Resumo: A fim de contribuir com a concepção de políticas de mobilidade urbana mais eficientes, foram definidas e avaliadas estratégias para promover o transporte não motorizado (principalmente a pé) nos jogos realizados no estádio do Maracanã, que possam ser replicáveis em outras instalações esportivas que fazem parte dos megaeventos no Rio de Janeiro. As estratégias foram formuladas com base em duas fontes de informações, na revisão bibliográfica e nos resultados de uma pesquisa de campo constituída por: mais de 1.000 entrevistas com os espectadores dos jogos no Maracanã durante a Copa das Confederações de Futebol 2013; grupos focais envolvendo frequentadores desse estádio; e entrevistas em profundidade. Posteriormente, especialistas da administração pública foram consultados e avaliaram tais estratégias, definindo como prioritárias aquelas referentes às melhorias na infraestrutura e nos equipamentos para pedestres e cadeirantes, bem como as campanhas de divulgação e de conscientização que incentivam o uso dos modos não motorizados e desestimulam o uso dos automóveis. As estratégias destacadas pelos especialistas se caracterizam por apresentar um menor nível de dificuldade e de custo para a sua implantação, representando uma boa opção para melhorar a qualidade urbana e promover a mobilidade sustentável.
Palavras-chave: Estratégias de transporteEstratégias de transporte,Transporte não motorizadoTransporte não motorizado,CaminhadaCaminhada,BicicletaBicicleta,Megaeventos esportivosMegaeventos esportivos.
Abstract: Strategies to promote non-motorized transport (mainly on foot) are defined and evaluated in the games held at the Maracanã stadium. The strategies are formulated based on bibliographical review, and on the results of a field research comprising more than 1,000 interviews with spectators of the 2013 FIFA Confederations Cup games at the Maracanã, focus groups with stadium attendants, and in-depth interviews. Subsequently, public administration specialists evaluated the strategies and prioritized those related to improvements to infrastructure and facilities for pedestrians and people in wheelchairs, as well as dissemination and awareness campaigns to promote more sustainable transport alternatives. The strategies highlighted by the specialists are characterised by lower levels of complexity and cost of implementation, representing a good option to improve urban quality and promote sustainable mobility. These strategies are expected to be replicated in other sports facilities hosting mega-events in Rio de Janeiro.
Keywords: Transport strategies, Non-motorised transport, Walking, Bicycle, Mega-events.
Artigo Científico
Estratégias para incentivar o transporte não motorizado em megaeventos esportivos: o caso do estádio do Maracanã, Rio de Janeiro
Strategies to promote non-motorized transportation in major sporting events: the case of Maracanã stadium, Rio de Janeiro
Recepção: 02 Novembro 2016
Aprovação: 12 Setembro 2017
A ocorrência de megaeventos nas cidades representa diversos desafios para a administração pública, como o gerenciamento do grande número de pessoas atraídas e os impactos significativos que elas geram no sistema de transporte, em razão das altas demandas de viagens concentradas em um breve período de tempo, devendo o sistema de transporte garantir a mobilidade efetiva de bens e de pessoas com necessidades cotidianas e temporais (Parkes et al., 2016).
Comumente nesses eventos, o planejamento e o gerenciamento da mobilidade se fundamentam em estratégias destinadas a incentivar o uso do transporte público (TP) e a restringir o uso do automóvel. Entretanto, observa-se uma menor atenção dada aos modos não motorizados (MNM), apesar de que eles são uma atraente alternativa quando os eventos se realizam em contextos urbanos que permitem viagens de curta a média distância (Portugal et al., 2014).
Além disso, as viagens em MNM integradas a outros modos motorizados são expressivas, considerando que a caminhada, comumente, está presente no início e no final dos deslocamentos, representando um elo de conexão modal (LTNZ, 2009; Rietveld, 2000). Somente nas últimas duas décadas, têm-se incrementado as políticas dirigidas a promover os MNM em razão dos evidentes efeitos positivos destes em termos de favorecer o ambiente, de ser econômico, de dar suporte à economia local, de incrementar a percepção de segurança e de melhorar a saúde pública (Banco Mundial, 2002; Rodrigues et al., 2014). Essa mudança de enfoque, valorizando o papel dos MNM, constitui um desafio na formulação das estratégias de transporte (Malhado & Rothfuss, 2013), o que contrasta com os tímidos avanços observados em cidades brasileiras (Flórez et al., 2014). Em tal contexto, autores, como Stott et al. (2006), têm procurado entender o comportamento dos usuários em megaeventos. Mais recentemente, Parkes et al. (2016) estudaram a mudança no comportamento das viagens dos indivíduos quanto à mobilidade cotidiana nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos (JJOO) de Londres 2012. Eles apontaram que houve redução no número das viagens, além de alterações nos horários, nos modos e nas rotas. Mudança nos padrões de viagens também foi observada em evento realizado no Rio de Janeiro (Portugal et al., 2014). Entretanto, em Londres, 6% mantiveram o novo comportamento após os jogos, mostrando que os megaeventos representam uma oportunidade para promover estratégias que incentivem e incorporem comportamentos de mobilidade sustentável. No caso da mudança modal, requer-se que a nova alternativa ofereça condições comparativas que sejam percebidas pelos usuários e favoreçam a sua escolha (Parkes et al., 2016). Bovy (2007) expõe que um dos aspectos cruciais do serviço e da infraestrutura do transporte em megaeventos é o estádio e o seu entorno, em um raio de 1 km, no qual se concentram viagens a pé e diferentes modalidades de acesso.
Nesse sentido, cresce a exigência pela disponibilização de serviços adequados para garantir um transporte de qualidade tanto para os turistas como para os moradores, segundo a noção de legado (Portugal et al., 2014). No entanto, o estádio de futebol do Maracanã como outros equipamentos esportivos da cidade localizam-se em bairros que permitem acesso a pé ou por bicicleta, sendo possível promover os MNM durante futuros megaeventos, assim como favorecer o acesso ao TP com medidas que permitam melhorar a qualidade dos trajetos a pé entre as estações e paradas de TP e as instalações esportivas.
A fim de contribuir com a concepção de políticas de mobilidade mais eficientes, neste artigo foram definidas e avaliadas estratégias para promover o transporte não motorizado nos jogos realizados no estádio do Maracanã. As estratégias foram formuladas com base na revisão bibliográfica e nos resultados de uma pesquisa de campo formada por: mais de 1.000 entrevistas com os espectadores da Copa das Confederações FIFA em 2013 (CC2013); grupos focais realizados com frequentadores do estádio; e entrevistas em profundidade dirigidas a cadeirantes. Os resultados foram submetidos à avaliação de especialistas que trabalham na administração pública.
Deve-se ressaltar que existem poucos estudos sobre mobilidade em cidades brasileiras que consideram as atitudes e preferências dos usuários na escolha modal em megaeventos, assim como na literatura em geral (Malhado & Rothfuss, 2013). Também são escassas as pesquisas sistematizadas e documentadas sobre experiências envolvendo a mobilidade em megaeventos no Rio de Janeiro, apesar do histórico dessa cidade em acolher grandes eventos (Rio de Janeiro, 2013), como os Jogos Pan-Americanos em 2007, a Copa do Mundo de Futebol FIFA em 2014 (CMF2014) e os JJOO2016. Portanto, os resultados desta pesquisa contribuem para preencher uma parte desse vazio do conhecimento, ao levar em consideração as motivações dos usuários na sua escolha modal com ênfase nos MNM, assim como na definição de estratégias que consideram experiências prévias, valorização dos usuários e avaliação de especialistas.
O artigo estrutura-se em cinco itens, incluindo esta introdução. No segundo item, apresenta-se o contexto em que se realiza a pesquisa e, no terceiro, descrevem-se as estratégias destinadas a promover os MNM, principalmente a caminhada, incluindo-se, de forma exploratória, os cadeirantes e os ciclistas. Por fim, apresentam-se os resultados da avaliação das estratégias pelos especialistas e as conclusões.
Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), realizam-se diariamente mais de 22 milhões de viagens (Rio de Janeiro, 2015), das quais cerca de 94% ocorrem no espaço viário, o qual não dispõe de uma malha viária suficiente e especializada para atender a essa elevada demanda, bem como pela tendência de aumento da taxa de motorização (ODM, 2013). Como consequência, são frequentes os acidentes de trânsito, que afetam, principalmente, os usuários mais frágeis. Além disso, cerca de 60% das mortes no trânsito do Rio são por atropelamentos de pedestres e de ciclistas (Waiselfisz, 2013), o que indica a pouca atenção dada aos MNM.
Em tais condições, atender às necessidades de mobilidade geradas por um megaevento envolve certa complexidade, exigindo adequadas políticas públicas, como incentivar o uso da caminhada e da bicicleta. Entretanto, para o seu sucesso, é requerido que o entorno da instalação esportiva apresente condições seguras e favoráveis a tais modalidades.
No caso do estádio do Maracanã, ele se insere na Grande Tijuca, cujo ambiente construído é potencialmente indicado à utilização dos MNM, fruto do uso do solo denso e diverso, malha viária altamente conectada e infraestrutura destinada aos pedestres. Também para os ciclistas, ao situar-se na área que tem a maior extensão de ciclovias da cidade (81 km), além de uma conexão ao centro urbano, segundo dados de 2011 (Armazém de Dados, 2016; Rio de Janeiro, 2016). Vivem nessa área 456 mil habitantes, dos quais 12% têm nível de renda mais alto e compatível com o perfil do grupo-alvo do megaevento. Entretanto, apresenta uma taxa de motorização acima da média da cidade, o que sugere uma maior propensão ao uso do automóvel, reforçando a necessidade de políticas de restrição de acesso por essa modalidade.
Durante a CC2013, realizaram-se entrevistas nas imediações do estádio, aplicando três tipos de questionários a uma amostra dos espectadores dos três jogos realizados no Maracanã. Um questionário, identificado como “compacto”, tratou das características pessoais dos usuários (idade, sexo, local de residência) e das características da viagem para acessar o estádio (origem e modalidade principal). Outro questionário, chamado “complementar”, acrescentou perguntas sobre: a percepção da qualidade da viagem (em todas as modalidades), os motivos que justificaram a escolha do modo utilizado na viagem ou prevista para o próximo jogo. O terceiro questionário aplicou-se às pessoas que usavam cadeiras de roda, indagando-as adicionalmente sobre a percepção da qualidade da viagem e, especificamente, sobre a qualidade do trajeto realizado, desde o modo de transporte principal até o estádio.
Posteriormente, processaram-se os dados válidos, resultando em um total de 1.095 questionários compactos, 351 complementares e 17 dirigidos aos cadeirantes. Do total da amostra do questionário compacto, 7,43% dos participantes realizaram sua viagem a pé (Tabela 1). Com relação ao questionário direcionado aos cadeirantes, ainda que pequena a amostra, é possível identificar os atributos de qualidade de serviço mais valorados pelos usuários.
Adicionalmente, foram utilizadas duas técnicas qualitativas: grupos focais e entrevistas em profundidade. A primeira permitiu explorar a percepção, as atitudes e o comportamento dos pedestres de forma mais detalhada. Essa técnica se aplica em grupos reduzidos de pessoas com certas características comuns e que fazem parte do público-alvo da pesquisa (Cruz et al., 2002). Com tal propósito, buscou-se aplicar em dois grupos com moradores nos bairros do entorno do Maracanã que tivessem assistido a algum evento no estádio depois de sua reforma (junho de 2013): um grupo envolvendo cinco jovens universitários (20-25 anos) e outro grupo de dez pessoas com mais de 25 anos. Com a realização do segundo grupo, foi possível ratificar as tendências observadas no primeiro e fundamentar a análise, alcançando os objetivos propostos. Já nas entrevistas em profundidade (Malhotra, 2012), exploraram-se individualmente, por meio de diálogo semiestruturado, as opiniões genuínas dos entrevistados. Foram realizadas sete entrevistas com cadeirantes e seis com especialistas dessa área. Ambas as técnicas permitiram obter informações detalhadas e valiosas que, posteriormente, foram processadas para complementar os resultados dos questionários aplicados.
Com relação aos resultados dos questionários, a região da Tijuca concentra a origem de todas as viagens a pé para acessar o Maracanã, devido às naturais limitações desse modal para percorrer longas distâncias. Ainda assim, quase 15% das viagens geradas nela realizaram-se por modos motorizados individuais (táxi e automóvel), apesar das restrições para estacionar (Tabela 1).
Vale mencionar que a proporção de viagens em bicicleta foi desprezível, o que impossibilitou considerar a opinião dos ciclistas. Porém, a pouca utilização dessa modalidade justifica um maior incentivo de seu uso nesses megaeventos. Já a proporção de viagens a pé reforça sua a importância como alternativa de transporte e a necessidade de ser incentivada. Em ambos os casos, o desafio é de contemplar adequadas estratégias derivadas das boas práticas disponíveis, mas, ao mesmo tempo, aderentes às especificidades locais, fruto das pesquisas de campo realizadas.
As estratégias propostas estão destinadas a incentivar os MNM, principalmente a caminhada, incluindo ações orientadas aos cadeirantes e aos ciclistas. Aquelas direcionadas a promover as viagens a pé foram elaboradas de acordo com os resultados obtidos nos questionários realizados durante a CC2013, nos grupos focais, assim como os derivados da revisão bibliográfica. Além disso, foram enfatizadas recomendações para a área da Tijuca, onde todas as viagens a pé se originaram. As estratégias destinadas a favorecer o acesso dos cadeirantes se sustentam, além do estado da arte, nos dados obtidos por meio das entrevistas em profundidade realizadas com eles e com os especialistas e dos resultados dos questionários. Já as recomendações para o incentivo da bicicleta foram definidas baseadas apenas na revisão bibliográfica.
Desse processo derivaram-se 16 estratégias que, posteriormente, foram agrupadas em categorias, considerando a classificação proposta por America Walks & Sam Schwartz Engineering (2012), com base em quatro áreas: desenho e engenharia (desenho, tráfego, elementos das interseções e sinalização envolvendo a infraestrutura e aspectos operacionais); uso do solo; promoção e educação; e aplicação das normativas. De acordo com a natureza e o alcance desta pesquisa e dos resultados obtidos em campo, destacaram-se os componentes da área de “desenho e engenharia” com ênfase nos pedestres, resultando em um total de cinco categorias: a primeira (A) englobou aquelas relacionadas às melhorias necessárias em termos de infraestrutura e de equipamentos destinados a pedestres e cadeirantes; a segunda (B) reuniu tais melhorias específicas da bicicleta; a terceira (C) abrangeu o conjunto de condições operacionais necessárias para uma melhor experiência dos pedestres; a quarta (D) agrupou o conjunto de ações orientadas a educar os potenciais usuários sobre as vantagens dos MNM; a quinta (E) compreendeu estratégias dirigidas ao uso do solo e à promoção da Tijuca como área de eventos e de zona turística devido ao seu potencial.
As estratégias encontram-se sumarizadas nas Tabelas 2 a 6. Na primeira coluna de cada uma das referidas tabelas elas são definidas, e, na segunda, são indicados os resultados da pesquisa de campo, assim como as fontes bibliográficas que as sustentam.
Esta categoria compreendeu três estratégias que buscam favorecer um ambiente mais seguro e inclusivo, trajetos mais diretos e conexão entre os pontos de interesses e as paradas e estações de TP (Tabela 2).
As três estratégias contempladas nesta categoria pretendem incentivar o uso da bicicleta, propiciando condições mais seguras e de conectividade entre os pontos de interesse que se encontram a uma distância compatível com as características operacionais dessa modalidade (Tabela 3).
Esta categoria incluiu quatro estratégias que buscam favorecer fluxos de pedestres com menos conflitos e melhorar as condições de segurança viária e pessoal. Considerando-se que muitos espectadores não moram no bairro, preveem-se sinalização e equipamentos que favoreçam sua orientação (Tabela 4).
As estratégias destinam-se a divulgar e a conscientizar as pessoas quanto às vantagens comparativas do uso das modalidades sustentáveis em relação ao automóvel (Tabela 5).
Com as estratégias E1 e E2, pretende-se promover atividades permanentes e temporárias na região com o propósito de gerar um ambiente seguro e ameno, mais propício aos MNM. As estratégias E3 e E4 são destinadas a promover a Tijuca como uma região propensa a realizar atividades de entretenimento, assim como de alojamento para visitantes (Tabela 6).
Depois da determinação e classificação das estratégias, realizou-se uma consulta a profissionais (da Secretaria Municipal de Transportes do Rio de Janeiro, da Companhia de Engenharia de Tráfego e da Empresa Olímpica Municipal) dedicados à prática do planejamento e da gestão dos transportes, com atuação na elaboração e na execução do plano de transportes e trânsito durante os jogos da CC2013 e da CMF2014 realizados no Maracanã.
O objetivo da consulta foi garantir uma interação com os especialistas a fim de analisar a adequabilidade e validar as estratégias propostas, envolvendo um processo participativo, transparente e respaldado tecnicamente, permitindo convergir para um elenco de estratégias mais consolidado.
Dos especialistas consultados, dez deles confirmaram a sua participação, preenchendo uma tabela enviada por correio eletrônico para a avaliação das estratégias.
Os especialistas avaliaram cada estratégia por meio de perguntas fechadas, com base em itens tipo-Likert (Boone & Boone, 2012), para definir a importância, o grau de dificuldade e o horizonte de aplicação destas, ou escrevendo diretamente, no caso de consultas abertas (principais restrições e atores responsáveis). Nos itens tipo-Likert, transferem-se qualidades atitudinais em uma escala quantitativa para fins do processamento dos dados, mas, nesse caso, diferentemente da escala Likert, cada item é tratado como uma pergunta individual sem pretender combinar os resultados das respostas no momento da análise. Consequentemente, as medidas de tendência central devem ser a mediana ou a moda (Boone & Boone, 2012).
O grau de importância, que mede a relevância de implementar cada estratégia a fim de promover os MNM, foi avaliado por meio de uma escala de cinco níveis: 1, sem importância; 2, pouco importante; 3, indiferente; 4, importante; e 5, muito importante. Porém, o grau de dificuldade de implementar tais estratégias foi medido em apenas três níveis: 1, baixo; 2, moderado; e 3, alto. Antes de definir este último, os consultados deviam descrever as principais restrições de acordo com sete categorias: políticas; recursos (financeiros-custos e tempo); legais; técnicas; gerenciais e de planejamento; culturais (mudança de hábito e comportamento); ambientais e sociais (segurança).
Na Figura 1, apresentam-se os resultados obtidos (em porcentagens) com relação ao grau de importância que os especialistas outorgaram a cada estratégia.
Foram calculados a moda (Mo) para medir a tendência central dos dados e o intervalo (I) para medir a sua dispersão, na análise estatística referente à importância e à dificuldade de cada estratégia. Levando em conta essas análises, classificaram-se as estratégias a partir dos seguintes critérios:
A prioridade de aplicação das estratégias classificou-se em alta, moderada e baixa prioridade, de acordo com sua importância e dificuldade;
A importância aumentou com o valor da Mo, portanto considerou-se que as estratégias com moda igual ou maior a 4 eram as que tinham maior importância. O intervalo indicou a dispersão entre os dados; consequentemente, para menores valores de I, obteve-se maior consenso na valoração feita pelos especialistas;
O grau de dificuldade para a implantação de cada estratégia foi medido pela moda dos valores e do intervalo. Para valores da Mo igual a 1, classificou-se como baixa dificuldade; igual a 2, moderada; e valores de 3, como de alta dificuldade. Entretanto, todas as estratégias obtiveram valores de 1 e 2. Com relação ao intervalo, os valores observados não apresentaram um comportamento que orientasse a classificação dos resultados.
Considerando estes aspectos, foram definidos os critérios estabelecidos na Tabela 7 e os resultados são mostrados na Tabela 8.
Adicionalmente, realizou-se uma análise quanto ao horizonte de aplicação e aos atores responsáveis, enfatizando as estratégias consideradas mais importantes pelos especialistas. Para o horizonte de aplicação das estratégias, foi considerada a porcentagem de respostas dos consultados, com as estratégias a serem implementadas, no curto (dois anos) ou médio prazo (cinco anos), compreendendo todas aquelas em que 60% ou mais dos entrevistados concordaram que a aplicação deveria ser em algum desses períodos. Nos casos em que o respectivo percentual variou entre 50% até 60%, entendeu-se que existia uma situação indefinida para o horizonte de aplicação.
Com base nos resultados (Tabela 8), verificou-se um alto consenso entre os especialistas sobre a identificação das estratégias de alta prioridade, pois a dispersão entre as respostas foi baixa (I ≤ 2), além de que todas as estratégias apresentaram um baixo nível de dificuldade de implantação. O grupo de estratégias com moderada prioridade teve valores da moda de 3 e 4. Em geral, a dispersão entre as opiniões dos especialistas foi maior (I = 3, com uma exceção), enquanto o nível de dificuldade se encontrou entre baixo e moderado.
Por fim, as estratégias de baixa prioridade, além de contar com menores valores da moda, tiveram a maior dispersão de respostas (I = 4) e, portanto, mostraram menor consistência e consenso entre os especialistas, apesar de manter o nível de dificuldade entre moderado e baixo.
Adicionalmente, ao se observar a Figura 1, verificou-se que, em algumas estratégias, as opiniões sobre o grau de importância encontraram-se divididas (50% importante e 50% pouco importante), como C4 e E2, ou inclusive no caso da E4, em que 50% dos consultados opinaram que era indiferente, o que sugere um maior aprofundamento desses casos em pesquisas posteriores.
Com relação às categorias das estratégias, constatou-se que todas as orientadas a infraestrutura e equipamentos para pedestres e cadeirantes (A), assim como as que estão direcionadas a promover as modalidades mais sustentáveis (D), são consideradas de alta prioridade. Quanto às estratégias orientadas às condições operacionais, à sinalização, à iluminação e à segurança (C), C2 e C3 foram consideradas de alta prioridade, C1, de média, e C4, como de baixa prioridade. Todas as estratégias agrupadas na categoria B, destinadas a infraestrutura e ao equipamento para bicicletas, foram contempladas como de prioridade moderada. Uma das estratégias dirigidas ao uso do solo e à promoção e marketing do bairro considerou-se de prioridade moderada (E1), e as outras três, de baixa prioridade (E2, E3 e E4).
No que diz respeito às estratégias de alta prioridade, as restrições mais frequentes estavam associadas à falta de recursos, às deficiências de gerência e de planejamento e a aspectos políticos. No que se refere aos recursos, citaram-se os econômicos e financeiros para a execução de obras e compra de mobiliário urbano. Quanto às deficiências de gerência e de planejamento, foi citada, principalmente, a falta de projetos urbanos (mobilidade, tráfego e desenho urbano), assim como a necessidade de investimento e de fiscalização por parte dos órgãos públicos. Por último, as restrições políticas foram associadas à falta de comprometimento do poder público com projetos relacionados à promoção de MNM.
Em termos gerais, observou-se que existe uma tendência à aplicação das medidas no curto prazo. A maioria dos especialistas (entre 70 e 100%) considerou que, com exceção da A2, as seis demais estratégias de alta prioridade podiam realizar-se no curto prazo.
Quanto aos atores responsáveis pela implantação das estratégias de maior prioridade, os especialistas, apesar de destacarem o papel da Prefeitura do Rio de Janeiro, incluíram o Governo do Estado do Rio de Janeiro, as operadoras dos transportes, os organizadores do evento, a mídia e a sociedade civil.
Os organizadores do evento passaram a ter um papel muito importante nas estratégias sugeridas, as quais, geralmente, estão associadas ao entorno do megaevento. Essa característica envolve, na maioria dos casos, um esforço conjunto de atores locais. Os meios de comunicação também tiveram um papel importante nas estratégias dirigidas à divulgação e à promoção de ações de conscientização e de incentivo a comportamentos e escolhas modais compatíveis com modalidades sustentáveis.
Ressalta-se ainda que a presença de diferentes atores na implantação de cada estratégia exige um esforço de articulação e de integração, que não tem sido comum no marco institucional das cidades e, principalmente, das metrópoles brasileiras, representando um desafio para a administração pública.
As 16 estratégias propostas contaram com respaldo teórico e prático, já que, além de terem sido identificadas a partir de consulta ao estado da arte, foram também extraídas dos resultados das opiniões de mais de 1.000 participantes e, ainda, avaliadas por especialistas.
De acordo com os especialistas consultados, todas as estratégias recomendadas neste artigo para incentivar as viagens não motorizadas tiveram baixo ou moderado nível de dificuldade para a sua implantação. Nesse sentido, representam uma boa opção para melhorar a qualidade urbana de certos setores da cidade e para promover a mobilidade sustentável com ações de baixo a moderado custo e de baixa complexidade técnica, o que se torna mais evidente ao se comparar com os requerimentos técnicos e custos de investimentos associados a ações dirigidas a infraestruturas e serviços destinados ao transporte motorizado.
As estratégias propostas destinam-se às áreas adjacentes ao estádio do Maracanã e estendem-se à Grande Tijuca. Não obstante, elas poderiam ser contempladas em outras zonas da RMRJ que contêm infraestrutura e instalações esportivas de grande porte e que se localizam em bairros com condições potenciais às viagens a pé e de bicicleta.
Com a aplicação das estratégias propostas indiretamente, incentiva-se o uso do TP, ao melhorar a qualidade dos trajetos para os pedestres e cadeirantes desde as paradas e estações dos sistemas coletivos até as instalações esportivas, assim como com outros geradores de viagens. Ainda assim, recomenda-se que, em prol de promover uma mobilidade mais sustentável na RMRJ, também se apliquem, de forma conjunta, medidas a favor do TP e de desestímulo ao uso do automóvel.
As estratégias consideradas de alta prioridade dirigem-se, principalmente, a melhorias de infraestrutura e de equipamentos para os pedestres e cadeirantes, incluindo na iluminação, na sinalização, bem como campanhas de divulgação e de conscientização que incentivem o uso dos MNM e reforcem as restrições de acessar e estacionar no entorno do estádio. Com relação às medidas destinadas a estimular o uso da bicicleta, elas são consideradas de moderada prioridade. Ainda, as estratégias mais orientadas ao uso do solo e à promoção do bairro são consideradas de moderada a baixa prioridade, o que pode significar uma tendência dos especialistas em valorizarem as ações mais concretas na melhoria da infraestrutura para os pedestres e nas campanhas de incentivo ao uso dos modos sustentáveis.
Das sete estratégias destacadas pelos especialistas, seis poderiam ser executadas no curto prazo, e todas com baixo grau de dificuldade de implantação, favorecendo a sua aplicação. Mesmo assim, isso ainda não ocorreu, provavelmente por restrições, como a atuação coordenada entre os atores intervenientes.
É válido ressaltar que as 16 estratégias resultantes configuram uma base de conhecimento que deve servir de referência e de estímulo para novos aprofundamentos e aperfeiçoamentos. Destaca-se também que os megaeventos deveriam ser vistos como oportunidades para se construir uma cultura de planejamento e de operação segundo uma concepção intersetorial e integrada, valorizando a pesquisa de campo para capturar as especificidades locais e as necessidades percebidas pelos usuários do evento. Acrescenta-se a necessidade de se garantir um processo de decisão mais transparente e participativo que contribua para a promoção de um sistema de transporte mais digno para a população do Rio de Janeiro e seus visitantes. Ressalta-se ainda que as mudanças de comportamento dos usuários em suas viagens, durante os megaeventos, podem permanecer e ser estendidas a seus deslocamentos cotidianos (Parkes et al., 2016). Por último, na hora de formular e de implementar estratégias, os governos locais devem considerar e garantir uma visão de conjunto da metrópole. Tal como indica Sassen (2007), é necessário que as autoridades assumam competências sob um marco mais amplo e inovador de governança. Assim, Varela (2015) prevê que as autoridades deverão enfrentar o desafio que representa a coordenação e a articulação entre os atores envolvidos e assumir competências e funções, como o marketing urbano, as associações público-privadas, a gestão do conhecimento, entre outras, garantindo uma visão que responda à dinâmica da região metropolitana.
Ao apoio do CNPq e da Rede Ibero-Americana de Estudo em Polos Geradores de Viagens; aos especialistas da Secretaria Municipal de Transportes do Rio de Janeiro, da Companhia de Engenharia de Tráfego e da Empresa Olímpica Municipal, que contribuíram na validação dos resultados desta pesquisa.