RESUMO
Objetivo: Analisa características teóricas da Mediação da Informação considerando a dimensão coletiva emancipatória pautada na ação comunicativa e no reconhecimento intersubjetivo, pois se entende que eles possibilitam práticas relacionais que percorrem para além da transferência do conhecimento nas atividades informacionais e apresentam, a partir da formação discursiva pretensões de validade, um sentido de ressignificação.
Método: De natureza qualitativa, a investigação alia a pesquisa teórica e bibliográfica, sob uma perspectiva interpretativa à autorreflexão e referência crítica, pautada na ação comunicativa de Habermas e na teoria do reconhecimento de Honneth. Além disso, apresenta-se a necessidade de estabelecer concepções teóricas no processo ensino-aprendizagem sobre o fenômeno da mediação da informação.
Resultado: Acredita-se que a Mediação da Informação nas atividades que envolvem a prática informacional ainda tem o seu viés na racionalidade instrumental e, por sua vez, é necessário o processo emancipatório e intersubjetivo de reconhecimento para desestruturar a dependência sistêmica.
Conclusões: Entendeu-se de forma interpretativa as características teóricas da Mediação da informação e o que concerne o diálogo sobre a dimensão intersubjetiva do reconhecimento, isto é, a receptividade que a envolve como um fenômeno coletivo emancipatório. Por isso, este estudo visa contribuir para as reflexões sobre os estudos sociais e culturais na CI, no âmbito da mediação da informação, trazendo à luz abordagens interpretativas de lacunas, valores teóricos e práticos ainda pouco estudados, conferindo um novo sentido às práticas informacionais.
PALAVRAS-CHAVE: Ação comunicativa, yeoria do Reconhecimento, emancipação, mediação da Informação, vibliotecário.
ABSTRACT
Objective: Analyzes the theoretical aspects of Information Mediation considering the emancipatory collective dimension based on communicative action and intersubjective recognition, as it is understood that they enable relational practices that go beyond the transfer of knowledge in informational activities and present, from the formation discursive validity claims, a sense of resignification.
Methods: Qualitative in nature, the investigation combines theoretical and bibliographic research, from an interpretive perspective to (self-reflection and critical reference) based on Habermas' communicative action and Honneth's theory of recognition. Furthermore, there is a need to establish theoretical concepts in the teaching-learning process on the phenomenon of mediação da informação.
Results: It is believed that Information Mediation in activities involving informational practice still has its bias in instrumental rationality and, in turn, the emancipatory and intersubjective process of recognition is necessary to destructure systemic dependence.
Conclusions: The theoretical characteristics of information mediation and what concerns the dialogue about the intersubjective dimension of recognition, that is, the receptivity that surrounds it as an emancipatory collective phenomenon, was understood interpretatively. Therefore, this study aims to contribute to the reflections on social and cultural studies in CI, in the context of information mediation, bringing to light interpretative approaches of gaps, theoretical and practical values still little studied, giving a new meaning to informational practices.
KEYWORDS: Communicative action, recognition, emancipation, information Mediation, librarian.
Artigo Original
MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO E RECONHECIMENTO INTERSUBJETIVO: APROXIMAÇÕES TEÓRICAS
MEDIATION, RECOGNITION AND INTERSUBJECTIVITY OF INFORMATION: APPROACHES
Recepção: 01 Maio 2022
Aprovação: 05 Novembro 2022
Publicado: 30 Novembro 2022
O estudo apresenta a necessidade de estabelecer conceitos teóricos por meio da prática reflexiva, para que a Mediação da Informação não se reduza à compreensão da existência do conhecimento, utilizando a informação, o usuário e o mediador e um modelo científico pragmático. Entende-se a mediação da informação fundamentada na ação emancipatória, que se constitui por vínculos sociais, de visões histórico-hermenêuticas, de atividades de comunicação e sua diversidade. O objetivo neste texto é analisar características teóricas da mediação da informação considerando-a uma dimensão coletiva emancipatória pautada na ação comunicativa e no reconhecimento, a partir da formação discursiva dos sujeitos informacionais e suas pretensões de validade em um sentido de ressignificação.
De natureza qualitativa, a investigação alia a pesquisa teórica e bibliográfica, sob uma perspectiva interpretativa à “autorreflexão e referência crítica”1 pautada na ação comunicativa de Habermas e na teoria do reconhecimento de Honneth, pois tem caracterização interpretativa na medida em que é: a) capaz de descrever as estruturas da reconstituição da comunicação perturbada; b) está necessariamente referida à práxis; c) destrói a autossuficiência objetivista das ciências do espírito assim como vêm tradicionalmente apresentadas; d) tem importância para as ciências sociais, na medida em que mostra que seu domínio objetivo está preestruturado pela tradição e que elas mesmas, bem como o sujeito que compreende, têm seu lugar histórico determinado. (HABERMAS, 1987, p. 107-108).
Além disso, apresenta a necessidade de estabelecer concepções teóricas no processo ensino-aprendizagem sobre o fenômeno da mediação da informação valendo-se da revisão bibliográfica de livros, artigos de periódicos científicos e referenciais teóricos específicos que tratam sobre os conceitos de mediação da informação, relações do conflito, reconhecimento intersubjetivo, o sensível e ações coletivas emancipatórias como Almeida Júnior (2009, 2015), Gomes (2020), Santos (2006), Araújo (2018), Castro, Silva e Oliveira (2020), Habermas (1980, 1983, 2009) e Honneth (2009).
São referenciais que apontam para uma abordagem ao estudo da cultura que privilegia múltiplos modos de aplicação, considerando a pluralidade de vozes, isto é, a autonomia dos sujeitos que contribuem para a compreensão informacional dos fenômenos sociais. Uma das questões diz respeito à relação entre fatores socioculturais e práticas cotidianas de informação associadas à identificação de necessidades de informação.
Sendo assim, é central na nossa discussão a mediação da informação considerando a dimensão coletiva emancipatória pautada na ação comunicativa e no reconhecimento intersubjetivo, isto é, uma luta por reconhecimento, visto que o conceito de mediação da informação de Almeida Júnior (2015), sobretudo, a necessidade informacional momentânea geradora de conflitos e novas necessidades informacionais, está sob a perspectiva da epistemologia social da CI, que trata de fenômenos informacionais e da construção do conhecimento de forma relacional, sendo entendida como uma ação coletiva e só pode ser comunicada integrando um modelo social que considere a emancipação, a interação entre sujeitos, na prática social (SHERA, 1977).
Além disso, apresenta tensionamentos que caracterizam o pensamento iberoamericano pertinente ao contexto brasileiro em relação à tendência dos estudos em mediação da informação (ARAÚJO; VALENTIM, 2019), seguindo as ideias de Araújo (2018): “[...] questionamentos aos pensamentos estabelecidos, colocar em dúvida modelos hegemônicos, subverter ordens, promover deslocamentos. Os estudos culturais, em sua crítica ao elitismo cultural.” (ARAUJO, 2018, p.2). Para se pensar exatamente sobre a qualidade da informação, em que seja possível fomentar as habilidades de partilha, sentimento e percepção das relações informacionais e suas variações interligadas a ambientes informacionais, elencados nos estudos críticos de Araújo (2018).
Dessa maneira, situa-se que a mediação para Ciência da Informação (CI) percorre um caminho do repensar, ou seja, “[...] da situação ou do dispositivo comunicacional, e não de uma simples interação entre elementos já constituídos.” (DAVALLON, 2007, p.10). A pesquisa parte da tese de que existe uma dimensão intersubjetiva e comunicativa da mediação da informação no sentido de que ela “[…] reforça sua dimensão sensível enquanto representação e valor simbólico.” (HAESBAERT, 2004, p. 71).
São premissas que partem de uma perspectiva da ação coletiva emancipatória com o lugar, o que para nós se torna “espaço-vivido”. Considerando as práticas relacionais da mediação da informação, que percorrem para além da transferência do conhecimento, pressupõe-se uma dimensão intersubjetiva da mediação da informação no contexto da ambiência informacional, o que “[...] torna-se uma categoria que acentua a constituição dos lugares, dedicando uma atenção especial às redes de valores e de significações materiais e afetivas.” (GOMES, 1996, p. 317). As relações materiais e afetivas podem ser vistas como formas mediadas de ação que implicam nas configurações na ambiência dos equipamentos informacionais e na formação do discurso e reconhecimento.
Analisar teoricamente essas interpelações torna preponderante o construto de informação, apropriação, discussão, uso e democratização as quais podem ser vistas como formas de mediação que provêm das esferas da intersubjetividade. São compreendidas a partir das relações interpessoais dos indivíduos na reprodução da vida social que almejam: o amor, o direito e estima social que são categorias de autorrelação prática como, por exemplo, a autoconfiança, o autorrespeito e autoestima relacionada a identidade coletiva dos sujeitos informacionais.
Assim, por meio da compreensão da teoria crítica em Habermas com o agir comunicativo e Honneth com o reconhecimento intersubjetivo, visa-se cultivar o pensamento crítico, efetuando uma tessitura construtiva e contributiva que provavelmente poderá remodelar e arranjar a maneira de se pensar e desenvolver o processo de mediação na forma dialógica. Estuda-se, assim, interpretativamente a mediação da informação como fenômeno coletivo emancipatório.
É a partir dessas concepções teóricas, que apontam os autores investigados nesse estudo, que pode vir a se relacionar a mediação da informação com a teoria do reconhecimento de Axel Honneth (2009), da terceira geração da Escola de Frankfurt, teoria denominada, segundo ele, de crítico-normativa, pois a falta de reconhecimento social nas relações intersubjetivas é a principal causa dos conflitos que articulam as mudanças intrínsecas na sociedade, tanto à formação de autonomia quanto aos próprios sujeitos (JESUS, 2021).
Para finalizar, tenta-se compreender, de forma teórica, interpretativa, concernindo a dimensão intersubjetiva da mediação da informação, a receptividade que a envolve como um fenômeno coletivo emancipatório. Por isso, este estudo contribui para reflexões sobre os estudos sociais e culturais na CI, no âmbito da mediação da informação, que trazem à luz abordagens interpretativas de lacunas, valores teóricos e práticos ainda pouco estudados, conferindo um novo sentido as práticas informacionais.
Ao considerar a mediação da informação, observa-se que esse é um conceito constantemente citado na literatura da CI. Atualmente, busca-se entendimento para compreender os atuais fenômenos e práticas informacionais no contexto social por processos organizacionais e das aplicações da tecnologia da informação.
Tendo em vista esses elementos, na atividade bibliotecária, a concepção de mediação da informação, por exemplo, tem sofrido inferências das chamadas ciências empírico-analíticas, que, do ponto de vista de Habermas (1980), fundem-se em regras técnicas baseadas no saber empírico. Em outras palavras, “[…] elas implicam em cada caso, prognósticos condicionais quanto a acontecimentos observáveis, físicos ou sociais.” (HABERMAS, 1980, p. 320).
Para pensar a mediação da informação como fenômeno coletivo emancipatório, é necessário recorrer à questão teórica da ação comunicativa onde os sujeitos da apropriação da informação são participativos e não ausentes ou restritos à participação pública nos processos que envolvem a prática informacional.
Diante desses aspectos, a concepção de mediação da informação na atividade da biblioteca, por exemplo, tem sofrido com as inferências das chamadas ciências empíricaanalíticas (CASTRO; SILVA; OLIVEIRA, 2020). Do ponto de vista de Habermas (1980), as ciências empírica-analíticas baseiam-se em regras técnicas sustentadas pelo conhecimento empírico. Em outras palavras, “[...] elas implicam em cada caso, prognósticos condicionais quanto a acontecimentos observáveis, físicos ou sociais.” (HABERMAS, 1980, p. 320). Além disso, a mediação da informação na biblioteca estaria tão-somente vinculada ao serviço de informação e referência, especificamente nos espaços das artes que visam ao serviço dos usuários nas bibliotecas (CASTRO; SILVA; OLIVEIRA, 2020).
Do ponto de vista de Almeida Júnior (2015, p. 25), na prática do profissional da informação, a mediação da informação é:
Toda ação de interferência - realizada em um processo, por um profissional da informação e na ambiência de equipamentos informacionais -, direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural; individual ou coletiva; visando a apropriação de informação que satisfaça, parcialmente e de maneira momentânea, uma necessidade informacional, gerando conflitos e novas necessidades informacionais.
Do mesmo modo, o conceito de mediação da informação cria uma concepção de que a informação é o processo da conjuntura do profissional da informação e que a apropriação da informação é como um processo que colabora para o processo de emancipação, pois está diretamente relacionada à questão profissional e ao atendimento ao público (formas não mediadas de informação). Seguindo alguns sentidos da mediação da informação, destacam-se dois como fenômeno mediado de ação:
A mediação implícita, que ocorre nos espaços dos equipamentos informacionais em que as ações são desenvolvidas sem a presença física e imediata dos usuários. Nesses espaços, como já observado, estão a seleção, o armazenamento e o processamento da informação. A mediação explícita, por seu lado, ocorre nos espaços em que a presença do usuário é inevitável, é condição sinequa non para sua existência, mesmo que tal presença não seja física, como, por exemplo, nos acessos à distância em que não é solicitada a interferência concreta e presencial do profissional da informação. (ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 92 - 93, grifo nosso).
É possível afirmar que o autor se opõe à imagem de ponte comumente associada à Mediação da Informação; em seu entendimento, estabelece uma visão social da mediação da informação apresentando a diversidade de relações, interferências, conflitos, portanto, um conceito ampliado. Quanto à mediação implícita da informação, aos modos da representação e transferência da informação, entende-se o texto de Leite (1996), quando tensiona o sentido dado a mediação implícita da informação ao apresentar ‘transtornos’ no “fazer” comunicativo, pois revela a falta de participação dos sujeitos e da comunidade nesses casos, não favorecendo um diálogo de intersubjetividade e autorrealização.
Com base no argumento de Almeida Júnior (2009), sobre a interferência na mediação, não deve ser ela rejeitada, pois, ela pressupõe que o profissional poderá lidar com as ocorrências repentinas no sentido de minimizar os problemas que podem surgir. No entanto, considera-se que o profissional da informação precisa agir comunicativamente, compreendendo a mediação da informação em suas várias formas de percepção.
Portanto, é necessário refletir a mediação dos profissionais da informação no sentido de que desempenhem o papel de mediador voltado à ação emancipatória, dado que ela abarca a complexidade do usuário em seu contexto e faz com que o profissional se utilize do saber-fazer, apresentando possibilidades de concepção e comunicação relacionadas aos sujeitos informacionais.
Em outras palavras, a ausência de participação também pode estar relacionada ao lugar da mediação desses atores, sendo característica de um debate público em que já no âmbito relacional da mediação da informação, produz-se um “[…] lugar de sentidos e de relações, não apenas onde os sujeitos dizem, mas também assumem papéis.” (FRANÇA, 2001, p. 16).
Segundo Signates (1998), a extensão da mediação deve ser considerada, em categoria teórica; discursividade específica; estruturas, formas e práticas, que vinculam diferentes lógicas ou temporalidades em um mesmo processo; como instituição ou local geográfico; dispositivo de viabilização e legitimação da hegemonia ou resolução imaginária da luta de classes no âmbito da cultura que representa as ações de interferência discutidas por Almeida Júnior (2009).
O entendimento necessário em relação ao conceito de mediação da informação:
[...] destaca-se na afirmação de que é ela uma interferência. Em oposição ao pensamento hegemônico que sustenta a imparcialidade e a neutralidade do profissional da informação no exercício de seu trabalho, defendemos a existência da interferência. É ela constante e indissociada do fazer do profissional da informação. A imparcialidade e a neutralidade, embora procuradas, não se concretizam, pois, o profissional da informação atua com matéria-prima que, por si, não é neutra. A informação é carregada e está envolta em concepções e significados que extrapolam o aparente. A informação está imersa em ideologias e em nenhuma hipótese se apresenta despida de interesses, sejam econômicos, políticos, culturais, etc. (ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 93).
A informação imersa na ideologia precisa passar pelo crivo da análise crítica neste contexto para desmistificar a falácia da neutralidade, objetividade e imparcialidade dos profissionais que lidam com a informação registrada e organizada no sentido de descortinar as ações nocivas e hierarquias biblioteconômicas atuais ainda remanescentes da razão técnica da ciência empírico analítica, proporcionando o diálogo diversificado e a participação coletiva dos sujeitos no ambiente.
Almeida Júnior (2015) vem discutindo na literatura da CI as relações em que a informação encontra-se inserida em sentidos ideológicos. Para esse autor, a informação está imersa em conflitos, lutas pelo poder e pelo domínio da racionalidade instrumental. De forma ideológica, não é eliminada pelo uso de técnicas documentais, pelo contrário, reforçam esse caráter ideológico. Por isso, a razão emancipatória, considerada por Habermas (1983), apresenta a superação da mediação sistematicamente distorcida daquela da razão técnica que faz a integração de funções técnicas institucionais que não interagem de forma intersubjetiva com os sujeitos (HABERMAS, 1983; CASTRO; SILVA; OLIVEIRA, 2020). Para ele, a mediação emancipatória tem efeitos não apenas sobre as forças produtivas, mas também de forma autônoma nas estruturas normativas.
Por isso, a mediação da informação ajuda a entender como a informação presume em uma ação comunicativa quando mediada de forma recíproca e emancipatória. A exemplo, entende-se uma mediação como fenômeno emancipatório “[...] concepção de informação que desloque o usuário da categoria de mero receptor, colocando-o como ator central do processo de apropriação.” (ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 97).
De outra maneira, o protagonismo entre sujeitos informacionais pode mostrar formas conjuntas de diálogo ou uma ação comunicativa, pois a linguagem entre esses sujeitos procede por um meio que permite plenamente a compreensão mútua. A linguagem apresenta-se assim, como um motor de inclusão social, e mediação como veículo para a construção de uma identidade comum entre os indivíduos, por exemplo, no contexto da biblioteca.
Sinaliza-se uma ação coletiva na mediação da informação, onde as relações de regime de informação, no caso, as relações de poder, são potencializadas por uma gramática moral entre esses sujeitos que emergem sob os processos discursivos pelos quais é identificada na própria prática cotidiana a voz persistente da razão comunicativa, mesmo em situações em que essa está subjugada, distorcida e desfigurada (HABERMAS, 1989).
Diante disso, a ação comunicativa prioriza a compreensão dos sujeitos pelos profissionais da informação e ambos considerando-se na dialogia, protagonistas, manifestando-se a prática da argumentação, pois as “pretensões de legitimidade”, no momento da mediação, são guiadas, enfatizadas e questionadas: “[...] os participantes da interação unem-se através da validade pretendida de suas ações de fala ou tomam em consideração os dissensos constatados. Através das ações de fala, são levantadas pretensões de validade criticáveis, as quais apontam para um reconhecimento intersubjetivo.” (HABERMAS, 1990, p. 72).
Para isso ocorrer, os profissionais da informação precisam de um estranhamento em relação à prática da mediação. Fundamentado teoricamente na ação comunicativa, precisam afastar-se das “regras técnicas baseadas no saber empírico” (HABERMAS, 1980), para que os sujeitos informacionais possam buscar apreender a informação na ambiência informacional, já que nossos apontamentos se referem à mediação da informação pensada como ação coletiva voltada ao caráter de emancipação. Só poderá ser alvo de alcance quando emergir uma atividade intersubjetividade, em que há, nesse sentido, uma racionalidade onde os sujeitos conhecem um ao outro fora da dominação hegemônica.
A mediação da informação deve ser entendida a partir de uma racionalidade voltada à emancipação, pois, indo ao encontro da mediação no ambiente público, como, por exemplo, o de uma biblioteca ou arquivo, deverá emergir as relações discursivas, isto é, “[…] antes de tudo, a disposição dos sujeitos capazes de falar e de agir, de buscar um entendimento acerca do mundo, orientando-se pelas pretensões de validade assentadas no reconhecimento intersubjetivo.” (HABERMAS, 1998, p. 437).
Em outras palavras, ele precisa propiciar condições dialógicas de validade onde os sujeitos também são partes indissociáveis, principalmente nas regras e normas burocráticas que se impõe. Segundo Gomes (2020, p. 12):
Os sujeitos da ação comunicativa precisam transitar com “conforto emocional” no “ambiente” informacional que, mais do que consistir em um espaço fisicamente geográfico, precisa se constituir em uma ambiência que se abre ao outro, acolhendo-o e colocando-se com disponibilidade à construção de laços de pertencimento.
Portanto, as ações de mediação da informação devem incorporar processos de autorreflexão, os quais podem fazer parte das propriedades conscientes da realidade vivida pelos que buscam informação. Dessa forma, o profissional fará jus a essas propriedades não sendo mais um burocrata, mas um investigador interpretativo da ação da vida cotidiana, pois considera:
Por via da autorreflexão, o sujeito torna-se consciente dos pressupostos inconscientes de suas ações efetuadas até então, sobre o conhecimento da sua realidade (intentio recta). Assim, a consciência hermenêutica é resultado de uma autorreflexão que o sujeito falante se torna consciente de suas liberdades peculiares e dependências para a linguagem. Por este meio dissolvem-se tanto os aspectos subjetivos quanto objetivos, onde a consciência cotidiana é presa. A autorreflexão esclarece experiências que o sujeito falante efetua, usando a sua competência comunicativa, mas não explica este evento. (HABERMAS, 1990, 281-282).
Portanto, para que os usuários tenham condições de atingirem a maturidade, criando possibilidades para a existência de um modelo de identidade do Ego formado na reciprocidade e na ideia de um verdadeiro consenso, é necessário que profissionais da informação construam uma rede de interações sociais e compreendam os contextos de formação do mundo de vida (HABERMAS, 1998).
Em outras palavras, é necessário observar nas ações de mediação da informação, o sensível e o intersubjetivo, pois é a prova da consciência intersubjetiva e existencialista em que “[...] reconheço que sou como o outro me vê [...], no sentido de que [...] o outro é o mediador indispensável entre mim e mim mesmo.” (SARTRE, 2011, p. 290). De acordo com o autor, as relações de diálogo devem ser uma compreensão subjetiva dos sujeitos, sendo a única maneira de alcançar o autoconhecimento.
Com um senso de pertencimento é possível que os sujeitos, em um ambiente informacional, valorizem e se interessem mais pelo lugar onde estão e pelas pessoas, seres e coisas a compartilhar sobre isso. Pertencer ao lugar onde há categorias de convivência leva os sujeitos a uma apreciação do que está acontecendo em comunidade, o que pode resultar em um esforço coletivo pelo bem comum e gerar dimensões de estranhamento e autorreflexão.
Para Escobar (2005), no entanto, pode-se entender que o lugar precisa ser redescoberto no sentido de compreensão, como alternativa, os modelos de natureza local, bem como modelos culturais, ecológicos e econômicos que consideram as práticas e as complicadas racionalidades. Conscientemente, “[...] as lutas por reconhecimento podem ser vistas hoje em estratégias baseadas, mas transnacionalizadas ou, mais sucintamente, como formas de ‘globalismo localizado.” (ESCOBAR, 2010, p.74.). As lutas, neste caso, por conhecimento e acesso à informação pelo viés democrático, constituem uma expressão contra as formas capitalistas e apresentam a “[…] construção de paradigmas alternativos de produção, ordens políticas e sustentabilidade são aspectos de um mesmo processo, e este processo o qual é impulsionado em parte pela política cultural de reconhecimento.” (ESCOBAR, 2005, p. 70 - 71).
Na ambiência informacional, por exemplo, surge a redescoberta desses discursos na dimensão local, onde se ancoraram novos significados, categorias e possibilidades baseadas na vida cotidiana. No espaço de uma biblioteca, por exemplo, os sujeitos estão tanto no fluxo, em que se relacionam em suas atividades diárias, como no trabalho e afazeres que se interconectam em redes de socialização para promover a circulação de informações a serem consumidas. Para Santos (2007, p. 120), a mediação “[...] tem um papel fundamental na organização do espaço, pois assegura a interação entre fixos e fluxos, isto é, entre a configuração territorial e as relações sociais.”.
Em outras palavras, a rede de diálogos é interconectada de relações sociais em uma ambiência informacional, sobretudo, na prática da intersubjetividade dos sujeitos que, de acordo com Habermas (1997), constitui-se de uma regulação normativa da convivência, com a qual todos concordam e que garante, inclusive, relações de reconhecimento recíproco. De outra forma, uma relação de sociabilidade que se reproduz culturalmente e faz com que haja perenidade, que envolve a amizade, confiança e uma criação de reciprocidade (SIMMEL, 2006).
A ideia apresentada pode ser entendida por Gomes (2020) na dimensão estética da mediação em que se trata aqui da experiência do sensível:
Assim, os sujeitos envolvidos no processo da mediação consciente da informação sentem-se acolhidos e reconhecidos como sujeitos ativos na ação mediadora, abrindo-se à conquista da condição de protagonistas do ambiente informacional e também da geração de novas informações. Nessa experiência, eles vivem emoções e sentimentos que podem e precisam ser observados pelo mediador, por meio da escuta e observação sensível. Se a percepção dos sentimentos é de difícil alcance para o mediador, a emoção costuma ficar mais evidente em manifestações que ocorrem na ação. A consideração das emoções vividas na mediação da informação pode sustentar uma avaliação que, no exercício da práxis, indique a intensidade alcançada na dimensão estética, na medida em que se observe o prazer dos sujeitos envolvidos em poderem interpelar, questionar e criar a partir do encontro com a informação em debate no coletivo. Tendo a mediação da informação uma dimensão estética que acionada e explorada em sua potencialidade pode trazer para a experiência o espaço de voz, o exercício da crítica e o debate, onde expressão e interpelação conquistam espaço promissor para que sejam acionadas as zonas de desenvolvimento proximal dos sujeitos envolvidos, ela colabora para que os conhecimentos prévios desses sujeitos entrem em estado de desestabilização, de conflito cognitivo, que se desdobrará no conflito informacional apontado no conceito de mediação da informação de Almeida Junior (2015). (GOMES, 2020, p. 1516).
Para a autora, os sujeitos envolvidos no processo de mediação consciente da informação sentem-se acolhidos e reconhecidos como sujeitos ativos na ação mediadora. A experiência do sensível é algo que se torna importante nas ações de mediação, já que é uma ação dissidente, em que a diversidade é expressa por uma espécie de polifonia, em que grupos sociais passam a ter espaços nos quais podem dizer sua própria palavra, suas próprias narrativas.
No entanto, considera-se que o profissional da informação deve atuar de forma comunicativa, entendendo a mediação da informação em suas diferentes formas de percepção, especialmente em uma ordem social profundamente desigual e excludente. No mundo marcado pela “tirania da visibilidade”, em que o sensível se autonomizou e se converteu em sensação, como propõe Haroche (2008):
Ser o outro, o parceiro numa relação desengajada - em que não se tenha atenção, consideração e reconhecimento nem existe a fortiori um sentimento de valorização - torna-se humilhante, pois releva a instrumentalização e o intercambiamento entre os indivíduos e a desvalorização e o sentimento de si mesmo e do futuro. A privação específica de si e o sentimento mais do que a consciência se encontra no cerne da humilhação nas sociedades de consumo (HAROCHE, 2008, p. 179-180).
Além disso, Haroche (2008) sinaliza que a ausência no olhar sensível e a desatenção podem, de fato, aparecer como uma indiferença protetora, mas também pode revelar uma indiferença que nega a pessoa no indivíduo. Para autora, “ser sensível significa ter a capacidade de sofrer ou sentir prazer, alegria; é também a capacidade de imaginar, perceber o prazer e o sofrimento do outro.” (HAROCHE, 2011 p. 374).
Do mesmo modo, o mundo da vida informacional, isto é, o lugar sensível onde os participantes da interação apontam suas falas objetivamente, constitui a territorialidade da linguagem comum, onde os sujeitos exploram essa linguagem como a força motriz da inclusão social, na comunicação, para construir uma identidade comum entre indivíduos (HABERMAS, 1997). Nesse sentido, a ação comunicativa passa a função da ação em que “[...] o tecido das ações comunicativas nutre‐se dos recursos do mundo da vida e, em simultâneo, constitui o medium pelo qual as formas concretas de vida se reproduzem.” (HABERMAS, 1998, p. 443). Em outras palavras, a validade das falas reivindica o lugar dos sujeitos, a sociabilidade e sua relação identitária com o lugar.
Stuart Hall (2006) reflete sobre o papel da identidade na pós-modernidade. Para ele, os sujeitos e suas localidades são confrontados com um universo híbrido que desliza para a aceleração do tempo. Nesse movimento, as identidades produzem “[...] uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou transhistóricas” (HALL, 2006, p. 87).
Nesse sentido, concorda-se com Santos (2006), que propõe que cada lugar tem sua forma, seu modo de criar e recriar espacialidades individuais e coletivas, a saber que “[...] cada lugar é, à sua maneira, o mundo [...] todos os lugares são virtualmente globais.” (SANTOS, 2006, p. 65). Atualmente, como as formas de emancipação estão por entre mediações compreende-se que, por exemplo, as representações de espaço informação e as relações que os sujeitos medeiam tornam-se um fenômeno da ação comunicativa e do reconhecimento intersubjetivo (SANTOS, 2006; ESCOBAR, 2005).
A dimensão de uma luta por reconhecimento pelo viés da mediação da informação concerne no que Gomes (2020, p. 18) aponta como dimensão política da mediação, pois conforme a autora ao incorporar essa dimensão entende-se que ela:
[...] contribui para a uma sociedade ativa na construção humanizadora do mundo porque, ao ser alcançada, ela impulsiona a adoção da luta pelo respeito à alteridade, pelo fundamento democrático do livre pensar, pelo combate à desinformação e às informações falsas, pela resistência quanto à redução do espaço crítico e da ação e pelo fortalecimento da justiça e inclusão social, como fundamentais à existência humana, ao cuidado com o outro, com o meio e com o projeto civilizatório.
Para falar de uma luta moralmente motivada da dimensão política de reconhecimento, recorremos aos fundamentos da teoria crítica das últimas décadas. Axel Honneth, herdeiro da terceira geração, construiu o pensamento crítico que começou com a análise do trabalho de Habermas, visando destacar as regiões fronteiriças na abordagem linguística do paradigma da intersubjetividade e seus efeitos na teoria crítica. Honneth (2009) assinala que a abordagem de Habermas era uma excelente maneira de evitar a lógica de racionalizar a própria vida, porque sua intenção não era negligenciar fenômenos em favor das estruturas sociais. Para construir sua teoria, ele recorre aos textos de Hegel “Maneiras científicas de tratar o direito natural”, de 1802, “Sistema da eticidade” 02/1803, e “Sistema da filosofia especulativa” ou “Realphilosophie de Jena” de 1805/1806, para ancorar suas formulações.
Honneth aperfeiçoa a teoria do reconhecimento do jovem Hegel e observa através da prática “[...] subjetiva do desrespeito a necessidade não satisfeita de reconhecimento; e no protesto dos humilhados e ofendidos aquela relação assimétrica, em que um lado priva o outro do devido reconhecimento.” (HABERMAS, 2011, p. 339). Na luta por reconhecimento, constrói os fundamentos dessa teoria, considerando a nova conceituação dos espaços sociais, de maneira a quebrar o que considera o déficit sociológico da teoria crítica, focando nas hipóteses psicológicas e sociológicas da intersubjetividade. É uma questão de filosofia social, capaz de explorar a realidade interativa dos sujeitos. Para enfrentar esses desafios, Honneth utiliza a teoria da comunicação da psicologia social de George Herbert Mead, que, a seu ver, tem uma base empírica ou naturalista mais desenvolvida, a partir do pressuposto de que o reconhecimento mútuo é a fonte da constituição da identidade dos sujeitos.
O filósofo alemão Axel Honneth explica que, sem um parceiro de interação, seria impossível para um indivíduo perceber suas próprias ações como pertencentes à sua própria pessoa, portanto, ele pode construir uma autorreferência para os problemas e conflitos que surgem na própria interação. As concepções cognitivas de interação são, portanto, reveladas pelo surgimento da autoconfiança. Quando relacionadas a mediação da informação, as relações autônomas dos sujeitos sempre conferem um conflito, pois, como aponta Almeida Júnior (2015), os conflitos requerem uma visão diferente do mundo, da relação das pessoas entre si e com o mundo. Conflitos requerem novas explicações pessoais para o mundo. Em caso de conflitos, é necessário reorganizar nossa visão do mundo.
Logo, as considerações de Almeida Júnior (2015) e de Axel Honneth (2009) tornamse importantíssimas para pensar a mediação da informação na dinâmica social do reconhecimento, ou seja, na gramática dos conflitos sociais, correspondente à relação: desrespeito, reconhecimento e mudança social.
A mediação da informação insere-se como reconhecimento e nela enfatiza-se o elemento final dessa dinâmica dos conflitos e trata-se do conceito de ética formal. O padrão normativo que se baseia na compreensão intersubjetiva dos sujeitos, de modo a fazer julgamentos sobre suas capacidades em assumir papéis e conscientemente terem a responsabilidade de escolherem a trajetória de suas vidas.
O termo reconhecimento refere-se a todas as circunstâncias intersubjetivas que podem ser comprovadas para servir como premissas individuais de emancipação. Do mesmo modo, o reconhecimento de sua conexão é evidenciado pelo fato de que a possibilidade de um ser positivo é dada apenas através da experiência de reconhecimento, porque esta é uma prova da autorrealização individual”. A ideia de Axel Honneth, portanto, relaciona-se a todas as condições intersubjetivas que podem servir como autorrealização individual como pré-requisitos normativos (HONNETH, 2009), um conceito original que inclui o pensador ao atual debate sobre filosofia política e justiça social.
Sob tal enfoque, a luta pelo reconhecimento está por detrás dos conflitos sociais marcados por tensões constantes entre a questão da liberdade individual e da ética e das relações comunitárias. “O conflito social só ocorre porque houve uma desconsideração do acordo intersubjetivo, onde os sujeitos haviam se reconhecido como parceiros de interação.” (HONNETH, 2009, p. 25).
A maneira sensível e comunicativa das relações de mediação da informação aponta para as relações de reconhecimento intersubjetivo, ou seja, a autorrelação existente no amor, direito de acesso e estima social dos sujeitos que se voltam para algum tipo de autorrealização no ambiente informacional. As formas resultantes de reconhecimento possibilitam examinar a infraestrutura moral das interações produtivamente, pois podem ser combinadas com modos práticos de autorrealização de práticas como autoconfiança, autorrespeito e estima social. Honneth (2009) descreve as estruturas das relações de reconhecimento social como uma “fenomenologia empírica” de formas de reconhecimento na mediação da informação, a partir de uma ideia de ética formal que estrutura as condições intersubjetivas a partir de experiências bem-sucedidas de constituição pessoal e coletiva.
Honneth (2009) caracteriza sua tese no pressuposto das formas de reconhecimento e, para nós, favorece a dimensão da mediação da informação que emerge das experiências distintas e definem o “ponto de vista moral” das ações mediadas que devem adotar e estender as relações em que essas obrigações particulares se aplicam. A autorrealização é identificada por Honneth (2009) pelas relações do amor, o direito de acesso e estima social do sujeito.
O amor, como podemos ver em Honneth (2009), leva a uma autorrelação de autoconfiança dos sujeitos que precede qualquer outra forma de reconhecimento, como, por exemplo, a relação de uma pessoa que busca informação e conhecimento com fenômeno intersubjetivo de mediação.
O amor representa a primeira etapa de reconhecimento recíproco, porque em sua efetivação os sujeitos se confirmam mutuamente na natureza concreta de suas carências, reconhecendo-se assim como seres carentes: na experiência recíproca da dedicação amorosa, tais sujeitos se sabem unidos no fato de serem dependentes, em seu estado carencial, do respectivo outro. Além disso, visto que carências e afetos só podem de certo modo receber “confirmação” porque são diretamente satisfeitos ou correspondidos, o próprio reconhecimento deve possuir aqui o caráter de assentimento e encorajamento afetivo; nesse sentido, essa relação de reconhecimento está também ligada de maneira necessária à existência corporal dos outros concretos, os quais demonstram entre si sentimentos de estima especial. (HONNETH, 2009, p. 160).
Na ambiência dos equipamentos informacionais há uma segurança emocional proporcionada pela experiência intersubjetiva do amor pelos sujeitos informacionais que, serve assim, como base psicológica e pressuposto para todas as outras atitudes que ocorrerão durante o processo de mediação.
A segunda forma de reconhecimento é a legalidade ou “direito”, que está relacionada ao direito primigênio de acesso à informação e ao conhecimento, pois a concepção de acesso à informação é o direito proferido enquanto todos os homens são iguais e instituídos como tendo direitos. Nesse sentido, é apenas reconhecer o outro como sujeito de obter informação e conhecimento que o indivíduo se identifica (HONNETH, 2009).
Na visão do autor, os deveres morais devem ser narrados como experiência humana e emergir de nossas próprias deliberações morais. O conteúdo dessa reciprocidade e os deveres entre os indivíduos dependem da forma e do contexto da relação e dos direitos e deveres que devem sempre ser calculados à luz dos direitos e deveres dos outros.
Também é possível inferir que o direito:
[...] estende por princípio a todos os homens na qualidade de seres iguais e livres; importava-lhe demonstrar que a autonomia individual do singular se deve a um modo particular de reconhecimento recíproco, incorporado no direito positivo, ao passo que Mead estava interessado primeiramente, com seu conceito de “outro generalizado”, apenas na lógica do reconhecimento jurídico como tal. Essa diferença, que negligenciamos até aqui em nossa reconstrução da história teórica, tem de ser clarificada, pelo menos a traços largos, antes que se possa responder à questão sobre que tipo específico de reconhecimento e de autorrelacão correspondente está estruturalmente inscrito na relação jurídica; pois, na distinção entre direito ligado à tradição e direito pós-tradicional, torna-se claro que a forma de reciprocidade especial do reconhecimento jurídico, diferentemente daquela do amor, só pode se constituir na sequência de uma evolução histórica. (HONNETH, 2009, p. 180).
Diante do exposto, o autor argumenta que, em virtude do não reconhecimento dos direitos individuais, o sujeito acredita que sua integridade social pode estar ameaçada moralmente, o que pode desencadear a eclosão da luta por reconhecimento. Esse processo desencadeia-se na mediação da informação na ideia de que informação, conhecimento e acesso à cultura são direitos fundamentais da dignidade humana. Portanto, é constituída e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no manifesto em defesa da biblioteca pública da UNESCO.
Desse modo, os profissionais que atuam do ponto de vista dessa segunda dimensão de reconhecimento podem cooperar para a desmistificação dos sistemas de organização do conhecimento na esfera pública, discutindo e justificando porque os sistemas de organização do conhecimento e sua funcionalidade são importantes para o público. Ou seja, os profissionais que medeiam a informação precisam argumentar que esses sistemas fazem uma diferença na sociedade e mostram como eles afetam nossas atividades profissionais e diárias.
A terceira e última dimensão do reconhecimento reside no campo das relações de solidariedade e estima social, que conseguiriam proporcionar algo além do respeito universal. Para poderem chegar a uma autorrelação infrangível, os sujeitos humanos precisam, “[...] além da experiência da dedicação afetiva e do reconhecimento jurídico, de uma estima social que lhes permita referir-se positivamente a suas propriedades e capacidades concretas.” (HONNETH, 2009, p. 198). A valorização social dos sujeitos informacionais está associada a uma confiança emocional na propriedade de habilidades e conquistas efetivas no provimento da busca ou apreensão de conhecimento, traduzida na linguagem comum como um “sentimento de valor próprio”.
A autoestima, além da autoconfiança e do autorrespeito, é a autorrelação inerente à esfera de interação da comunidade de valores e à relação de reconhecimento mútuo de solidariedade, possibilitando falar de relações pós-tradicionais de solidariedade social observável nas relações que o bibliotecário estabelece com os usuários em uma biblioteca. Touraine (2006) afirma que, sem elementos comuns na interação, não há comunicação. Tais elementos não podem ser impostos por políticas culturais ou educacionais, mas sim pelo reconhecimento da cultura através de trocas no cotidiano. Em outras palavras, a reciprocidade como elemento do reconhecimento, é determinada pelas experiências pessoais dos sujeitos em ambiente informacional (HONNETH, 2009).
Para a relação de reconhecimento, isso só pode significar que está embutida nela, de certo modo, urna pressão para a reciprocidade, que sem violência obriga os sujeitos que se deparam a reconhecerem também seu defrontante social de uma determinada maneira: se eu não reconheço meu parceiro de interação como um determinado gênero de pessoa, eu tampouco posso me ver reconhecido em suas reações como o mesmo gênero de pessoa, já que lhe foram negadas por mim justamente aquelas propriedades e capacidades nas quais eu quis me sentir confirmado por ele. (HONNETH, 2009, p. 78).
A reciprocidade é determinada pelas experiências pessoais e coletivas na apreensão da ambiência dos equipamentos informacionais, dado que estabelecem ou não elos afetivos, relações de partilha de uma dupla afetação entre o mediador e aquele que busca informação. Destaco que a falta dessas três dimensões de reconhecimento ou a privação dessas relações intersubjetivas relacionam-se às questões de desrespeito, isto é, “a necessidade não satisfeita de reconhecimento; e no protesto dos humilhados e ofendidos aquela relação assimétrica, em que um lado priva o outro do devido reconhecimento.” (HABERMAS, 2011, p. 339). Nesse sentido, as relações de desrespeito também serão efetuadas conforme a análise dos dados.
O filósofo deixa claro que o reconhecimento é fruto das construções intersubjetivas que decorrem de “lutas moralmente motivadas, sua tentativa coletiva de estabelecer institucional e culturalmente [...], do qual vem a se realizar a transformação normativamente gerida das sociedades.” (HONNETH, 2009, p. 157). Com essa configuração, “Honneth mostra como essas formas de reconhecimento sempre estão vinculadas a categorias de desrespeito e conflitos cuja experiência pode motivar em termos práticos os sujeitos para a emancipação.” (MELO, 2014, p. 18). Para ele, o caráter político dessas lutas reside na construção de identidades, neste caso a identidade dos usuários na biblioteca (HONNETH, 2009; MENDONÇA, 2012). As lutas por reconhecimento, que se desenvolvem a partir dos campos do amor (relações de afeto), direito e solidariedade, os sujeitos transformam experiências de desrespeito e buscam uma avaliação pessoal e social positiva no que diz respeito à autorrealização.
As formas de desrespeito são expressas, conforme o pensador, a partir das manifestações de desigualdades. Elas remetem às formas de desrespeito (discriminação, exclusão, exploração, marginalização) reiterando padrões institucionalizados de desvalorização moral que minam a condição intersubjetiva de participação dos sujeitos na mediação (MAIA, 2018; FRASER; 2003). A dinâmica do desrespeito é aquela “cuja experiência pode influir no surgimento de conflitos na qualidade de motivo da ação.” (HONNETH, 2009, p. 24). Por exemplo, quando o usuário procura o espaço da biblioteca, mas não consegue situar-se apreendendo-o como um lugar identitário com o direito uno de usufruir e apreender conhecimento. Isso ocorre devido às manifestações institucionais impostas a esse espaço informacional.
As manifestações não são apenas palpáveis e objetivas, mas simbólicas. Estão atreladas à dimensão do sensível dos sujeitos que estão no espaço informacional e que por vezes não sabem ao certo dizer o que os faz ter o conflito moral, isto é, a necessidade não satisfeita de reconhecimento em não querer mais frequentar aquele espaço.
Conforme apontam Oliveira e Castro (2017), o bibliotecário, no ato de mediar, encontra-se no meio de regras e normas as quais acabam banalizando e externando formas coercitivas para os que também buscam as informações nas unidades de informações (usuários). O agrupamento demasiado de regras, por exemplo, que embora faça parte do cotidiano institucional, quando inseridas no organismo biblioteca e no ato de mediar, tornase uma das barreiras simbólicas para não ocorrer a ação de respeito.
O desrespeito ocorre quando há imposição de normas estimadas pelos profissionais da informação diante da conduta dos sujeitos e quando até mesmo não se entende o usuário da informação como o sujeito informacional que faz parte de uma identidade e campo cultural diversificado e das diferenças. Dessa forma, o discurso homogêneo de ordem do espaço visa não dialogar, mas impor.
Tem-se como exemplo o impedimento do acesso de usuários aos acervos quando punições são estabelecidas. O acesso informacional é excessivamente burocrático e faz parte das relações de poder institucional estabelecidas nesses espaços.
A pesquisa contribuiu procurando analisar características teóricas da mediação da informação, que a apresenta como uma ação coletiva emancipatória pautada na agir comunicativo e no reconhecimento. Pois, se entendeu que elas possibilitam práticas relacionais que percorrem para além da transferência do conhecimento nas atividades bibliotecárias.
A partir da formação discursiva dos sujeitos informacionais e suas pretensões de validade há um sentido de ressignificação. Teoricamente, por esse ângulo, a mediação da informação se dará no agir comunicativo e no reconhecimento das relações de afetação mútua das práticas informacionais, em outras palavras, na dimensão intersubjetividade dos sujeitos e na experienciação dessa prática.
Experienciar o outro requer uma prática pautada na visão emancipatória, diante das formas de reconhecimento intersubjetivo que se apresentam no ato de mediar diante da informação. Por isso, a necessidade de aplicação de forma profunda aos fundamentos teóricos da ação comunicativa e do reconhecimento intersubjetivo como fenômenos da ação coletiva e emancipatória na mediação da informação.
Ainda assim, é preciso olhar para essas questões “de perto e de dentro”, em contraste com um olhar “de fora e de longe”, pelo qual busca compreender os fundamentos teóricos e a posterior efetuará uma análise de diferentes pessoas e espaços envolvidos no processo da interação na mediação como marcadores, sobretudo do não-público, nãoreconhecimento expresso na luta por reconhecimento, ou seja, na identidade com uma estrutura fundamentalmente intersubjetiva de grupos não evidenciáveis e potenciais, por exemplo no espaço informacional na biblioteca, no sentido de não apenas reconhecer o outro, mas também sob a perspectiva de autorrepresentação que soma todas as características identitárias em especial as experiências de reconhecimento nas ações de mediação, relacionadas às condições intersubjetivas que representam o lastro da autorrealização dos sujeitos que participam delas.
Em outras palavras, ela contribuirá para a elaboração de um conhecimento emancipatório, bem como de discursos de justiça social que envolve a ampliação de acesso à informação aos cidadãos na ambiência dos equipamentos informacionais. Por isso, a perspectiva etnográfica no desenvolvimento da aplicação dessas bases teóricas é necessária para validar as relações interacionais e relacionais com o ambiente e com os participantes envolvidos na dimensão de um reconhecimento intersubjetivo. A mediação da informação pensada pelo viés comunicativo, não pressupõe a ideia de consenso uma vez que o consenso estaria em segundo plano, isso não reflete inteiramente a experiência moral dos sujeitos.
Ou seja, o modelo de entendimento comunicativo deve aprofundar a ação do conflito, ou seja, a compreensão comunicativa dos sujeitos durante a ação de mediação da informação, deve ocorrer na luta pelo reconhecimento, pois se baseia nas relações intersubjetivas que garantem o desenvolvimento da autonomia humana em geral. Como aponta Almeida Junior (2018), o consenso não existe e não deve ser buscado, caso contrário nos perderemos no caminho de sua busca. Explicando melhor: consenso é o fim do conflito, sua ausência de conflito é neutralidade e pode se tornar habitual.
Se a mediação pressupõe conflito, então ele aparece como uma luta pelo reconhecimento que tenta ampliar “[...] ferramentas destinadas ao resgate e reabilitação de todas as formas de cognição e seus resultados e práticas mediante sistemas de autonarração de indivíduos e comunidades.” (GARCÍA GUTIÉRREZ, 2006, p. 109).
Emergir a luta por reconhecimento que está por detrás desses conflitos marcados por tensões constantes entre a questão da liberdade individual, da ética e das relações comunitárias que emergem de um ambiente informacional, é de maior importância. Por isso, este estudo busca contribuir para reflexões sobre os estudos sociais e culturais na CI, no âmbito da mediação da informação, que trazem à luz abordagens interpretativas de lacunas, valores teóricos e práticos ainda pouco estudado, conferindo um novo sentido às práticas informacionais.
Esse viés crítico de pesquisa é considerado por Araújo (2018) como as relações de um pensamento Ibero-americano da informação na CI, sobretudo, na reconstrução das abordagens sociais que a CI estuda para constituir o discurso Ibero-Americano.
O texto termina com um olhar relacional a partir das dimensões intersubjetivas que podem ser aplicadas em relação à mediação da informação, através da teoria honnethiana de reconhecimento. Além disso, marca uma tendência de investigação de um novo modelo explicativo no âmbito do pensamento informacional e das práticas de redistribuição social de informação, conhecimento e aprofundamento da democracia (ARAÚJO, 2018).
Os estudos de Mediação da Informação no pensamento informacional brasileiro, demarca um olhar dos estudos da informação em comunidades periféricas e traz perspectivas multiculturalistas, sociológica e antropológica para o campo da CI, uma vez que envolve o uso da informação, no cerne da investigação cultural, complexidade social por meio dos conflitos e lutas sociais.
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq
Coleta de dados: J. CASTRO, ALMEIDA JÚNIOR, O.F
Análise de dados: J. CASTRO, ALMEIDA JÚNIOR, O.F
Discussão dos resultados: J. CASTRO, ALMEIDA JÚNIOR, O.F
Revisão e aprovação: J. CASTRO, ALMEIDA JÚNIOR, O.F
jetur.castro@unesp.brofaj@ofaj.com.br