Reseñas
Cuerpos aliados y lucha política: hacia una teoría de la asamblea (Judith Butler)
Cuerpos aliados y lucha política: hacia una teoría de la asamblea (Judith Butler)
Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación, núm. 136, pp. 404-407, 2017
Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina
BUTLER Judith. Cuerpos aliados y lucha política: hacia una teoría de la asamblea. 2017. Barcelona. Paidós. 256pp.. 978-950-12-9516-0 |
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Judith Butler tem sido uma filósofa sintonizada com as questões mais candentes de nosso tempo. Cuerpos aliados y lucha política: hacia una teoría de la asamblea –que chega aos leitores da língua castelhana dois anos após o lançamento em língua inglesa– vem consolidar uma trajetória intelectual onde feminismo, teoria queer, filosofia política e ética se mostram como aparatos indispensáveis para a reflexão teórica sobre as iniquidades e desigualdades, e, sobretudo como aliados na compreensão e materialização da luta política.
Se há três décadas, Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (Butler, 2003) representou uma microrrevolução nos estudos de gênero, nos feminismos e na teoria queer ao apresentar como ferramenta analítica os conceitos de performatividade e perfomance de gênero, a teoria butleriana tem, desde o giro ético dos anos 2000, renovado e refinado seu repertório teórico com reflexões a respeito do reconhecimento, da precariedade e da vulnerabilidade, tornando tais reflexões cada vez mais acessíveis ao público em geral. Esse é o caso de Cuerpos aliados y lucha política: hacia una teoría de la asamblea, uma publicação que, a despeito da complexidade dos conceitos que maneja, aproxima diferentes perspectivas filosóficas e políticas, ilustrando cada argumento com exemplos contemporâneos de movimentos e reivindicações ao redor do mundo: a ocupação da praça Tahrir no Egito, o Occupy (Wall Street) nos Estados Unidos, os movimentos que pedem a desocupação da Faixa de Gaza e lutam pelo direito à autodeterminação palestina, as manifestações de trabalhadores e trabalhadoras indocumentadas que vivem nos Estados Unidos, a mobilização de estudantes chilenos pela educação superior gratuita são alguns dos fatos que instigam o pensamento e o debate filosófico proposto pela autora e o conecta com atores e atrizes sociais engajados em assembleias e movimentos sociais.
O livro está composto por seis capítulos, dentre os quais, quatro –os capítulos 2, 3, 4 e 6– são versões ampliadas de textos publicados entre os anos de 2012 e 2014. Escritos em plena efervescência política e, quando se estão dando em ato a maioria dos exemplos apresentados pela autora, os textos do volume emergem como uma espécie de resposta às contradições, dificuldades e limites vivenciados no cotidiano por ocupações e mobilizações. As perguntas urgentes impostas pelo fazer político são refletidas nas questões teóricas articuladas por Butler: o direito a aparecer, os corpos em aliança e a política das ruas, as vidas precarizadas e a ética da co-habitação, a vulnerabilização dos corpos e a política de coalizões, a ideia de ‘povo’ e a liberdade de reunião e, finalmente a interpelação com a qual encerra o livro, ‘é possível levar uma boa vida em meio de uma vida má?’ são os motes do argumento central de uma teoria das assembleias.
Vistos em conjunto, os capítulos destacam a relação entre o que a autora denomina inclusividade e democracia radical, ou seja, quem é considerado o ‘povo’, como tal demarcação é estabelecida, como a ideia de reconhecimento e precarização são distribuídas de modo desigual nas democracias atuais e como essas formas implícitas ou explícitas de desigualdades traduzem categorias essenciais para a luta política. A autora é contundente ao defender que o tema fundamental de uma política democrática não deverá ser a extensão do reconhecimento a qualquer pessoa em termos igualitários –um discurso sedutor que oculta políticas abstratas onde a igualdade é constitutivamente assimétrica e diferencialmente distribuída– mas que, somente ao transformarmos a relação entre reconhecível e não-reconhecível poderemos assumir e perseguir a igualdade e, converter o significante vazio ‘povo’ num campo aberto para elaborações mais amplas. Assim, a tese que orienta Butler é a de que a “ação conjunta pode ser uma forma de questionar, através do corpo, aspectos imperfeitos e poderosos da política atual” (p.17). Isso, porque o contorno das políticas do corpo têm sido tema fundamental na teoria butleriana na busca por compreender como as maneiras de expressar e manifestar a precariedade se interrelacionam de maneira essencial com a ação corporeizada e com as formas de liberdade expressivas que pertencem às assembleias públicas. Corpos concretos que reivindicam atenção à saúde, direito à moradia, à cidadania e que vivem em condições onde a vida está sob constante ameaça e, que não obstante, reunem-se nas ruas (praças, espaços virtuais), exercendo um direito plural e performativo à aparição, um direito que, como afirma a autora “instala o corpo em meio ao campo político, e que, amparando-se em sua função expressiva e significante, reclama para o corpo condições econômicas, sociais e políticas que tornem a vida mais digna, mais vivível, de maneira que esta já não seja afetada pelas formas de precariedade impostas” (p.18). Essa política dos corpos e seu aparecimento no espaço do público têm consequências, que serão examinadas detidamente, mas vale ressaltar que, para Butler, tais congregações, não equivalem à democracia e, que essas têm necessariamente um caráter transitório que está ligado à sua função crítica.
Butler trata do direito a aparecer como uma reivindicação corporeizada de uma vida mais vivível. Utilizando conceitos que tem desenvolvido nos últimos anos (Butler, 2009, 2010), expõe como precariedade –uma condição imposta políticamente na qual certos grupos da população sofrem a quebra das redes sociais e econômicas de apoio muito mais que outros e, como consequência estão mais expostos ao dano, à violência e à morte– e reconhecimento estão intimamente interconectados, ao interperlar-nos: “o que acontece quando num campo bastante regulado da aparição pública, não se admite a todas as pessoas e se impõe zonas nas quais muitos se veem excluídos ou diretamente proibidos do ponto de vista legal?” (p.42). Na tentativa de contestar tal questão, Butler segue a pista da compreensão do humano tanto em suas formas diferenciadas de produção quanto às custas de quem esse humano tem sido produzido. Ao afirmar que a vida humana nunca constitui a totalidade da vida, mas que é um processo que se realiza no instante em que somos criaturas vivas rodeadas de outras criaturas, a filósofa abre caminho à sua hipótese de trabalho: a defesa de que é no momento em que sustentam e exibem certas formas de interpendência que podemos chegar a transformar o campo do aparecimento e nossas relações.
Ao trazer para o campo do debate os trabalhos de Hannah Arendt, Butler a mantém não só como uma interlocutora privilegiada mas também tece uma crítica perpiscaz –se bem que não original– aos conceitos de privado e público da filósofa judia-alemã. Com tal crítica, Butler pretende superar a divisão categórica que identifica a esfera privada como âmbito de dependência e inação e a esfera pública como domínio da ação independente. Ao propor uma concepção que supere a divisão entre ação e interdependência, maneja a implicação da performatividade para a agência política, pontuando que, embora toda ação humana seja limitada, é na ação plural e pública, que se constitui como o direito de ser parte de uma comunidade, que podemos criar as condições e o espaço de aparição. Embora, as críticas tecidas a Hannah Arendt sejam pertinentes no campo da ação política, Butler carece de certa vigilância epistêmica ao ratificar, sem reservas, a acepção de Arendt sobre o ‘direito a ter direitos’. Ao incorporar tal acepção aos seus argumentos, não leva em conta quão abstrato e inócuo tem se mostrado tal conceito no campo da filosofia, do direito e, consequentemente da luta política. Ao negligenciar a atenção aos contextos e espaços existentes e as condições adequadas para o exercício de tais direitos, o ‘direito a ter direitos’ resvala numa concepção essencialista e essencializante que contradiz o argumento da própria Butler sobre a necessidade de condições materiais para a aparição e a significação.
Ainda que a filósofa não o considere como um interlocutor, a avaliação crítica apressada que Butler apresenta sobre o conceito de ‘vida nua’ de Giorgio Agambem é outro ponto que necessitaria uma argumentação mais detalhada, bem como melhor fundamentada. Embora esteja de acordo com a filósofa de que não existe ‘vida nua’, que se produza fora dos limites da política e do político, e de que nenhuma de nós, expulsas do território das relações estaríamos reduzidas a simples ‘entidades’, parece haver certa confusão teórica quando Butler define o conceito de ‘vida nua’ como uma ontologização da precariedade.
Para finalizar, parece-me que uma das maiores contribuições de Butler, ao longo da última década tem sido pensar a co-habitação ética a partir de condições de precariedade. O capítulo 3, que traz uma reflexão detalhada dessa relação, é um dos mais abrangentes do livro. Ao abordar as consequências de nossas obrigações éticas com respeito a outras pessoas, aquelas com as quais mantemos relações de proximidade e aquelas que sequer conhecemos, a receptividade surge não só como pré-condição da ação mas como uma de suas características constitutivas. É nesse ponto que Butler, utilizando-se do referencial levisiano, volta a defender a interrelação entre todas as outras vidas e a nossa própria vida, o que implica, por conseguinte, uma certa perspectiva do ego que não esteja essencialmente estruturada por uma forma de comportamento –tu me solicitas e eu respondo–, mas que encontra na suscetibilidade e na vulnerabiliade de cada uma de nós, o seu sentido mais essencial, ativado antes mesmo de que eu própria possa responder à interpelação que me faz o rosto do/a outro/a, ou a capacidade de “receber o requerimento ético antes de reagir verdadeiramente a ele” (p.113), uma assertiva que pressupõe a responsabilidade ética como sensibilidade ética e como interpelação à ação política.
Referências bibliográficas
Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Editora Record.
Butler, J. (2009). Vida precaria: el poder del duelo y la violencia. Buenos Aires: Paidós.
Butler, J. (2010). Marcos de guerra: las vidas lloradas. Barcelona: Paidós.
Ligação alternative
http://revistachasqui.org/index.php/chasqui/article/view/3520/2998 (pdf)