Resumo: O presente trabalho procura examinar a aplicação do Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas enquanto instrumento da soft law proposto para contrariar a concorrência fiscal internacional. A este respeito, o objetivo é obter o significado da soft law, caracterizando esta normativa na função do contexto da União Europeia. Por outro lado, o artigo analisa o fenómeno da concorrência fiscal entre os países do mundo globalizado, identificando a concorrência europeia nesta área, bem como examinar o contexto histórico que deu a origem ao Código de conduta, na sua aplicação e pratica efetiva.
Palavras-chave:Concorrência fiscal internacionalConcorrência fiscal internacional,Soft lawSoft law,União EuropeiaUnião Europeia,Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresasCódigo de conduta no domínio da fiscalidade das empresas.
Abstract: The present work aims to examine the application of the Code of Conduct for business taxation as an instrument of soft law proposed to combating international tax competition. In this sense, the objective is to get a meaning for the soft law, characterizing its normative function in the context of the European Union. On the other hand, the article disposes about the phenomenon of tax competition among the states in the globalized world, identifying European competence in this area, as well as examines the historical context that gave origin to the Code of conduct, its application and practical efficiency.
Keywords: International tax competition, soft law, European Union, Code of Conduct for business taxation.
Résumé: Le présent travail vise á examiner l'application du Code de conduite dans le domaine de la fiscalité des entreprises comme un instrument de soft law qui se propose de lutter contre la concurrence fiscale internationale. Dans ce cas, l'objectif est d'obtenir un sens de soft law, caractérisant sa fonction normative dans le cadre de L'Union européenne. D'autre part, il se dispose sur le phénoméne de la concurrence fiscale entre les Etats dans le monde globalisé, en s'identifiant les compétences européennes dans ce domaine, ainsi que examine le contexte historique qui a donné lieu á l'élaboration de ce code de conduite, son application et son efficacité pratique.
Mots clés: La concurrence fiscale internationale, la soft law, L'Union Européenne, le Code de conduite dans le domaine de la fiscalité des entreprises.
Resumen: El presente trabajo busca examinar la aplicación del Código de conducta sobre la fiscalidad de las empresas como un instrumento de la soft law propuesto para contrarrestar la competencia fiscal internacional. En este sentido, el objetivo es obtener el significado de la soft law, caracterizando esta normativa en función del contexto de la Unión Europea. Por otra parte, el articulo analiza el fenómeno de la competencia fiscal entre los países del mundo globalizado, identificando la competencia europea en esta área, así como también examinar el contexto histórico que dio origen a el Código de conducta, en su aplicación y efectiva práctica.
Palabras clave: Competencia fiscal internacional, Soft law, Unión Europea, Código de conducta sobre la fiscalidad de las empresas.
Artículos
O papel da soft law perante a concorrência fiscal internacional: o código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas.
The role of soft law before the international tax competition: the code of conduct for business taxation
Le rôle de la soft law contre la concurrence fiscale internationale: le code de conduite dans le domaine de la fiscalité des entreprises
El papel de la soft law ante la competencia fiscal internacional: el Código de conducta en el dominio de la fiscalidad de las empresas

Recepção: 18 Maio 2015
Aprovação: 14 Março 2016
A proposta de trabalho baseia-se no papel desempenhado pelo Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas enquanto instrumento de soft law perante a concorrência fiscal internacional. Utilizam-se, para tanto, referências doutrinárias, o Tratado sobre o funcionamento da União Europeia2, o Código de conduta3, assim como a Comunicação da Comissão No. 3844.
No que diz respeito ao desenvolvimento do tema objetiva-se, primeiramente, obter um significado da soft law como instrumento normativo que permanece na ordem jurídica em convivência com a hard law. Nesse contexto, caminha-se para a diferenciação de ambas as categorias através das suas principais características. Importa alcançar o propósito da existência da soft law tendo em conta, essencialmente, seu papel como norma no quadro da União Europeia.
Em seguida, o foco mantém-se direcionado à compreensão da concorrência fiscal internacional, por "analogía com a concorréncia interempresarial, Conforme Santos (2003a) explica,
num sentido mais alargado, pode, pois, dizer-se que a concorrência com incidência na vida econômica não se processa apenas no terreno da atividade empresarial, mas também no campo da ação institucional. Existe, particularmente entre Estados (por vezes regiões ou administrações autônomas do mesmo Estado), uma concorrência nas relações interestaduais que se manifesta no plano das instituições, em particular, da própria ordem jurídica e que tem reflexos muito importantes na criação de condições de competitividade das empresas. (pp. 158; 161).
Propõe-se, então, salientar, num primeiro momento, as imposições advindas desse fenómeno no mundo globalizado. A partir daí, segue-se para a consideração dos seus contornos mais relevantes, como forma de estabelecer uma perceção coerente.
Em relação à concorrência fiscal no contexto da União Europeia a abordagem prende-se, unicamente, com a fiscalidade direta sobre as empresas. Os Estados-membros são soberanos, nesse ámbito, e podem vetar eventuais propostas fiscais com as quais não concordem -regra da unanimidade- (Santos, 2003b, p. 99); (Mota, 2012, p. 52). Em sede indireta fiscal o objetivo da União permanece na manutenção da livre circulação das mercadorias e serviços (Oliveira, 2011, p. 382); (Santos, 2003b, pp. 92-95). O estabelecimento do mercado comum acabou por acentuar, segundo Santos (2003b), a necessidade de "neutralizar os fatores de distorção originados pelas formas indiretas de tributação, nomeadamente as que recaem sobre os preços" (p. 95). Nesse intuito, evidencia-se alguma harmonização na tentativa de aproximar os sistemas fiscais dos Estados (Oliveira, 2011, p. 382); (Santos, 2003b, pp. 92-95; 382); (Nabais, 2003, p. 71); (Anastácio, 2006, pp. 57-58).
Por outro lado, o debate da concorrência fiscal não constitui tema apenas enquadrado no direito europeu. Efetua-se, primeiramente, uma discussão geral no sentido de alcançar os seus principais aspetos, delineamentos e possíveis efeitos. No mundo globalizado o tema da competição no campo da fiscalidade emerge como imprescindível para todo e qualquer Estado.
No que toca à Uniáo Europeia interessa verificar, desde logo, de que forma o Direito originário estabelece a matéria em termos de competência. Tenciona-se compreender como a Comissão e Estados-membros procuraram lidar com a concorrência fiscal prejudicial. Considera-se o tema da concorréncia fiscal enquanto problema para os objetivos da União, assim como o contexto histórico que deu origem ao Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, constituído como soft law. Procura-se, igualmente, analisar tal instrumento, suas regras, bem como alcançar referências práticas que evidenciem sua eficiência no combate à concorrência fiscal prejudicial. Nesse sentido, qualquer referência ao regime dos auxílios de Estado5 visa, unicamente, compreender a ideia da sua remissão feita no Código6.
A soft law constitui um instrumento presente nas mais diversas áreas do Direito Internacional. Embora o termo tenha sido utilizado por McNair em 19307 sua proliferação deu-se após a Segunda Guerra Mundial, tendo em conta o aparecimiento de novos atores no cenário universal (Oliveira & Bertoldi, 2012, p. 6291); (Rodrigues, 2011, p. 27).
No que diz respeito ao seu significado interessa salientar, desde logo, que a referência à soft law, por um lado, importa a consideração da hard law, por outro. A doutrina ressalta, no primeiro caso, a existência de regras denominadas flexíveis na medida em que não vinculam e, portanto, não podem ser impostas. Em contraste encontram-se as demais normas jurídicas estabelecidas como "imperativas, coercivas e tuteladas"8.
Nesse contexto, ambas as categorias normativas coexistem na ordem jurídica, ainda que individualizadas por intermédio da sua própria natureza. A soft law mantém-se como regra que vigora no ordenamento, apesar da sua incapacidade de impor-se como a hard law em caráter vinculativo. Tal inaptidão advém do fato de que não foi adotada através do processo formal estabelecido para constituição de uma norma jurídica (Hachez, 2010, p.19); (Trubek D. M. & Trubek L. G., 2005, p. 363); (Gersen & Posner, 2008, p. 18).
Contudo, isso não significa que o Direito designado como flexível não seja eficiente na produção de resultados (Rodrigues, 2011, p. 13); (Gersen & Posner, 2008, p. 4); (Snyder, 1993, p. 32); (Senden, 2005); (Guzman & Meyer, 2010, p. 175). Sua existência pressupõe, por vezes, a busca de uma efetividade em áreas exigentes de um dinamismo difícilmente alcançado através da hard law (Schelkle, 2007, p. 176); (Rodrigues, 2011, p. 26); (Silva, 2010, pp. 74- 75); (Rubio, 2007, p. 604); (Gersen & Posner, 2008, p. 24). A soft law afirmase, assim, segundo Snyder, como conjunto de "regras de conduta que, em princípio, não têm forca vinculativa mas que, no entanto, podem ter efeitos práticos" (1994, p. 198) (1993, p. 32)9.
A utilização da soft law não representa novidade no quadro da União Europeia segundo ressalva a doutrina (Snyder, 1994, p. 199; 203). Ao longo do processo de integração é possível constatar um aumento da sua incrementação (Senden, 2005); (Schafer, 2006, p. 195); (Rodrigues, 2011, p. 29). O próprio Tratado sobre o funcionamento da União Europeia consagra, no artigo 288, a sua existência quando determina que "as recomendações e os pareceres não são vinculativos".
Por outro lado, evidencia-se um alargamiento da soft law através da utilização de formas atípicas que, embora não previstas, permanecem na prática. Rodrigues explica que, apesar da sua crescente utilização, não há regulação jurídica da soft law:
[...] a única disciplina expressa e medianamente sistémica da matéria da soft law emerge da União Europeia, encontrando-se contida na Resolução do Parlamento Europeu, de 4 de setembro de 2007, sobre as implicações institucionais e jurídicas da utilização dos instrumentos de soft law. Porém, embora reconhecendo a existência da designada soft law, e atribuindo-lhe mesmo natureza jurídica, o que nela se observa é uma oposição frontal e determinada. Oposição liderada pelo Parlamento Europeu, órgão de representação da globalidade dos cidadãos dos Estados-membros -mais do que dos cidadãos europeus- contra o principal mentor, utilizador e beneficiário da soft law, a Comissão Europeia. Mais relevante do que isso, embora emanada do Parlamento Europeu, a referida Resolução sobre a soft law é, ela própria, soft law. Não é Direito, nem Direito da União Europeia. É não imperativa, não coerciva e não tutelada pelos Tribunais da União Europeia. não conduz a qualquer limitação jurídica da soft law pelo Direito da União Europeia, ou, de outro ângulo, da Comissão Europeia ou do Conselho da União Europeia pelo Parlamento Europeu. Derradeiramente, não só essa Resolução do Parlamento Europeu não assume natureza jurídica, como não é líquido que possa entender-se como normativa. Não é líquido que seu conteúdo reflita a existéncia de quaisquer regras ou comandos, ainda que não jurídicos. De onde se conclui que, também no Direito da União Europeia inexiste, afinal, qualquer regulação jurídica da soft law (2011, p. 29; 33).
Paralelamente corrobora-se a tese de que a expansão da soft law decorre, também, da crescente interdependência entre os Estados resultante do fenómeno da globalização. Neste sentido, Rodrigues acrescenta que "as causas complementares do desenvolvimiento da soft law... são as resultantes da cada vez maior complexidade técnica dos problemas e desafios a que faz face á comunidade internacional contemporãnea, com as inerentes dificuldades em sede de regulaão jurídica" (2011, p. 28).
Nesse sentido, é possível constatar a viabilidade da soft law, como fazem referência Rodrigues (2011) e Senden (2005), por exemplo, em áreas de atuação não exclusiva da União, como é o caso da fiscalidade direta. A partilha de competência com os Estados-membros pressupõe, necessariamente, uma atividade conjunta. Tal coordenação acarreta a ponderação entre interesses diversos, conflituantes e, muitas vezes, não se possibilita o consenso necessário á criação da hard law. O impasse acaba por ser desfeito por intermédio do Direito flexível, que comporta realidades e conveniências distintas dos Estados (Schafer, 2006, pp. 195-197); (Gersen & Posner, 2008, p. 16); (Senden, 2005); (Guzman & Meyer, 2010, p. 176); (Trubek D. M., Conttrell & Nance, 2005, pp. 3-4).
A compreensão da concorrência fiscal importa a consideração, por um lado, da ideia de que um mercado competitivo pressupãe a concorrência entre as empresas pela qualidade dos produtos, pelos preços, etc. Por outro lado, interessa a perceção de que a própria existência de diversos sistemas fiscais entre os Estados constituiria, segundo Santos (2009b), "um fator favorável à preferência das empresas e dos investidores, na sua permanente busca de reduzir custos, pelo sistema fiscal mais vantajoso" (p. 161). Adicionalmente, este autor acrescenta:
para além disso, as políticas fiscais estaduais (ou regionais), ao serem conscientemente usadas para criação dum ambiente económico competitivo, traduzindo em benefícios, facilidades ou incentivos destinados à atração de empresas e de investimento, conduziriam normalmente. a uma certa competição entre Estados (p. 161).
É crível ressaltar, perante tal contexto, que a globalização, com a abertura dos mercados e a internacionalização das economias, determinou uma maior interdependência entre os Estados10. Os avanços tecnológicos nas áreas das comunicações e dos transportes, bem como a constatação da mobilidade dos fatores de produção, constituem elementos que acentuam uma disputa fiscal estatal11. Diante disso, Santos (2009b) afirma que, "a deslocalização de atividades, a mobilidade de fatores estão cada vez mais ligados ao desenvolvimento da sociedade de informação" (p. 171). Adicionalmente, o autor refere que a revolução digital tem como duas consequências, quais sejam, a desintermediação e desmaterialização da atividade econêmica. Por isso, considerar a mundialização significa não esquecer que tais efeitos ameaçam perturbar a legislação tributária e as relações entre empresas (contribuintes) e administraçes fiscais (2009a, p. 42; 51).
Nesse sentido, corrobora-se a afirmação de que, no plano internacional, a concorrência fiscal pode ser vista como "uma situação na qual as decisões dos Estados são interdependentes e engendram efeitos fiscais externos", Segundo apresenta Santos em suas diferentes publicações. Seguindo con este autor, na prática, as medidas estabelecidas por um Estado, dentro do âmbito do seu sistema de fisco, podem refletir-se na afetação das receitas de outro ente estatal.
A presença de entidades governamentais distintas em sede de fiscalidade (as jurisdições) impóe, por si própria, certo grau de concorrência fiscal (Santos, 2009a, p. 44-45). Tal fenómeno, como diz Santos, assume-se de forma "inerente à coexisténcia de múltiplos sistemas fiscais autônomos" (2009b, p. 163). Segundo acrescenta o autor,
Essa diversidade não decorre apenas da estrutura económica ou nível de desenvolvimento de um dado país, mas também da sua história política, da sua cultura técnica e administrativa. Ela existe mesmo dentro de grandes espaços económicos integrados ou em vias de integração onde, em princípio, os Estados que lhes dão corpo partilham um sistema de valores relativamente homogéneo (2009a, p. 187).
Nesse cenário, é possível ponderar em que sentido, positivo ou negativo, os efeitos de tal competição podem ser verificados.
A concorrência fiscal pressupóe que os Estados possam procurar, em tese, "racionalmente através da oferta de vantagens ou facilidades na fiscalidade, atingir um nível de competitividade elevado para 'comprarem' (atraírem ou fixarem no seu território) investimentos externos, diretos ou financeiros e aumentarem os seus créditos" (Santos, 2009b, p. 162). Isso significa que as decisões fiscais estatais são passíveis de permanência direcionada e implementada como forma de promover seus territórios, no intuito de alcançarem bons resultados face à concorrência (Santos, 2009a, pp. 28; 34); (Loureiro, 2010, p. 594).
Por um lado, os governos, em virtude da manutenção da sua competitividade, acabariam por estabelecer níveis de tributação mais baixos e seriam, consequentemente, obrigados a ponderar os seus gastos públicos. Tais esforços podem ser considerados como benéficos até certo ponto, na medida em que não conduzam à erosão das receitas fiscais estatais, considerada como o resultado da prevalência dos governos em regime de competição12.
A noção da eventual perda da receita por parte dos Estados faz com que modifiquem suas ações, na tentativa de preservação e desenvolvimento do seu sistema em busca de novos créditos. No plano interno os entes estatais, para proteção das suas bases de tributação, vêem-se na tentação de transferir a carga fiscal aos fatores dotados de menor mobilidade, como o trabalho. No plano externo, por sua vez, é possível suspeitar-se de uma diminuiço da tributação dos fatores mais móveis para atrair novos investimentos, bem, segundo Santos, como da "possibilidade de retaliação de outros Estados que vejam seus recursos fiscais afetados". Assim, a corrida contra a perda de receitas implicaria, necessariamente, sua baixa progressiva13, o que influencia a capacidade de existência do Estado Social (Santos, 2003b, p. 100).
No caso da União Europeia, espaço económico integrado, importa ressalvar que os Estados-membros "são, com pequenas exceções, soberanos em sede de fiscalidade direta sobre as empresas e que a intervenção da Comunidade neste campo está sujeita ao princípio da subsidiariedade" (Santos, 2009b, p. 99)14. Além disso, o Tratado sobre o funcionamento da União Europeia prevê, no seu artigo 113, a deliberação por unanimidade para adotar "disposições relacionadas com a harmonização das legislações".
Contudo, os entes estatais estariam obrigados a respeitar os princípios da solidariedade, cooperação e lealdade (Santos, 2009b, p. 162). Isso significa que têm o dever de preservar os objetivos da União através da consideração dos efeitos que suas decisões fiscais possam gerar aos demais membros, O autor, nas diferentes publicações referenciadas, acrescenta que os Estados, na União Europeia, devem ter em conta as políticas dos outros.
A concorrência fiscal constitui um fenómeno antigo15, cuja discussão emergiu da necessidade de ponderar o exercício da soberania fiscal dos Estados em virtude da sua eficiência econômica. Conforme ressalva Santos (2009b),
A diversidade dos sistemas e das políticas fiscais estaduais era e é patente. Mas, enquanto ainda há uma década o recurso a uma política fiscal ativa para atrair investimentos, diretos ou financeiros, serviçios, mercadorias, tecnologias ou consumidores transfronteiriços era encarado como um fenómeno natural - que decorria da soberania dos Estados, se não mesmo do ideário da livre competição - hoje, em nome da eficiência econômica e do princípio da neutralidade (em termos de escolha econômica), tende-se a reduzir ou desativar o intervencionismo fiscal (p. 153).
Nesse sentido, o tema "foi, pela primeira vez, objeto de análise específica" (Palma, 2006, p. 129) no relatório Ruding16. A autora acrescenta que "até os anos 90, o único instrumento ao dispor da Comunidade para combater a concorréncia fiscal prejudicial consistia no recurso ao controle, por via administrativa e judicial, dos auxílios de Estado de natureza fiscal"(p. 129).
Em 1996 a Comissão propôs um documento intitulado A fiscalidade na Uniao Europeia, onde defendia-se "a necessidade de criar condições para gerar o crescimento e o emprego, estabilizar os sistemas fiscais e realizar plenamente o mercado único, identificando, em particular, os principais problemas existentes a nível de fiscalidade"17 (Palma, 2006, p. 129). Segundo a autora aconselhava-se, nesse âmbito, a adoção de um "interçãmbio de informações relativas ás políticas e medidas adotadas noutros Estados-membros, anunciando a apresentação de um conjunto de iniciativas". Para tanto, seria necessário criar um consenso "sobre as medidas fiscais prejudiciais, a definição de Códigos de boa conduta e a introdução de uma maior coordenação das medidas adotadas pelas autoridades fiscais dos Estados-membros".
Em 1997 foi apresentado formalmente, em comunicação da Comissão ao Conselho, o pacote fiscal denominado Rumo a uma coordenação fiscal na União Europeia. Tal comunicação baseava-se nos trabalhos do Grupo de Política Fiscal criado pela Comissão e composto por representantes políticos dos diversos Estados18. Pretendia-se "desenvolver uma abordagem coordenada contra a concorrência prejudicial em matéria fiscal, incluindo um Código de Conduta" (Palma , 2006, p. 130). A autora refere que o pacote
É apresentado tendo em consideração, basicamente, três tipos de objetivos, a saber: reduzir as distorções no mercado único, impedir perdas significativas em termos de receitas fiscais e inverter a tendéncia no sentido de um aumento da carga fiscal sobre o trabalho comparativamente com matérias coletáveis de maior mobilidade (p. 130).
Nesse caso, constata-se que a opção de aproximação dos Estados no que diz respeito ao tratamento dos problemas fiscais demonstra claro objetivo (Santos, 2009a, 253). A eventual aprovaçâo de quaisquer medidas em sede de fiscalidade direta dependia da concordancia dos membros, segundo explica Santos (2009a) "o Código é relativo ao domínio da fiscalidade direta onde, em princípio, os poderes de decisão não pertencem ao Conselho, mas aos Estados-membros"19.
Como resultado desse engajamento surgiu um Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, através da aprovação das conclusões do Conselho ECOFIN de dezembro de 1997. Conforme explica Santos "o Código foi aprovado por uma resolução conjunta do Conselho e dos Representantes dos Estados-membros, reunidos no Conselho" (2009a, p. 253). Também acrescenta, que"todos os analistas estão de acordo que nem o Código nem a Resolução que o aprova são instrumentos jurídicos. Não integram as fontes de direito comunitário nem são suscetíveis de invocação perante o Tribunal de Justica" (2003b, p. 474). Representava, todavia, um acordo político, não vinculativo jurídicamente, um instrumento de soft law20.
Paralelamente, em 1998, surgiu outra tentativa de regulação da concorrência fiscal internacional por intermédio da recomendação da OCDE, "de ãmbito geográfico mais vasto" Segundo Santos (2009b), tal instrumento
procura combater as práticas prejudiciais que afetam a localização de atividades financeiras e outras prestações de serviçios possibilitadas pela existência de regimes fiscais preferenciais e de paraísos fiscais, com pretensão a aplicar-se a nível mundial, mesmo com relação a Estados não membros, de forma a criar uma igualização das condições de jogo (a level playing field) que neutralize o fator fiscal (p. 168).
Embora não tenha sido constituída como ato vinculativo, Santos (2009b) afirma que, definiu critérios para identificar a denominada concorrência fiscal prejudicial, considerada nas formas de paraísos fiscais ou de regimes fiscais preferenciais21.
Com relação aos paraísos fiscais estaríamos perante a "inexistência ou insignificância de tributação sobre os rendimientos", assim como haveria "ausência de atividades substanciais" (Santos, 2009b, p. 188). No que toca aos regimes fiscais preferenciais, existiriam "taxas de tributação nulas ou fracas relativamente a certa(s) categoria(s) de rendimentos", assentes "na limitação de vantagens fiscais a não-residentes ou na recusa destes terem acesso ao mercado nacional" (pp. 188-189). Além disso, ambas as categorias possuiriam, em comum, a falta de transparência "e a inexistência de uma verdadeira troca de informações" (p. 189). Segundo, Mota (2012) acrescenta,
a própria OCDE reconhece que não basta a existência de um nível mais baixo de tributação para se qualificar um sistema fiscal como prejudicial em relação a outros. É necessária a associação de outros fatores, tais como, a ausência de cooperação na troca de informações, a existência de rígidas regras de proteção do sigilo fiscal e a falta de transparência do regime fiscal (p. 54).
Como primeira referência interessa ressaltar que "o Código de conduta é um compromisso político e que, portanto, não afeta os direitos e obrigações dos Estados-membros, nem as competências respetivas dos Estados-membros e da Comunidade tal como decorrem do Tratado"22. Com relação ás regras instituídas impõe-se, desde logo, considerar que o ponto "H" determinou ao Conselho a criação de um grupo para avaliar as "medidas fiscais suscetíveis de serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente Código" (Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, 1998). Tal grupo, ad hoc do Conselho e com participação da Comissão, possui representantes políticos dos Estados-membros.
No que diz respeito aos critérios para avalização das medidas, foram consideradas as "que tenham ou sejam suscetíveis de ter uma incidência sensível na localização das atividades económicas na Comunidade" (Ponto A, Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, 1998). Em consonáncia com tal disposição acresceu-se a determinação de que as medidas potencialmente prejudiciais correspondem àquelas "que prevejam um nível de tributação... significativamente inferior ao normalmente aplicado no Estado-membro em causa" (Ponto B, Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, 1998)23.
Nesse sentido, há uma ressalva no ponto "G" que "sublinha ainda a necessidade de, durante a avaliação, se apreciarem cuidadosamente os efeitos das medidas fiscais sobre os outros Estados-membros, nomeadamente tendo em conta os níveis de tributação efetiva das atividades em causa em toda a Comunidade" (Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, 1998)24. Quanto aos meios de ação, o Código prevê o congelam.ento (standstill) e o desmantelamento (rollback), nos Pontos "C" e "D". Isso significa que os Estados-membros comprometem-se "a não introduzir novas medidas fiscais prejudiciais.", assim como "reanalisar as disposições existentes e as práticas em vigor.", "com o objetivo de eliminar o mais rapidamente possível quaisquer medidas prejudiciais" (Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, 1998).
Além disso, o ponto "E" estabelece que "os Estados-membros informarse-ão mutuamente das medidas fiscais, em vigor ou projetadas, suscetíveis de serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do Código" (Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, 1998)25. No que toca ao âmbito de aplicação do Código os Estados-membros mantém o compromisso de "promover a sua adoção nos países terceiros" e "nos territórios a que não se aplica o Tratado" (Ponto M, Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, 1998).
Com relação ao Ponto "J" "o Conselho constata que parte das medidas fiscais abrangidas pelo Código é suscetível de cair dentro do âmbito de aplicação. sobre auxílios estatais, e a "Comissão se compromete a publicar. as diretrizes para aplicação das regras relativas aos auxílios. às medidas que respeitem à fiscalidade das empresas..." (Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, 1998).
Nesse sentido, o grupo "procedeu à seleção e análise das medidas fiscais e ficou incumbido de apresentar regularmente um relatório" para deliberação do Conselho (Palma, 2006, p. 135). No relatório final, Primarolo, foram consideradas várias medidas como prejudiciais. Levando-se em consideração que tal documento não foi aprovado, "não poderíamos falar da existência de um consenso nem de uma qualificação oficial das 66 medidas como prejudiciais, pelo que vários Estados-membros sempre se questionaram sobre o prosseguimento dos trabalhos [...]" (Palma, 2006, 136). Apesar da sua pendência de aprovação, no Conselho ECOFIN de 2003 obteve-se acordo quanto ao Código de conduta (p. 138-139).
Contudo, o Conselho limitou-se a "congratular o Grupo pelos trabalhos efetuados [...]", tomou "nota das medidas de revisão ou de substituição das medidas qualificadas como prejudiciais em determinados territórios dependentes ou associados de Estados-membros [...]", concordou "com as medidas de desmantelamento de certos regimes fiscais prejudiciais de Estados-membros, bem como com a extensão de benefícios de determinados regimes para além de 2005 [...[", aprovou "algumas propostas relativas á troca de informações [...]" e voltou "a pedir ao Grupo para acompanhar o standstill e o rollback"Ou seja, não houve "qualquer referéncia específica e explicitamente ao Relatório Primarolo [...]" (Palma, 2006, p. 138).
A análise das regras estabelecidas pelo Código impõe, desde logo, a menção à existéncia da recomendação da OCDE de 1998, e considerando o que diz Santos nas diferentes obras referenciadas, "[...] o Código, na sua aplicação prática aproximou-se da aplicação do regime da OCDE". Segundo refere a doutrina
Ainda que o campo de aplicação e os critérios dos dois instrumentos não sejam exatamente os mesmos, a verdade é que são amplamente comuns e, na prática, os resultados finais concernentes ás medidas prejudiciais sáo semelhantes. Além disso [...] certos critérios de avaliação remetem-se à certos princípios jurídicos difundidos pela OCDE (Santos, 2009a, p. 259).
Levando-se em consideração o ponto "J" verificou-se a possibilidade da existência de medidas fiscais abrangidas pelo regime dos auxílios fiscais26.
Nesse caso, a Comissão elaborou uma comunicação27 através da qual estabeleceu dois critérios para relacionar a análise dos auxílios estatais ao procedimento do Código de conduta. Estes foram os pontos No. 30 e No. 33 da Comunicação. Com relação ao primeiro determinou-se que a consideração de uma medida como prejudicial através do Código de conduta não implica, obrigatoriamente, sua eventual qualificação como auxílio de Estado. Contudo, decidiu-se que a compatibilidade de um auxílio com o mercado comum deverá ser aferida tendo em conta seus efeitos colocados em evidência através do Código. No que toca ao segundo ponto analisaramse "os auxílios destinados a favorecer o desenvolvimento económico de determinadas regiões". Nesse caso, estatuiu-se que "os critérios de apreciação dos auxílios com finalidade regional permitem ter em consideração... outros eventuais efeitos. que a aplicação do Código de conduta colocará em evidência" (Santos, 2009a, pp. 434-435).
No que diz respeito ao Código de conduta interessa ressalvar que representa um instrumento de soft law, destinado ao combate da concorrência fiscal entre os Estados dentro do âmbito da fiscalidade direta das empresas (Palma, 2006, p. 146); (Santos (2003b, p. 488)(2009a, p. 429)(2009b, p. 168)). O regime dos auxílios estatais, por sua vez, constante do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, constitui-se como norma jurídica, hard law, que visa impedir a concorrência entre empresas (Moreira, 2008, pp. 46-47); (Mota, 2012, p. 61). Além disso, abrange não apenas a fiscalidade direta das empresas mas, também, a indireta e a parafiscalidade ((Santos (2003b, p. 488)(2009a, p. 429)). Constatase, assim, que a remissão feita ao regime dos auxílios fiscais teve como propósito reforçar sua efiçãcia, visto que, segundo Santos, "o regime dos auxílios afirma-se como o hard law stick do Código de Conduta" (2003b, p. 487)
Todavia, ainda que a doutrina considere certa aproximação entre o Código e os auxílios estatais, "somente uma análise comparativa dos critérios" relativos aos dois regimes seria adequada para "clarificar sua aplicação isolada ou simultânea". Na prática, tal "trabalho não foi efetuado pelo Grupo do Código ou, ao menos de forma sistemática, pela Comissão"28 (Santos, 2009a, p. 435).
No que toca ao âmbito de aplicação do Código, o compromisso de extensão aos territórios dependentes, bem como a países terceiros, demonstra o propósito da União de que as normas fossem aplicadas para além do seu território (Santos, 2003b). Conforme explica este autor o Código de conduta representa "uma estratégia concertada da União Europeia relativamente à da Recomendação da OCDE que, como dissemos, em Abril de 1998, aprovou o relatório e as diretrizes relativas ao combate à concorrência fiscal nefasta" (p. 473). Sua intenção era manter-se como precursora do combate à concorrência fiscal internacional, tendo em conta que. segundo o autor, "no fundo, o que está em causa é a participação da União na construção de uma nova Ordem Fiscal Internacional [...]" (p. 473). Ainda que não tenha conseguido expandir-se aos países terceiros existem dados que demonstram sua aplicação aos territórios dependentes (Palma, 2006, p. 147).
Nesse contexto, importa destacar que a luta contra a concorrência fiscal pressupõe, necessariamente, uma atitude cooperativa entre os entes estatais, conforme explica Santos (2009b),
O que legitima a regulação da concorréncia fiscal no plano internacional será, a exemplo da regulação do mercado e da concorréncia interempresarial, a necessidade de manter a concorréncia fiscal dentro de limites aceitáveis que não ponham em causa nem a concorrência interempresarial, nem a existência das funções essenciais do Estado nos dias de hoje, nem, no plano da União Europeia, a realização dos fins próprios desta (p. 169).
A União Europeia demonstrou-se consciente, com a criação do Código de conduta, de que somente poderia alcançar resultados através da obtenção de acordo entre os Estados-membros (Santos, 2009b, p. 168). Os entes estatais acabaram por reconhecer os problemas resultantes da concorrência fiscal, assim como concordaram que sua mitigação passaria pela implementação do combate aos efeitos de forma conjunta, todavia, segundo Santos,
[...]será sempre muito difícil haver um acordo global sobre os limites de tolerância admissíveis, sobre a extensão das funções do Estado e, no plano prático, sobre a questão de saber se um determinado investimento que se deslocalizou de um Estado para o outro foi, em concreto, atraído pelo incentivo fiscal criado por este ou por razões de índole não fiscal.
Porém, o recurso da soft law demonstra a inviabilidade da criação de um diploma jurídico.
Por outro lado, ressalta-se que não houve uma tentativa de esclarecer o significado de concorrência fiscal prejudicial, De acordo com Santos (2009a) "a União Europeia e a OCDE não estáo preocupados em apresentar uma distinção clara entre concorréncia fiscal prejudicial e não prejudicial, ou esclarecer os fundamentos económicos, jurídicos e políticos dessa distinção" (p. 63). No caso do Código, a sua feitura pressupõe que os Estados preferiram utilizar-se de um instrumento político através do qual foram estabelecidos critérios para reconhecer uma medida com caráter prejudicial.
Contudo, a forma como seu grupo determinou o processo de verificação do caráter lesivo das medidas gerou, desde logo, grande controvérsia entre os Estados-membros (Palma, 2006, p. 136) ((Santos (2003b, pp. 479-480) (2009b, pp. 186-187)). Segundo refere a doutrina, a identificação de várias medidas prejudiciais durante o trabalho de análise nunca alcançou consenso, tendo em conta a discordância dos entes governamentais a respeito da avaliação. Em virtude disso , Palma (2006, p. 136) explica que,
Foram apostas muitas reservas dos Estados-membros relativamente à avaliação de determinadas medidas, existindo mesmo reservas gerais ao relatório e à metodologia adotada no tocante ao próprio processo de avaliação das medidas [... ] Além disso, invoca-se que os trabalhos foram assumidos de forma ligeira e que seria necessário encetar estudos profundos em determinadas áreas, tais como a das holding e das pequenas economias abertas.
Aliás, alguns dados sobre a manutenção dos efeitos de determinados regimes demonstram alguma pressão no sentido de impedir que sejam desmantelados. Neste caso, Palma (2006) impõe-de que, ainda que o grupo tivesse previsto o ano de 2011 como data limite para produção de efeitos quanto aos regimes de desmantelamento, foi aberta exceção aos territórios dependentes do Reino Unido até 2019. Tais governos, quais sejam, Guernsey, Jersey e Ilha de Man "anunciaram que, a 1 de Janeiro de 2006, váo introduzir uma taxa geral de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas de 0% e uma taxa mais elevada (embora reduzida) para as atividades financeiras e conseguiram garantir a produção de efeitos dos regimes antigos até 2019". Isso significa que "com uma mera declaração de intenções, conseguiram que os respetivos regimes deixassem de ser qualificados como prejudiciais" (p. 137).
Nesse sentido, interessa considerar a existência de certa influência política nos trabalhos do grupo do Codigo (Palma, 2006, p. 149). Embora o Código de conduta pareça ter funcionado como um documento que estipula a intenção dos Estados-membros de combater a concorrência fiscal prejudicial, na prática a mudança de atitude impõe-se mais difícil (Palma, 2010, p. 616). Conforme constata a doutrina a própria regulação da concorrência entre Estados em sede de fisco impõe dificuldades em vários níveis. acrescenta Santos (2009a),
Não há consenso na literatura sobre a avaliação da concorrência fiscal e dos seus efeitos, e sobre a questáo de saber se a concorrência é prejudicial ou não. A avaliação depende de vários fatores, entre outros os interesses dos diversos Estados e suas perspetivas ideológicas (p. 108).
Nesse contexto, segundo Santos (2009b), importa ter em conta que os Estados podem "configurar autónomamente o seu sistema fiscal, exercendo as suas prerrogativas de tributar ou não uma dada situação, não havendo uma ordem jurídica internacional que se imponha nesse domínio" (pp. 164-165). Nesse sentido, o autor considera que,
A fiscalidade é, em larga medida, um produto histórico-cultural e não apenas uma opção de política económica do governo de um determinado Estado. A sua concreta configuração depende, como vimos, de múltiplos fatores, desde o regime económico, o nível de desenvolvimento, a maior ou menor sofisticação do aparelho administrativo, o sistema jurídico, a representação social do fisco, a tolerância, maior ou menor, em relação a fenómenos de evasão e fraude, etc.
Em seguida, é possível encontrar-se a situação dos Estados que foram capazes de aceder "à independência política (independência formal) sem que as condições de uma independência económica estivessem asseguradas (independência real)" (Santos, 2009b, p. 164). Segundo explica o autor,
A venda de um dos poucos produtos de que dispunham -uma baixa ou nula fiscalidade- era, para os novos Estados, uma condição de sobrevivência e representa, diga-se de passagem, para as antigas potências coloniais, não só uma forma de promover a livre circulação de capitais, como a libertação de um fardo financeiro"29.
Existem, também, os Estados que podem auferir rendimentos de outras fontes, como referencia Santos (2009b), outros que estabelecem regimes fiscais preferenciais para atrair investimentos numa determinada região, assim como alguns que optam por conceder incentivos fiscais com o propósito de "contrabalancar défices competitivos"30. O autor confirma que, em virtude disso, pode não fazer sentido a existência de um sistema fiscal. Como exemplo cita o caso da Estónia que não possui, "sequer, um verdadeiro imposto sobre as sociedades". Ainda que pudesse sofrer pressões políticas para criação do imposto, poderia fazê-lo com uma taxa reduzida (p. 165).
Apesar disso, verifica-se que o acordo sobre a existência de um diploma regulatório da concorrência fiscal internacional demonstra, de fato, a preocupação dos Estados-membros com a eventual possibilidade de erosão fiscal. Todavia, as regras dispostas através do texto do Código de conduta somente serão cumpridas na medida em que os Estados não utilizem sua influéncia política em sentido contrário31. Na prática do seu grupo a existência da prorrogação dos efeitos de determinados regimes demonstra a prevalência de certos interesses estatais (Palma 2006, p. 149) (2010, pp. 615-616)); (Santos 2003b, p. 491).
Por outro lado, as exceções ao regime do Código implicam a conservação da competição estatal em sede de fiscalidade direta sobre as empresas (Palma (2006, p. 149) (2010, pp. 615-616)). Adicionalmente, Santos (2003b) alerta, que
De fato, os mecanismos de troca de informações e os juízos de censura política podem funcionar como forma eficaz de pressão. O risco aqui é o de tais mecanismos funcionarem sobretudo em relação aos Estados com menor peso político ou económico. Por isso, um mecanismo juridicamente vinculativo seria preferível (p. 474-475).
Assim, sua aplicação mantém-se desequilibrada no quadro da União Europeia e dos seus territórios dependentes, assim como nula nos países terceiros (Palma (2006, pp. 147-148) (2010, p. 615)).
Çõmo citar este artículo: Almeida do Amaral, K. (2016). O papel da soft law perante a concorrêcncia fiscal internacional: o Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas. Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Políticas, 46(124), pp. 65-91.