EDITORIAL

Desigualdade, fome e produção de alimentos

Inequality, hunger, and food production

Ana Elizabete Mota
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Ricardo Lara
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Desigualdade, fome e produção de alimentos

Revista Katálysis, vol. 25, núm. 3, pp. 437-442, 2022

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina

É oportuna, pertinente e absolutamente necessária a temática que o leitor tem em mãos neste número da Revista Katálysis. Ao abordar a desigualdade e a fome como fenômenos inerentes ao desenvolvimento do capitalismo, perquire as singularidades da atual conjuntura brasileira, identificando suas determinações históricas no âmbito da relação dialética e contraditória entre o crescimento da riqueza e a pauperização, processos que a crise capitalista e, no seu interior, a crise sanitária tornaram mais agudos, derruindo conquistas civilizatórias.

Recorremos à síntese realizada por Karl Polanyi, no seu livro, A Grande Transformação (POLANYI, 2021, p.172), que identifica a emergência da pobreza e da fome como fenômenos do século XVI — portanto, vigentes por cinco séculos — e que por força da luta de classes, transformam-se em objeto da intervenção do Estado, através da constituição de direitos sociais e medidas de seguridade social no século XX.

Referindo-se à Inglaterra, berço da revolução industrial clássica, Polanyi sustenta que a emergência da pobreza moderna no século XVI relaciona-se diretamente com o fim do feudalismo ao transformar a população destituída de terra e meios de sobrevivência “numa classe de trabalhadores livres, que resultou da combinação de uma feroz perseguição à vagabundagem e de um fomento à indústria interna, que recebeu impulso com a expansão contínua do comercio exterior” (POLANYI, 2021, p. 172).

Originalmente objeto de leis sanguinárias (MARX, 2017, p. 805-813) e de outras medidas afins, como a Lei dos Pobres e a Lei de Speenhamland (POLANYI, 2021, p. 139-170), os cercamentos e a expropriação das terras determinaram o surgimento do que Polanyi conceituou de nova pobreza, no contexto da nova sociedade que ali emergia: o capitalismo.

A partir do século XVII, o pauperismo e sua principal expressão, a fome, passam a ser objeto de teorizações dos mais diversos pensadores da época (liberais, socialistas, naturalistas e conservadores), dentre outros, Smith, Townsend, Owen, Ricardo, Proudhon, Burke (POLANYI, 171-202), que, ora tratavam a pobreza na perspectiva da assistência aos pobres, ora das causas do seu surgimento e, mesmo com pontos de vista divergentes, defendiam que os pobres deveriam trabalhar, chegando a ponderar que o ócio, a fome seriam eliminadas com a utilização da força de trabalho barata, convencidos de que “a organização apropriada do trabalho dos desempregados, deveria produzir um excedente”(POLANYI, 2021, p. 179), o que viria a ocorrer plenamente no século XIX.

Pensadores como Smith, Ricardo e Burke (POLANYI, 2021, p. 181-201), discorreram amplamente sobre a relação entre trabalho, livre mercado e o significado da pobreza no âmbito do pensamento liberal e conservador, cientes do peso do trabalho na produção da riqueza. Contudo, é no decorrer do século XIX, em face da luta de classes — que a relação entre o livre mercado e a proteção social do Estado —, presente até nossos dias, transformou a questão da pobreza e do trabalho, numa questão eminentemente política.

Numa vertente antípoda, ao empreender a crítica da economia política e contrapor-se aos pensadores referidos na síntese de Polanyi (2021), embora tomando o mesmo ponto de partida, Marx (2017) analisou com radicalidade as determinações da emergência desses pobres no clássico Capítulo XXIV do Livro 1 de O Capital, A Chamada Acumulação Primitiva, considerada por ele, o ponto de partida do modo de produção capitalista (MARX, 2017, p. 785; ROSDOLSKY, 2001, p. 209-235). Ao referir-se ao significado da acumulação primitiva, ironicamente afirma que ela é o pecado original da economia política, numa alusão à teologia. Assim ele argumentou:

A lenda do pecado original teológico, conta-nos, certamente, como o homem foi condenado a ganhar o pão com o suor do seu rosto; no entanto, a história do pecado original econômico revela-nos por que há gente que não tem necessidade disso. [...]. E desse pecado original datam a pobreza da grande massa que ainda hoje, apesar de todo seu trabalho, continua a não possuir nada para vender a não ser a si mesma, e a riqueza dos poucos, que cresce continuamente, embora a muito tenha deixado de trabalhar. (MARX, 2017, p. 785).

Em diálogo crítico com os liberais e conservadores que viram no trabalho assalariado da população sobrante e pobre um meio de produzir riqueza privada, Marx considerou que se iniciava ali a subjugação capitalista do trabalhador, uma espécie de mudança de forma da servidão feudal, quando grandes massas humanas são arrancadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários absolutamente livres (MARX, 2017, p. 787).

Violentamente expropriada da terra e entregue à vagabundagem, a população expropriada, “viu-se obrigada a se submeter por meio de leis grotescas (ah, o direito!) e terroristas, e por força de açoites, ferros em brasa e torturas, a uma disciplina necessária ao trabalho assalariado”. Assim, estavam postas as condições para “no evolver da produção capitalista [desenvolver-se] uma classe de trabalhadores que, por educação, tradição e hábito, reconhece as exigências desse modo de produção como leis naturais e evidentes por si” (MARX, 2017, p. 808). De acordo com a análise de Marx:

Na história da acumulação primitiva, o que faz época são todos os revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação, mas, acima de tudo, os momentos em que grandes massas humanas são despojadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários absolutamente livres. A expropriação da terra que antes pertencia ao produtor rural, ao camponês, constitui a base de todo o processo. Sua história assume tonalidades distintas nos diversos países e percorre as várias fases em sucessão diversa e em diferentes épocas históricas. Apenas na Inglaterra, e por isso tomamos esse país como exemplo, tal expropriação se apresenta em sua forma clássica” (MARX, 2017, p. 788, grifo nosso).

Estava historicamente selado o processo no qual a massa de trabalhadores — ocupados ou sobrantes — passariam a depender da venda da sua força de trabalho para obter os meios de subsistência, organizada agora através do salário e do mercado. Os trabalhadores, sempre ameaçados pela existência de uma população sobrante, que pressiona para baixo os salários, estarão à mercê do desemprego, da pobreza e da fome. Esse processo expulsou e expropriou parte da população rural e simultaneamente libertou os trabalhadores para o capital industrial, criando um mercado interno. Os meios de vida — produção de subsistência e trabalho não mercantil — transformam-se em mercadorias e progressivamente os trabalhadores foram alienados dos instrumentos e produtos do trabalho.

Estabelecidas secularmente, as bases materiais e alguns dos traços ideopolíticos do trato da pobreza e da desigualdade, sob novos conteúdo e forma, podem ser identificados na atualidade, como na existência de classes sociais antagônicas, na exploração do trabalho e produção do valor e na propriedade privada. É verdade que as sociedades se complexificaram e são muitas as mediações históricas que percorrem o desenvolvimento do capitalismo e a própria configuração da classe trabalhadora, assim como, seus meios de luta e os mecanismos de controle do capital sobre o trabalho. Todavia, é inconteste que diferentemente do que ocorria nas formações sociais precedentes ao capitalismo, a pobreza não provém da penúria generalizada, mas de uma contínua produção de riquezas.

Nessa quadra histórica, a dinâmica do capitalismo adquiriu novas configurações, dentre elas, a expansão do processo de financeirização e suas articulações com a base produtiva na produção de lucros inimagináveis, bem como as expressões objetivas da luta de classe e da ação do Estado. Processos que encetam particularidades nos países centrais e periféricos, ora atravessados pela crise econômica, política, social, ademais da sanitária, decorrente da pandemia da Covid-19, num cenário tornado ainda mais complexo pela existência da guerra imperialista entre a Rússia e a Ucrânia.

Presencia-se o agravamento planetário da pobreza, mediado por retrocessos políticos regressivos, nacional e internacionalmente, com o brutal recrudescimento das desigualdades sociais, como revelam os dez artigos temáticos deste número da Revista Katálysis, inclusive problematizando a produção de alimentos no processo de mercantilização e comoditização da produção agrícola brasileira, ao lado do desmonte de políticas sociais estruturadoras, dentre elas a de segurança alimentar.

O Relatório da Oxfam-Brasil divulgado em de maio de 2022 (OXFAM, 2022), quando do encontro de Davos, argumenta que a pandemia do Coronavírus ampliou o crescimento das desigualdades e o aumento dos preços dos alimentos, em 2022, fato que levará 263 milhões de pessoas à extrema pobreza em todo o mundo, aumentando a fome e a falta de condições materiais e sociais de existência da população trabalhadora e empobrecida.

O relatório nos fornece uma fotografia das expressões das desigualdades, mas sua programática revela-se como uma aposta em medidas tributárias progressivas que devem ser usadas para reduzir desigualdades, quais sejam: imposto pandêmico urgente sobre os lucros excessivos das maiores corporações do mundo; imposto de solidariedade pandêmico urgente de 99% sobre a nova riqueza bilionária; imposto patrimonial permanente para os mais ricos. Como seria de esperar, tudo leva a crer que a instituição promotora do estudo, tem uma visão idílica sobre a viabilidade dessa proposta, especialmente em face da mobilidade mundial do dinheiro e da riqueza dos bilionários, cujos lucros foram recordes durante a pandemia nos setores alimentício, farmacêutico, energia e tecnologia, enquanto milhões de pessoas ao redor do mundo enfrentam uma crise de custo de vida.

Note-se, segundo dados publicados no Relatório, que a fortuna dos bilionários aumentou, em 24 meses, o equivalente a 23 anos. Bilionários dos setores alimentício e de energia aumentaram suas fortunas em um bilhão de dólares a cada dois dias. Surgiram 62 novos bilionários do setor de alimentos e um novo bilionário surgiu a cada 30 horas, em média, durante a pandemia. Ao mesmo tempo em que surgia um novo bilionário, um milhão de pessoas caiam na pobreza extrema.

Evidente que a pandemia mundial do coronavírus caracteriza-se pelo adoecimento e morte de milhões de pessoas, configurando-se como uma catástrofe humanitária que se alastrou planetariamente. Como qualquer fenômeno humano-social, a sua compreensão requer contextualização histórica: situá-la nas condições macrossociais da dinâmica capitalista que regem a produção da riqueza social e os modos de vida da população mundial, sem descurar das implicações da crise capitalista e da ofensiva neoliberal dessas últimas décadas (MOTA; RODRIGUES, 2021). É possível constatar a existência de imbricações entre as metamorfoses pelas quais passa o capitalismo do século XXI e o surgimento da crise sanitária mediada, dentre outros, pela produção destrutiva da natureza, comércio ilegal da fauna e da flora, expropriação da terra para produção de alimentos voltados à subsistência humana e o concomitante crescimento da grande propriedade fundiária e do agronegócio, tendências que imprimem características particularidades às suas manifestações e meios de enfrentamento em cada região e país.

Embora o discurso dominante impute à pandemia da Covid-19 a principal causa da crise econômica e social que afeta os países centrais e periféricos, o fato é que a pandemia do coronavírus não responde pelas contradições do mundo capitalista. Ao contrário, a crise sanitária é potenciada pelas estratégias de enfrentamento da crise do capital, levadas a efeito pela burguesia, para reverter a queda da taxa de lucro através de iniciativas que redefinem a divisão internacional do trabalho e institui renovadas formas de exploração do trabalho.

A realidade brasileira, cujos modos de ser e de viver das classes subalternas carregam marcas de relações sociais de classe, generificadas, racializadas, superexploradas e socialmente desprotegidas é herdeira de uma formação social com raízes no sistema colonial, no trabalho escravo e no latifúndio, onde a modernização capitalista assenta-se historicamente na dependência e subordinação ao capital-imperialista, sob a dominação da autocracia burguesa e exclusão política e econômica das classes trabalhadoras e subalternas (FERNANDES, 1987).

Na contemporaneidade, essas determinações históricas permanecem vigentes e se espraiam sob expressões diversas, marcadas por inaudita regressividade social, econômica e civilizatória, levadas a efeito pelo atual governo de extrema direita, do presidente Jair Messias Bolsonaro, agravadas pela preexistência de precárias condições infraestruturais, cortes orçamentários e desmonte de políticas, de que é exemplar a Emenda Constitucional nº 95 que constitucionalizou o ajuste fiscal ao congelar o gasto primário do governo federal por 20 anos. São décadas de políticas econômicas neoliberais a transformar serviços públicos em mercadorias, incentivando a riqueza corporativa e a evasão fiscal que corroeram o fundo público, os direitos e as condições de vida dos trabalhadores.

A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN) divulgou inquérito sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia, em que registra que o número de brasileiros que passam fome saltou, em apenas um ano, de 19 milhões para 33,1 milhões. No Brasil, da potência agrícola do agronegócio, quase seis em cada dez brasileiros (58,7% da população), convive com a insegurança alimentar em algum grau (leve, moderado ou grave). Segundo o inquérito, o país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990. De cada 10 domicílios, apenas quatro conseguem manter pleno acesso à alimentação, os outros seis se dividem entre os que estão permanentemente preocupados com a possibilidade de não ter alimentos. Em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar, ou seja, um aumento de 7,2% desde 2020 e de 60% em comparação com 2018. Para piorar, aqueles que produzem alimentos estão passando fome, pois a fome atingiu 21,8% dos agricultores familiares (PENSSAN, 2022).

Nesse ambiente, o oportunismo e as estratégias das classes dominantes adquirem fôlego, seja através das ações do Estado, sob a direção de um governo protofacista e militarizado, seja através dos aparelhos privados de hegemonia, num clima de acirrada luta e enfrentamentos políticos de classes. Estratégias coercitivas e consensuais são acionadas, tanto no campo ideocultural como no dos aparelhos repressivos, cujo principal destaque da ofensividade cultural é o uso das mídias sociais e das tecnologias de comunicação robotizadas pela Internet, seja sob a forma de fake news ou de apelos publicitários, através da ação de influenciadores digitais, afetando todos os aspectos da vida cotidiana (RODRIGUES; MOTA, 2021).

Ao expor as mazelas e contradições do capitalismo contemporâneo — cuja avidez pela acumulação da riqueza se dá às custas da exploração e pauperização das classes trabalhadoras, as classes dominantes voluntarizam e emergencializam o enfrentamento da desigualdade, da fome e da miséria, por fora das políticas sociais estruturadoras à mercê de ações pontuais, fragmentárias, de fácil uso populista e eleitoral (MOTA; RODRIGUES, 2021).

Guardando as devidas distâncias e os contextos históricos, quiçá possamos perceber o quanto as classes dominantes — secularmente — depositam na sujeição da fome e da pobreza as possibilidades de enfrentamento da barbarização da vida e insistem que a fome dependerá do suor do trabalho, ainda que não exista trabalho; e para os sobrantes estruturais — ainda que sejam potenciais usuários do que sobrou das políticas públicas de seguridade social, resta-lhes a hipoteca aos auxílios e à assistência social voluntária e eventual, numa reedição tosca das medidas liberais que estiveram presentes no alvorecer do capitalismo.

Ao teorizar sobre o capitalismo contemporâneo, Harvey (2004) afirma que, no curso do seu desenvolvimento, o capitalismo sela a unidade entre a potenciação da exploração do trabalho e a da espoliação material e social (da terra, da natureza, do dinheiro e dos direitos e meios de vida da população trabalhadora e subalterna), concluindo que a espoliação social é a marca do “novo imperialismo” (HARVEY, 2004).

Ao considerar essa dinâmica, identificamos uma ressignificação e atualização histórica da categoria expropriações no capitalismo contemporâneo que por caminho diferentes, perpetuam a saga das populações pauperizadas desde a emergência do capitalismo, tornando, dentre outros, a produção de alimentos em mercadorias que geram lucros estratosféricos, como parte do processo de reprodução ampliada do capital. Assim, a expropriação do direito a uma alimentação digna é reveladora da genética necessidade do capital em expropriar os trabalhadores, porém adotando meios, formas e estratégias que se atualizam, tornando-as consoantes à dinâmica capitalista do século XXI (MOTA, 2018).

Assim, as expropriações não se restringiram a uma fase histórica do capitalismo, como se poderia pensar nos termos dos processos de acumulação primitiva, marcados pela expropriação original da terra e dos meios de produção dos trabalhadores nos primórdios do capitalismo; presencia-se, sim, modernas expropriações, compatíveis com o capitalismo deste século, a despeito das abissais diferenças em relação ao passado. Na atualidade, o Estado das classes dominantes, torna-se permeável à pobreza, mas o faz no limite das suas necessidades, donde a recorrência aos programas de transferência de renda, nominados de auxílios, como o fez o atual governo brasileiro, inclusive contanto com os meios de comunicação para mobilizar iniciativas voluntárias da sociedade (associações caritativas, fundações empresariais, organizações não governamentais e populares) qualificando-as como políticas de assistência aos pobres, objeto da solidariedade moral dos dominantes e mesmo de outros trabalhadores em relação aos que não conseguem assegurar meios de sobrevivência.

Embora estejamos diante de uma conjuntura pessimista, o conjunto dos artigos ora publicados nos incitam a refletir sobre a realidade objetiva, cuja eversão clama pela organização e luta das classes subalternas, reiterando a clássica afirmativa marxiana de que os homens e as mulheres fazem história, mas sob condições e relações determinadas. Desse fazer história dependerá o enfrentamento político e público da desigualdade, da fome e da pobreza.

Finalizamos, citando extrato de um dos artigos desta edição:

O Direito Humano à Alimentação, que não se esgota na garantia de uma renda perene e acesso ao mercado, só pode ser realizado plenamente quando for ao encontro das necessidades humanas, no sentido de garantir uma alimentação com qualidade e em quantidades suficientes [...] A expropriação desse direito [...] aparta cada vez mais a maior parte da sociedade, em relação a qualquer possível forma de produzir, distribuir, e, inclusive, do que consumir. A comida se apresenta como um ser estranho, alheia a quem a produz. [...] A fome é expressão da questão social, e, inclusive, é estrutural, ao modo de produção, na medida em que será sempre presente, devido à forma desigual de apropriação da riqueza produzida, mas também na medida que esta tem um papel fundamental na extração de excedente e na realização do valor. (SILVA FILHO, 2022).

This issue of Revista Katálysis presents a timely, pertinent, and absolutely necessary topic. When approaching inequality and hunger as phenomena inherent to the development of capitalism, we investigate the singularities of the current Brazilian context, identifying its historical determinations in the scope of the dialectical and contradictory relationship between the growth of wealth and pauperization. These processes became more acute with the capitalist crisis and, within it, the health crisis, overthrowing civilizational achievements.

We look to the synthesis carried out by Karl Polanyi in his book, A Grande Transformação [The Great Transformation] (Polanyi, 2021, p.172), which identifies the emergence of poverty and hunger as phenomena of the sixteenth century — therefore, in force for five centuries — and that by force of the class struggle, became the object of state intervention, through the constitution of social rights and social security measures in the twentieth century.

Polanyi refers to the UK, the heart of the classical industrial revolution. For him, the emergence of modern poverty in the sixteenth century is directly related to the end of feudalism. This process transformed a population without land and means of survival “into a class of free laborers [that] was the combined result of the fierce persecution of vagrancy and the fostering of domestic industry which was powerfully helped by a continuous expansion of foreign trade” (Polanyi, 2021, p. 172).

Originally the object of bloodthirsty laws (Marx, 2017, p. 805-813) and other similar measures, such as the Poor Law and the Speenhamland Law (Polanyi, 2021, p. 139-170), the fencing off and expropriation of land determined the emergence of what Polanyi conceptualized as new poverty, in the context of the new society that emerged: capitalism.

From the seventeenth century onward, pauperism and its main expression, hunger, became the object of theorization of the most diverse thinkers of the time (liberals, socialists, naturalists, and conservatives). Smith, Townsend, Owen, Ricardo, Proudhon, and Burke, among others (Polanyi, 171-202), sometimes treated poverty from the perspective of assistance to the poor or addressed it by discussing its causes. Although showing divergent points of view, these thinkers defended that the poor should work, considering that hunger would be eliminated with the use of cheap labor, convinced that “an appropriate organization of the labor of the unemployed must produce a surplus” (Polanyi, 2021, p. 179), which occurred in the twentieth century.

Thinkers such as Smith, Ricardo, and Burke (Polanyi, 2021, p. 181-201), extensively discussed the relationship between labor, the free market, and the meaning of poverty in the context of liberal and conservative thought, aware of the weight of labor in the production of wealth. However, during the nineteenth century, in the face of the class struggle, the relationship between the free market and the welfare state – still present today – transformed the issues of poverty and labor into an eminently political issue.

The antipodean approach criticizes political economy and opposes the thinkers referred to in Polanyi’s synthesis (2021). Although taking the same starting point, Marx (2017) radically analyzed the determinations of the emergence of the poor in the classic Chapter XXIV of Book 1 of Capital, Primitive Accumulation, considered by him, the starting point of the capitalist mode of production (Marx, 2017, p. 785; Rosdolsky, 2001, p. 209-235). When referring to the meaning of primitive accumulation, he ironically states that it is the original sin of political economy, in an allusion to theology. He argued:

The legend of theological original sin tells us certainly how man came to be condemned to eat his bread in the sweat of his brow; but the history of economic original sin reveals to us that there are people to whom this is by no means essential. [...] And from this original sin dates the poverty of the great majority that, despite all its labour, has up to now nothing to sell but itself, and the wealth of the few that increases constantly although they have long ceased to work. (Marx, 2017, p. 785)

In a critical dialogue with liberals and conservatives who saw salaried labor of the poor and surplus-population as a means of producing private wealth, Marx considered that the capitalist subjugation of the worker began there. He refers to it as a kind of change in the form of feudal serfdom when large masses of human beings were suddenly and violently torn from their means of subsistence and thrown into the labor market as free proletarians (Marx, 2017, p. 787).

Violently expropriated from the land and given over to vagabondage, the expropriated population was “whipped, branded, tortured by laws grotesquely terrible [ah, the laws!], into the discipline necessary for the wage system.” Thus, the conditions were set so “the advance of capitalist production develops a working class, which by education, tradition, habit, looks upon the conditions of that mode of production as self-evident laws of Nature” (Marx, 2017, p.808). According to Marx’s analysis:

In the history of primitive accumulation, all revolutions are epoch-making that act as levers for the capital class in course of formation; but, above all, those moments when great masses of men are suddenly and forcibly torn from their means of subsistence, and hurled as free and “unattached” proletarians on the labor-market. The expropriation of the agricultural producer, of the peasant, from the soil, is the basis of the whole process. The history of this expropriation, in different countries, assumes different aspects, and runs through its various phases in different orders of succession, and at different periods. In England alone, which we take as our example, has it the classic form (Marx, 2017, p. 788, emphasis added).

Thus, it was historically consolidated the process in which the mass of workers — employed or surplus — came to depend on selling their workforce to obtain means of subsistence, now organized through wages and the market. Workers, always threatened by a surplus population pressuring wages down, are subjected to unemployment, poverty, and hunger. This process expelled and expropriated part of the rural population and simultaneously freed workers to be subjugated to the industrial capital, creating an internal market. The means of life — subsistence production and non-market labor — were transformed into commodities, and workers were progressively alienated from the work instruments and products.

The material bases and some of the ideopolitical traits of dealing with poverty and inequality have been established secularly. However, they can be identified nowadays under new content and form. They are found in antagonistic social classes, labor exploitation, and value and private property production. Societies have indeed become more complex. Many historical mediations run through the development of capitalism and the very configuration of the working class, its means of struggle, and the mechanisms of capital control over labor. However, it is undeniable that, unlike the social formations before capitalism, pauperism does not come from generalized poverty but from a continuous production of wealth.

The dynamics of capitalism acquired new configurations in this current historical period. Among these configurations are the expansion of the financialization process and its connections to the productive base in the production of unimaginable profit and the objective expressions of class struggle and state action. Processes that trigger particularities in central and peripheral countries, sometimes crossed by the economic, political, and social, in addition to the health crisis resulting from the Covid-19 pandemic, in a scenario made even more complex by the existence of the imperialist war between Russia and Ukraine.

There is a worldwide worsening of poverty, mediated by regressive political setbacks, in Brazil and internationally, with the brutal resurgence of social inequalities. This challenge is revealed by the ten thematic articles published in this issue of Revista Katálysis, including questioning the production of food in the process of commodification and commoditization of Brazilian agricultural production, alongside the dismantling of structuring social policies, including food security.

The Oxfam-Brasil Report released in May 2022 (Oxfam, 2022), at the time of the Davos meeting, argues that the pandemic has increased inequalities along with the rise in food prices in 2022, which will take 263 million people worldwide to extreme poverty, increasing hunger and the lack of material and social conditions for the working and impoverished population.

The report provides us with a snapshot of the expressions of inequalities. However, the publication’s agenda reveals a bet on progressive tax measures that should be used to reduce inequalities: urgent pandemic tax on the excessive profits of the world’s largest corporations; urgent 99% pandemic solidarity tax on new billionaire wealth; permanent estate tax for the richest. As expected, everything suggests that the institution promoting the study has an idyllic vision of the feasibility of this proposal, especially in the face of the global mobility of money and the wealth of billionaires, who had record profits during the pandemic in the food, pharmaceuticals, energy and technology sectors while millions of people around the world faced a cost-of-living crisis.

According to data published in the report, billionaires’ fortunes increased the equivalent of 23 years in just 24 months. Billionaires in the food and energy sectors increased their fortunes by a billion dollars every two days. There were 62 new billionaires in the food industry, and a new billionaire emerged on average every 30 hours during the pandemic. At the same time that a new billionaire appeared, a million people fell into extreme poverty.

The Covid-19 pandemic is clearly a humanitarian catastrophe that led to the illness and death of millions of people. Like any human-social phenomenon, understanding the pandemic requires historical contextualization: placing it in the macro-social conditions of capitalist dynamics that govern the production of social wealth and the ways of life of the world population without neglecting the implications of the capitalist crisis and the neoliberal offensive observed in these last decades (Mota; Rodrigues, 2021). It is possible to verify overlaps between the metamorphoses of the twenty-first-century capitalism and the emergence of the health crisis mediated by the destructive production of nature, illegal trade in fauna and flora, expropriation of land for food production aimed at human subsistence, and the concomitant growth of large land ownership and agribusiness. These trends give particular characteristics to the expressions and means of confrontation in each region and country.

Although the dominant discourse attributes the Covid-19 pandemic as the main cause of the economic and social crisis that affects central and peripheral countries, the fact is that the pandemic does not respond to the contradictions of the capitalist world. On the contrary, the health crisis is potentiated by the bourgeoisie’s strategies to face the crisis of capital, reverse the profit rate fall through initiatives that redefine the international division of labor, and institute renewed forms of labor exploitation.

In Brazil, subaltern classes are socially unprotected and characterized by social relations based on class, gender, race, and overexploitation. The country inherited a social formation with roots in the colonial system, in slave labor, and in the latifundium, where capitalist modernization is historically based on dependence and subordination to imperialist capital, under the domination of bourgeois autocracy and political and economic exclusion of the working and subaltern classes (Fernandes, 1987).

These historical determinations remain in force and spread under different expressions, marked by unprecedented social, economic, and civilizing regressivity, carried out by the current extreme right-wing government of President Jair Messias Bolsonaro. This is aggravated by the preexistence of precarious infrastructural conditions, cuts, and dismantling of policies, one example being Constitutional Amendment 95, which constitutionalized the fiscal adjustment by freezing the federal government’s primary spending for 20 years. Decades of neoliberal economic policies have transformed public services into commodities, encouraging corporate wealth and tax evasion that have eroded public funds, workers’ rights, and living conditions.

The Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar [Brazilian Research Network on Sovereignty and Food Security] (Penssan) released a survey on food insecurity in the context of the pandemic. The institution reports that the number of Brazilians who are hungry jumped, in just one year, from 19 million to 33.1 million. In Brazil – a powerhouse of agriculture production and agribusiness – almost six out of ten Brazilians (58.7% of the population) live with food insecurity to some degree (mild, moderate, or severe). According to the survey, the country has regressed to a level equivalent to the 1990s. Of every ten households, only four manage to maintain full access to food. The other six are divided among those who are permanently worried about the possibility of not having food. In absolute numbers, 125.2 million Brazilians have experienced some degree of food insecurity – an increase of 7.2% since 2020 and 60% compared to 2018. To make matters worse, those who produce food are experiencing hunger, as hunger affects 21.8% of family farmers (Penssan, 2022).

In this environment, the opportunism and strategies of the dominant classes gain breath, either through state actions, under the direction of a protofascist and militarized government, or through the private apparatus of hegemony, in a climate of fierce struggle and political class confrontations. Coercive and consensual strategies are activated, both in the ideo-cultural field and in the repressive apparatus, whose main highlight of cultural offensiveness is the use of social media and robotic communication technologies over the Internet, whether in the form of fake news or advertising appeals, through the action of digital influencers, affecting all aspects of everyday life (Rodrigues; Mota, 2021).

By exposing the ills and contradictions of contemporary capitalism – where greed for wealth accumulation comes at the expense of the working class’ exploitation and pauperization, the ruling classes turn the confrontation of inequality, hunger, and misery into a matter of volunteering and emergency care, outside structuring social policies. They relegate the measures to tackle these challenges to punctual and fragmentary actions for easy populist and electoral use (Mota; Rodrigues, 2021).

When keeping the necessary distances and considering the historical contexts, it may be possible to realize how much the ruling classes — secularly — assume that overcoming hunger and poverty is the way to face the barbarization of life and insist that hunger depends on work, even if there is no work. As for the structural surplus-population, the potential users of what is left over from welfare policies, their fate is to depend on voluntary and punctual social assistance, in a crude reissue of the liberal measures present at the dawn of capitalism.

When theorizing about contemporary capitalism, Harvey (2004) states that, in the course of its development, capitalism marks the unity between the potentiation of labor exploitation and that of the material and social spoliation (land, nature, money, resources, rights, and livelihoods of the working and subaltern population), concluding that social spoliation is the hallmark of the “new imperialism” (Harvey, 2004).

When considering this dynamic, we identify a re-signification and historical update of the expropriations category in contemporary capitalism, which perpetuates the saga of impoverished populations since the emergence of capitalism, turning the production of food into goods that generate stratospheric profits, as part of the process of expanded capital reproduction. Thus, the expropriation of the right to decent food reveals the genetic need of capital to expropriate workers but adopting updated means, forms, and strategies, making them consonant with the capitalist dynamics of the twenty-first century (Mota, 2018).

Thus, expropriations were not restricted to a historical phase of capitalism, as one might think in terms of primitive accumulation processes – marked by the original expropriation of land and workers’ means of production in the early days of capitalism. We are witnessing modern expropriations, compatible with the capitalism of this century, despite the abysmal differences compared to the past. Nowadays, the state of the dominant classes becomes permeable to poverty, but it does so within the limits of its needs. This context favors the emergence and recurrence of cash transfer programs, named “auxílios” [aid] (as the current Brazilian government did) and the mobilization of volunteers in initiatives led by civil society (nonprofits, business foundations, social movements) with the support of mass media. These initiatives are labeled as assistance policies for the poor, the object of moral solidarity of the dominant class and workers themselves toward those who cannot ensure means of survival.

Although we are facing a pessimistic situation, the set of articles published in this issue of Revista Katalysis encourages us to reflect on objective reality, whose eversion calls for the organization and struggle of subaltern classes, reiterating the classic Marxian statement that men and women make history but under certain conditions and relationships. The political and public confrontation of inequality, hunger, and poverty will depend on this making of history.

We conclude by quoting an extract from one of this issue’s articles:

The Human Right to Food, which is not limited to guaranteeing permanent income and access to the market, can only be fully accomplished when it meets human needs, guaranteeing quality and sufficient food [...] The expropriation of this right [...] increasingly separates most of society from any possible way of producing, distributing, and even consuming. Food is a strange being, alien to those who produce it. [...] hunger is an expression of the social issue and is even part of the mode of production’s structure insofar as it will always be present, due to the unequal form of appropriation of the wealth produced, but also as it has a key role in extracting surplus and value realization. (Silva Filho, 2022, our translation).

Referências

FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaios de interpretação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2017.

MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2011.

MOTA, A. E. Expropriações contemporâneas: hipóteses e reflexões. In: BOSCHETTI, I. (org.). Expropriações e direitos no capitalismo. São Paulo: Cortez, 2018.

MOTA, A. E; RODRIGUES. M. Ultraconservadorismo, política anticivilizatória e luta de classes. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL LUTAS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA, 6., Londrina, 2021.

OXFAM-MEDIA-BRIEF-BR-Lucrando-com-a-Dor-Davos-2-sem-embargo.pdf. 2022. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/lucrando-com-a-dor/. Acesso em: 16 jun. 2022.

PENSSAN. II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil [livro eletrônico]. São Paulo, SP: Fundação Friedrich Ebert; Rede PENSSAN, 2022.

POLANYI, K. A grande transformação: as origens políticas e econômicas da nossa época. Rio de Janeiro: Contraponto, 2021.

ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, Contraponto, 2001.

SILVA FILHO, O. J. Contribuições para o debate da comida no capitalismo contemporâneo. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 25, n. 3, ago./dez. 2022.

Autor notes

Ana Elizabete Mota bmota@elogica.com.br Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Professora do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Ricardo Lara ricardolarauf@gmail.com Doutorado em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) Professor Associado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

UFPE Avenida dos Economistas S/N – Cidade Universitária Recife – PE – Brasil CEP: 50740-590UFSC Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima – Trindade Florianópolis – Santa Catarina – Brasil CEP: 88.040-900

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por