Resumo:
Neste artigo discuto os textos do pensador uruguaio José Enrique Rodó publicados na Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales (1895-1897), periódico uruguaio finissecular que desempenhou expressão ímpar no processo de sociabilidade intelectual da América Latina.Minha hipótese,é que seus escritos ofereceram ferramentas para a história da literatura produzida pós-emancipação política,num momento marcado pela fragmentação ideológica, em que configurou como grande desafio encontrar uma posição entre a hegemonia da literatura europeia – principalmente a de origem francesa – e a necessidade de elaboração de uma literatura continental autêntica. Nesse sentido, ao mapear as publicações sequenciais de Rodó, é possível percebê-las também como linhas definidoras de um saber sobre a literatura hispano-americana, que forjou um sistema analítico interessado na consolidação de um conhecimento que compreendeu a história intelectual, o pensamento social hispano-americano e a sociedade. Neste artigo discuto os textos do pensador uruguaio José Enrique Rodó publicados na Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales (1895-1897), periódico uruguaio finissecular que desempenhou expressão ímpar no processo de sociabilidade intelectual da América Latina.Minha hipótese,é que seus escritos ofereceram ferramentas para a história da literatura produzida pós-emancipação política,num momento marcado pela fragmentação ideológica, em que configurou como grande desafio encontrar uma posição entre a hegemonia da literatura europeia – principalmente a de origem francesa – e a necessidade de elaboração de uma literatura continental autêntica. Nesse sentido, ao mapear as publicações sequenciais de Rodó, é possível percebê-las também como linhas definidoras de um saber sobre a literatura hispano-americana, que forjou um sistema analítico interessado na consolidação de um conhecimento que compreendeu a história intelectual, o pensamento social hispano-americano e a sociedade.
Palavras-chave:José Enrique RodóJosé Enrique Rodó,Revista Nacional de Literatura y Ciencias SocialesRevista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales,História da crítica literáriaHistória da crítica literária,Pensamento Social Hispano-AmericanoPensamento Social Hispano-Americano,AmericanismoAmericanismo.
Abstract: In this article I discuss the texts written by the Uruguayan thinker José Enrique Rodó, published in the National Journal of Literature and Social Sciences - Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales (1895-1897), an end-of-century Uruguayan periodic journal that played a unique role in the process of intellectual sociability in Latin America. My hypothesis is that his writings offered tools for the history of the literature produced after the political emancipation, at a moment marked by ideological fragmentation, in which he set as a great challenge to find a position between the hegemony of European literature - especially that of French origin - and the need for elaboration of an authentic continental literature. In this sense, by mapping Rodó’s sequential publications, it is possible to perceive them as defining lines of a knowledge about Hispanic-American literature, which forged an analytical system interested in the consolidation of a knowledge that included intellectual history, Hispanic-American social thought and society.
Keywords: José Enrique Rodó, Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales, History of literary criticism, Hispanic-American Social Thought, Americanism.
Dossiê
Os escritos de José Enrique Rodó na Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales, esboço de uma história literária
The writings of José Enrique Rodó in the journal Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales, sketch of a literary history

Recepção: 01 Abril 2019
Aprovação: 20 Maio 2019
A Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales com sede em Montevidéu foi editada entre os anos de 1895 e 1897 pelos autores uruguaios José Enrique Rodó (1871-1917)1, Victor Perez Petit (1871-1947)2, Carlos Martinez Vigil (1870-1949)3 e Daniel Martinez Vigil (1867-1940)4, seu primeiro número foi lançado em 5 de março de 1895. Conforme seus coordenadores, o objetivo desta publicação era expressar a “vida cerebral” das novas gerações em termos de matéria científica e literária, uma vez que tinha caráter diferenciado do “noticieirismo sensacional” e estaria mais interessada em trabalhos científicos ou das letras humanas.
Em seu programa de redação, a Revista afirma que a juventude estava privada de uma publicação capaz de exteriorizar seus anseios e de demonstrar suas energias, em conformidade com a “peculiaridade da raça” e com as tendências das correntes científicas do presente século. Nesse sentido, determina:
[...] puede con igual justicia ser señalada por los más optimistas como sintomatología precursora de un estado decadente, si no anómalo, del pensamiento nacional. No creemos que nos tilde de presuntuosos si decimos que la presente publicación tiente a satisfacer, por lo menos, la premiosa necesidad ya apuntada y a sacudir el marasmo en que yacen por el momento las fuerzas vivas de la intelectualidad uruguaya (RODÓ et al., 1895, p. 1).
Em suas páginas a Revista reuniu durante seu primeiro ano de existência a mais representativa intelectualidade uruguaia do momento. Em seu segundo ano, estabeleceu relações com os centros mais cultos do Continente: Santiago do Chile, Buenos Aires, Lima, Caracas, Colômbia, e Equador, e até com a Espanha:
Recién hacia en 95, y en las páginas de la ‘Revista Nacional’, cuajan las corrientes modernas y encuentra resonancia aquella compleja agitación que en los centros de ultramar había renovado tan profundamente, en los últimos lustros las ideas y las formas (FELDE, 1941, p. 196).
A Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales foi o órgão de expressão mais representativo das novas tendências no Uruguai, e de modo mais definido e categórico, repercutiu o múltiplo movimento operado no seio da cultura ocidental durante o último terço do século XIX. Este século chegava ao fim, conforme Alberto Zum Felde (1941), dividido em muitas correntes, de características e direções distintas, que às vezes se entrecruzavam, porém incertas e sem rumo definido. Sob esse signo de decadência teria aparecido, uma geração intelectual que daria às letras uruguaias nomes e obras de categoria superior à existente.
A Revista editou 60 cadernos quinzenais, desses, 28 números possuem artigos de José Enrique Rodó,que pôde exercer a atividade como crítico literário ao pronunciar análises sobre mais de 20 romancistas e de poetas de diversas nacionalidades, fornecendo um diagnóstico da arte no Continente Latino-Americano.
“De todas partes, era aquellos días, las voces que llegaban hasta Montevideo, traían, con el halago de una fundada alabanza, el reconocimiento de que un alto crítico de rara calidad intelectual y moral acababa de nacer en su seno” (SEGUNDO, 1945, p. 54).
A “acolhida” da Revista por parte do público e dos jornais da época foi muito boa e importante para seus criadores. Os termos para descrevê-la eram altamente elogiosos. Segundo Monegal (1957), tratava-se de uma típica “empresa juvenil”, mas estava planejada e executada com um sentido comum: a conquista da ressonância dos escritos para fora do país.
Quando Rodó escreveu seu primeiro texto na Revista, na sessão de crítica literária, intitulado “Dolores”, analisando a poesia do espanhol Frederico Balart (1831-1905), se tratava de um jovem autodidata de 23 anos de idade, proveniente de uma cidade sem grandes planteis educacionais e sem tradições na cultura letrada.
Ao retomar os escritos de José Enrique Rodó na Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales, pretendo ressaltar alguns princípios fundamentais de sua política literária e filosófica para a América Latina. Ressalto que para está análise tomarei a compilação de Emir Rodríguez Monegal, de 1957, a distância temporal de mais de cinquenta anos entre os escritos originais e a compilação podem alterar o sentido dos textos de Rodó (não foi realizada uma comparação com os textos originais publicados à época), uma vez que eles são registros próximos do presente da escrita, traduzem um momento da cultura e permitem captar com nitidez a latência prévia à consolidação de ideologias culturais enquanto um conjunto articulado de ideias e valores (PATIÑO, 2009). No entanto, Monegal organizou os textos em ordem de publicação cronológica na Revista (como ele aponta na edição, alguns textos também foram reproduzidos em outros periódicos, mas segundo ele, houve a manutenção de sua forma original) possibilitando ao leitor a compreensão de seu projeto literário em um momento de transição do século XIX para o XX, cuja aposta principal seria continuação dos povos hispânicos unidos pelo sentimento de tradição americana.
Carlos Altamirano (2010), aponta que a análise da história dos intelectuais na América Latina também é possível ser realizada através das revistas, pois elas traduziram direções e batalhas do pensamento nas sociedades modernas, além de se configurarem como agrupamento e organização da inteligência. O programa da Revista Nacional expõe esta perspectiva:
Por los citados, fácilmente se comprueba que la Revista Nacional cuenta con la cooperación valiosa y entusiástica de los primeros ingenios jóvenes del país en las manifestaciones radiosas de la ciencia y la literatura (RODÓ et al., 1895, p. 1).
O que estes autores propunham neste momento, a partir de um ativismo intelectual, era uma integração a partir de ferramentas possíveis, no caso as revistas literárias, que serviram como possibilidade de ampliação de fronteiras intelectuais, formação de leitores, elaboração de visões, projeção de programas pautados no idioma comum, o espanhol.
Suzan Zanetti (1994), aponta que o período de 1880-1916 é aglutinador para as letras hispano-americanas, pois é o momento de superação das manifestações literárias mais ou menos isoladas, regionalizadas, para organizar uma literatura de diferentes sistemas e de variada intercomunicação em nível continental. Houve, conforme a autora, um esforço para atualizar a literatura na região, que buscava espaço próprio, a partir modelo era a literatura ocidental contemporânea.
Aislamiento y atmosfera de ahogo para la actividad intelectual y artística fueron los rasgos de muchas ciudades donde pasaron su infancia y adolescencia un buen número de letrados; emprendieron entonces el abandono, típico de la modernidad, del “pequeño mundo” en busca de otros horizontes, estimulados por las promesas de contacto con lo nuevo, que afluía a los centros más avanzados (ZANETTI, 1994, p. 494).
Os periódicos literários se multiplicaram, apesar das dificuldades econômicas. A autora menciona além da Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales, a Revista Nueva (1900-1903), de Santiago de Chile, Revista Americana, de 1912, El Mercurio de América (1898-1900), de Buenos Aires, La Neblina (1896-1897), El Cosmos (1896-1897) do Panamá, como exemplos que cumpriram funções de religação da literatura e pensamento hispano-americano, num momento em que estas nações passavam por processos de modernização. As propostas estéticas destes periódicos eram comuns, e, pela primeira vez convertiam a Hispano-América num campo de solidariedades articuladas para a defesa dos mesmos ideais.
Neste sentido, como apontam Jorge Schwartz e Roxana Patiño (2004), as revistas podem ser pensadas e estudas a partir de uma nova tendência da crítica literária e cultural, como um espaço dinâmico de circulação e interseção de discursos significativos para o estudo não só da literatura, sim de análise, história, da sociologia cultural, da história das ideias e da história intelectual, uma vez que elas atuaram como geradoras e sustentadoras das diversas posições que intelectuais e artistas tomaram ao longo do século a respeito de problemáticas específicas, e, ao mesmo tempo, em sua projeção exterior, abriram “vasos comunicadores” com uma sociedade que em mais de um momento embarcou na cultura para encontrar bases identitárias, conteúdos integracionistas e novos fundamentos de valor.
Júlio Ramos (2008) salienta que a relação entre política e literatura no século XIX ocorreu de forma muito aproximada, principalmente durante as guerras de Independência. Os Estados deveriam se consolidar, delimitar os territórios e produzir a autoridade de uma lei central, capaz de submeter as particularidades em disputa a um projeto de uma nova homogeneidade, inclusive linguística e nacional. Nesse sentido, escrever significava dar forma ao sonho modernizador, era civilizar.
No momento em que a literatura e o conhecimento especializado sobre ela não preenchem mais a centralidade da cultura, como mediação hegemônica, como sonho civilizador e demarcador das relações entre a sociedade, a razão e o Estado, torna-se importante uma releitura dos textos de José Enrique Rodó na Revista Nacional, tendo como prerrogativa de que este pensador, a partir de uma rede diversificada de intelectuais hispano-americanos, forjou de forma central uma disciplina ou mesmo uma metodologia para refletir sobre a cultura, literatura e pensamento hispano-americano.
Os textos produzidos de forma intensa entre 1895 e 1897, revelam sua função mentora para a travessia do século XIX ao XX, sem maiores prejuízos à literatura. Portanto, a análise desse material contribui para a percepção de instrumentos metodológicos que evidenciam o cruzamento de materiais estéticos e ideológicos dessa região, e são registros de um momento cultural de extrema importância para a formulação de projetos culturais e políticos para a América Latina, em toda sua extensão.
A Revista Nacional, pode ser lida como o início da manifestação de sua consciência de tradição, vista por Rodó como o elemento vivo e fecundo que reúne o passado dos povos latino-americanos com seu futuro, ainda inseguro. Essa concepção de tradição evoca o sentimento de um porvir aberto e promissor.
Rodó fala em nome de uma obra de arte que tem função social, que esteja empenhada no desenvolvimento coletivo da personalidade, para tanto, deveria acompanhar o movimento da vida e o da ação.
No interior da pátria intelectual (termo cunhado por Rodó), como destacou Maíz (2009) ocorreria um febril ativismo que inclui instituições, academias, ateneus, salas de redação de periódico, revistas, encontros e inclusive grêmios intelectuais. Para integrar esta pátria se requer o cultivo da inteligência, o exercício das letras e uma mínima noção de solidariedade. A pátria intelectual pode ser pensada em contraposição à “República Mundial das Letras”, que tem sua capital em Paris. Nasce com uma necessidade de conter e integrar os intelectuais periféricos, impedindo muitos deles de se influenciar pelas pestes pegajosas de Paris (expressão de Clarín).
El saldo más palpable de esta intercomunicación entre España y América fue el forjamiento de la “patria intelectual” imaginada, un lugar ideal en que los hombres letrados podían no sólo conectarse entre sí, sino además elaborar visiones, pulir ideas, proyectar programas con vistas a crear una sociedad de hombres agrupados por el uso de un común instrumento: la lengua (MAÍZ, 2009, p. 21).
Para a exposição do argumento crucial, a consolidação da história crítica da literatura hispano-americana registrada por Rodó em seus textos na Revista, divido o texto conforme os principais assuntos ressaltados por ele, sob a perspectiva de um programa a ser estabelecido. No primeiro momento, enfoco qual o papel desempenhado pela geração jovem no processo de aprendizagem desta história literária, para tanto, o crítico atribuiu a necessidade de retomar a geração dos grandes iniciadores desta tradição, os independentistas românticos, os primeiros pensadores que segundo Rodó, formularam a necessidade de consolidar também a “emancipação espiritual”. Desses jovens, Rodó espera que eles aprendam com os Maestros, mas não como servos que abdicam de suas personalidades, mas como alunos reflexivos, que aprendam a pensar por conta própria. A Juventude em Rodó, como veremos, deveria se converter em força portadora do novo humanismo espiritualizado.
No segundo momento, abordo suas concepções como crítico literário e qual seria o significado de uma literatura finissecular que precisa urgentemente encontrar um eixo comum. O sentido da tradição desenvolvido por ele, evoca as nações hispano-americanas a um mesmo objetivo, porém a construção dessa literatura não poderia se afastar da “pátria-mãe” espanhola, que seria o elo e também o exemplo da experiência comum entre os países deste continente. O que não desobrigava a consolidação efetiva de uma arte e de um pensamento próprios. Rodó acreditava, de forma progressista, que a sociedade uruguaia, bem como a América Hispânica como um todo, descendia da grande “calda letrada” representada pela Espanha. Percebemos em seu programa a noção da necessidade do processo histórico para que a América Latina não fosse mais colônia cultural. Como veremos, da aposta no reestabelecimento das relações com a Espanha, resultou seu contato com o crítico espanhol Leopoldo Alas (1852-1901), considerado uma grande influencia em seu pensamento.
Por fim, observo a gênese de seu projeto cultural, o “americanismo moderno”, sincronizado sim com a cultura europeia, mas pautado numa autenticidade americana. A independência política, portanto, não significava a independência cultural e, ao mesmo tempo, a América Latina não poderia seguir “desamparada”, como um “servo que abdica de sua personalidade”, sim, como aprendiz atenta daquilo que o continente experiente já produzira e deixara de legado para o restante do mundo, como uma sugestão que estimula a pensar sobre si mesmo, por conta própria, sem a necessidade da imitação restritiva.
O livro Ariel (1900), de José Enrique Rodó é reconhecido pela extensa fortuna crítica do autor5 como um chamado à juventude hispano-americana,um“manifesto” ou “guia” que convocava aos jovens, de modo entusiasmado, à reflexão e inovação de ideias, devido seu compromisso com o futuro do continente. Júlio Ramos (2008), ressalta que muitos autores do século XIX expressavam em seus discursos o ensejo racionalizador, daí o impacto pedagógico de Ariel e o grande impulso para a construção da figura do Maestro, responsável pela orientação da inteligência.
No entanto, o que me interessa ressaltar nesta reflexão, é que este mesmo esforço intelectual que visava à juventude em Ariel, já aparecia nos escritos anteriores, publicados na Revista. Monegal (1957), sublinha que este espaço foi a primeira tribuna literária de Rodó, a partir dele estão presentes alguns de seus princípios fundamentais de sua política literária: a necessidade de preservar a continuidade da cultura hispânica como um braço da cultura ocidental, o sentimento de tradição hispano-americana e nacional. Estes textos revelam seu interesse pela literatura contemporânea de língua espanhola, uma sensibilidade para as novas manifestações do pensamento, principalmente francês, e da arte, e uma orientação vocacional ao pleno exercício da crítica literária.
Em seus textos da Revista, Rodó buscou apoiar-se num formato de transmissão do conhecimento literário fundamentado na tradição cultural da América Hispânica, inspirando aos jovens por meio de uma disciplina intelectual. Liliana Weinberg (2018) aponta que o Maestro não representa apenas uma figura de autoridade, sim uma estrutura elementar de sociabilidade, sedimentada no modelo de transmissão de saberes que foi fundamental na tradição cultural latino-americana. As redes comunicativas que o pensador uruguaio estabeleceu a partir de Montevidéu tinham como objetivo formar uma elite orientadora de uma juventude desinteressada materialmente e de pensamento amplo, que ao remontar a história da literatura hispano-americana, apontando o papel dos autores de gerações anteriores, que contribuíram para a sua formação e emancipação mental, fosse apta a dar prosseguimento à tarefa já iniciada. Para Pablo Rocca (2001), o trabalho de narrar a história literária de Rodó, tinha como meta “obsessiva” a autoctonia literária americana.
Notamos a presença de uma educação voltada para a ação espiritual e reflexiva; a juventude necessitava atingir um estado de maturidade, assim como o Continente Latino Americano, e os modelos não deveriam ser vistos como cópias, sim como influencias que resultariam num equilíbrio entre tradição, passado e modernidade, futuro. Segundo Reyes (1980, p. 92):
Repetimos siempre que en el abrir el siglo XX Rodó descubre la importancia de la juventud en tierra americana. No es posible seguir la siesta del coloniaje pero tampoco convulsionar la marcha de los pueblos como las tormentas sacuden el mar. “es necesario – escribe Rodó – la presencia de una juventud reflexiva que sepa actuar. América necesita mucho de su juventud”. La juventud no puede sentir miedo de actuar cuando se encamina reflexiva, pensante. Debe darse cuenta que no puede despertar más “al salvaje que el ser humano lleva dentro”.
Portanto, a educação para Rodó possui como grande elemento definidor o objetivo civilizatório da população jovem, e consequentemente do continente americano. A vantagem de sermos um continente onde a promessa de desenvolvimento se projetava como grande, era a característica incentivadora da produção intelectual do escritor, que no entender de Rodó deveria ser comprometido.
Em seu segundo artigo publicado no periódico em questão, datado de 20 de março de 1895, intitulado “Juan María Gutiérrez, introdución a un estudio sobre literatura colonial”, Rodó ressalta a importância de Juan María Gutiérrez6 (1809-1878), que foi um defensor dos princípios independentistas, e pretendia incorporar a tradição literária da colônia no corpus continental.
Para Rodó, Gutiérrez ofereceu possibilidade poética à juventude, e representa a transição entre a literatura criola e a cultura clássica, além de ser um grande entusiasta pelo ideal que move o caráter de um escritor em busca de uma personalidade. Segundo Rodó, cada vez mais que se busca precedentes da cultura dos povos da Prata, se depara com a luta política, um “trabalho mental” cujo objetivo era o de formular uma tradição intelectual nas sociedades latino-americanas. E essa personalidade importante teria sido na sua concepção, o grande iniciador dos estudos das origens da atividade literária dos povos da América. O inaugurador de uma tradição de cultura quase por completo ignorada. Essa geração de 1830, assinalada por Rodó, foi responsável por uma revolução literária e filosófica, que fixou o embate de seu tempo. “La juventud del eminente crítico y humanista destaca gallarda sobre el fondo luminoso de una época de renacimiento intelectual” (RODÓ, 1957a, p. 745).
Outra personalidade relembrada por Rodó, em artigo de 20 de maio de 1895, que segundo ele teve também uma iniciativa de reforma social e de emancipação literária foi Juan Carlos Gómez (1820-1884), importante jornalista e político uruguaio. Para Rodó, glorificar a memória dessa figura juvenil seria evocar do fundo da história uruguaia a força moral e intelectual de seus dias mais fecundos.
De los pueblos anhelos primeros de su alma, ansiosa de luz; del despertar de las energías de su mente en días heroicos, data en realidad el abolengo intelectual de nuestro pueblo, y el primer espacio franqueado dentro de su tumultuosa actividad para la vida del espíritu. Faltaban a Montevideo tradiciones propias de cultura. Había dormido en la sombra, oprimida por sus arreos de plaza fuerte, el largo sueño colonial. Había permanecido privada, en el transcurso de las luchas de la Independencia, de la supremacía de la acción y del pensamiento con que otras ciudades americanas centralizaban las fuerzas de la revolución, encauzándolas por el impulso de la propaganda escrita y la tribuna (RODÓ, 1957a, p. 759).
Neste sentido, Rodó aponta a ausência de tradições culturais próprias, que era resultante de uma incipiente vida intelectual na sociedade colonial fechada para a atividade espiritual, mas a “figura juvenil” de Gómez se destacou e contribuiu para a elaboração de uma história da literatura, que contemplava tanto os aspectos locais, como os ocidentais clássicos. Essa observação de Rodó, que aponta os feitos de uma juventude, pode ser lida como um diagnóstico da mudança da narrativa crítica literária, pois conferiu importância a modelos interpretativos que serviram como inspiração na consolidação de seu conceito de americanismo literário. No trecho abaixo Rodó comenta a necessidade de honrar a solidariedade histórica existente do continente, para que o futuro seja construído sob sólidas bases.
Entre nosotros, merecen ser honradas las generaciones que han precedido a las que tienen la representación oscura del presente, no sólo a nombre de aquella solidaridad histórica inquebrantable, sino también por un derecho evidente de superioridad. – El interés del porvenir se une a “la voz sagrada de la historia” (RODÓ, 1957a, p. 763).
A sociedade fragmentária e recém independente do século XIX apontada inúmeras vezes por Rodó nos textos da Revista, somente poderia forjar identidade para as letras hispano-americanas a partir da força e do impulso juvenil, cujos elementos mais importantes seriam as letras e a configuração de uma estética própria.
Para Uruguay Cortazzo (1986), Rodó enfrenta um momento histórico da literatura sem clássicos, pois vivencia uma situação nova, por isso assume o papel de continuador de uma geração que o antecedeu, desenvolvendo o sentimento americanista.
As publicações sequenciais de Rodó na Revista, apontam que nos últimos 5 anos do século XIX, o autor vislumbrava como interesse reflexivo o magistério para os jovens acessarem a história espiritual de seus antecedentes, a fim de formar a beleza moral, ética e estética da juventude.
Belém de Castro Morales (1990) aponta que a juventude é concebida por Rodó como uma força canalizadora, uma potência a ser educada, isso significaria uma proposta positiva e otimista diante dos signos negativos e decadentes da época. Neste sentido, há a percepção de que o indivíduo deve ser educado, orientado, conhecer a literatura e cultura produzidas em seu entorno, refletir, todos os elementos presentes numa sociedade moderna. Insistia na necessidade da contínua revisão e educação da personalidade; proteísmo seria o termo que sintetiza o conceito de educação, pois envolve a multiplicidade das potências humanas e um trabalho continuado para a consolidação da personalidade. Rodó alertava sempre aos perigos que o pensamento estreito e especializado pudesse gerar. Disso provém sua crítica ao positivismo, corrente que na sua opinião fora interpretado de maneira equivocada na América Latina, uma vez que se valorizou o critério utilitário e material do conhecimento.
Arturo Ardao (1968), em seu livro Espiritualismo y positivismo en Uruguay, afirmou que o positivismo trouxe ao Uruguai uma verdadeira revolução cultural sem semelhante na história. Gerou um aprofundamento do cientificismo, significou uma mudança essencial dos conteúdos da inteligência nacional e influenciou principalmente como filosofia pedagógica e política. No entanto, o autor também ressalta que o positivismo não era uma corrente de pensamento exclusiva, sim mesclava-se a outras, num turbulento e contraditório ambiente intelectual.
Alberto Zum Felde (1987) reforça essa ideia ao afirmar que a geração a quem Rodó dirige suas palavras é cética e individualista, sem ideias definidos e nem orientações seguras, por isso seu agudo intelectualismo se voltou a essa desorientada juventude.
Rodó, ao apostar na juventude como meio para consolidar o pensamento, a originalidade e a beleza, não deixa de conceber uma evolução sequencial da espécie, dentro de uma dimensão progressista, que marcaria o início de uma nova civilidade, concebida a partir da perspectiva da formação da “raça intelectual”, via humanismo espiritual. A organização dessa potência revitalizante fazia parte do conteúdo programático de sua “pátria intelectual”, cujo tema mais importante era a recomposição de um quadro valorativo da literatura e do pensamento autônomos.
A atuação rodononiana como crítico revela como traço uma herança romântica, pois concebe a literatura como expressão do espírito de um povo, como manifestação de sua alma. Em seu “programa crítico”, observa-se uma reflexão constante sobre a necessidade de consolidação de uma literatura representativa do continente. Por não se ater, exclusivamente, à uma concepção da arte literária como distração, entretenimento ou evasão, marcou a discussão sob a perspectiva de literatura como responsabilidade coletiva.
Seus escritos na Revista pronunciaram análises críticas sobre mais de 20 romancistas, das mais diversas nacionalidades. Segundo (1945), assinala que suas críticas sobre essas criações poéticas remontam todo um acervo da chamada “República da Arte”, ou seja, a produção cultural do final do século XIX e início do XX.
Todo propósito de autonomía literaria que no empiece por reconocer la necesidad de la vinculación fundamental de nuestro espíritu con el de los pueblos a quienes pertenece el derecho de la iniciativa y de la dirección, por la fuerza y la originalidad del pensamiento, será, además inútil, estrecho y engañoso – mirando al lado del naciente es como hemos de ver alzarse por mucho tiempo todavía la más intensa luz que irradiará sobre nuestra organización moral, sobre nuestra vida inteligente, tal así como si el espíritu de la raza reconociese, brillando em la profundidad del horizonte, el fuego lejano de su hogar (RODÓ, 1957b, p. 157).
A preocupação rodoniana em consolidar uma entidade cultural autônoma, com consciência de identidade e unidade interna, foi tema muito debatido com autores espanhóis, grandes influências para Rodó, dentre eles, Leopoldo Alas7.
Na Revista, Rodó analisou dois trabalhos referentes aos estudos críticos de literatura de Alas, sendo: “La crítica de Clarín”, de 1895, e “Notas sobre crítica”, de 1896. Rodó é quase 20 anos mais jovem que o autor espanhol, por isso referia a ele como o mestre, e sempre resguardava a posição de aluno.
Em seu primeiro artigo, sublinhou que a personalidade mais avançada do sentido moderno das ideias críticas e de amplitude intelectual seria Alas. Sua crítica coincidiria com as primeiras manifestações de mudança do gosto espanhol, representa ansiedade por coisas novas, que brotam como presságio de uma renovação do ambiente moram dos dias contemporâneos.
Una generosa aspiración de armonía o inteligencia entre los espíritus separados por parcialidades de escuelas y confesiones, pero vinculados, desde lo hondo del alma, por el mismo anhelo de una nueva vida espiritual; un sentimiento profundo de concordia que une el respeto del pasado y de las tradiciones de la fe con el amor de la verdad adquirida, y como inspiración de este grande impulso de fraternal acercamiento la idea cristiana en su pureza esencial, en su realidad intima y pura: así podríamos formular la nueva tendencia que convierte al satírico implacable en propagador de un ideal de tono místico (RODÓ, 1957a, p. 757).
Rodó alude à necessidade de um entusiasmo comum aos espíritos parcelados e transitórios, advoga a favor de um ideal que possa fincar um caráter coletivo na América Latina. Belém de Castro Morales (1990), ressalta que o contato entre ambos os críticos estabelece um tipo de relação intelectual presidida pelo intercâmbio de ideias acerca da literatura e pela crítica, num momento histórico e cultura de trânsito, cujos marcos principais seriam: o fim do positivismo, crise do naturalismo, recuperação de velhos ideais e a busca por vias de progresso cultural. Entre as alternativas de mudança, o modernismo foi o tema mais debatido neste diálogo. Rodó via como necessidade ver na Europa as fontes de modernização do mundo hispânico, sem cair em imitações, e o desejo de incorporar-se à órbita europeia do pensamento e o de enriquecer o esquema hispanidade/modernismo com novos elementos.
Hablemos ya de esta nueva orientación de su espíritu, en la que no se manifiesta sólo, según veremos, una idea literaria modificada, pues responde a un impulso interior más hondo y más completo. – Por el corazón y el pensamiento del crítico han pasado las auras que traen al ambiente espiritual de la novísima cultura aromas y rumores que parecen anunciar la proximidad de un mundo nuevo (RODÓ, 1957a, p. 757).
Para Rodó, trata-se de uma crítica que expande seus horizontes para além do artístico, pois investiga também o ambiente, as relações sociais e políticas, faz uma observação moral, a análise psicológica, enfim, realiza um juízo da arte de forma complexa e orientadora. Esses elogios, e de certo modo, a adesão de Rodó a esse método, representou a aproximação de Alas e Rodó.
O escritor espanhol ao acessar este artigo de Rodó sobre sua crítica, enviou à direção da redação da Revista Nacional a seguinte carta agradecimento:
Sr. Director de la Revista Nacional de Montevideo. Muy señor mío. He recibido un ejemplar del numero 5 de su ilustrada Revista en el cual leo una segunda parte de un artículo que se me dedica, y que va firmado por el señor D. José Enrique Rodó. Escribo a V., ante todo, para rogarle que, en mi nombre, dé las gracias más expresivas al Sr. Rodó por su artículo. Cuando elogios o censuras vienen de quien demuestra escaso juicio y gusto, me dejan igualmente tranquilo e indiferente. Cuando las censuras prueban talento en el que escribe, me pican. Cuando los elogios nacen de un espíritu escogido y serio, como lo es sin duda el del Sr. Rodó, me halagan y los agradezco mucho (ALAS, 1957, p. 1260).
Como podemos observar a partir dessa carta, é que Rodó e os outros editores da Revista se esforçavam para manter a comunicação com os centros de vida cultural mais intensos, diziam que o objetivo era superar o “deplorável isolamento moral e intelectual” que os povos americanos ainda viviam. Rodó, em resposta à esta carta, descreveu a Alas suas intenções com a Revista:
En el ambiente ingrato para todas las manifestaciones desinteresadas de la labor intelectual, de estas democracias inquietas y mercantilizadas, una palabra de aliente que venga de quienes significan y valen lo que usted decide a menudo la constancia de una vocación combatida por la ausencia de estímulos y esperanzas (RODÓ, 1957a, p. 1261).
Neste sentido, as revistas no contexto latino-americano, ressalta Patiño (2009), podem ser analisadas como componentes chave no estudo da conformação de projetos intelectuais e literários, tanto individuais como coletivos. Portanto, os periódicos, sob essa perspectiva, se situam como construtoras informais de genealogias e projetos culturais.
Em seu segundo artigo, sobre Clarín, Rodó afirma que a crítica literária seria algo superior ao eco transitório de uma escola, e que Leopoldo Alas traduzia exemplarmente o significado da função do crítico. Na citação abaixo, Rodó aponta o temperamento do crítico, que oferta caráter e paixão pela arte:
Temperamento de crítico es el que une al amor por una idea o una forma de arte – nervio y carácter de sus juicios – la íntima serenidad que pone un límite a los apasionamientos de ese amor, como lo fija a las tempestades de la tierra la paz de las alturas (RODÓ, 1957a, p. 801).
Alas também reconhece a qualidade analítica da crítica de Rodó, e a vê como promissora. Em artigo de 1897, publicado na Revista La Saeta, de Barcelona, pronunciou um elogio ao crítico uruguaio e à Revista Nacional. Nele afirma que na América se publicam muitas revistas literárias, cuja leitura, em geral, torna-se insuportável, pois tratam-se de jovens que imitam os decadentes franceses, mas a revista montevideana era uma exceção. O crítico espanhol estende seu elogio a José Enrique Rodó, que em sua visão, seria um crítico de corpo inteiro, e que não estava vinculado a nenhuma das “pestes pegajosas”, que tantos escritores jovens americanos levam de Paris à sua terra.
Adolfo Sotelo Vázquez (1988), afirma que Alas não era um escritor fascinado por uma literatura patriótica e nem pelo “culto autárquico e complacente do castiço”, pois acreditava que os extremos fossem viciosos. Estava mais preocupado com as contingências históricas, com o dever moral do intelectual, com o idealismo íntimo e a ética estética do que pelas novidades da“amena literatura afrancesada”. Clarín mostrava-se contrário aos exageros de literatos e intelectuais de pouca “fibra moral”, que apelava aos sentimentalismos ultrapassados e da extravagância afetada, bem como aqueles que confundiam o valor estético do romantismo com a boemia que assolava a Madrid finissecular.
Rodó, no texto “El americanismo literario”, de 1895, publicado na Revista, adere esse ensinamento de Clarín, quando aponta o problema do exagerado apelo ao espírito de nacionalidade presente na arte americana. Na sua opinião, isso poderia conduzir a América aos extremos entre o regionalismo infecundo e receoso, além disso, o modelo imitativo da arte também lhe parecia inoportuno.
Essa posição rodoniana reaparece no artigo de junho de 1897, que analisa os poemas do argentino Leopoldo Díaz (1862-1947), onde fez sua primeira referência explícita à poesia modernista. Apontou elementos exagerados e vazios, coisas velhas ou mal restauradas, ingenuidade pueril no movimento modernista que vibrava no final do século.
Observa-se nas críticas de Rodó e Alas, que ambos viam a necessidade da renovação da poesia do idioma espanhol. Para Alfonso García Morales (1992), esses homens do século XIX, que viram cair o Antigo Regime, tiveram a consciência de pertencer a era moderna, sentiram seu século como o século da crítica, no sentido mais amplo, na contínua discussão de valores de problematização do presente. A crise do naturalismo foi sentida como uma manifestação da crise na concepção positivista do mundo, como um sintoma do surgimento de uma nova tendência histórica geral, o que se chamou de “espírito novo”, e se caracterizou como reação, restauração ou renascimento idealista ou espiritualista. Clarín, ainda conforme Morales (1992), adotou uma atitude defensiva e hostil.
Vázquez (1988) também aponta que a postura de Alas diante do modernismo não deixa de ser complexa ou sem uniformidade. Ele alude em diversos textos finisseculares as suas prevenções contra o modernismo, que serviram para apontar o tom parisiense que abundava a literatura produzida neste momento. Clarín, que afirmava a unidade entre Espanha e América, sustenta a necessidade de absorver as novidades de ideias, mas sem converter a cultura espanhola, compreendida em toda sua extensão, um remedo. “Sólo conozco una cosa más nociva que el aislamiento del espíritu nacional: la disolución del espíritu nacional” (ALAS apud TORRES, 1984, p. 222).
Para Sergio Beser (1968), Alas é sempre apontado como um dos representantes da reação anti-modernista, no entanto, ele esteve longe de negar totalmente este movimento. Em muitos de seus escritos, observa-se uma posição de desconfiança e intenção de minimizar o valor de suas obras, e o termo modernismo era o adjetivo aplicável a um grupo de jovens poetas espanhóis e americanos que imitavam as últimas tendências poéticas francesas, parnasianismo, simbolismo, decadentismo, satanismo, etc. Mas ao mesmo tempo, em muitos de seus artigos, não deixou de reconhecer os valores artísticos de seus principais expoentes.
Da mesma maneira, Rodó em seus textos publicados na Revista Nacional, não manifesta sua opinião explícita sobre o modernismo, salvo, como apontamos acima, sobre a poesia de Leopoldo Díaz, e, em outro momento, no texto de agosto de 1897, “Un poeta de Caracas”, onde, ao comentar a poesia do venezuelano Andrés A. Mata (1870-1931), menciona o expoente do modernismo, Rubén Darío8 (1867-1916). De maneira irônica, Rodó diz que a Darío está “permitido” emancipar-se da obrigação humana na América, e refugiar-se no Oriente ou na Grécia, fazer corte às marquesas de Watteau (em referência à pintura rococó francesa do século XVIII). Por fim, ressalta:
Sobre los imitadores ha de considerárselos los falsos demócratas del arte, que al hacer plebeyas las ideas, al rebajar a la ergástula de la vulgaridad los pareceres, los estilos, los gustos, comenten un pecado de profanación quitando a las cosas del espíritu el pudor y la frescura de la virginidad (RODÓ, 1957a, p. 847).
José Etcheverry (1950), apontou que em nenhum momento a Revista Nacional aspirou à uma militância modernista, mas a influência de Victor Perez Petit, que havia começado a estudar os representantes das novas tendências e os mestres europeus, também é notória.
Segundo Alfonso Morales (1992), nenhum intelectual progressista do século XIX admitiria não ser moderno, que não estava na vanguarda do progresso, em consonância com os ideais de sua época, no entanto, o perigo estaria justamente no exclusivo interesse artístico, no desinteresse por outras esferas, na falta de conteúdo e priorização da forma.
Importante ressaltar que a afinidade entre ambos os críticos assinala também que a relação Hispano-América/Espanha e Espanha/Hispano-América era algo a ser valorizado nos dois sentidos, da perspectiva hispano-americana, a antiga metrópole representaria o ingresso à tradição e à cultura ocidental, no caso Espanhol, a América poderia representar uma saída para a crise de 1898. Suas reflexões apontaram perspectivas, projetos de agrupamento e ao mesmo tempo, intercâmbios de processos criativos e cognitivos na análise da relação entre literatura e sociedade.
Sotelo Vázquez (1988), apontou que Clarín exerceu magistério aos jovens hispano-americanos,e que o trabalho de Rodó sobre sua crítica seria um testemunho exemplar da penetração de suas ideias, além disso, ressalta Rodó como o primeiro estudioso sério e rigoroso da reconhecida obra crítica de Leopoldo Alas.
Mariano Morinigo (1967), aponta que o venezuelano Andrés Bello (1781-1865) deu o primeiro passo para o que se denominou de emancipação intelectual da América, mas além disso, também pode ser encarado como um precursor de uma linha vertebral da literatura de expressão americana. Rodó, ao fazer menção à obra Silva a la agricultura de la zona tórrida, de 1836, diz que Bello conseguiu harmonizar natureza e mundo social no novo mundo, e integra o repertório americano e demonstra a presença da inteligência e da cultura precoces na América livre.
No de otra manera el vuelo majestuoso y el apreciable colorido de la Silva de bello parecen ser el símbolo de la noble serenidad, del desenvolvimiento sosegado y fecundo de su existencia, transcurrida en los afanes de un magisterio ejercido sobre hombres y pueblos (RODÓ, 1957a, p. 703).
Rodó, portanto, conclui que a América Hispânica já havia dado mostras suficientes da existência de um trabalho intelectual, observa nos “iniciadores” um pensamento repleto de novas ideias. Por isso valoriza essas fontes de cultura como um exemplo a ser seguido na trilha da construção da autenticidade cultural do continente.
A demarcação do espaço de pertença comum marcou fortemente a produção rodoniana neste momento, e sua função como crítico literário está presente de forma intensa em seu texto “El americanismo literário”:
La idea de la originalidad literaria americana tiene, de cualquier manera, en la importancia y significación del movimiento a que la impulso, títulos sobrados a la consideración de la crítica. Nuestro objeto, en el estudio que iniciamos, es determinar sumariamente el proceso histórico de esa idea y examinar hasta qué punto puede ella ser el cauce en donde vuelque su actividad el espíritu de las nuevas generaciones (RODÓ, 1957a, p. 768).
Em seu “programa americanista”, Rodó viu a necessidade de investigar as primeiras manifestações da poesia americana, e aponta como antecedente do americanismo literário a poesia colonial, que na sua opinião denota desordem, improvisação, deformidade de mal gosto, inferioridade, imperfeição que resultam na ausência de “arte”, contudo, não se pode analisá-la com o mesmo rigor do critério literário moderno, mas sim como um testemunho da realidade feito pelos primitivos “narradores”. Ao mesmo tempo aponta como injusto afirmar que a tradição indígena tenha passado sem deixar pegadas nos anais literários da colônia.
Uruguay Cortazzo (1986) argumenta que Rodó, ao refletir sobre o americanismo na literatura, determinou as condições e possibilidades de originalidade no meio latino-americano, ademais, a fonte fundamental de originalidade para o escritor estaria no caráter inédito do continente, que o artista deveria perceber esse ineditismo e refletir sobre ele. As revoluções independentistas teriam originado a ruptura com a Espanha, que se prolongou num difícil período de organização. Grupos liberais, que condenavam o passado, as teorias do progresso, de civilização, base do pensamento independentista, traziam como consequência o injusto menosprezo da tradição, e o desconhecimento vão e funesto da continuidade solidária das gerações humanas.
El desvanecimiento progresivo de la consciencia de esa unidad en las colonias americanas y la perdida de todo sentimiento de la gloria y la tradición de la metrópoli son hechos que inspiraron al gran viajero de quien ha podido exactamente afirmarse que realizó a principios del siglo un segundo descubrimiento de nuestra América, observaciones llenas de interés (RODÓ, 1957a, p. 770).
Rodó aponta a geração de 1830 como a grande responsável pelo início da “nova” literatura latino-americana. Seu valor máximo estaria em Sarmiento, Juan María Gutiérrez, Esteban Echeverría (1805-1851), Juan Bautista Auberdi. Todos são classificados como “Homens do Renascimento”, da cultura intelectual da colônia, que escreveram as primeiras páginas da história literária do nosso povo, além de serem grandes estimuladores no espírito da juventude o amor pelos estudos históricos.
A crença nas letras, a palavra como grande motor da história, o caráter formativo da poesia, insurgem como possibilidades para concentrar as manifestações dispersas da intelectualidade, cujo objetivo era o fortalecimento e o estreitamento dos laços. O objetivo do programa literário americanista, de Rodó é “determinar sumariamente” o processo histórico desta ideia, e apresentá-la como um ensinamento às novas gerações, compreendidas como continuadoras da unidade e identidade das redes intelectuais necessárias para a consolidação do ideário americanista.
Para ele, o Romantismo suscitou inspirações benéficas e fecundas para a expressão de “índole” própria das nossas sociedades, além de proporcionar a democratização da linguagem literária. Anota mais intensa da originalidade dessa corrente literária na América Latina foi assinalar nas primeiras manifestações da poesia americana as influências e os modelos da literatura espanhola, que advém do contato com a natureza.
Como apontou Monegal (1957) o americanismo de Rodó, nesse momento, está integrado com seu acento na raiz hispânica (de origem latina), com seu culto na tradição, com seu respeito à originalidade. Elementos que estão em germe, mas que com o trabalho dos próximos 20 anos irá desenvolver, amadurecer e complexar em seu ideário.
Neste sentido, Rodó não deixa de mencionar a história da poesia uruguaia, que tem um valor expressivo do caráter e da constituição social do povo. Dentre eles estariam Bartolomé Hidalgo (1788-1822), Adolfo Berro (1819-1841) e Francisco Acuña de Figueroa (1791-1862), que aparecem na Antologia do espanhol Marcelino Menéndez Pelayo (1856-1912), Antología de poetas hispano-americanos (1893-1895), comentada num artigo de Rodó.
Hidalgo y Figueroa comparten la personificación del nuestro más remoto pasado literario, significando admirablemente, en su espíritu y su obra, con exactitud que les exprime carácter de personajes representativos, como diría el autor de Los Heroes, la interesante dualidad de la sociedad del tiempo que actuaron (RODÓ, 1957a, p. 804).
A poesia praticada por esses autores, possui, segundo o crítico, ápices de localismo, há o império de tradição constante, mas que no momento que foi escrita, tinham o sentido e significado necessários para a história literária, a partir da consciência criativa do poeta. Rodó teceu neste artigo publicado na Revista em fevereiro de 1896, e intitulado “Menéndez Pelayo y nuestros poetas”, uma crítica ao autor espanhol, pois há uma “omissão injustificável” do nome de Juan Carlos Gómez, a quem Rodó considera figura pioneira do panorama literário uruguaio.
“Si considero injusta la proscripción de que se ha hecho objeto a Juan Carlos Gómez es porque difícilmente podía haberse excluido de la colección nombre que más la honrara y que reuniese más valor representativo” (RODÓ, 1957a, p. 807).
Mesmo criticando essa ausência na obra, Rodó diz que Pelayo realizou esforços eficazes e plausíveis nesta obra, que podem contribuir para um fecundo estreitamento de laços de fraternidade intelectual de Espanha e América9.
A proposta americanista de Rodó no final do século XIX, apontava para a necessidade de atualização da originalidade. Em seu texto “El que vendrá”, de 25 de dezembro de 1896 realiza um balanço da literatura produzida nesse momento marcado cada vez mais pela desagregação e pelo desmembramento de uma sociedade que cada vez mais se expande, se racionaliza e se massifica.
El movimiento de las ideas tiende cada vez más al individualismo en la doctrina, a la dispersión de voluntades y de fuerzas, a la variedad inarmónica, que es el signo característico de la transición. – Ya no se profesa el culto de una misma Ley y la ambición de una gloria que ha de ser compartida, sino la fe del temperamento propio y la teoría de la propia genialidad (RODÓ, 1957b, p. 149).
Alfonso García Morales (1992), ressalta que Rodó observa seu ambiente espiritual repleto de presságios e deposita esperança em um poeta que dê resposta definitiva às ansiedades e inquietações de seu tempo. A figura simbólica de “El que vendrá”, adquire dimensões quase sobrenaturais, o revelador parece converter-se em um redentor, ou salvador. Esta sacralização do escritor tem origem romântica, e seria uma invocação do escritor representativo, do herói literário.
Octávio Paz (1965), em Los signos en rotación, apontou que a modernidade rompeu com a imagem da harmonia cósmica que a antiguidade trazia, o movimento regido por um ritmo cíclico foi rompido, houve a perda de coesão, e a poesia foi instrumento utilizado como tentativa de resolver a discórdia através de um diálogo entre o “eu” e o “mundo”. A consciência da história se revelou como consciência trágica.
Rodó está em busca dessa poesia, desse herói literário que consiga trazer alento à dor da ruptura com a paisagem orgânica.
¡Revelador! ¡Profeta a quien temen los empecinados de las fórmulas caducas y las almas nostálgicas esperan! ¿Cuándo llegará a nosotros el eco de tu voz dominando el murmullo de los que se esfuerzan por engañar la soledad de sus ansias con el monólogo de su corazón dolorido? (RODÓ, 1957b, p. 149).
Importante ressaltar aqui que Rodó está entre correntes ideológicas (modernismo e americanismo), que transitam em espaços universais e regionais. É o destino americano que precisa ser traçado, e a literatura, na concepção rodoniana, deveria ter função messiânica.
Seu discurso caminhou para uma orientação continental, ao enfocar poetas, pensadores, literatos hispano-americanos, lhes conferiu importância e ineditismo à toda tradição artística local, além de lhes outorgar uma iniciativa de reforma social e de emancipação literária.
Cláudio Maíz (2004) sustenta que durante o período de 1890-1910, aproximadamente, o debate crítico esteve enfaticamente instalado entre o conflito que envolvia a radicalidade da forma ou a radicalidade do conteúdo e isso representaria o conflito modernismo e americanismo.
Como afirmação ética, destaca o autor, o americanismo ressaltava a existência de uma vida e estilos próprios procurando chamar atenção para a existência de cultura produzida pela periferia e inserida na cultura ocidental. Concomitantemente, a busca por expressões próprias também foi um programa estético traçado por muitos escritores modernistas. Mas as fórmulas eleitas por ambas as correntes para obter o domínio de uma expressão literária americana são divergentes.
Mariano Morinigo (1967), ao discutir o tema do americanismo literário e suas formas antagônicas apontou que repetidamente aponta-se a existência de duas Américas, uma tradicional, recostada sobre o Pacífico, e outra que ambas as américas seriam resultado de diferentes concepções sobre a mesma realidade.
“La multiplicidad es perfectamente acogida en la unidad del fluir histórico, lo que permite concebir ricas expresiones distintas, opuestas […] de una misma raíz cultural”. (MORINIGO, 1967, p. 20).
A Revista conseguiu exprimir de modo contundente esse duplo movimento, por isso, conforme Etcheverry (1950) pode ser considerada como expressão desse movimento que percebia sua raiz cultural una.
La idea americanista, mejor, hispano americanista, llegó a constituir, efectivamente, su principio eje. Y así, una revista que sólo aspiraba ser, al iniciarse, expresión y voz de la joven intelectualidad uruguaya, pasó a constituir, por la voluntad consciente de sus redactores y por la acogida en América se le dispensó, el órgano de la nueva generación (ETCHEVERRY, 1950, p. 270).
O modernismo literário esteve eficazmente representado na revista, apesar das ressalvas de Rodó em relação ao movimento. Escritores de outros países americanos e alguns da Espanha contribuíram publicando seus textos, dentre eles, destaca-se Rubén Darío, Leopoldo Lugones, José Santos Chocano, Enrique Gómes Carillo, Ricardo Jaimes Freyre, Salvador Rieda, Rufino Blanco Fombona, Manuel Díaz Rodríguez, Eugenio Díaz Romero, Leopoldo Díaz, Manuel B. Ugarte, dentre outros.
A Revista, apesar de ter encerrado suas atividades em novembro de 1897, sendo uma das causas a designação de Rodó para preencher a cátedra de Literatura na Universidad de la República, e ao mesmo tempo por falta de recursos financeiros, abriu caminhos para a constituição da crítica literária, e ao mesmo tempo, foi cenário de produção de um discurso bastante significativo na história cultural da América Latina em toda sua extensão.
O projeto rodoniano envolvendo a literatura hispano-americana era bastante ambicioso, pois ancorava-se na ideia de produzir eruditos no continente num momento histórico assolado pelo analfabetismo, que vivia as consequências de ter sido apartado e separado da grande civilização quando se emancipou politicamente. Essa grande pátria órfão, apesar de jovem, também poderia acessar a “grandeza clássica”, a partir de um árduo e longo processo de dedicação. Como ele afirmou: “Hay que seguir aprendiendo, hasta llegar a la mayoridad”.
Os textos de Rodó publicados na Revista revelam uma tentativa de direcionar, orientar e forjar um campo específico de reflexão sobre a literatura hispano-americana, num momento em que os discursos polifônicos e as diversas tendências ideológicas atingiam a juventude, temática que conduzirá na maioria de suas obras, pois seu objetivo era oferecer uma consciência latino-americanista aos jovens.
Rodó reconhece a grande mudança das letras e do pensamento que se iniciava com o modernismo. Tratava-se na visão dele, de uma geração essencialmente ascética e individualista, sem ideais definidos e nem orientações seguras, e com um agudo intelectualismo. Essas características eram vistas com parcimônia, uma vez que o modernismo não se mostrava como um fenômeno gerado no próprio processo “evolutivo” interno, sim um fenômeno europeu que repercutia entre uma minoria, formada pelos mais cultos da sociedade.
Desta forma, é válido retomar a reflexão de Schwartz e Patiño (2004), mencionadas no início deste artigo, quando afirmam que as revistas são dinamizadoras de instâncias de modernização e democratização de um campo cultural, além de terem sido decisivas na expansão do circuito de localizam seus membros, por isso guardam um discurso altamente significativo na história cultural hispano-americana.
As hipóteses que a recente fortuna crítica remetida neste trabalho sobre Rodó vem apontando, se insere na perspectiva de que sua obra aventou um grande projeto cultural para a América Hispânica, que conservava o enlace com o sistema eurocêntrico para adquirir uma visibilidade que a periferia não tinha. Segundo Elena Romiti (2016), Rodó teria desenvolvido múltiplas estratégias para apresentar-se e ser reconhecido no mundo eurocêntrico e ocidental, dentre as mencionadas neste texto, sua relação com o crítico Lepoldo Alas proporcionada pelos seus escritos na Revista.
A Revista abriu a proposta de projeção da literatura uruguaia e latino-americana de Rodó. As “inquietas democracias” teriam a partir deste momento, no entender do autor, um espaço aberto para as artes e para a literatura, numa sociedade até então marcada por conflitos políticos. Os laços de dependência cultural seriam rompidos quando a sociedade estivesse em grau avançado, em busca do indispensável desenvolvimento próprio de sua cultura.
As revistas conformavam nesse momento uma natureza híbrida, pois eram pontos de interseção entre o jornalístico, o intelectual e o artístico, por isso a análise dos textos do pensador uruguaio publicados neste espaço permite perceber aquilo que o livro pronto e acabado, de alguma maneira, oculta: a prévia da consolidação de ideologias culturais. Sua produção como crítico literário na Revista antecipou posições que o autor sustentará em seus livros escritos no século seguinte. Portanto, estabeleceu espaços definitivos para pensar a literatura produzida na América Latina.
Seu discurso geracional se valeu de estratégias complementares, como o jornalismo literário e o intercâmbio epistolar, como vimos, seu contato com Leopoldo Alas inseriu seu nome na Espanha, e foi reconhecido pelo mestre como um dos grandes nomes da crítica hispano-americana, que como ele sempre quis mostrar, também produzia inteligência e idealismo, confirmando sua tese de que a América Latina tinha condições de ofertar uma contribuição intelectual à Espanha.
Por fim, seu americanismo literário, pauta sempre presente em suas produções, ganha potência na Revista, e conforme ressaltado, tinha como principal foco a dimensão comunicativa, histórica do pensamento e da crítica literária no continente.