 2004). A segunda alternativa parte da construção perene do sujeito e de suas subjetividades, e a razão neoliberal apresenta outras oportunidades de florescimento de condutas - contracondutas - que vão de encontro à razão imposta. A primeira parece mais próxima das ideias de Byung-Chul Han sobre a sociedade da psicopolítica atual, e a segunda fomenta a discussão acerca das ideias de instituição do comum de Dardot e Laval.

3 A PSICOPOLÍTICA NEOLIBERAL E A DIFICULDADE DO ESPAÇO DE NEGATIVIDADE

Byung-Chul Han (2017) associa a sociedade atual com o cansaço onde tem-se cada vez mais indivíduos narcísicos, egoístas e que prezam pela empresa de si. Por isso, acabam se tornando cidadãos cansados pelo excesso, gerando doenças características da nova época, denominadas neurais, depressivas, síndromes, transtornos.

A sociedade em rede proporciona a interação dos sujeitos e a construção de novas relações sociais, pautadas estrategicamente em narrativas controladas, objetivando a apropriação do fluxo de informações por uma multiplicidade de fontes informacionais gerenciadas por algoritmos. Esses fluxos são orgânicos, pessoas de carne e osso, que, utilizando do firehosing, disseminam informações que podem ser mentirosas (memes, textos, áudios, vídeos etc.) que tem como intuito produzir um fluxo gerador da constância, repetição, rapidez, larga escala, que, pela repetição, geram a sensação de familiaridade. Uma tática bem-sucedida: Repetição - Familiaridade - Verdade. Estratégia utilizada com sucesso em países como Hungria, Índia, Indonésia, EUA e, infelizmente, Brasil, gera a chamada cacofonia de informações, ou seja, confusão entre verdade e não verdade.

Atualmente, instrumentos tecnológicos permitem uma biopolítica nunca imaginada (HARDT; NEGRI, 2004) que incentiva o individualismo nos panópticos tecnológicos atuais (BAUMAN, 2013).

Bauman (2001) dispõe sobre a cisão entre indivíduos de direito e indivíduos de fato, rompendo com a cidadania, de forma que os sujeitos, preocupados em consumir, enxergam a política como produto e não como exercício de direito, caracterizando uma sociedade de indivíduos.

Han (2018) levanta a questão da liberdade, que se transformou em um novo método de coerção. No modelo neoliberal, a liberdade é força fundante da autonomia dos indivíduos, mas para Han (2020) passa-se de sujeito para projeto, que apresenta uma força invisível e eficiente de subjetividade e sujeição. Há a presença do discurso da vida livre. O poder é visto como uma permissão, mas que redunda em um modo de coerção eficaz, produtor de novos dispositivos estratégicos de controle social (FOUCAULT, 2019).

O modelo neoliberal produz esse sistema paradoxal, pois permite uma liberdade que, em contrapartida, atua de forma a limitar os sujeitos, uma vez que se encontram presos à necessidade de corresponder ao modelo de concorrência e empresa de si. Ao reinventar a liberdade no sistema neoliberal, que fomenta o gozo de uma vida livre, levanta a pergunta: para que tanto se requer a jaula de aço do labor? O modelo neoliberal consegue, de um lado, incrementar o discurso do self made man e, por outro, responsabilizar e culpabilizar o indivíduo pelo fracasso e pelas dificuldades enfrentadas. Esse regime neoliberal não permite que o sujeito questione a sociedade ou o sistema, impossibilitando qualquer tipo de resistência, dando origem à autoexploração, onde a perversidade é revestida de uma naturalidade que faz com que a agressão seja autodirigida. “Ela não transforma os explorados em revolucionários, mas sim em depressivos” (HAN, 2020, p. 16).

Nessa nova configuração sociopolítica, há a exploração ilimitada da natureza humana, uma vez que “já não trabalhamos por causa de nossas próprias necessidades, e sim pelo capital. O capital gera suas próprias necessidades, que erroneamente percebemos como se fossem nossa” (HAN, 2020, p.16). Fala-se na ditadura do capital, traduzida em: trabalhador como empreendedor; neoliberalismo que elimina a exploração da classe trabalhadora; cada um é senhor e servo em uma única pessoa; inexistência de lutas de classes; existência da luta de si para si; o proletariado só tem a propriedade da prole. "Hoje, no entanto, é disseminada a ilusão de que qualquer um, enquanto projeto que se esboça livremente, é capaz de uma autoprodução ilimitada". (HAN, 2020, p.14-15).

A autoexploração atinge a todos provocando um isolamento no sujeito de desempenho, que impede de formar um corpo coletivo político, um “nós” para pensar na proteção social, pois a eficiência da exploração da liberdade nesse sistema é inteligente a tal ponto de forjar a seu favor as consideradas práticas e formas de expressão de liberdade, explorando o sujeito com sua própria vontade, aumentando o rendimento e colocando no jogo de poderes a liberdade como “sinônimo de comunidade bem-sucedida” (HAN, 2020, p. 11-12).

Há, também, uma ditadura da transparência, que coloca o sujeito em condições de máxima exposição, em especial pelas ferramentas tecnológicas atuais (mídias sociais, principalmente), que favorecem cada vez mais a comunicação e a troca de informações. Tais mídias facilitam o controle e o monitoramento social, assemelhando-se a panópticos digitais, com uma diferença marcadamente intensiva: a comunicação exacerbada entre os internos deste panóptico, que por livre vontade oferecem maciçamente seus dados e informações valiosas. O panóptico digital agrega todas as informações, analisa, processa e subverte a aparente liberdade presente nestas ferramentas.

Essa transparência é aclamada também em nome de uma liberdade de informação, que funciona como um novo dispositivo, submetido aos parâmetros neoliberais, produzindo cada vez mais informação e comunicação para alimentar a produção imaterial. Han (2020) define este cenário como uma psicopolítica, que se caracteriza por vigilância passiva; controle ativo; nova crise da liberdade; vontade própria do sujeito como foco; Big Data como instrumento psicopolítico de captação de conhecimento por meio de dinâmicas da comunicação social; e dominação da psique. Com isso tem-se a previsibilidade do futuro. Essa psicopolítica digital “transforma a negatividade da decisão livre na positividade de um estado de coisas. A própria pessoa se positiviza em coisa, que é quantificável, mensurável e controlável”. Ou seja, não há livre arbítrio. " (HAN, 2020, p. 23).

Essa espécie de poder digital é inteligente a ponto de utilizar-se da positividade para subjugar sujeitos impondo novas formas de vida. Esse poder inteligente não é repressivo, mas positivo, produtivo, e existe na microfísica do cotidiano (FOUCAULT, 2019). Para Han (2020) o poder pode usar a liberdade permissivamente, atingindo os afetos, assumindo uma forma de tecnologia de poder no regime neoliberal que escapa e ultrapassa a visibilidade, trabalhando com o conceito de naturalização, construindo camadas no consciente humano de forma a torná-lo submisso. Neste contexto, a permissividade da dominação é inacessível, o que possibilita a operalização em nível de liberdade.

Nesse sentido, o poder praticado pelo modelo neoliberal, fortificado por instrumentos tecnológicos, se dá por uma dominação por si mesmo, ativando, motivando e otimizando as ações, ao invés de obstruir ou oprimir. De fato, o psicopoder atua para satisfazer os sujeitos, tornando-os dependentes, e não obedientes como no panóptico do poder disciplinar foucaultiano (FOUCAULT, 2014). “A atual crise da liberdade consiste em estar diante de uma técnica de poder que não rejeita ou oprime a liberdade, mas a explora [...] O neoliberalismo é o capitalismo do curtir” (HAN, 2020, p.27).

A biopolítica foucaultiana não está presente por inteiro na lógica neoliberal atual, uma vez que aquela se sustenta com base na negatividade do adestramento, constituindo o poder disciplinar. O poder neoliberal atua com base na positividade, que explora o sujeito em sua psique. A biopolítica atual, do big data, atua de forma psicográfica, extraindo o psicograma individual e coletivo e, até mesmo, o psicograma do inconsciente (HAN, 2020, p.35-36). “A virada para a psique e, em consequência, para a psicopolítica, também está relacionada à forma de produção do capitalismo atual, pois ele é determinado por modos imateriais e incorpóreos.” (HAN, 2020, p.40).

À luz das características do sistema neoliberal que forjam subjetividades pelo excesso de positividade e do sufocamento da negatividade, resta saber se é possível encontrar espaços para o enfrentamento dessa nova razão do mundo, incrementada por instrumentos tecnológicos, e, então, reconstruir espaços de liberdade.

4 PARA PENSAR UM NOVO ETHOS: A POLÍTICA É UM CAMINHO POSSÍVEL PARA A ECONSTRUÇÃO DA LIBERDADE?

Verifica-se que o indivíduo e a sociedade se encontram submetidos à psicopolítica digital, correspondente às forças verticais homogeneizantes de Milton Santos (2001) e, também, submetidas à nova razão liberal de Dardot e Laval (2016; 2017).

O filósofo sul-coreano afirma que “povoada por espectadores e consumidores, a sociedade da transparência funda uma democracia de espectadores” (HAN, 2020, p.22), o que vai ao encontro do que dispõe Bauman (2001) acerca da sociedade de indivíduos e a cisão entre consumidores e cidadãos.

Para Han, a psicopolítica digital encontra limites no contato com o outro, além de dificultar o estranhamento e não favorecer a alteridade. A comunicação exige eliminar os muros e abismos, desinteriorizando também as pessoas, ainda que de forma não violenta. Dessa forma, a negatividade da alteridade e do estranhamento se transforma em positividade da diferença pelo dispositivo da transparência, que vai de encontro a uma reserva interior do indivíduo. (HAN, 2020, p.20).

Verifica-se que os indivíduos acabam expondo-se a fim de buscar participar do ambiente social digital, afastando-se de si mesmo e do outro. O dispositivo da transparência opera em conformidade total, suprimindo divergências, potencializado pelo efeito nivelador da conexão e comunicação, “como se cada um vigiasse o outro até mesmo antes de qualquer vigilância e controle através de serviços secretos. O que ocorre hoje é uma vigilância sem vigilância.” (HAN, 2020, p. 21). A régua moderadora é operada por sujeitos e instituições, por meio de cacofonia de informações, astroturfing (disseminação de conteúdo terceirizados, recorrendo à terceiros), bots, trolls, zero rating. Tudo entra na condição de consenso, utilizando para a invisibilidade a tática da repetição para gerar a verdade, por meio de narrativas manipuladas, utilizando a multiplicidade de fontes de informação.

Essa conformidade está presente nas ideias de Shoshana Zuboff (2015) e seu conceito de capitalismo de vigilância que, por uma exigência externa, imposta pelas forças homogeneizantes, altera a postura individual dos sujeitos a fim de adequar-se ao padrão social imposto e evitar sanções.

Milton Santos (2001) apresenta uma proposta de sentido para a sociedade como alternativa de combate às forças homogeneizantes, qual seja o aproveitamento dos espaços banais para a vocação solidária. Nos espaços banais é que se recria a política, pelos encontros e desencontros, debates e acordos, buscando-se readaptação às novas formas de existência. Sobre o mesmo território ocorrem tanto a racionalidade determinante quanto as irracionalidades, e estas permitem o respiro das subjetividades e a capacidade de enfrentamento e adaptação de novas formas de vida. “Por meio de encontros e desencontros e do exercício do debate e dos acordos, busca-se explícita ou tacitamente a readaptação às novas formas de existência.” (SANTOS, 2001, p.111).

Tem-se a esquizofrenia do espaço, onde o mesmo território, inundado pela (des)ordem do capital, causa o estranhamento no cotidiano e permite a contra-ordem, pela instalação de uma filosofia banal nas situações vividas, produzindo conscientização pela diferença, numa pedagogia da experiência. Assim, o paradoxo de “[...] obedecer para subsistir e resistir para poder pensar o futuro. Então, a existência é produtora de sua própria pedagogia.” (SANTOS, 2001, p.116). Esse pensamento encontra eco na dinâmica do poder de Michel Foucault (1999; 2010; 2019) produtora de resistências.

O projeto racional determinante produz um totalitarismo que vem acompanhado da perda da razão, o que leva à incapacidade ou desinteresse de obediência às normas impostas, e rompe com o estado de conformidade anterior, permitindo a produção de consciência. A redescoberta da razão, pelos espaços banais, pela criatividade e espontaneidade, rompe com a racionalidade hegemônica e produz, de baixo para cima, irracionalidades que escapam ao totalitarismo.

Milton Santos entende que é necessário levar em consideração o estado da técnica e o estado da política para que se possa pôr em marcha a transição das forças verticais para forças horizontais. Nesse sentido, a primeira pode auxiliar no encontro do humano com a natureza, permitindo que “essa relação seja fundada nas virtualidades do entorno geográfico e social, de modo a assegurar a restauração do homem em sua essência.” (SANTOS, 2001, p.165).

No mesmo sentido, Pierre Dardot e Christian Laval dispõem sobre as contracondutas, práticas de subjetivação contrapostas à governamentalidade neoliberal, que uniu o governo dos outros com o governo de si. (DARDOT; LAVAL, 2016, p.395). Assim, o governo de si refletirá no governo dos outros, rompendo com as forças homogeneizantes que imperam na sociedade atual.

Aposta-se no governo enquanto atividade, e não apenas instituição, para a promoção das transformações necessárias. (DARDOT; LAVAL, 2016, p.397). A noção de que “o sujeito está sempre por construir” é o que sustenta a possibilidade de uma resistência ao poder neoliberal. Nesse sentido, são “resistências ao poder enquanto conduta e, como tais, elas próprias são formas de conduta, contrárias a esse ‘poder-conduta’”. (DARDOT; LAVAL, 2016, p.399).

Assim, a contraconduta é a condução da própria empresa de si induzida de forma imediata e direta em relação às condutas neoliberais dos outros, formando uma resistência. Portanto, altera-se a forma de agir individual, refletindo nas relações sociais e causando novas formas de articulação das informações e comunicações, o que pode se traduzir numa mudança social. Essa ideia está próxima do apresentado por Milton Santos sobre o estranhamento e a pedagogia do cotidiano.

Isso porque a subjetivação individual está ligada à subjetivação coletiva, e somente por meio desta é possível se pensar numa invenção coletiva de novas formas de vida, pela cooperação entre as diversas contracondutas. (DARDOT; LAVAL, 2016, p.401). É uma proposta baseada na biopolítica, na governamentalidade neoliberal e nas contracondutas presentes em Foucault. (2019; 2010), que também aposta nas tecnologias do eu para fazer frente às técnicas de dominação e poder (FOUCAULT, 2005; 1990).

Em contrapartida, Han dispõe que Foucault não reconheceu o domínio neoliberal sobre as tecnologias do eu, nem a transformação da técnica de si num dispositivo neoliberal de dominação e exploração. “A técnica de poder do regime neoliberal assume uma forma sutil. Não se apodera do indivíduo de forma direta. Em vez disso, garante que o indivíduo, por si só, aja sobre si mesmo” e reproduza o contexto de dominação a partir de uma falsa ideia de liberdade. Coincidem, assim, a otimização de si e a submissão. (HAN, 2020, p.4344).

Ou seja, apostar nas contracondutas no modelo neoliberal psicopolítico pode não surtir os efeitos individuais e coletivos necessários. Byung-Chul Han dispõe que o sistema neoliberal corrige suas falhas por meio de mecanismos que têm o fito de otimizar o próprio funcionamento do sistema representado pela ditadura do capital. O objetivo é a eficiência do desempenho, pautado numa lógica de mercado que exige coerções pela ótica do sucesso mercantil quantificável. (HAN, 2020, p.45).

Portanto, a opção pelos espaços banais provocados pelo incômodo nas subjetividades, a partir da pedagogia do estranhamento, tende a cada vez mais ser colonizado pelo poder inteligente neoliberal (LUHMANN, 2011), pela produção de conformidades antecipatórias preocupadas com a empresa de si. O poder inteligente da psicopolítica atual atinge todos os campos da humanidade.

Byung-Chul Han apresenta a importância da negatividade para a natureza humana, numa dialética que, atualmente, se encontra em vias de neutralização pelo excesso de positividade e o posterior cansaço socioindividual. “Sem a negatividade, a vida se atrofia até o ‘ser morto’. É próprio a negatividade que mantém viva a vida. A dor é constitutiva para a experiência.” (HAN, 2020, p.47). Portanto, para o autor, uma vida pautada unicamente em emoções positivas e experiências máximas não é uma vida humana, pois esta é dependente da tensão causada pela negatividade.

Da mesma forma, pode-se pensar na teoria de Milton Santos que apresenta a aposta na técnica como satisfação das necessidades humanas, elevada à máxima potência no mundo contemporâneo pela inserção de novas tecnologias que mapeiam e manipulam os dados individuais.

Zuboff (2015) dispõe sobre a ubiquidade global (institucional e na esfera íntima) e nas novas formas de oportunidades de monetização oriundas da captação e análise dos dados. Esse modelo toma forma global e influencia no aspecto democrático das sociedades atuais. Constitui-se uma nova lógica de acumulação, chamada capitalismo de vigilância, onde a mediação do computador dá origem a um organismo global chamado de Big Other. Com isso, são produzidas novas formas de subjugação de sujeitos pela extração e análise dos comportamentos. (ZUBOFF, 2015, p.58).

Verifica-se, atualmente, a partir dos instrumentos tecnológicos, o fortalecimento do panóptico, de forma ubíqua e personalizada, favorecendo os capitalistas de vigilância, que passam a apropriar-se de um controle social jamais visto. Essa renderização dos dados individuais substitui o Estado de direito e a confiança social, e constrói um mundo da vida de recompensas e punições, estímulos e respostas.

Esse modelo neoliberal, otimizado pelas novas tecnologias do capitalismo de vigilância, acaba por inserir a humanidade cada vez mais numa servidão voluntária (LA BOÉTIE, 2009) - involuntária -, que produz egoísmos, narcisismos, discursos de ódio, xenofobias, entre outras características de bases utilitárias e individualistas.

É para conter o mundo da técnica e aproximar-se à natureza humana que Hannah Arendt (2007) dispõe que o preço da liberdade é a falibilidade humana, traduzida na impossibilidade de controle perfeito numa sociedade plural. Somente nestas condições é que se faz presente a capacidade de domínio sobre si e de reflexo das contracondutas no meio coletivo. No mundo da técnica extremada e invasora da natureza humana, o que se tem é o abandono da dignidade em prol da precificação, violando fundamentos kantianos de dignidade humana (KANT, 2009).

O excesso de positividade e a falta de negatividade, somados à perfeição da técnica e a busca pela não falibilidade nas relações sociais, acabam por reforçar a razão neoliberal e a globalização perversa, e impedem o espaço banal da cotidianidade, a presença da pedagogia da experiência a partir das subjetividades diversas, e o reforço de uma sociedade autoadministrada (ADORNO; HORKHEIMER, 1985), afastada da formação de um ethos democrático.

É preciso compreender o espaço da negatividade na promoção da dialética humana, que promove o amadurecimento das experiências, e demanda o combate em face da técnica elevada ao grau máximo, buscando um reequilíbrio do poder e permitindo espaço para a resistência. A psicopolítica atual busca, exatamente, romper com esse propósito, pela produção de conformidades antecipatórias, apostando na busca por uma felicidade pelo consumo, que não se satisfaz diante do paradoxo existente entre busca e satisfação (LIPOVETSKY, 2007).

Atualmente, a tecnologia desenvolveu-se de forma a produzir uma cartografia dos desejos humanos (GUATARRI; ROLNIK, 1996), alcançando um nível de controle sufocador dos espaços cotidianos na atual sociedade de controle (DELEUZE; 2013).

Nesse sentido o Big Other, soberano da sociedade tecnológica atual, se não houver mecanismos que permitam o desenvolvimento democrático (ZUBOFF, 2015, p.43-49). Apostar na técnica dos instrumentos tecnológicos, que se apropria do discurso científico e da própria ideia de liberdade, é fazer morrer a política pela ascensão dos dados (MOROZOV, 2018). A apropriação do Big Other pelo poder do soberano equivale à morte da dialética e à instituição de um espaço totalitário de poder, sem permissão de resistência, subjetiva ou institucional.

Há, portanto, a necessidade de se pensar em novas formas de resistência que sejam fortalecidas por instrumentos de atuação não apenas individual, mas também institucionais, na busca da salvaguarda da natureza humana.

Nesse sentido, a proposta de Dardot e Laval (2017) pode ser eficaz frente ao modelo neoliberal, porque aposta na instituição do princípio político do comum, a partir de uma postura individual-subjetiva de transformação e institucional, de forma a retomar os espaços de liberdade e equilibrar o poder do soberano tecnológico.

Hardt e Negri (2004) apostam na superação do biopoder soberano por meio da construção de uma biopolítica que se funda, ao fim e ao cabo, na superação da própria soberania, a partir da produção em comum e do comum. Tal proposta, porém, em que pese funcionar bem para a superação, num primeiro momento, do Império (HARDT; NEGRI, 2004), não define, com segurança, os traços posteriores de uma sociedade livre, diante da possibilidade de formação de um novo totalitarismo pela ausência - por quanto tempo? - de um soberano.

Mas a própria soberania é importante para a salvaguarda da dialética que produz a emancipação humana (FREUD, 2012). A superação do totem, para a instituição de uma sociedade com bases equilibradas, é fundamental para a definição dos poderes e direitos daqueles que convivem em sociedade. Trata-se da não extinção da negatividade da vida humana, como dispõe Han, ou seja, a necessidade de construção da consciência passa pelo encontro com o outro, do senhor com o escravo (HEGEL, 2003), e, a partir disso, se produz um caminho para a liberdade.

Por isso que Dardot e Laval (2016) definem que há uma espécie de “ilusão de exterioridade” na tese de Hardt e Negri (2004), para conferir um espaço ontológico de autonomia à multidão, colocando-a como alternativa ao biopoder imperial, mas desconhecendo a imposição de novas subjetivações pela razão neoliberal.

É nesse contato com o outro, nesse dialogismo construtivo (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 2018) que se permite o reconhecimento da condição humana, da existência e da natureza do sujeito. É por meio desse conflito que surge a construção do cidadão, o que se traduzirá na retomada da política como alternativa para a salvaguarda dos direitos humanos e, por fim, da própria liberdade. (SANTOS, 2001; HAN, 2020; BAUMAN, 2001; MOROZOV, 2018).

É, portanto, pela noção de soberania que se pode pretender o constitucionalismo e a assunção de direitos humanos fundamentais, numa sociedade que depende da imposição de limites para a produção de resistências. Ainda que no âmbito individual seja possível o incômodo pela imposição de forças homogeneizantes, na tradução de uma verdadeira dinamicidade de poder, pensado positivamente, se faz necessário permitir a reprodução desses espaços de escassez e de gritos de inconformismos por meio de mecanismos institucionais, proporcionados apenas num Estado não totalitário, democrático, soberano e respeitante de direitos humanos fundamentais. Nesse sentido, a instituição do princípio político do comum e da práxis institucional do comum (DARDOT; LAVAL, 2017) podem auxiliar na superação do biopoder e do psicopoder instalados na sociedade contemporânea.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo retrato da sociedade atual, tem-se que cada vez mais há o controle do cotidiano e da psique humana, reduzindo espaços de resistência pela aposta no mundo da técnica em sua potência máxima. Portanto, é necessário reforçar os espaços banais, pelo estranhamento causado na pedagogia da experiência, proporcionando contracondutas por meio da institucionalização de tais espaços, pelo princípio político do comum e da práxis institucional, na tentativa de salvaguardar os direitos humanos fundamentais dos sujeitos e do corpo social.

Para tanto, a presença da negatividade e da ideia de imperfeição da natureza humana são fundamentais para proporcionar a dialética inerente às relações humanas, permitindo a emancipação e a tomada de consciência dos indivíduos, e, a partir disso, a retomada da cidadania, em detrimento da condição apenas de espectador e de consumidor. A eliminação dessa dialética se traduz na ausência da soberania e, portanto, na construção de um novo espaço totalitário de poder.

Com isso, pela postura subjetiva e pelos espaços institucionais criados, a ideia de Política poderá ser retomada e a tecnologia poderá ser vista como auxílio para as necessidades humanas, sem que seja apropriada por forças do capital que subjugam os sujeitos de direitos por meio da perversidade da naturalidade, tendo a resistência como possibilidade de existir e poder pensar o futuro.

A formação de um ethos democrático passa, necessariamente, pela permissão do desenvolvimento da humanidade por meio de sua condição humana, e não por sua superação em prol da mão invisível do mercado. Os espaços informacionais institucionalizados podem oferecer elementos para a experiência e prática de resistência e liberdade para a construção e formação do ethos democrático, pois a informação tem o dínamo do atravessamento e da deriva que possibilita o encontro de novos caminhos, novos lugares, invenção, conhecimento e reconhecimento.

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Notas

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
EDITORES Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Patrícia Neubert e Genilson Geraldo.

Autor notes

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA Concepção e elaboração do manuscrito: SOUZA, G. S.; SABBAG, D. M. A.; ACHILLES, D.

Coleta de dados: SOUZA, G. S.; SABBAG, D. M. A.; ACHILLES, D.

Análise de dados: SOUZA, G. S.; SABBAG, D. M. A.; ACHILLES, D.

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