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CONTROLE BIBLIOGRÁFICO, UMA REVISÃO É NECESSÁRIA? o universo documental e a questão terminológica
BIBLIOGRAPHIC CONTROL, IS A REVIEW REQUIRED? the documentary universe and the terminological question
Encontros Bibli, vol. 25, Esp, e73451, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina

Artigo original


Recepção: 30 Abril 2020

Aprovação: 12 Agosto 2020

Publicado: 30 Novembro 2020

DOI: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2020.e73451

RESUMO

Objetivo: Questionar se o termo "controle bibliográfico" é suficiente para abarcar a diversidade documental presente nos acervos de diferentes instituições, como as bibliotecas.

Método: Revisão bibliográfica acerca das várias definições do termo "controle bibliográfico" e "bibliografia", traçando seu histórico e suscitando comparações e questionamentos sobre sua abrangência terminológica.

Resultado: Dada a multiplicidade terminológica e de definições, consideramos o termo "controle bibliográfico" inadequado à diversidade documental produzida pelas instituições que lidam com o patrimônio.

Conclusões: Concluímos que o termo "bibliográfico" pode ser substituído pelo "documentário". Mas acreditamos que o termo "controle documentário" se encaixe de forma mais apropriada em nossos objetivos, já que possui mais relação com o documento em si.

PALAVRAS-CHAVE: Controle Bibliográfico, Documento, Terminologia.

ABSTRACT

Objective: To question whether the term "bibliographic control" is sufficient to encompass documentary diversity present in different environments, such as libraries.

Methods: Bibliographic review about the various definitions of the term "bibliographic control" and "bibliography", tracing its history and raising comparisons and questions about its terminological scope.

Results: Given the multiplicity of terminology and definitions, we consider the term "bibliographic control" inappropriate to the documentary diversity produced by the institutions that deal with heritage.

Conclusions: We conclude that the term "bibliographic" can be replaced by "documentary". But we believe that the term "documentary control" fits our objectives more appropriately, since it has more relationship with the document itself.

KEYWORDS: Bibliographic Control, Document, Terminology.

1 INTRODUÇÃO

Otlet (1934) preconizou o inventário total dos frutos do espírito humano, buscando estabelecer meios para que os documentos fossem tratados e disseminados de forma rápida e precisa ao redor do globo (MATTELART, 2009). Começa assim, a premissa de Controle Bibliográfico, apropriada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) anos depois e articulada como uma iniciativa de cunho universal, com vistas a garantir o tratamento e acesso aos produtos da mente humana, o seu conhecimento.

Frequentemente, o Controle Bibliográfico (CB) dá nome a disciplinas dos cursos de Biblioteconomia, sendo atrelado apenas aos materiais ditos bibliográficos, notadamente livros e publicações periódicas. Contudo, a partir do pensamento de Otlet e as definições de Controle Bibliográfico, chegamos à conclusão de que o termo em si é um limitador para os tipos de “frutos do espírito humano” ao qual o pensador belga se refere, logo, nosso objetivo com este artigo é questionar se o termo é suficiente para abarcar a diversidade documental presente nos acervos de diferentes instituições, como as bibliotecas.

Como princípio, o Controle Bibliográfico professado por Otlet era aquele atrelado à ideia do Repertório Universal. Seu pensamento relativo às técnicas de organização e utilização da Bibliografia e, posteriormente, da Documentação para organização do conhecimento humano, deriva da necessidade de saber sobre a produção humana, favorecendo o desenvolvimento científico, cultural e tecnológico das sociedades.

A ideia do Repertório Bibliográfico Universal (RBU) era representar todo o conhecimento acumulado pela humanidade em livros e/ou periódicos para que fosse uma grande fonte de informação referencial sobre o que e onde pode ser encontrado de determinado assunto. Com o tempo, o RBU supera a condição de repositório de representação livresca ou periódica para comportar todo o universo documental que se desvela no período; Otlet e La Fontaine, inclusive, incorporam arquivos, museus, centros de pesquisa, além das bibliotecas, em suas pretensões de organização do conhecimento universal (OTLET; LA FONTAINE, 1895; JUVÊNCIO, 2016).

Contudo, apesar da premissa de controle universal, o termo Controle Bibliográfico não é forjado pela dupla belga e só aparece na literatura quando ambos já haviam falecido, e Egan e Shera (1949) no artigo Prolegomena to bibliographic Control, declaram que o termo derivava do que os europeus chamam de Documentação. Eles alertam que:

Historicamente, o sumário e o índice de um livro foram os primeiros instrumentos para a localização de determinada informação no interior desse mesmo livro. Enquanto os livros eram ainda relativamente poucos em número, as bibliotecas eram capazes de reunir os mais imprescindíveis num único acervo e de torná-los acessíveis através da simples reunião ou listagem. Na medida em que os livros se multiplicaram e os acervos se expandiram, a simples reunião deu lugar a esquemas mais elaborados de classificação, ainda dentro dos limites de uma única biblioteca. As bibliografias, que fornecem uma chave inter-bibliotecária, começaram a aparecer, produzidas ora por bibliotecários, ora por particulares ou organizações interessadas num determinado assunto (EGAN; SHERA, 1949, p. 1).

Para além da bibliografia, o controle bibliográfico, hoje, envolve estratégias de unificação de catálogos, regras e normas que buscam ser mais universais para a descrição dos itens, elaboração aprimorada de vocabulários e classificações. Contudo, observamos que a terminologia controle bibliográfico não acompanhou com o mesmo dinamismo a variedade documental que surgiu e vem surgindo desde o final do século XIX.

De fato, como ainda esclarecem Egan e Shera (1949), as primeiras tentativas de controle da produção do conhecimento humano se dão pelo viés bibliográfico, ou seja, do livro, assim, vestígios desse entendimento podem ser visualizados ainda nas definições modernas, onde a diversidade documental é um desafio à questão terminológica que o termo “bibliográfico” pressupõe.

Tal termo, nos dicionários comuns de língua portuguesa, denota “1. Ref. a, de ou próprio de livros ou de bibliografia” (AULETE, ([2013]) ou “Relativo a bibliografia ou a livros” (MICHAELIS, c2019), ou seja, evidenciam o caráter etimológico da palavra relacionando-a ao livro ou uma lista de livros, como são comumente conhecidas as bibliografias.

Para a elaboração deste artigo, adotamos como procedimento metodológico a revisão bibliográfica acerca das várias definições do termo "controle bibliográfico", comparando-as e questionando se elas se adequam à diversidade documental que hoje se tem, ultrapassando o sentido atrelado apenas ao livro.

Por fim, tentaremos apontar uma nova terminologia que poderia ser adotada no lugar de Controle Bibliográfico, ressaltando que, por ora, não nos deteremos na análise das significações políticas, sociais e técnicas atribuídas ao termo controle1.

2 CONTROLE BIBLIOGRÁFICO E SUAS DEFINIÇÕES

As primeiras tentativas práticas de Controle Bibliográfico foram, conforme já mencionamos, iniciadas com Otlet e La Fontaine, utilizando a bibliografia como meio para confecção de inventários da produção intelectual humana e sua disseminação. A bibliografia pode ser entendida como a "[...] Produção sistemática de listas des•critivas de registros do conhecimento, principal•mente livros, artigos de periódicos e capítulos de livros, bem como de itens similares (baseado em kum, p. 1-2)" (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 46).

Evoluídas e aperfeiçoadas no decorrer dos séculos, as técnicas bibliográficas são fundamentais na organização do conhecimento produzido pela humanidade, seja pela padronização de descrições, classificações ou elaboração de simples listas até a análise minuciosa obra a obra. Araújo (2015, p. 124) declara que:

[...] é inegável, do ponto de vista da história das disciplinas que lidam com a informação e com o documento, que a Bibliografia fundamentou as práticas e técnicas desenvolvidas posteriormente pela Documentação, Biblioteconomia e CI [Ciência da Informação], sobretudo na sua dimensão documental para concepção e desenvolvimento de listas e repertórios bibliográficos.

Tendo o avanço de tal área no decorrer dos séculos como pano de fundo, outro nome pioneiro na criação de bibliografias aparece: o médico grego Galeno, que no século II a.C. cria uma lista das obras da qual era autor visando eliminar dúvidas sobre a autenticidade de alguns de seus escritos, bem como negar a autoria de tantos outros (REYES GOMÉZ, 2010).

É a partir do desenvolvimento científico e tecnológico experimentado do século XIII em diante que as bibliografias se desenvolvem, sobretudo com a abertura e expansão das universidades e da demanda por mais fontes de informação. Contudo, elas se consolidam somente no século XV, com o advento da prensa móvel e a experimentação da produção em massa de livros. Grande parte do sucesso das bibliografias no período deriva das listas elaboradas por editores e impressores, uma espécie de mapa da produção de conhecimento da época e que era facilitada pelas técnicas bibliográficas (BALSAMO, [200-]).

Nesse contexto, Araújo (2015) observa que Johannes Trithemius é considerado o pai da bibliografia moderna e, enxergando além de uma lista de livros, apresenta uma fonte de informação que segue padrões bem estabelecidos e é um produto da prática bibliográfica. Entretanto, a bibliografia tem como maior expoente Conrad Gesner, que, em 1545, lança o primeiro volume de sua Bibliotheca Universalis, que visa a organização universal do conhecimento bibliográfico humano, arrolando todos os autores da época (século XVI na Europa), bem como suas obras.

Segundo Reyes Gómez (2010) o ápice das bibliografias acontece no século XIX, quando ela alcança sua maturidade teórico-metodológica, mesmo período de gênese do ideal otletiano para o Repertório Bibliográfico Universal (RBU) e fundação do Instituto Internacional de Bibliografia, em 1895. É a partir do amadurecimento das ideias bibliográficas que Otlet constrói a teoria da Documentação, sendo seu expoente máximo o Tratado de Documentação publicado em 1934. Com o advento da Segunda Guerra Mundial o projeto universalista belga encontra seu fim, sendo o seu legado ignorado por anos (RAYWARD, 1975). Sua retomada se dá somente na década de 1950, sobretudo, através de programas da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) para a fundação de institutos bibliográficos nacionais com vistas à promoção e intercâmbio de publicações, formação de corpo técnico e elaboração de produtos bibliográficos, notadamente bibliografias, dos mais diversos ramos do saber, tendo por consequência o desenvolvimento da ciência e tecnologia, sobretudo em países periféricos (GUGLIOTTA, 2019).

O controle bibliográfico, então, passa a ser uma engrenagem para "o esquema de disposição efetiva que resulta num inventário sistemático dos dados registrados da comunicação humana. Esses inventários são chamados bibliografias e a arte de fazê-los é a Bibliografia" (BUREAU INTERNATIONAL DE L'IFLA POUR L'UBC, 1983).

Desta forma, a premissa é conhecer tudo o que se produz, para além do escopo das bibliotecas, culminando na "[...] criação e manutenção de um sistema de registro adequado a todos os tipos de documentos publicados ou não, impressos, audiovisuais ou outros, que enriquecem a soma dos conhecimentos humanos e da informação" (BUREAU INTERNATIONAL DE L'IFLA POUR L'UBC, 1983).

Esta segunda definição já mais alargada do que a primeira, amplia o escopo de ação da prática do controle bibliográfico, incorporando outros tipos de documentos para além do livro e publicação periódica. As modernas definições tendem a extrapolar o limite linguístico imposto pelo termo "bibliográfico", assim, Cunha e Cavalcanti (2008, p. 106) o definem como:

1. Desenvolvimento e manutenção de um sistema adequado de registro de todas as formas de material, publicadas e não publicadas, impressas, audiovisuais ou quaisquer outras que contribuem para o conhecimento humano e para a informação. 2. O controle bibliográfico significa o acesso efetivo à literatura através das bibliografias. Assim, a menção do controle bibliográfico da medicina significa o acesso efetivo às fontes da informação médica, mediante o uso das biblio•grafias <=> bibliografia nacional. 3. "As expressões organização bibliográfica e controle bibliográfico têm sido usadas, frequentemente, com o mesmo sentido, embora haja entre elas uma pequena diferença. A primeira é mais ampla, enquanto que a segunda (controle bibliográfico) se revela como uma série de operações que levam à criação de listas eficientes das diversas fontes de informação. A organização bibliográfica significa algo mais, pois, além de incluir todas as atividades implícitas no controle bibliográfico, abrange também o estudo dos meios de acesso à informação registrada" (DAVI, р. 8).

Reitz (c2013, tradução nossa) difere em sua definição e declara que o controle bibliográfico é:

Um termo amplo que abrange todas as atividades envolvidas na criação, organização, gerenciamento e manutenção dos registros bibliográficos que representam os itens contidos em uma coleção de bibliotecas ou arquivos, ou as fontes listadas em um índice ou banco de dados, para facilitar o acesso às informações contidas neles. O controle bibliográfico inclui a padronização da descrição bibliográfica e acesso ao assunto por meio de código de catálogo uniforme, sistemas de classificação, autoridades de nomes e títulos preferenciais; a criação e manutenção de catálogos, listas de sindicatos e auxílio para encontrar; e o fornecimento de acesso físico aos itens da coleção.

Apesar de se manter fiel ao elemento bibliográfico, ela adiciona o arquivo em sua definição, o que de certa maneira amplia o escopo do conceito. Enquanto a Association for Library Collections & Technical Services (c2019, tradução nossa), divisão da American Library Association (ALA) declara:

O controle bibliográfico é a organização de materiais da biblioteca para facilitar a sua descoberta, gerenciamento, identificação e acesso. O controle bibliográfico é tão antigo quanto as próprias bibliotecas, e nossas abordagens atuais são descendentes diretos da biblioteconomia do século XIX.

De fato, esta última pode ser considerada a abordagem mais conservadora do termo, uma vez que se dirige apenas às funções da biblioteca, deixando à margem outras instituições de salvaguarda e memória como museus e arquivos. Dada a multiplicidade terminológica e de definições, consideramos o termo "controle bibliográfico" inadequado à diversidade documental produzida pelos seres humanos e de instituições que lidam com esses documentos.

3 EM BUSCA DE UMA TERMINOLOGIA

Para iniciarmos essa discussão, vamos pensar na definição de Bibliografia trazida por Araújo (2015, p. 119):

A Bibliografia é uma disciplina constituída por interfaces teóricas e práticas que, desde sua origem, tem fundamentado o tratamento documental, seja do ponto de vista de sua descrição, classificação, circulação e mediação. Paralelamente, a Bibliografia se ocupa do mapeamento e da representação dos saberes e do conhecimento.

O controle bibliográfico, em si, é então o resultado de uma série de operações que visam organizar, tratar e disseminar a informação contida nos documentos, além de ser um mapa do conhecimento humano. Seu início se dá com a promoção das bibliografias, mas com o tempo se aprimora e outros instrumentos de controle são articulados de acordo com o tipo de instituição - daí deriva outro fato importante para a construção deste artigo: enxergar o controle, dito bibliográfico, como uma responsabilidade não só da biblioteca, mas também de museus e arquivos, uma vez que esses possuem documentos e elaboram formas de controle para seu tratamento, acesso e difusão.

No âmbito da biblioteca, o que se vê é uma maior preocupação com as normas de catalogação e que esses dados sejam intercambiáveis, montando uma rede de informações. Logo, o catálogo é uma forma de controle bibliográfico, podendo ser entendido como "Documento secundário que registra e descreve documentos (itens, reunidos permanentemente ou temporariamente" (ISO 5127) catálogo (bib), catálogo (arq). 2. Lista ordenada dos itens existentes numa coleção pública ou particular" (CUNHA, CAVALCANTI, 2008, p. 71).

Responsável por informar ao leitor o que a biblioteca possui sobre os mais diversos assuntos, títulos e autores, o catálogo pode ser de diversos tipos, variando, inclusive no nível de descrição, sendo mais específico ou mais geral de acordo com os objetivos institucionais.

Contudo, outra instituição também elabora catálogos com vistas ao controle: o museu. Seus catálogos podem se referir ao seu acervo ou a uma exposição específica, por exemplo. Reitz (c2014, tradução nossa) o define como "[...] uma lista organizada de itens de propriedade de um museu, geralmente com ilustrações acompanhadas de texto breve, para fins de identificação e descrição".

De fato, o primeiro catálogo impresso ilustrado de coleção foi realizado em 1660 por David Ternier, um pintor contratado para ser o conservador da coleção do Arquiduque Leopoldo Von Guilherme. O Theatrum Pictoricum foi publicado com 243 gravuras reproduzidas pelo próprio conservador (ARAÚJO, 2019). Assim, esse catálogo não poderia ser considerado como uma forma de controle bibliográfico? Os registros dos museus, os inventários de acervo e a catalogação de exposições não são um meio para garantir o controle da coleção, a organização da informação e facilitar sua recuperação?

Todos os mecanismos de controle visam, em suma, fazer um inventário da produção intelectual humana. Outro importante instrumento de controle leva justamente esse nome: inventário. Cunha e Cavalcanti (2008, p. 214) o definem como "Documento que relaciona e descreve, entre outros, bens patrimoniais, mercadorias, itens de arquivos. [...] Instrumento de pesquisa que fornece a descrição, mais ou menos minuciosa, de um ou mais fundos, ou de peças que os compõem".

O inventário, enquanto procedimento, é realizado periodicamente em acervos com vistas a identificar faltas, perdas, má localização de itens e até mesmo roubos. Já o inventário como produto, busca elencar todo o acervo e oferecer uma forma rápida de localizá-lo, podendo ser dividido de diversas formas conforme o objetivo a que se propõe. Em arquivos, por exemplo, o inventário é muito útil para a identificação de fundos arquivísticos e suas séries, subséries etc.

De fato, o que surgiu em fichas formato 7,5cm X 12,5cm, como os catálogos, ou livros e folhetos, como os catálogos de museus, ou ainda listas e fichas de descrição, como os inventários, têm se transmutado para bases de dados na internet. A partir de então arquivos, bibliotecas e museus puderam elaborar bases de dados para oferecer acesso ao seu acervo ou parte dele; e não estamos nos referindo somente à sua representação, mas ao conteúdo também, já que graças à digitalização é possível ter acesso ao conteúdo total do documento sem tê-lo fisicamente em mãos.

Com as bases de dados, para além do controle bibliográfico, é possível extrair informações sobre de onde são as pessoas que acessam as representações e os itens que a compõe, quais são os mais utilizados, etc. Dados esses que podem ser utilizados para o fomento ou aprimoramento de políticas institucionais.

Mas há, ainda, um problema terminológico. Mesmo se transformando, se expandindo e utilizando o espaço da web e suas ferramentas, ainda continuamos a chamar de "controle bibliográfico" essa série de operações que visa inventariar o mundo do conhecimento. A questão documental, então, emerge nos fazendo refletir sobre o alcance terminológico do termo e suas implicações.

Quando compreendemos que museus e arquivos também realizam o controle de seus acervos, com os mesmos objetivos do controle bibliográfico em bibliotecas, ou observamos as definições que extrapolam a questão bibliográfica e vem incorporando o documento (no sentido mais amplo possível) questionamos se o "bibliográfico" não seria, então, muito mais restritivo do que inclusivo.

Portanto, para abarcar uma amplitude terminológica no que diz respeito aos diversos documentos produzidos, cogitamos a possibilidade de eles serem o foco do que está sendo controlado, assim, duas opções se desvelam: "controle documental" e "controle documentário".

O dicionário Aulete ([2013]) define "documental" como aquilo que se refere "[...] a documento, ou que é fundado em documento (provas documentais)". Já o dicionário Michaelis (c2019), diz que é "1. Relativo a ou fundado em documentos. 2 Que integra ou que consta em documentos".

Já para "documentário", o dicionário Aulete ([2013]) traz a seguinte definição "[referente] a documento; que tem valor de documento", enquanto o Michaelis (c2019) diz ser o que é "Relativo a documentos. 2 Que tem valor ou caráter de documento".

Não é nossa intenção exaurir a discussão e definir qual seria o novo termo no lugar de controle bibliográfico, contudo, compreendemos que no contexto desta discussão inicial, acreditamos que o termo "controle documentário" se encaixe de forma mais apropriada em nossos objetivos, já que possui mais relação com o documento em si, enquanto "documental" parece mais atrelado ao seu conteúdo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre o termo controle bibliográfico deriva do desafio imposto a um dos autores deste artigo de ministrar a disciplina Controle Bibliográfico na Universidade [retirado para avaliação cega] para uma turma com alunos dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia.

Os docentes, sobretudo de Arquivologia e Museologia, encaravam com desinteresse a obrigação de cursar a disciplina e não se reconheciam naquela prática. Contudo, a partir das reflexões incitadas em sala de aula e no entendimento macro da terminologia, estes acabavam por compreender que o "bibliográfico" presente no título da disciplina era apenas um dos aspectos do controle.

Ademais, nossa experiência com acervos de bibliotecas nos faz questionar quanto o termo "controle bibliográfico" ainda se insere na própria Biblioteconomia, diante da diversidade documental que hoje é possível encontrar dentro das bibliotecas, superando a questão do livro. A Biblioteca Nacional (BN) ilustra tal fato, sendo esta a responsável pela preservação da memória intelectual nacional, reconhecida pela UNESCO como Agência Bibliográfica Nacional (MACHADO, 2003), seu acervo se distribui em divisões a partir da sua tipologia.

Quando observamos a sua missão, atrelada ao papel de Agência Bibliográfica Nacional, onde o controle é exercido para traçar um inventário da produção intelectual do país, percebemos que das oito divisões existentes na instituição (Cartografia, Iconografia, Manuscritos, Música e Arquivo Sonoro, Obras Gerais, Obras Raras, Publicações Seriadas e Referência), boa parte delas seria negligenciada pelo atrelamento, ainda persistente, da definição de controle bibliográfico ao livro e ao periódico. Então, como reconhecer a biblioteca somente como Agência Bibliográfica Nacional se o seu acervo é constituído de variados objetos, desde livros até pinturas?

Obviamente pode-se questionar que a Biblioteca Nacional trata-se de uma instituição ímpar, contudo, devemos observar que boa parte das bibliotecas possui mais tipologias documentais do que o livro e as publicações periódicas em seus acervos, e é na visão restrita do controle bibliográfico que reside a invisibilidade de partes consideráveis da produção intelectual humana.

Os objetos encontrados dentro de cartas, livros e periódicos também compõem o acervo da instituição. Na divisão de Manuscritos da BN é possível encontrar tufos de cabelo de princesas, bala de revólver, notas e até mesmo pelos pubianos de D. Pedro I. Em Música e Arquivo Sonoro, encontram-se rolos de pianola, discos de vinil, partituras, fitas cassete. Já os mapas, globos e atlas são guardados na divisão de Cartografia. Marca-páginas, fotografias e retratos são organizados na divisão de Iconografia da biblioteca. Esses vestígios da história nos falam com tamanho simbolismo e são considerados importantes a ponto de serem preservados em uma instituição como a Biblioteca Nacional do Brasil. Como desconsiderar, portanto, os registros desses objetos como parte do controle de documentos da BN? Sendo assim, o termo atualmente adotado é ainda raso não só para museus e arquivos, mas também para abarcar toda a complexidade das bibliotecas.

Sob este prisma, os autores se debruçaram em discussões terminológicas e enxergaram no espaço do Seminário Internacional A Arte da Bibliografia um terreno fértil para trazer esta discussão que não se pretende encerrada e muito menos unânime, mas que chama atenção para a questão do documento e a terminologia que o cerca. Além disso, pensamos ser de grande importância frisar que outras áreas exercem o controle sobre o universo do documento e, por isso, devem se enxergar como parte dessa ação.

Esperamos que ao desatrelar o "bibliográfico" - que consideramos muito mais excludente do que inclusivo - e focalizarmos o documento, seja com o termo "documentário" ou "documental", novas áreas possam se enxergar como ativas partícipes no inventário universal da produção intelectual humana, retomando o sonho otletiano.

Por fim, ao questionar a terminologia utilizada para definir a prática e a teoria do controle de documentos dentro de instituições de organização e salvaguarda do patrimônio, pretendemos iniciar um debate que almeja uma continuidade de propostas e proposições para pensar essa disciplina e efetivamente praticar a inclusão de diversos campos do conhecimento. Sendo assim, o artigo aqui proposto dá o pontapé a uma discussão que, esperamos, possa ser ainda melhor desenvolvida dentro das instituições e da universidade.

REFERÊNCIAS

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JUVÊNCIO, Carlos Henrique. Manoel Cícero Peregrino da Silva, a Biblioteca Nacional e as origens da Documentação no Brasil. 2016. 2 v., il. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.

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REYES GÓMEZ, Fermín de los. Manual de bibliografia. Madrid: Castalia Instrumenta, 2010.

NOTAS

1 Segundo o dicionário Aulete ([2013]), controle pode ser definido como: "1. Ação ou resultado de controlar; ação de exercer domínio ou comando sobre algo ou alguém".
CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
FINANCIAMENTO Não se aplica.
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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
EDITORES Enrique Muriel-Torrado, Edgar Bisset Alvarez, Camila Barros, Igor Soares Amorim, Rodrigo de Sales.

Autor notes

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA Concepção e elaboração do manuscrito: B. Duarte, C. H. Juvêncio

Coleta de dados: B. Duarte, C. H. Juvêncio

Análise de dados: B. Duarte, C. H. Juvêncio

Discussão dos resultados: B. Duarte, C. H. Juvêncio

Revisão e aprovação: B. Duarte, C. H. Juvêncio

barbaratarsiaduarte@gmail.com carloshjuv@gmail.com

Declaração de interesses

CONFLITO DE INTERESSES Não se aplica


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