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Réplica
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Réplica
Recepção: 06 Julho 2017
Aprovação: 21 Julho 2017
Ficamos felizes por ver nosso texto na seção Debates da Interface – Comunicação, Saúde e Educação e mais ainda com os comentários tão pertinentes dos convidados. Juan Gérvas lembrou aos leitores das certezas que precisamos ter para implementar um exame de rastreamento e trouxe dados mostrando como, no caso do rastreamento de câncer de próstata, elas não existem – e as que existem contraindicam o exame. Mônica de Assis agregou o olhar do Instituto Nacional de Câncer (Inca), que vem estudando o tema e difundindo os problemas do rastreio há anos. Alfredo Neto contribuiu com a perspectiva dos estudos sociais sobre a ciência (os science studies) e da sociologia da internet (como o filter bubble e o viés de confirmação), que analisam como, em suas palavras, “[...] a produção do conhecimento científico vem obedecendo às regras do mercado e, ao mesmo tempo, sustentando cientificamente o próprio mercado”.
Em abril de 2017, entre a aprovação do artigo original e o recebimento dos comentários, a United States Preventive Services Task Force (USPSTF) abriu consulta pública para revisão de seu posicionamento1. O órgão está considerando mudar sua recomendação de “contra rastreamento de câncer de próstata com PSA” (grau de recomendação D) para “informar homens de 55 a 69 anos sobre potenciais benefícios e riscos” desse tipo de rastreio (grau de recomendação C) – em outras palavras, individualizar a decisão. Ainda é uma draft recommendation, um rascunho de recomendação, embora urologistas brasileiros logo tenham noticiado que a USPSTF havia “voltado atrás” em sua posição2.
As grandes pesquisas que embasam essa discussão continuam sendo a European Randomized Study of Screening for Prostate Cancer (ERSPC)3 e a United States Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian Cancer Screening Trial (PLCO)4. O benefício do rastreamento, se houver, continua sendo modesto. Perez et al.5 comparam grupos de pacientes antes e depois do posicionamento de 2012 e concluíram que ele:
“[...] não afetou o número ou as características clínicas de pacientes encaminhados a um centro terciário por PSA elevado. Depois da recomendação, urologistas aumentaram a solicitação de PCA3 [gene associado ao câncer de próstata] e repetição do PSA e recomendaram menos biópsias na visita inicial. A fração de pacientes que finalmente receberam uma biópsia permaneceu a mesma” (p. 85).
Isso parece traduzir uma preocupação maior na indicação das biópsias, consequência, a nosso ver, muito positiva. Bhindi et al.6 também estudaram as mudanças nas taxas de biópsias e detecção de câncer (nesse caso, entre outubro de 2008 e junho de 2013), encontrando uma diminuição nas biópsias em geral e de primeira vez (relacionada provavelmente à menor solicitação de PSA), com menos diagnósticos de câncer. Os autores destacam que a diminuição no diagnóstico de cânceres de baixo risco é encorajadora, mas preocupam-se com a diminuição simultânea dos diagnósticos de cânceres com score de Gleason 7-10, que se beneficiariam de um tratamento radical. Nada se pode afirmar, no entanto, como isso altera a parcela de doença metastática ou na mortalidade por câncer de próstata. Como comentou Juan Gérvas, para que se estabeleça um programa de rastreio, é preciso ter certeza de um impacto positivo na mortalidade por câncer de próstata, na mortalidade geral por câncer, na mortalidade por todas as causas e na qualidade de vida das pessoas submetidas ao rastreamento. Por paradoxal que pareça, menos diagnósticos não são suficientes para retomar o rastreio populacional.
Outro ponto que precisa ser cada vez mais discutido é a resistência da imprensa em noticiar os riscos dos excessos de exames. É muito comum, ao terem contato com a pauta (como aconteceu em novembro de 2015), que os veículos de comunicação de grande alcance não cheguem a avaliar o assunto. Consideram tratar-se de um desserviço à população, com o pensamento de que iriam prejudicar o cuidado em saúde ao criar uma consciência sobre o rastreamento sem necessidade. Isso deixa a informação jornalística a desejar, pois os profissionais de mídia sabem desde sua formação que devem sempre ouvir diferentes lados de uma história e deixar, no caso do rastreamento, o público tomar a decisão de realizá-lo ou não. No entanto, sabemos que muitos patrocinadores e anunciantes desses veículos fazem parte do complexo médico-industrial, incluindo indústrias farmacêuticas e grandes redes de drogarias, o que acaba por determinar o editorial de cada emissora ou publicação.
A cultura da população também deve ser levada em conta. No livro “São e Salvo”7, Juan Gérvas e Mercedes Pérez-Fernández citam como pessoas saudáveis têm estado sempre em busca de doenças por meio de exames de rotina realizados desnecessariamente. A preocupação com o futuro é excessiva e o presente vivido é muito esquecido.
O desafio de produzir informação de qualidade é ainda maior hoje, quando a informação é produzida por todos e facilmente divulgada e compartilhada, sem comprovação ou evidência científica confirmada. Profissionais da saúde e aqueles que atuam diariamente na produção de conteúdo em saúde leigo devem informar quanto aos riscos da Medicina e limites da prevenção para públicos diversos quanto a escolaridade, gênero, idade e outros aspectos.
Além disso, entidades que promovem as “campanhas coloridas” muitas vezes não consideram o impacto delas na demanda por procedimentos nos serviços públicos de saúde, nos quais a racionalidade dos recursos está mais profundamente colocada do que no sistema suplementar (mais influenciado pelas regras de mercado).
Felizmente, desde antes de 2015, a discussão sobre excessos de exames, independentemente de campanhas, está mais aberta e vem conquistando mais espaço na mídia, empoderando as pessoas para que façam suas escolhas e pesem riscos e benefícios de rastreamentos. Isso conta com o empenho da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e das médicas e médicos de família no dia a dia nos postos de saúde e consultórios particulares de todo o Brasil.
Diante de 50 tons de azul, continuamos em alerta vermelho quanto à saúde dos homens.