Artigo original
TRAJETÓRIA E CORPORALIDADE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE BIBLIOGRAFIA: UM ESTUDO PRELIMINAR A PARTIR DO PORTAL DE PERIÓDICOS CAPES (1960-2019)
Path and corporality of scientific production on Bibliography: a preliminary study from the CAPES Journal Portal (1960-2019)
TRAJETÓRIA E CORPORALIDADE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE BIBLIOGRAFIA: UM ESTUDO PRELIMINAR A PARTIR DO PORTAL DE PERIÓDICOS CAPES (1960-2019)
Encontros Bibli, vol. 25, Esp, e73687, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina
Recepção: 09 Maio 2020
Aprovação: 20 Julho 2020
Publicado: 30 Novembro 2020
RESUMO
Objetivo: mapear a produção científica sobre Bibliografia no Portal de Periódicos da Capes, desde o ano de 1960 a 2019, buscando-se refletir sobre os direcionamentos de pesquisa que essa disciplina vem recebendo em seu arcabouço teórico.
Método: a pesquisa foi efetuada junto ao portal de periódicos da Capes, nos dias 09 e 10 de outubro de 2019, mediante unicamente a seleção de publicações (artigos) relacionadas à temática “Bibliografia”. As buscas foram editadas e personalizadas a partir do item “Buscar Assunto”, optando-se pelo refinamento no item “Busca Avançada”. O preenchimento dos campos foi limitado aos fins da investigação, utilizando-se termos específicos e operadores booleanos. Foram determinados os períodos entre 1º de janeiro de 1960 a 10 de outubro de 2019 para as buscas. A investigação apresenta abordagem qualitativa e trata-se de um estudo exploratório e descritivo executado também por meio de revisão da literatura concernente à área.
Resultado: levantou-se que as publicações sobre Bibliografia dentro de um determinado período direcionam-se mais para sua funcionalidade como ferramenta de mapeamento e representação dos saberes e do conhecimento para outras áreas, ou seja, sua aplicação como produto e atividade. No entanto, a partir das duas últimas décadas, pelo menos no que se refere às publicações científicas em forma de artigos de periódicos, nota-se um maior aprofundamento da sua esfera como campo disciplinar científico, bem como por suas interfaces teóricas.
Conclusões: este estudo limitou-se à investigação dos artigos científicos publicados nos últimos 59 anos. Nesse sentido, entende-se e sugere-se o desenvolvimento de trabalhos que tratem das publicações em diferentes formatos como em livros, bases de repertórios ou repositórios, eventos científicos, entre outras áreas de disseminação científicas e em variados períodos temporais e/ou recortes disciplinares, para preenchimento das lacunas investigativas ainda existentes. Iniciativas que fortaleceriam ainda mais o arcabouço científico da Bibliografia.
PALAVRAS-CHAVE: Bibliografia+ Produção Científica+ Estudos bibliográficos+ Bibliografia e Ciência da Informação.
ABSTRACT
Objective: map the scientific production on Bibliography in the Capes Journals Portal, from 1960 to 2019, seeking to reflect on the research directions that this discipline has been receiving in its theoretical framework.
Methods: The research was carried out at the Capes journals portal, on October 9th and 10th, 2019, using only the selection of publications (articles) related to the theme “Bibliography”. The searches were edited and personalized from the item "Search Subject", opting for refinement in the item "Advanced Search". Filling in the fields was limited to the purposes of the investigation, using specific terms and Boolean operators. Search periods were determined between January 1, 1960 and October 10, 2019. The investigation presents a qualitative approach and it is an exploratory and descriptive study also carried out through a review of the literature concerning the area.
Results: It was found that publications on Bibliography within a certain period are more directed towards its functionality as a tool for mapping and representing knowledge and knowledge to other areas, that is, its application as a product and activity. However, as of the last two decades, at least with regard to scientific publications in the form of journal articles, a greater deepening of its sphere as a scientific disciplinary field has already been noticed, as well as by its theoretical interfaces.
Conclusions: this study was limited to the investigation of scientific articles published in the last 59 years. In this sense, it is understood and suggested the development of works that deal with publications in different formats such as books, bases of repertoires or repositories, scientific events, among other areas of scientific dissemination and in different time periods and /or disciplinary cuts, to fill the remaining research gaps. Initiatives that would further strengthen the scientific framework of the Bibliography.
KEYWORDS: Bibliography, Scientific production, Bibliographic studies, Bibliography and Information Science.
1 INTRODUÇÃO
A periodicidade de produção e disseminação de estudos acerca de uma determinada área disciplinar é uma das medidas que determina o grau de amadurecimento científica desse campo.
Buscar entender o grau dessa maturidade promove o conhecimento dos elementos conceituais e sociais tão necessários para o estabelecimento definitivo das diversas áreas que compõem o escopo científico de toda ciência.
Nesse sentido traz-se à luz deste estudo um dos constructos que integram o campo disciplinar da Ciência da Informação (CI). Um campo que, inclusive, é até mesmo anterior ao desenvolvimento da CI como Ciência, mas imprescindível em ações de tratamento junto ao seu objeto de existência. Esse campo disciplinar é a Bibliografia.
A Bibliografia é uma das poucas disciplinas do campo do tratamento documental que é conhecida por ter surgimento posterior aos objetos que designa, tais como os registros de listas e repertórios. Nesse sentido, sua história é rica e integrada por muitas particularidades no que se refere ao seu desenvolvimento. Segundo Araujo (2015, p.119):
A Bibliografia é uma disciplina constituída por interfaces teóricas e práticas que, desde sua origem, tem fundamentado o tratamento documental, seja do ponto de vista de sua descrição, classificação, circulação e mediação. Paralelamente, a Bibliografia se ocupa do mapeamento e da representação dos saberes e do conhecimento.
Assim, esta investigação tem como objetivo mapear a produção científica sobre Bibliografia no Portal de Periódicos da Capes, desde o ano de 1960 a 2019, buscando-se refletir sobre os direcionamentos de pesquisa que essa disciplina vem recebendo em seu arcabouço teórico.
Dessa forma, questiona-se: “Como tem sido desenvolvida a produção científica acerca da Bibliografia nos periódicos científicos da área de Ciência da Informação e outras áreas e quais os direcionamentos essa disciplina está recebendo em seu arcabouço teórico”?
Salienta-se que estudos de natureza similar já foram realizados, com algumas distintas peculiaridades em relação a este. Em trabalho publicado em meados de 2019, Crippa e Damian (2019) trouxeram à luz a evolução do conceito de Bibliografia no Brasil em relação a outros países. Essas autoras analisaram 35 artigos publicados entre 2014 e 20181 que exploraram os elementos que desenham o domínio por meio da produção sobre o tema, e nele estão presentes as dimensões teórico epistemológicas, tecnometodológica e sociopolítica da Bibliografia. Outro trabalho que trata da produção científica da Bibliografia é o de Bufrem (2019). Nesse estudo, a pesquisadora descreve as concepções teóricas e as atividades concretas relacionadas ao domínio da Bibliografia no Brasil. Para realizar o estudo a autora pesquisou 280 artigos indexados na Base de Dados em Ciência da Informação (Brapci). Bufrem explorou o perfil dos pesquisadores, temas e influências da CI na área da Bibliografia dentro de um caráter diacrônico. Por fim, também é importante salientar que este estudo diferencia-se da pesquisa de Fonseca (1973) considerando que em sua investigação “Bibliografia Estatística e Bibliometria: Uma Reivindicação de Prioridades” o autor roga pela necessidade dos autores de países latinos colocarem-se de sobreaviso contra omissões de trabalhos escritos em suas línguas por autores ingleses de estudos recapitulativos.
Nesse sentido, nota-se que os estudos que têm sido prospectados acerca da produção científica da Bibliografia carregam diferenças específicas que agregam riquezas diversas e somam no conhecimento da área. Resta evidenciado, portanto, que neste estudo o destaque volta-se para um período limitado e busca os direcionamentos da produção científica acerca da Bibliografia especificamente no contexto da Ciência da Informação, por isso a escolha pelo período informado. Esse é um destaque relevante de se fazer, pois é essencial relembrar que a Bibliografia é anterior até mesmo à definição dela mesma. Assim a busca no Portal da Capes, apenas em artigos e dentro de um período limitado, buscou explorar as características, os enlaces e os aprofundamentos das perspectivas e construções teóricas que tiveram maior alvo de pesquisas relacionado ao tópico.
Reflete-se que a literatura científica de uma área “[...] se constitui como um dos elementos que contribui decisivamente para a sua formação e desenvolvimento.” (LEITE et al, 2016, p.152). E, embora busque inicialmente um levantamento numérico relativo às publicações, considera-se que este estudo tem abordagem mais qualitativa por intender refletir muito mais sobre os direcionamentos da pesquisa em Bibliografia do que unicamente quantificá-los; trata-se de um estudo exploratório e descritivo e será executado também por meio de revisão da literatura concernente à área.
2 INVESTIGAÇÕES SOBRE BIBLIOGRAFIA: AUTORES E CONCEITOS
A Bibliografia como prática remonta os anos anteriores à Cristo na Terra e é sabido que já havia técnicas bibliográficas antes mesmo de sua disseminação no Mundo. Entretanto, é na Europa Moderna de Conrad Gesner que se postula e se busca uma sistemática bibliográfica, em grande parte decorrente do fenômeno da tipografia gutenberguiana.
Louise Nöelle Malclès, Alfredo Serrai, Luigi Balsamo, Rudolf Blum, Andrea Capaccioni, Attilio Mauro Caproni, Fiammetta Sabba, Giulia Crippa etc. figuram entre alguns dos autores estrangeiros que têm contribuído para uma longa trajetória de pesquisa no campo bibliográfico.
No Brasil autores como Andre Vieira de Freitas Araujo, Gustavo Saldanha, Marilda Lopes Ginez de Lara têm estudado seus conceitos, contextos e princípios, suas tradições e questões e notadamente sua arte, técnicas e tecnologias.
Muitos de seus estudiosos postulam que conceituar e refletir sobre a Bibliografia ainda é uma vertente complexa e que necessita constantes investigações. Nesse sentido há um forte papel das pesquisas, pois essas têm, segundo Araujo, Crippa e Saldanha (2015) - em seu trabalho sobre o I Seminário Internacional sobre A Arte da Bibliografia - a preocupação de retirar a Bibliografia dos limites de práticas que a despojaram da riqueza simbólica que lhe é própria. Os autores (2015) também deixam claro que o debate sobre a Bibliografia na contemporaneidade é fundamental por ter uma necessidade de se reverter o quadro de a-historicidade informacional e - remetendo ao pensamento de Serrai (2001) - adicionam o fato da disciplina ainda requerer “refundação teórica essencial”.
Desse modo, e refletindo-se sobre seus diversos conceitos clássicos e contemporâneos, salienta-se que, Lara (2018) já afirmou ser Bibliografia um termo polissêmico e que conjuga inúmeras facetas que não conduzem a um termo único e consensual. Entretanto, há um consenso nuclear lembrado por essa autora o qual reitera que a Bibliografia é um repertório de livros e mais modernamente também de documentos em geral.
Há diferenças temporais no que concerne ao trabalho bibliográfico; o termo Bibliografia e o seu conceito como prática e campo disciplinar/ciência. Sobre o tipo de documento, Lara (2018) lembra que esse já existia sob a forma de manuscritos na Antiguidade e na Idade Média e que a primeira bibliografia sistemática publicada foi a de Johannes Trithemius em 1494. Com relação ao surgimento do termo, a autora afirma que esse é atribuído a Gabriel Naudé e Louis Jacob (1627 e 1643). Já o pioneirismo bibliográfico e a fundação da disciplina se atribuem a Conrad Gesner, polímeta, cientista, erudito e bibliógrafo do período moderno o qual desenvolveu a Bibliotheca Universalis no século XVI (ARAUJO, 2015). Assim, triplamente caracterizado o termo Bibliografia é um termo que caracteriza um produto, uma atividade e um campo disciplinar (LARA, 2018). Balsamo (1990, p. 1) destaca que a Bibliografia:
It is usually identified with the compilation and use of "lists of books" which have been prepared according to various standards of selection for conveying information and for research. The definitions given by diccionaries or handbooks usually do not go beyond a factual description of bibliography in its utilitarian aspects and generally ignore its historical dimension. Bibliography has therefore come to be seen primarily in pratical terms, in relation to its immediate application2.
Serrai (2001) apud Araujo (2015, p. 496) define a Bibliografia como “[…] mãe de todas as disciplinas que estão envolvidos na organização e estruturação da comunicação escrita - no passado e no futuro, registradas e transmitidas […]”. Crippa (2016) traz à tona a relação da arte, da técnica e da tecnologia que permeiam a Bibliografia e do “gesto bibliográfico” como a práxis dos fazeres bibliográficos, ou seja, o conjunto das teorias e das práticas bibliográficas, cruzamento entre o conceito com os fazeres da Bibliografia. A autora cita Balsamo (1995) que considera a Bibliografia como atividade conjunta entre a coleta da documentação e a organização da informação, bem como um campo que estuda os processos de mediação entre os usuários e os documentos; e defende a faceta de organização dos registros realizada pela Bibliografia como uma arte e que toda essa configuração foi alterada pelo advento da impressão e das tecnologias digitais.
Assim, com a propagação dos registros impressos a partir do advento de Gutenberg, e com a progressiva aceleração do número de livros disponíveis e consequente interesse pelo documento impresso, ocorreram mudanças culturais profundas na Europa e na Europa Moderna e a Bibliografia se estabeleceu definitivamente como disciplina que alicerça e alimenta teórica e metodologicamente os sistemas e procedimentos para registro, descrição, classificação, indexação e mediação documentária (ARAUJO, 2018).
Dessa forma, ainda segundo Araujo (2018, p. 19):
Sob a ótica histórico-informacional, a necessidade de circulação, leitura e apropriação do impresso impõe demandas como o mapeamento documentário e a busca por estratégias para localização de informações no interior dos textos. Estamos aqui diante dos desafios relativos à “gestão e recuperação da informação” no início da Europa Moderna.
E, embora a Bibliografia preceda a Documentação, a Biblioteconomia e a Ciência da Informação (ARAUJO, 2015), ainda na contemporaneidade, tem relação estreita com todas elas no que concerne à organização, representação, mediação e demais ações que envolvem essas três áreas.
Assim, a partir dessa relação fronteiriça com campos disciplinares semelhantes é que se estabelece a possibilidade de um debate e de interações dialógicas - como já afirmou Araujo, Crippa e Saldanha (2015, p. 496) - “[…] de forma transversal com e a partir de outras áreas do conhecimento”.
Em outros termos, o foco, por exemplo, da Ciência da Informação nas relações entre Ciência e Tecnologia seria, claramente, uma especialização da ampla fortuna crítica e aplicada dos estudos bibliográficos […]. O estudo e a reflexão sobre a Bibliografia pode se desenvolver no percurso da pesquisa bibliográfica/documental e por meio de experiências empíricas e coletivas que estimulem o encontro e a troca entre atores interessados no pensamento bibliográfico (ARAUJO, CRIPPA, SALDANHA, 2015, p.496).
É nesse sentido que este estudo busca atuar, ao traçar esses relacionamentos e mapear como tem sido desenvolvida a produção científica acerca da Bibliografia nos periódicos científicos da área de Ciência da Informação e determinar os direcionamentos que essa disciplina está recebendo em seu arcabouço teórico.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Quanto à sua abordagem esta investigação é qualitativa. Segundo Minayo (2000, p.48), as pesquisas qualitativas podem ser então compreendidas como "aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas".
Por sua vez, quanto aos seus objetivos esta investigação é exploratória e descritiva. No sentido exploratório visa proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. As pesquisas descritivas possuem como objetivo a descrição das características de uma população, fenômeno ou de uma experiência (GIL, 2008).
A pesquisa bibliográfica será utilizada e, segundo Gil (2008), a principal vantagem dessa modalidade está no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente.
A busca foi efetuada junto ao portal de periódicos da Capes, nos dias 09 e 10 de outubro de 2019, mediante seleção de publicações relacionadas à temática “Bibliografia”. As buscas foram editadas e personalizadas a partir do item “Buscar Assunto”, optando-se pelo seu refinamento no item “Busca Avançada”, determinando os campos “título”, “assunto”, “data de publicação”, “tipo de material”, "idioma” e “datas”. Os itens assunto e título foram preenchidos com o termo “bibliografia” com os operadores booleanos “contém” e “and” em ambos os casos. Para o campo “Data de Publicação” foi feita a opção pela busca em “qualquer ano”, porém nos campos “data inicial” e “data final” foram determinados os períodos entre 1º de janeiro de 1960 a 10 de outubro de 2019, considerando ser esse o período em que os estudos da Bibliografia apresentam-se mais inseridos no campo da Ciência da Informação. Sobre o “Tipo de Material” selecionou-se unicamente os “Artigos” e para o “idioma” optou-se pela busca em “qualquer idioma”.
4 A TRAJETÓRIA E CORPORALIDADE (1960-2019)
Findadas as buscas no Portal de periódicos da Capes conforme metodologia descrita no item 3 deste estudo, o corpus da pesquisa resultou em um levantamento de 135 artigos de periódicos “revisados pelos pares”, cujo “título” e o “assunto” contêm o termo “Bibliografia”.
Esses artigos estão publicados nos idiomas espanhol, inglês, português, italiano, alemão, catalão e polonês, em diversos títulos de periódicos em diferentes países.
Conforme já mencionado, concomitante à coleta numérica dos dados da pesquisa, pretendia-se refletir principalmente acerca dos direcionamentos das publicações sobre a disciplina de Bibliografia e levantar algumas das perspectivas e construções teóricas que têm sido prospectadas de forma geral no decorrer dos últimos 59 anos, considerando os títulos das pesquisas na área.
Embora não seja possível definir com refinada precisão esses direcionamentos por meio de uma pesquisa ainda não aprofundada, foi possível refletir e verificar alguns pontos importantes relativos às investigações que tratam a Bibliografia no contexto da Ciência da Informação. Assim, observou-se que o assunto “Bibliografia” é um tema recorrente nas pesquisas, notadamente em países europeus, dado os idiomas Espanhol, Italiano, Alemão, Catalão e Inglês serem os mais comuns, além do Português. Percebeu- se que há uma proatividade frequente de produções no que concerne o seu papel instrumental, por meio de sua atividade como ferramenta relacional e de representação dos saberes e do conhecimento de outras áreas. O quadro ilustrativo faz uma síntese dos resultados.

Chama a atenção, por exemplo, na década de 1960, os levantamentos bibliográficos sobre Educação publicados por instituições colombianas em artigos da área da Ciência da Informação, como exemplos Escobar (1961), Friede (1961), Ospina (1963), Carranza (1965), Franqué (1969) o que demonstra a arte bibliográfica em seu escopo mais técnico. Esse direcionamento da Bibliografia nessa década sobre a descrição dos livros, pode ser confirmada no texto introdutório da obra de Carranza (1965, tradução nossa):
Quem disse que a cidade dos livros era uma cidade morta, um panteão amarelo? Devemos esquecer a atratividade quase feminina que esses breves corpos de papel exercem, tiranicamente, em nosso cérebro e coração. Que vida vibrante e pulsante, a de uma assembléia de livros! Que tremendo concerto de vozes, de música, de silêncios, no contexto de uma biblioteca.
A partir de 1970 nota-se uma maior frequência das discussões sobre Bibliografia em trabalhos publicados no Brasil, tanto a tratando como ferramenta para outras áreas do conhecimento - ao se desenvolverem bibliografias como listas de livros, portanto em seu aspecto mais técnico e repertorial - mas também discussão acerca dos seus aspectos como forma de organização e representação da informação. Exemplos são os trabalhos publicados por Fonseca (1972) e de Célia Zaher e Hagar Espanha Gomes (1972). O trabalho de Fonseca (1972, p.9) deixa explícito em seu artigo, já ao apresentar em sua sinopse, que se trata de uma bibliografia que explora a “Definição e importância das bibliografias nacionais correntes e evolução do problema no Brasil, através de iniciativas governamentais e particulares. O depósito legal e sua atualização. Características das bibliografias até agora produzidas e perspectivas para o futuro”.
A partir dos anos 1990 percebe-se uma intensificação das publicações que tratam da Bibliografia, mas notadamente como ferramenta técnica para levantamentos de obras de áreas e campos científicos, disciplinares e acadêmicos. Nesse sentido observam-se publicações na língua espanhola em sua maioria. Um exemplo é a “Libros de arte en bibliotecas de artistas españoles (siglos XVI-XVIII): aproximación y bibliografía” de Ramon Soler Fabregat (1995) que se trata de uma exploração de um banco de dados de cerca de 600 obras da área artística espanhola entre os anos 1358-1812. Seus campos levantados são: nome, profissão, cidade, data, bibliografia dos inventários publicados, conteúdo da biblioteca dentro de um escopo que buscou relacionar a teoria da arte, a arquitetura, as biografias de artistas, os retratos, as topografias e as viagens, além de sua anatomia, tecnologia de oficina, moral da arte, mitologia e emblemas. Ou seja, um levantamento bibliográfico minucioso.
São nos anos 2000 que se pode considerar, além do aumento numérico, também alguns estudos com foco e aprofundamento mais teórico-científico e epistemológico de publicações sobre Bibliografia. Nesse período do levantamento, observou-se a publicação de 53 artigos cujo título e assunto contêm o termo. Destaca-se nesse intervalo um estudo sobre as dimensões cognitivas da Bibliografia de Menesses Tello (2007) e dois estudos de Andréa Capaccioni (2008; 2006). Este autor, na sua obra “Mapas y memorias. Apostillas a una história de la Bibliografía” argumenta que a bibliografia contribui para salvaguardar a memória do conhecimento, entretanto, não exerce apenas a faculdade que permite manter e recuperar em mente as notícias relacionadas aos livros. A bibliografia teve a tarefa de codificar e organizar os dados e conceitos coletados dos documentos sujeitos à sua triagem. Criar índices é uma de suas funções peculiares. Com o passar dos séculos, a referência bibliográfica adquiriu a aparência hoje conhecida (CAPACCIONI, 2006).
Mas, foram nos últimos dez anos que a Bibliografia passou a ser mais discutida na esfera de sua gênese e da sua epistemologia no contexto da Ciência da Informação e em suas características científicas. Entre 2010 a 2019 verificaram-se nesta investigação 52 artigos publicados que tratam desde sua instrumentalização técnica até o seu entendimento como constructo de conhecimento da sociedade. Autores como Caproni (2015), Araujo (2017), Ortega e Carvalho (2017) são os destaques nessa década. Em estudo publicado no ano de 2017, intitulado “O papel da Bibliografia na construção do conhecimento em Ciência da Informação: o caso da Escola de Ciência da Informação da UFMG”, Ortega e Carvalho caracterizam a Bibliografia enquanto disciplina do campo da Ciência da Informação e argumentam-na como disciplina estrita, mas também como estudos sobre o sistema bibliográfico, na perspectiva de dispositivo elaborado para funcionar como proposta de percurso cognitivo sobre documentos, com o fim de contribuir para fomentar o uso qualificado da informação, promovendo a inserção cultural do sujeito no mundo informacional (ORTEGA; CARVALHO, 2017).
Os resultados desta pesquisa, mesmo que não tão amplos e profundos como os estudos de Crippa e Damian (2019), e de Bufrem (2019), convergem nos aspectos demonstrativos que as investigações sobre a Bibliografia no decorrer do tempo passaram por fases um tanto distintas. Notam-se abertamente as etapas em que os direcionamentos dos estudos estiveram mais centrados nas variantes técnicas (seu fazer biblioteconômico), passando para a variante da teoria do conhecimento (sua gênese, desenvolvimento, razão, história e arte) e na fase que há sua aplicação nas áreas humanas e sociais (intervenções institucionais nos interesses coletivos). Por alguns momentos esses direcionamentos se misturaram brevemente, mas, de forma geral, percebe-se, na produção científica sobre Bibliografia no período englobado no estudo, uma separação temporal quase que nítida, notadamente até o findar do século XX e o início do século XXI, nos quais os estudos de ordem instrumental (tecno-metodológica) gradativamente ampliam o espaço às investigações de ordem teórico-epistemológicas.
Observa-se que uma fase não prescinde de outra, pois no aprofundamento de uma vertente as outras acabam por estar incluídas. E para que se explore determinada nuance são naturalmente necessárias movimentações e até mesmo imersões nas demais vertentes. Por esse motivo, observa-se que as investigações sobre Bibliografia sempre estiveram permeadas pelas dimensões que a compuseram e seguem construindo-a desde a Antiguidade. O arcabouço que preenche a Bibliografia é rico e interminável tal e qual a sua existência para o desenvolvimento da humanidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Toda ciência se constrói a partir de sua institucionalização, de suas publicações no âmbito científico e profissional, bem como por meio da interação dialógica que essa área desenvolve junto a outras ciências. E, embora os primeiros registros bibliográficos remontem à Antiguidade e à Idade Média, é aproximadamente há seis séculos que a Bibliografia passou a ser discutida dentro de sua polissemia e riqueza científica.
A partir do entendimento da demanda emergente em se registrar a produção literária e a necessidade de se estabelecerem métodos e comportamentos para a interação junto à expansão da informação, a Bibliografia encontrou espaço para promoção de seu fortalecimento no berço da Ciência da Informação. Assim, é compreensível que somente em meados dos anos sessenta que os debates em relação à Bibliografia passem a ser mais disseminados.
No Brasil o cenário de discussões e constructos epistemológicos encontra campo nas universidades, instituições e associações de pesquisa da área da informação, nos eventos promovidos por essas organizações, bem como nas instâncias de publicação científicas. Nesse sentido, este estudo buscou investigar a esfera de disseminação da cientificidade da Bibliografia unicamente em publicações periódicas de aproximadamente nos últimos sessenta anos.
Pelo panorama geral, percebeu-se que os estudos relativos à Bibliografia se fizeram mais notadamente pelo seu escopo instrumental e técnico, ou mais especificamente por meio de sua funcionalidade como ferramenta de mapeamento e representação dos saberes e do conhecimento para outras áreas, ou seja, sua aplicação como produto e atividade. No entanto, a partir das duas últimas décadas, pelo menos no que se refere às publicações científicas em forma de artigos de periódicos, já se percebeu um maior aprofundamento da sua esfera como campo disciplinar científico, bem como por suas interfaces teóricas.
Assim, sugere-se que futuros estudos possam transcender esse escopo das publicações periódicas em formato de artigos, promovendo um levantamento acerca das produções de livros, bases de repertórios ou repositórios, eventos científicos, entre outras áreas de disseminação científicas, ampliando inclusive os espaços temporais e os recortes disciplinares, para preenchimento das lacunas investigativas ainda existentes. Iniciativas que fortaleceriam ainda mais o arcabouço científico da Bibliografia.
REFERÊNCIAS
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Notas
Autor notes
Coleta de dados: D. A. O. Gardin, A. V. F. Araujo
Análise de dados: D. A. O. Gardin, A. V. F. Araujo
Discussão dos resultados: D. A. O. Gardin, A. V. F. Araujo
Revisão e aprovação: A. V. F. Araújo
dany@unicentro.br armarius.araujo@gmail.com
Declaração de interesses