Reseñas
Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul (Pâmela Araújo Pinto)
Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul (Pâmela Araújo Pinto)
Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación, núm. 137, pp. 429-431, 2018
Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina

| ARAÚJO PINTO Pâmela. Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul. 2017. Rio de Janeiro. Editora Multifoc. 308pp.. 978-85-5996-462-2 |
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Nos estudos sobre políticas de comunicação no Brasil, usualmente, se emprega o conceito de mídia regional em oposição aos conglomerados que atuam no âmbito nacional, localizados no eixo Rio-São Paulo. O regional não raramente aparece como sinônimo de local, prevalecendo, deste modo, certa imprecisão para se referir a mídia local, regional e nacional. Neste cenário, a obra Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul contribui para preencher uma lacuna neste campo de pesquisa. Avança ao propor uma abordagem sistêmica para compreender a organização midiática nacional, assim como para os estudos comparados de comunicação ao associar geografia e política para o estudo da complexidade midiática brasileira.
A autora se distancia de duas abordagens tradicionais da mídia regional categorizadas no livro como perspectiva relacional assimétrica e superlocal. A primeira “condiciona sua existência às assimetrias [da mídia regional] com a mídia nacional. Entende o regional como um grupo homogêneo, sem diferenças” (p. 29). A outra concepção particulariza a mídia regional sem problematizar distintos níveis de desenvolvimento entre elas. Ao comparar as duas abordagens, Pinto (2017a, p. 39) sublinha que na “perspectiva relacional assimétrica a diferença recebe um viés negativo e de inferioridade, já a superlocal supervaloriza e isola os contextos midiáticos regionais”.
Diante da configuração da comunicação em redes ou em um sistema, na definição da autora, verifica-se certa fragilidade de fronteiras entre o regional e o nacional, já que ambos se aglutinam por meio da constituição de redes com as afiliações dos grupos locais àqueles de atuação nacional. Neste cenário, na obra entende-se “as mídias regionais como integrantes da mídia brasileira e não apenas como um conjunto homogêneo e menor de veículos” (p. 53).
Baseado na teoria dos sistemas (Bertalanffy, 1997), no qual sistemas são definidos como abertos e com interação entre os seus componentes, Pinto (2017a) compreende a mídia brasileira como um sistema construído a partir de “uma perspectiva relacional: estabelecida entre o sistema midiático de referência nacional e os diversos subsistemas regionais [...]. Os subsistemas são entendidos como autônomos e integrantes do sistema midiático, assim como o subsistema de referência nacional” (p. 81).
Quanto à autonomia dos subsistemas regionais, precisa-se pontuar que embora seja uma relação de interesses (o nacional precisa do regional para ampliar a cobertura, enquanto o regional do conteúdo nacional para complementar a grade de programação), nem sempre este é um relacionamento pautado na equidade. Nas palavras de Kurth (2006, p, 187), “a rede representa uma unidade, [...] não necessariamente a soma das partes, ela tem seus próprios interesses, e muitas vezes dissonantes da emissora regional”. Ou seja, pode prevalecer nesses contratos assimetrias de poder no qual o nacional dita as regras que devem ser seguidas pela mídia regional.
O estudo apresenta a configuração da mídia como um sistema, cada região brasileira constitui um subsistema que internamente foram divididos em supraestaduais formado por grupos que atuam fora do limite do estado-sede; estaduais – atuação limitada à área geográfica do referido estado; e subestaduais – de abrangência mais restrita a alguns municípios ou microrregiões dentro dos respectivos estados. Ao analisar a disposição dos veículos de comunicação nos estados é interessante perceber seus modos de organização tanto geográfica (âmbito de atuação) quanto a capacidade de associar-se a grupos nacionais. Na Região Norte, por exemplo, os grupos supraestaduais são todos filiados à Rede Globo e nos outros dois subníveis predominam os laços com Record, SBT, Band e Rede TV. Na Região Sul, os supraestaduais estavam vinculados à Rede Globo e Record, mantendo as demais redes laços com emissoras com abrangência mais restrita.
O livro traz uma extensa pesquisa comparativa entre as regiões Norte e Sul, envolvendo seis categorias de radiodifusão emissoras de rádio (FM, OC, OM, OT), geradoras e retransmissoras de TV, além de jornais. Foram analisados 1.216 veículos de comunicação, localizados em 87 cidades e vinculados a 69 grupos midiáticos. Relevou a diferença de desenvolvimento entre as duas regiões analisadas, na região Sul foram encontradas 658 outorgas e 320 na Norte. A disparidade se manteve entre os jornais, 167 no Sul e 72 na Norte.
O mercado regional no Norte é centralizado geograficamente nas capitais, com poucas outorgas e jornais disponíveis no interior dos estados. Sete capitais concentram 47,7% das mídias e 65,8% da população. Foram identificados 34 políticos como concessionários/proprietários, vinculados a 26 dos 40 grupos midiáticos desta região. Na região Sul, a diversificação e descentralização econômica demonstra melhor distribuição dos veículos de comunicação entre aos municípios de cada estado. Ao todos foram encontrados 29 grupos, 11 deles com vínculos políticos. Comparativamente ao Norte do país, em que 65% das organizações midiáticas estão vinculadas a políticos, no Sul o porcentual é de 38%.
Cabe fazer uma ressalva sobre a dificuldade de fazer cruzamento de nomes de políticos ou familiares como concessionários de radiodifusão, assim como torna-se complicado adotar outros critérios para ampliar o entendimento do uso político das concessões. Considera-se, portanto a relação formal de políticos/parentes que aparecem como sócios nas outorgas. Contudo, pode-se questionar se grupos como RBS não possui relações políticas – mesmo que essas não sejam tão explícitas. Do referido grupo foi eleita como senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS). A parlamentar atuava como comentarista política e diretora da sucursal RBS em Brasília, além do seu ex-marido Octávio Omar Cardoso ter sido senador biônico pela Arena – partido que dava sustentação ao regime militar (Carta Capital, 2014).
Entre as principais conclusões apontadas pela autora é a diferença entre os subsistemas Norte e Sul como a centralização midiática mais comum na primeira região, demonstrando como o econômico contribui para a configuração do mercado midiático. É perceptível a valorização da mídia regional pela autora, e por outro lado contribui para desconstruir a imagem de que as mídias tradicionais perderem relevância no cenário nacional. Tanto que houve aumento no número de geradoras nas duas regiões estudas, na Norte passou de 27 para 40 e no Sul de 59 a 71 (p. 259). Adiciona-se ainda o fato de com o golpe político-institucional a distribuição de outorgas para aliados políticos, assim como alteração das regras para outorgas de radiodifusão retirando as poucas obrigações dos concessionários (Barbosa, 2017; Pinto, 2017b).
O livro resenhado, resultado da tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), constitui uma agenda de pesquisa para alguns anos. Pode envolver estudos comparados com outras regiões, além do Norte e Sul; a reconfiguração dos mercados – como exemplo – a saída da RBS do mercado catarinense em 2016, entre outros. Além disso, abre a possibilidade para se aprofundar alguns aspectos trazidos pela autora como análise da programação regional com abordagem quali-quantitativa, a relação mídia e política e as novas possibilidades de negócios com a internet que estão sendo incorporados por novas e empresas já consolidadas no cenário midiático.
Referências bibliográficas
Barbosa, B. (2017, marzo 29). O escárnio de Temer com as concessões de rádio e TV. CartaCapital. https://bit.ly/2nhES7Z.
Carta Capital. (2014, septiembre 15) Ana Amélia Lemos foi servidora do Senado enquanto era diretora da RBS. CartaCapital. https://bit.ly/2OU8Yxs.
Kurth, E. D. (2006). A contribuição das afiliadas na formação das redes nacionais de televisão no Brasil: o caso da RBS/Rede Globo em Santa Catarina. Dissertação [Mestrado em História]. Florianópolis: UFSC.
Pinto, P. A. (2017a). Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul. Rio de Janeiro: Editora Multifoco.
Pinto, P. A.. (2017b, junio 6) Os aliados de Temer na bancada parlamentar da radiodifusão. CartaCapital. https://bit.ly/2rg1OXX.