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New Masses e a América Latina: intelectuais e política na luta contra o fascismo (1933-1939)
New Masses and Latin America: intellectuals and politics in the fight against fascism (1933-1939)
Antíteses, vol. 12, núm. 23, pp. 337-364, 2019
Universidade Estadual de Londrina

Dossiê


Recepção: 31 Março 2019

Aprovação: 28 Maio 2019

DOI: https://doi.org/10.5433/1984-3356.2019v12n23p337

Resumo: O objetivo deste artigo é abordar as visões sobre a ameaça fascista à América Latina presentes na revista estadunidense New Masses (1926-1948), entre os anos de 1933 e 1939. Apesar de sua proximidade com o PCUSA (Partido Comunista dos Estados Unidos), a revista serviu de plataforma das mais diferentes análises políticas a respeito da conjuntura do continente; tal diversidade de visões estava relacionada com os ideais da Frente Popular, que previam a união de distintas forças de esquerda contra o fascismo. Nos textos estudados, as ideias e práticas da Política da Boa Vizinhança, do Pan-americanismo, da luta antifascista, dos partidos comunistas e do Anti-imperialismo aparecem tensionadas quanto às possibilidades de combater as ameaças vindas tanto da Europa quanto dos governos e grupos locais inspirados pelo fascismo. Nesse período, New Masses também circulou pelos países do Cone Sul, intensificando o diálogo transnacional alavancado pelo antifascismo.

Palavras-chave: História da América Latina, História Política, Intelectuais, Antifascismo, Circulação de ideias.

Abstract: The aim of this article is to analyses the visions of the fascist threat to Latin America presents in the American magazine New Masses (1926-1948) between 1933 and 1939. Despite its proximity to the Communist Party USA (PCUSA) the magazine served as a platform for the most different political discussions regarding the continent’s situation; such diversity of views was related to the ideals of the Popular Front, which foresaw the union of different leftist forces against fascism. In the texts examined, the ideas and practices of Good Neighbor Policy, Pan-Americanism, Antifascism, Communism and Anti-imperialism appear conflicted about the possibilities of combating threats from both Europe and local governments and groups inspired by fascism. During this period, New Masses also circulated through the Southern Cone, intensifying the transnational dialogue leveraged by antifascism.

Keywords: Latin-American History, Political History, Intellectuals, Antifascism, Circulation of ideas.

A luta contra o fascismo nos anos do entre guerras alcançou dimensões transnacionais; políticos, intelectuais e militantes da Europa, América Latina e Estados Unidos organizaram-se e atuaram das mais diversas formas contra a ascensão da extrema-direita organizada na Alemanha e na Itália, bem como em seus próprios países1. Com esse pressuposto, entendemos que a luta antifascista ganhou sentido em realidades locais no intrincado entrecruzamento dos contextos políticos nacionais e globais. Neste caso, a emergência dos Estados Unidos e dos intelectuais norte-americanos na rede internacional merece ser estudada em sua particularidade. Para tanto, e mesmo que focados em um pequeno recorte, foi escolhida a revista estadunidense New Masses (1926-1948), em busca de verificar o surgimento e a importância do tema da ameaça fascista à América Latina nas páginas do periódico nos anos da luta antifascista.

Apesar de New Masses haver sido amplamente pesquisada (LANGA, 2011; NORTH, 1969; WALD, 2002) nenhuma investigação se debruçou ou tratou de clarificar as relações dos intelectuais que ali escreveram com a América Latina e com o antifascismo sul americano. New Masses foi uma revista longeva, editada por militantes do Partido Comunista dos Estados Unidos (PCUSA), mas que nos anos 1930 serviu de plataforma para a articulação de intelectuais de diferentes orientações políticas em luta contra as questões candentes naquele momento, tanto nos Estados Unidos quanto internacionais (DENNING, 2010). Naquele momento, as pautas da revista procuravam aproximar-se das lutas populares e dos trabalhadores por meio do acompanhamento cerrado das atividades sindicais, do combate ao racismo e à segregação (com campanhas contrárias aos linchamentos, por exemplo), além da reflexão a respeito da literatura engajada e/ou proletária (bem como a produção de obras nestes termos) e a luta contra as diferentes manifestações do fascismo.

Nesse período, a revista publicou alguns artigos a respeito da América Latina; em todos eles a preocupação no tocante ao avanço do fascismo no continente era evidente e, de forma geral, as análises sobre o quanto esta ameaça fascista poderia ou não atingir os Estados Unidos era uma inquietação central. Veremos que tais textos estavam clivados por inúmeras camadas de ideias e práticas políticas - Pan-americanismo, Política da Boa Vizinhança, Anti-imperialismo e Antifascismo. É nesse período também que a revista New Masses passa a circular em alguns países do Cone Sul, proporcionando diálogos intelectuais e culturais que se entremeiam nas lutas políticas locais e no universo cultural do período.

A produção e circulação de impressos já são campo consolidado para o estudo da História. Os aportes teórico-metodológicos para seu uso como fonte têm em Maria Helena Capelato (1986) e em Tania R. de Luca (2005) referências fundamentais. A pesquisa pioneira de Capelato nos orienta no tratamento das revistas como objeto e fonte, já que ao mesmo tempo em que trazem informações sobre o passado, os impressos atuaram para interferir naquele passado e produziram “representações” daquela sociedade. Já Tânia de Luca apresentou de forma sistematizada os diferentes procedimentos a serem levados em conta no estudo dos periódicos: seu suporte material, condições de produção, difusão e circulação, para além da análise de seus conteúdos. Beatriz Sarlo (1992, p. 12) também sustenta que as revistas são fontes importantes para a pesquisa dos programas intelectuais e estéticos por conta de sua intencionalidade política.

Com relação às ideias antifascistas, os jornais e revistas foram suportes centrais para a articulação de grupos no âmbito internacional (OLIVEIRA, 2015a), tendo contribuído para o diálogo intelectual e para o intercâmbio cultural. Com base nestas reflexões, este artigo sobre as visões de América Latina disseminadas na revista estadunidense New Masses encontra respaldo teórico e historiográfico para situá-la no amplo espectro dos periódicos que atuaram na luta antifascista internacional.

Estados Unidos e América Latina: diálogos em tensão

As relações entre a América Latina e os Estados Unidos são assunto amplamente estudado e debatido por pensadores das mais diversas disciplinas, desde as independências aos dias atuais. Pode-se dizer, ademais, que esta relação é conflituosa e está na base das diversas formulações identitárias latino-americanas, que apontam para os Estados Unidos como o “outro” externo, nossa antítese, a outra face do espelho (PRADO, 2009, p. 586). Tal ideia subsidiava a coesão interna e, ao mesmo tempo, embasava as aspirações de unidade que serviam como contraponto à agressiva política externa dos Estados Unidos, capitaneada por Theodore Roosevelt (1901-1909) e pela Doutrina Monroe2.

Já no século XX, as reflexões em torno da identidade latino-americana ganham força com o anti-imperialismo impregnado nas formulações acerca do nacional, sejam elas vanguardistas, artísticas e/ou políticas, como bem demonstrou o estudo de Patrícia Funes (2006) sobre os anos 1920 latino-americanos. Neste caso, também os Estados Unidos – sobretudo sua política intervencionista -, ao lado agora da Europa decadente e relativizada, estão no cerne das projeções quanto a uma identidade própria e autônoma da região.

Nos anos 1930,no entanto,a mudança no paradigma das relações internacionais dos Estados Unidos em relação ao restante do continente sustentou o que ficou conhecido como Política da Boa Vizinhança (1933-1945), a qual previa o incremento das relações culturais e políticas em detrimento das ameaças e práticas intervencionistas3. O estudo de Bryce Wood aponta que, após o fim da I Guerra Mundial, a justificativa para o uso da força para garantir os interesses dos Estados Unidos na região foi perdendo expressão frente à opinião pública e ao Departamento de Estado. A concepção, que foi sendo delineada gradualmente, era sustentada por uma “pouco sofisticada ideia de reciprocidade”, baseada na expectativa de que “se os Estados Unidos fizessem certas coisas desejadas pelos Estados latino-americanos, estes Estados iriam retribuir realizando outras desejadas por Washington” (WOOD, 1961, p. 7). Em síntese, ser um “bom vizinho” significava uma mescla entre acordos comerciais mediados, política de não intervenção militar e intercâmbio intelectual e cultural; todas estas relacionadas aos interesses dos Estados Unidos em manter a região afastada do comunismo e do fascismo (SANCHEZ ROMAN, 2018, p. 8).

As análises historiográficas sobre as práticas e a recepção da Política da Boa Vizinhança nos países do Cone Sul não são extensas. O estudo pioneiro de Antonio P. Totta (2000) dá conta de situar a importância da difusão do americanismo no Brasil – país chave para a articulação estadunidense - para execução bem sucedida da política cultural, econômica e comercial; para isso, investiga a atuação do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (1940), que considera uma “fábrica de ideologias”, por ter se dedicado à disseminação da cultura e do estilo de vida estadunidense no país4.

No âmbito das Relações Internacionais, outros estudos analisam a dinâmica das Conferências Pan-americanas no intrincado jogo político do continente naquele momento. Morgenfeld (2007) destaca o papel da Argentina na resistência às investidas dos Estados Unidos na região; nos três encontros continentais realizados no período em foco (1933 - Montevidéu; 1936 – Buenos Aires5; 1938 - Lima), o autor enfatiza o enfoque antiamericano do país, e o projeto de manutenção de uma proximidade econômica com a Europa. Já Reis (2014) avalia, entre outros fatores, o impacto da Política da Boa Vizinhança no Uruguai a partir de três intelectuais de distintas orientações políticas e de suas visões sobre os Estados Unidos e a América Latina6; mais à esquerda, os intelectuais aceitaram com ressalvas ou rechaçaram as propostas de uma aproximação amigável com o país do norte; à direita, a defesa do acercamento aos Estados Unidos foi mais enfática.

É importante ressaltar que a nomeada Política da Boa Vizinhança é uma das muitas formas de atuação dos Estados Unidos em relação aos países da região sul do continente, estando ela integrada ao âmbito dos ideais do pan-americanismo (1890-1945). Richard Cándida Smith (DORELLA, 2017) mapeou o interesse dos Estados Unidos na cultura dos países latino-americanos nas ações de intercâmbio cultural realizadas na esteira desta ideia. A criação da União Pan-americana em 18907, fundada e promovida por aquele país ao longo do século XX, apesar de ter funcionado a partir de “contradições e improvisos ao invés de planejamentos estratégicos” (CÁNDIDA apud DORELLA, 2017) visava à formação de uma nova maneira de regular as relações entre os países baseada da ideia de igualdade e comunidade. Ainda que, na prática, os países latino-americanos tenham experimentado a propalada igualdade apenas no âmbito formal, Cándida sustenta que o pan-americanismo

[...] era uma política que ligava vinte e uma nações soberanas que não poderia ter se sustentado se não expressasse uma visão idealista, em muitos aspectos utópica, de nações grandes e pequenas, ricas e pobres, submetendo-se igualmente a um sistema formal de direito internacional, que resolvia disputas através de procedimentos justos e desinteressados (SMITH, 2017, p. 3).

Na seara dos estudos pós-coloniais, o argentino Ricardo Salvatore (2005, 2006) dedica-se ao estudo das tensas relações entre Estados Unidos e América Latina e defende a importância de repensarmos e atualizarmos os debates sobre a existência do imperialismo, a partir do seu conceito de “Império Informal”. Para além das análises totalizantes, o autor propõe que busquemos estudar “outras intervenções” dos Estados Unidos na região, como a presença dos missionários, os viajantes, as visitas e artigos de jornalistas, a circulação de livros e panfletos, etc., de forma a “definir y describir la maquinaria representacional que organizo la diversidade de intervenciones, narraciones y descripciones de América del Sur hechas por los norteamericanos” (SALVATORE, 2006, p. 12). Desta forma,

Hasta cierto punto el mismo Imperio Informal fue una representación colectiva: un conjunto de representaciones sobre prácticas y razones de la presencia, una forma e ejercicio del gobierno imaginada puesta en circulación a través de las representaciones, la construcción textual del hinterland, sus formas de intervención, y las practicas productoras de esas representaciones. Una multiplicidad de prácticas representacionales contribuyeron a constituir la naturaleza, las posibilidades y los límites del proyecto expansionista estadounidense en la región y, por ese motivo, formaron parte de éste. Ni epifenoménicas ni superestructurales, esas prácticas dieron sustancia y justificación racional al Imperio Informal (SALVATORE, 2006, p. 13).

No caso da Política da Boa Vizinhança e das ações de Franklin D. Roosevelt no continente sul-americano não podemos falar propriamente de um “Império Informal”, já que houve uma política subsidiada, organizada e propositalmente dirigida à região pelo Estado. Porém, quanto à circulação da revista New Masses, podemos averiguar de que forma uma publicação à esquerda, seguramente marcadas por outras ideias políticas, tomou parte desta concepção estadunidense em relação à América Latina, mesmo que de forma ambígua e desordenada.

Um último elemento deve ser acrescentado ao prisma multifacetado das relações culturais e políticas entre o sul e os Estados Unidos nos anos entre guerras. A ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, renovou a “ameaça europeia” à região, por conta do temor das aspirações de expansão colonial da Alemanha. Além disso, os temores do fortalecimento econômico daquele país a partir das disputas comerciais com os Estados Unidos também alavancaram as iniciativas de combate ao fascismo na região.

A luta antifascista, que mobilizou intelectuais em diferentes partes do globo e assumiu também as matizes das disputas locais (OLIVEIRA, 2015b), foi um movimento mais heterogêneo do que fez crer a historiografia até mais recentemente. Tais interpretações entendiam o antifascismo como uma bandeira exclusiva dos comunistas e, portanto, liderada pela Rússia soviética A historiografia mais recente tem se dedicado a matizar o peso do dirigismo comunista na luta antifascista, procurando dar espaço para outras vertentes políticas antes ignoradas (DENNING, 2010; GROPPO, 2007; TERONI; KLEIN, 2005; SEIDMAN, 2018). A diversidade do engajamento nas bandeiras do antifascismo se dava tanto no âmbito interno – com a criação de associações com forte atuação política e cultural (OLIVEIRA, 2013)8 – quanto externamente. Esta atuação externa, transnacional, se deu em diálogo com as associações francesas – sobretudo a Associação Internacional pela Defesa da Cultura, criada em Paris em 1935 (TERONI; KLEIN, 2005, p. 41) e, posteriormente, com uma forte valorização dada pela aproximação gradual com as políticas de F. D. Roosevelt no combate ao fascismo.

Uma primeira hipótese que sustenta este artigo está baseada na ideia de que as visões sobre a ameaça fascista à América Latina presentes na revista New Masses estavam orientadas a partir de um controle externo, ou seja, a coordenação do Comintern, e, portanto, seriam frutos da ação dos comunistas. Diversos trabalhos, contudo, vêm demonstrando que a luta antifascista no entre guerras ocorreu com a plena participação dos militantes comunistas, dos partidos comunistas nacionais e, certamente, do soviético, mas de forma alguma determinada ou controlada de maneira absoluta por estas instâncias (GROPPO, 2007, p. 96). Vale lembrar que a heterogeneidade dos autores que colaboraram com New Masses no entre guerras era devida à sua proximidade amigável, mas independente do partido comunista (WALD, 2002).

Outra hipótese poderia entender que tais imagens da ameaça fascista à América Latina seriam fruto das ações imbricadas na Política da Boa Vizinhança. Contudo, não há indícios de que a circulação de New Masses estivesse entre as ações programadas pelo Estado, ou que os intelectuais que colaboraram na revista estivessem entre os ideólogos ou mesmo apoiadores de Roosevelt. O interesse pela América Latina, no entanto, vinha aumentando, como afirma Gronbeck-Tedesco (2015, p. 46):

Em certo sentido, a distância entre os Estados Unidos e a América Latina estava diminuindo à medida que mais artistas e intelectuais ruminavam sobre as bases antropológicas, históricas e poéticas da América de Marti e o cumprimento genuíno da Política de Bom Vizinho de Washington.

Ambos os casos, os pressupostos da mediação da Interacional Comunista e da Política da Boa Vizinhança, não comportam por completo as análises sobre a América Latina presentes em New Masses. Da mesma forma, não explicam os inúmeros intercâmbios e diálogos que ocorreram entre os intelectuais antifascistas dos Estados Unidos e dos países do Cone Sul, realizados por meio da circulação da revista estadunidense na região. Elas mostram, contudo, que o antifascismo lograva abarcar uma multiplicidade de discursos, muitas vezes ambíguos e oscilantes, uma mescla de referências às concepções da ortodoxia comunista com os ideais pan-americanos, enredados em uma maior ou menor atenção ao papel dos imperialismos no continente.

Antes de nos debruçarmos sobre os artigos publicados em New Masses é necessário um olhar mais atento para revista, de forma a caracterizá-la.

New Masses e o frentismo cultural nos Estados Unidos

Entre os estudos mais completos sobre os anos 1930 nos Estados Unidos, o trabalho de Michael Denning, The Cultural Front. The laboring of the American culture in the twentieth century, com primeira edição em 1997, permanece uma sólida referência. Para o autor, a cultura estadunidense “forjada”9 no período era simpática aos ideais da esquerda, profundamente impactada pelas lutas sindicais e operárias e fortemente marcada pelas ideias da Frente Popular10.

No livro, Denning sustenta a tese de que as páginas da New Masses serviram como (um dos) aparatos para a formulação/construção/elaboração da cultura estadunidense do período, pelo menos no que concerne à literatura e as artes visuais. Com relação às artes visuais, Langa (2011, p. 29) aponta para o fato de boa parte das páginas da revista ser dedicada à exposição de gravuras de caráter político, e que, apesar dos editores partilharem dos ideais marxistas,“os editoriais debateram mais ou menos continuamente sobre quão explicitamente político o jornal deveria ser e, ao mesmo tempo, como manter a acessibilidade a um público leitor expandido [...]”. A revista New Masses também esteve bastante dedicada aos temas políticos internos, ligados aos movimentos operários e ao desenvolvimento do socialismo (SILVA, 2015, p. 38), por meio do acompanhamento cerrado das organizações sindicais e associações de trabalhadores dos Estados Unidos.

É consenso entre os pesquisadores que se dedicaram ao estudo da revista e dos anos 1930 que todo o período do entre guerras nos Estados Unidos ficou marcado por interpretações historiográficas fortemente relacionadas ao Macartismo do período imediatamente posterior. É o que Joseph North (1969) chamou de história sepultada (“buried history”); para Michael Denning (2010, p. 16), o pós-guerra, a guerra fria e o anticomunismo erradicaram muito da cultura radical do Popular Front.

A revista New Masses, criada em Nova York, circulou entre 1926 e 194811 com diferentes periodicidades. Suas páginas estiveram dedicadas à publicação de poesias e pequenos contos, entremeadas de análises políticas, manifestos e petições. Estas eram coerentes com as práticas dos intelectuais do entre guerras; eles viam na participação política e no posicionamento frente às demandas daquele presente uma condição de sua existência. Como definiu Patrícia Funes (2006, p. 43), a “vocación de intervención y el liderazgo moral o político, suelen ser notas que aluden a la condición intelectual”.

Michael (ou Mike) Gold tornou-se editor chefe em 1928, quando New Masses passou a buscar se identificar com a ideia de literatura proletária, primando pela colaboração de operários e trabalhadores (BUHLE, 2013; LANGA, 2011). Gold, nascido Itzok Isaac Granich, era um escritor e crítico literário notoriamente comunista, que teve sua maior e (praticamente) única obra reconhecida no livro Judeus sem dinheiro, de 1930. Gold circulou intensamente nos anos do entre guerras, participando do I Congresso de Escritores em Paris (1935), escrevendo em jornais e revistas franceses e espanhóis.

A circulação de Gold pelas veredas internacionais do antifascismo dos “companheiros de viagem” é um dos fatores que explica a repercussão de New Masses no Cone Sul. Resta ainda questão em aberto a respeito da visão que tal publicação possuía sobre as ameaças fascistas ao sul do continente e sobre as relações que os Estados Unidos deveriam estabelecer com estes territórios frente a tal ameaça.

O levantamento realizado nos artigos, das edições publicadas entre 1933-1939, indicou alguns momentos em que a América Latina foi referenciada na revista. A temática central era a ameaça fascista (interna ou externa aos países) e, em ambos os casos, o Brasil esteve em destaque. O primeiro texto diz respeito às repercussões da cruel repressão levada a cabo pela polícia política do Governo Vargas na esteira dos movimentos militares de 1935. A atenção deu-se tanto em relação ao militante estadunidense Victor Allan Baron, que foi torturado e “cometeu suicídio” em circunstâncias mal explicadas, quanto às condições desumanas e o isolamento brutal pelo qual era submetido Luís Carlos Prestes desde sua prisão, em janeiro de 1936.

Posteriormente, o golpe do Estado Novo no país, em 10 de Janeiro de 1937, deu origem a uma série de quatro artigos de análise da conjuntura política da América Latina em relação à ameaça fascista. “Is Latin America going fascist?” era o título que antecedia as diferentes visões sobre as condições políticas do Brasil, Argentina, Cuba e México.

New Masses e o antifascismo sul americano

Em 8 de dezembro de 1936 foi publicado nas páginas da revista New Masses uma reportagem denunciando a presença do “fascismo real” no Brasil. De autoria do jornalista de origem judaica, James Waterman Wise, o texto se inseria na já ativa militância antifascista do autor desde, pelo menos, 193312. A reportagem fora elaborada a partir de circunstâncias peculiares. Waterman Wise chegou ao Rio de Janeiro em fins de outubro de 1936; uma pequena nota no Correio da Manhã afirmou que ele vinha acompanhando o novo Cônsul estadunidense em visita à cidade, em companhia de outros jornalistas como Isabel Soule e Paulina Coule. Provavelmente aproveitando-se do clima de simpatia e amizade acarretado pela passagem de Roosevelt pelo Brasil a caminho de Buenos Aires, para participar da já citada Conferência de Paz, Wise aproveitou para colher informações sobre a situação política do país e dos presos políticos decorrentes da repressão generalizada aos membros e simpatizantes da Aliança Nacional Libertadora (ANL).

O texto de Wise é uma denúncia contundente do caráter “fascista” do governo Vargas, a respeito do qual o autor vai apresentando seguidos argumentos e justificativas. Seu principal mérito, afirma, é ter rompido as barreiras da “máscara de uma falsa democracia”. Para a imagem de Roosevelt, que saudou cordialmente a Vargas naquele momento, a análise pode ter gerado alguma repercussão negativa.

O jornalista inicia o texto afirmando que já é sabido que o fascismo estava se espalhando por diversos países no mundo. No caso do Brasil, mesmo que o país estivesse distante fisicamente dos “pontos focais de agressão fascista”, ele pudera observar a “Internacional Negra” atuando “como na Europa e na Ásia, empregando técnicas idênticas, avançando para o mesmo objetivo militarista” (WISE, 1936). Para além dos interesses imperialistas destas potências fascistas nos recursos naturais brasileiros, o autor detectou o que ele chamou de “lobby aberto na política, propaganda flagrante em jornais de língua alemã e italiana e o financiamento do ‘Integralismo’”. O mais curioso, no entanto, é seu diagnóstico. Por que um país com 45 milhões de habitantes teria caído nesta armadilha? Segundo ele, seria porque no Brasil não existiam verdadeiros brasileiros, como no trecho abaixo:

Seus habitantes são apenas complementos indígenas aos investimentos e exploração americanos, britânicos, germânicos, franceses e italianos. Está povoado pelos trabalhadores de borracha do Sr. Ford, os embaixadores da fábrica de Signor Matarazzo, os credores hipotecários de Lazard e Co. - não pelos brasileiros (WISE, 1936, p. 11).

O país não seria tampouco governado por brasileiros, já que seus governantes seriam criaturas dos interesses “extra-brasileiros”, que permitiam a intervenção dos capitalistas estrangeiros na vida do país, especialmente dos seus credores mais implacáveis: Japão, Itália e Alemanha.

A defesa por Wise da existência de uma “democracia de fachada” ocorreria em contraponto ao que ele entendeu como “aparente funcionamento das instituições, da celebração das datas pátrias e das tradições revolucionárias”13; o autor sentencia: “o espetáculo da ditadura que fala sobre o amor à liberdade é ainda mais revoltante do que o fascismo nu e sem vergonha”.

“Um turista desavisado não sentirá facilmente o terror que permeia o Brasil atualmente”, declara. Wise observou que as liberdades civis eram “carta morta”, não existindo “liberdade de expressão, de assembleia, de protesto”. Ele sustentou ainda que os brasileiros nunca poderiam fazer uma crítica pública ao governo, pois estariam sujeitos à “prisão sem sentença, sem julgamento e a sujeição à brutalidade policial”, ademais, ele denuncia que toda a imprensa passava por censura prévia, assim como os serviços de notícia e os discursos no Congresso.

O que o jornalista creditava como característica definitiva do fascismo de Vargas era a sujeição dos sindicatos e a prisão de seus líderes. Wise recuperou o histórico da fundação da ANL, a liderança de Luis Carlos Prestes e a quase imediata interdição da organização por Vargas; depois, aproveitou para relatar o estado de exceção vigente no Brasil, que suspendera o julgamento dos presos políticos e os mantinha em condições desumanas. Artur e Elise Ewert, Olga Benário, Victor Allan Baron, Pedro Ernesto e outros presos foram citados nominalmente. Em trechos de seu relato, Wise deixa entender que conversara pessoalmente com prisioneiros ou ex-prisioneiros dos cárceres varguistas:

Escrevo aqui não simplesmente a partir do registro, das declarações e deferimentos dos prisioneiros, mas de uma memória abrasadora dos corpos curvados e dos espíritos dos homens que falavam em um sussurrado horror do que tinham visto - ou sabido (WISE, 1936, p. 12).

O artigo termina com um claro desafio à visita de Roosevelt e às posições do país quanto ao Brasil. Em quatro tópicos, lista as “graves consequências” para toda a América do Sul e também para os Estados Unidos se (ou quando) Vargas se aliasse aos alemães:

1. Isso, em violação da Doutrina de Monroe, conferirá aos poderes europeus o controle efetivo do governo e da política externa do Brasil. 2. Fornecerá um terreno fértil para o Fascismo no mundo ocidental e uma base para suas novas incursões na América do Norte e do Sul. 3. Ele inevitavelmente atrairá o Brasil, e possivelmente outras nações sul-americanas, para os esquemas militaristas do fascismo europeu, ameaçando a paz pan-americana e mundial. 4. Destruirá a amizade histórica do Brasil e dos Estados Unidos, pois entre povos fascistas e livres não pode haver base válida para uma união duradoura (WISE, 1936, p. 12).

A análise de Wise sobre a situação política brasileira nos permite perceber as sobreposições e mesmo contradições presentes em seu discurso. Ao mesmo tempo em que defende prisioneiros comunistas (ou acusados de serem comunistas), envolvidos em um movimento armado de cunho revolucionário, Wise recorre à Doutrina Monroe, para defender o espaço americano das ameaças europeias, faz referência à “paz pan-americana” e à “amizade histórica” entre ambos os países. Fica evidente que sua denúncia entende que a ameaça fascista representada pelo governo de Vargas colocaria em risco os Estados Unidos.

Por fim, cabe ressaltar que as investigações de Wise, que deram origem ao artigo, serviram de subsídio para a formação de uma “Comissão Reunida para a Defesa do Povo Brasileiro”, que começou a se articular, sob as bençãos de Oswaldo Aranha, a partir de maio de 1937 (CAMPANHA..., 1937, p. 5). Esta comissão repercutiu fortemente nos jornais brasileiros, pois era tida como difamadora da imagem do país no exterior.

Chamada de “comissão dos inimigos do Brasil”, o grupo logrou articular uma visita oficial ao país em meados de 1937. Uma foto no periódico O Jornal (O FAMOSO..., 1937, p. 1), de 14 de agosto de 1937, mostra os membros da comissão enfileirados, com as feições muito sérias. Na legenda, os seguintes nomes: o pintor Rockwell Kent14, Giggord Cochram, Sacha Small, Isobel Walker Soule, o advogado David Levinson15 e o próprio James Waterman Wise. Abaixo da legenda, a notícia dizia que a comissão havia sido “convidada a verificar “in loco” a falta de base dos argumentos de que se valiam na sua campanha contra o Brasil” pelo embaixador e que estes estariam embaraçados pelo conteúdo da carta difamatória.

Ao que tudo indica, não havia nenhum embaraço. A comissão trazia David Levinson, advogado afinado com as causas dos trabalhadores e com longa experiência, que se oferecera para defender Luis Carlos Prestes. O líder da ANL estava há quase dois anos na prisão, ainda sem acusação e nem advogado. Vinham animados pela campanha internacional pela libertação de Prestes que alcançava os Estados Unidos graças às articulações da mãe e irmã de Prestes, mas também alimentados pelas notícias em primeira mão, colhidas pela visita de Wise e publicadas em New Masses.

“Is Latin America going fascist?”

Ainda no mesmo período, New Masses dedicou à América Latina uma sequência de quatro reportagens, ao longo de um mês ao final do ano de 1937, cujo tema principal era a ameaça fascista ao continente. Os países analisados foram Brasil, Argentina, Cuba e México. Em todas as análises, são evidentes, em maior ou menor grau, tensões entre orientações da política externa dos Estados Unidos em relação à América Latina, a luta contra o fascismo no âmbito internacional e a defesa da democracia; todos estes elementos eram, em alguns dos casos, mediados pelas interpretações do PCUSA (Partido Comunista dos Estados Unidos) em relação à conjuntura do continente. Da mesma forma que no tópico anterior, o discurso anti-imperialista, que inevitavelmente acompanha a prédica antifascista, perde parte de sua radicalidade.

Esse segundo momento de destaque dado pela revista à América Latina foi seguramente desencadeado pelo golpe do Estado Novo, desfechado por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937; na edição de 23 de novembro do mesmo ano, a revista publicara uma chamada para a série de reportagens em foco, onde aparecia a questão: “O golpe de Estado no Brasil é o começo do cerco aos Estados Unidos?” (IS LATIN..., 1937, p. 22). Assim, a reportagem de maior impacto abria a série e esteve dedicada a analisar a situação brasileira. A manchete dirigia ao país a impactante acusação de ter seu território usado como “cavalo de Tróia” pelos nazistas. A ilustração, que antecedia a reportagem, mostrava o mapa do continente americano com o foco no Brasil; sobre ele, um grande cavalo de madeira estampado pela suástica, portando um topete característico de Hitler. Ladeando o cavalo, pequenos personagens humanos (usando chapéus tipicamente mexicanos) parecem passivos; ao fundo, as figuras sobre o mapa dos Estados Unidos apontam os braços para o sul.


Imagem 1
Gravura assinada por Snow, ilustrando a primeira reportagem da série Is Latin America goinf fascist?, dedicada ao Brasil. New Masses, 30 nov 1937. p. 3.
www.unz.com

Pela referência mítica ao episódio da guerra na antiguidade, subentende-se que o território brasileiro estava sendo utilizado de forma velada para uma infiltração nazista no continente americano; e mais ainda, de que esta ação estava passando despercebida pela imprensa e pelo governo dos Estados Unidos, que insistiam na interpretação positiva do vizinho ao sul.

Logo no início da reportagem, o autor, Ricardo Arturo Martínez, imigrante venezuelano e membro do PCUSA (JEIFETS; JEIFETS, 2015, p. 393) que teria voltado recentemente do Brasil, declara sua intenção de desmascarar, para o público estadunidense, o real caráter da ditadura varguista implantada naquele contexto.

A frequência com que tais golpes ocorreram em toda a América Latina parece ter conduzido uma parte influente da imprensa americana em um otimismo falso e perigoso. Assume-se que o golpe de Vargas não difere de episódios semelhantes no passado. Tal conclusão não só traz uma ignorância da história recente do Brasil, mas é de um desserviço distinto para o povo dos Estados Unidos. Tenderia a acalmá-los em um momento em que o alarme e a vigilância são importantes. Há golpes e golpes de Estado. A técnica pode ser a mesma, mas o conteúdo, o significado histórico, pode ser muito diferente (MARTINEZ, 1937, p. 3).

Martínez dedica-se, ao longo do texto, a demonstrar a) o caráter “fascista” do governo Vargas e o processo de fascistização que ocorrera após os movimentos militares de 1935 e b) os inúmeros “focos” de infiltração nazista no Brasil, viabilizados pela propaganda alemã nas colônias de imigrantes, no envio de material para as escolas, nas empresas comerciais de origem alemã que operavam no país e, especialmente, o fértil comércio exterior do Brasil com aquele país, que superava em cifras as transações realizadas com os Estados Unidos.

Estudos recentes, como o de Taís Campelo Lucas (2012) demonstram que o Brasil e a Argentina, seguidos pelo Chile, eram os países que abrigavam o maior número de alemães emigrados, registrados como filiados ao NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães); neste caso, o alerta de Martínez coincidia com o elevado número de cidadãos nazistas na América do Sul. No entanto, a historiografia não é consensual quanto ao interesse do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha na região (LUCAS, 2012, p. 300).

A denúncia de Martínez na revista New Masses alertava ainda para o perigo da penetração nazi “se espalhar como um contágio em todo o continente sul-americano”.

A democracia na América Latina luta heroicamente, mas requer a assistência ativa do governo e do povo dos Estados Unidos. A política do “bom vizinho” deve ser uma política democrática, e isso significa o estabelecimento de uma verdadeira aliança democrática do hemisfério ocidental para limpar a ameaça feia e a mais feia realidade do fascismo. O fascismo no hemisfério ocidental bate nas portas dos Estados Unidos. Somente os perversos e os cegos o ignorarão (MARTINEZ, 1937, p. 3).

É importante destacar a defesa da Política da Boa Vizinhança pelo comunista Martínez e a referência à necessidade de “assistência ativa do governo e do povo dos Estados Unidos” para a proteção do continente das ameaças fascistas. Ainda que inclua “o povo” na formulação, o entendimento do militante coincidia com a política oficial dos Estados Unidos em relação ao restante do continente.

A reportagem seguinte, publicada uma semana depois, esteve focada na situação da Argentina. O texto ilustrava um cenário não tão sombrio quanto ao papel do fascismo na política interna se comparado à situação brasileira. Isso ocorrera, segundo o autor do texto, pela realização das recentes eleições em fins de 1937, que garantiram um “verniz democrático” ao país sul-americano. Sob o título de Democracia in extremis (Democracia em seus últimos instantes), o texto trazia um bem informado e detalhado relato do cenário político argentino desde fins do século XIX, especialmente focado nas intrincadas disputas partidárias que teriam levado a uma conjuntura marcada pela ameaça fascista à democracia.

Ao contrário do texto anterior, a análise sobre a situação do país foi realizada pelo jornalista argentino Ricardo Setaro (1937). Personagem ainda pouco estudado em sua dimensão transnacional, Setaro é descrito por Guillermo Korn (2004) como “una sombra, difusamente mencionado en los libros de memoria, en los márgenes superpuestos de la literatura y el periodismo […]”16. Com uma longa relação posterior com os Estados Unidos, a colaboração para New Masses se deu enquanto Setaro ainda não havia se mudado para Nova York com a família, em 194217.

Setaro articula toda sua análise da situação política argentina tendo o Brasil como referência. O que diferenciava as duas regiões era a ocorrência das eleições – permitida na Argentina, com o subterfúgio da fraude, e proibida no Brasil, por Getúlio Vargas com o já referido golpe do Estado Novo. Segundo o autor, “o fascismo argentino ainda não considerou possível proibir os partidos da oposição”, como no caso do país vizinho. A fraude eleitoral presente nas eleições presidenciais de 1937, no entanto, é minucionsamente narrada por Setaro; é ela que garante a derrota do candidato da Frente Popular, o radical Marcelo T. Alvear. O fracasso teria sido auxiliado pela visita do hierarca fascista18 Luigi Federzoni ao país, que estimulara o clima de anticomunismo, o que teria impressionado a população argentina “predominantemente europeia”.

É necessário observar que na análise de Setaro não há referência aos Estados Unidos, à Política da Boa Vizinhança ou a qualquer papel continental estabelecido pelo país do norte no combate ao fascismo. Contudo, não se pode deixar de notar que as gravuras que acompanham o texto inserem um “subtexto” na leitura. No início, uma pequena caricatura do recém-eleito presidente Roberto Ortiz, com um chicote nas mãos em uma pose de caudilho; ao fim e em grande escala, um globo terrestre com o continente americano ao centro; ao leste e a oeste armas estão apontadas para as Américas. Em destaque, os três macacos sábios (com os ouvidos, olhos e boca tapados pelas mãos) estão sentados sobre o mapa dos Estados Unidos, ao lado de uma pomba levando um raminho, em analogia à paz.


Imagem 2
F. REINHARDT. Isolationist’s Dream. New Masses, 7 dez. 1937.
www.unz.com

Estava evidente a crítica à política externa dos Estados Unidos, ao enfatizar que o pacifismo e o isolacionismo não afastariam a ameaça fascista ao continente.

Na semana seguinte, a série de reportagens debruçou-se sobre a situação de Cuba. Do autor, Cristobal Davis (1937), não existem referências sólidas; no entanto, uma breve apresentação realizada anteriormente pela própria revista o indica como um “técnico há muitos anos trabalhando em Cuba” (IS LATIN..., 1937, p. 22). De maneira similar à análise realizada por Setaro sobre a Argentina, o Brasil é utilizado como referência negativa e, um golpe como o realizado por Getúlio Vargas, uma constante ameaça ao país.

Davis recupera a conjuntura política da ilha sob o governo do Coronel Fulgêncio Batista, ditador que assumira a presidência de Cuba depois do golpe de estado contra Gerardo Machado, em 1933, sob as bênçãos de Washington. No texto, as ambiguidades de sua política e as articulações pelo endurecimento do regime se opõem à iminente ocorrência das eleições, previstas para o ano seguinte. Davis denuncia também as articulações de Batista com os interesses financeiros dos Estados Unidos e a prática do poder discricionário; é de se destacar, contudo, que foi neste período que a Emenda Platt19 foi abolida, tensionando, mesmo que apenas formalmente, as ingerências dos Estados Unidos em Cuba. Ainda assim, a análise de Davis não esteve focada nos interesses estadunidenses na Ilha ou nas ameaças imperialistas tão presentes naquela região; em uma breve referência, o autor defende “uma aliança com as forças progressistas dos Estados Unidos” para realizar a efetiva unidade nacional e internacional contra o fascismo.

Destaca-se também na fala de Davis a oscilante política de Fulgêncio Batista em relação à Guerra Civil Espanhola em curso. O ditador, antes nitidamente pro-Franco, passara a apoiar o lado republicano, no que o autor considera “demagogia” por parte do militar, mas também fruto de pressões realizadas pela população.

Sobre a questão da Espanha, a pressão constante das pessoas extraiu concessões humilhantes de uma ditadura militar que a frente mundial do fascismo pôde ver com orgulho. Batista, que voluntariamente confiscou o navio espanhol Manuel Arnus contra todos os direitos legais e proibiu reuniões ou colecções para a Espanha lealista, cuja polícia costumava prender pessoas ouvindo relatórios de rádio de Madri, mudou de música ou quiçá de pensamento (DAVIS, 1937, p. 5).

A defesa da Espanha por Batista, segundo Davis, se dava numa tentativa de traçar um paralelo entre a mobilização popular espanhola e a cubana e, com isso, postar-se ao lado das aspirações dos trabalhadores.

A última reportagem da série Is Latin America going fascist? dedicou-se ao México de Lázaro Cárdenas (1934-1940). De autoria de Charles Wedger (1937), apresentado como “nosso correspondente latino-americano habitual” (IS LATIN..., 1937, p. 22), o texto buscava descrever os desafios do que ele chamou de “revolução democrático-burguesa” no México, frente às forças reacionárias tanto locais quanto internacionais. Logo de início, o autor faz um paralelo com a Revolução Mexicana (1910) de “John Reed”20; com isso, retoma narrativas anteriores do conhecido escritor estadunidense sobre a realidade do México e ao mesmo tempo, estabelece uma continuidade em ambos os processos. Wedger destaca os avanços sociais e econômicos realizados por Cárdenas nos anos iniciais de seu governo e elenca os desafios enfrentados pelo mexicano em relação às ameaças fascistas ao país.

As pressões políticas contrárias ao governo Cárdenas, chamadas de “ofensiva reacionária” por Wedger, eram realizadas por inúmeros atores: a grande imprensa, favorável aos regimes da extrema direita europeia, a Igreja Católica e pelos poderes locais. Além destes, dezenas de grupos locais fascistas (como os Camisas Douradas) e os interesses financeiros das grandes empresas petroleiras dos Estados Unidos e da Inglaterra, reforçados por “pressões diplomáticas secretas” por parte de Washington, completavam o quadro de oposição a Cárdenas. Por fim, a intimidação mais efetiva, que estaria latente em todas as outras apontadas acima, seriam as

[...] conexões próximas entre agentes nazistas e todas as atividades sediciosas. Os navios nazistas descarregam armas na Guatemala, de onde são contrabandeados pela fronteira para o México. A Guatemala, uma ditadura feudal-militar cordial com a Alemanha, pode tentar desempenhar o papel de Portugal se a guerra civil explodir (WEDGER, 1937, p. 5).

Em contraste com as reportagens anteriores da série, nas quais o Brasil era usado como referência, a análise da conjuntura política mexicana se deu em oposição à realidade espanhola. O paralelo entre os países era mais efetivo já que se tratava de governos populares (a Frente Popular, vitoriosa em 1936 na Espanha, foi formada por partidos de esquerda e centro-esquerda) que buscavam promover transformações estruturais nas sociedades mexicana e espanhola. Inspiradas nas lições ocorridas na Espanha, contudo, o México estaria preparado para bater a ameaça fascista. Ressaltamos que até mesmo a escolha do título do artigo de Wedger faz referência ao lema “No pasarán” (Fascism shall not pass), fundamental para a mobilização na Espanha republicana. Nas palavras do autor,

O México é uma ameaça à propagação do fascismo. Também não é inevitável uma revolta fascista em grande escala no México e, se vier, pode ser rapidamente derrotada se o povo mexicano e seu governo tomarem precauções suficientes de antemão. O México ainda precisa encontrar passos mais firmes para esmagar seus inimigos antes que eles estejam prontos para atacar. Mas o México, é certo, não será pego cochilando como a Espanha (WEDGER, 1937, p. 5).

O artigo de Charles Wedger na revista New Masses termina com elogios inflamados ao México, defendido como “um farol” para o antifascismo americano, já que estaria se transformando em um centro internacional “como Paris, Moscou e Nova York” com a chegada dos exilados de outras partes da América Latina.

Na série de reportagens Is Latin America going fascist? publicadas entre novembro e dezembro de 1937 na revista New Masses, vemos uma predominância de visões sobre a ameaça fascista ao continente focadas nos governos nacionais, em sua maior ou menor aproximação com os ideais fascistas e com as forças reacionárias de cada país, especialmente os grupos fascistas locais. As ações da Alemanha nazista em suas ofensivas no continente também estão presentes, contudo aparecem de forma subsidiária ao poder representado pelo conservadorismo local.

Chama a atenção também o fato de que a Política da Boa Vizinhança é mobilizada apenas em relação ao caso brasileiro e não aparece como alternativa de combate ao fascismo em relação ao contexto argentino, cubano ou mexicano. Por fim, a luta contra o imperialismo (alemão ou estadunidense) é apenas um espectro nas propostas antifascistas presentes nos artigos estudados, confirmando a ideia de que a perspectiva de salvaguarda dos Estados Unidos nos discursos daqueles intelectuais pode ter amenizado em muito o anti-imperialismo usual da esquerda.

New Masses no Cone Sul

Como último tema de análise, ainda que de maneira breve, é necessário pontuarmos os indícios de circulação da revista New Masses nos países do Cone Sul21. O mapeamento da circulação dos periódicos antifascistas no Brasil, Argentina e Uruguai realizado pela tese, que deu origem ao livro, Palavras como Balas. Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (2015), detectou que a revista estadunidense foi recebida por diversas publicações congêneres na região, especialmente na Argentina.

Neste país, a revista Claridad (1926-1941), dirigida pelo socialista Antonio Zamorra, esteve especialmente dedicada ao intercâmbio com outras publicações do continente. Ela registrou, em quase todas as suas edições, o recebimento de New Masses em sua seção “Índice: análise das revistas recebidas em canje (troca)”. A publicação repercutiu também a recente simpatia pelo “irmão do norte”; tendo alterado o subtítulo para “La revista americana de los hombres libres” em lugar do anterior “Tribuna do pensamento izquierdista”, o que, segundo Florencia Ferreira de Cassone (1998, p. 128) demonstrava uma mudança de identidade da revista e uma crescente aproximação com as políticas de Roosevelt de combate ao fascismo.

Para além dos diversos editoriais e reportagens publicadas na imprensa que apontavam para uma gradual desilusão com o mundo europeu e para o encantamento com as políticas estadunidenses de combate ao fascismo, sobretudo a partir de fins de 1938, ressaltamos as evidências de uma aproximação com uma “identidade americana” por parte da militância antifascista no Cone Sul. O uso do termo “americano” (sem adjetivações como sul-americano ou latino-americano, nem tampouco pan-americano) buscava fazer referência a todo continente, sem, no entanto, atrair as ideias de unidade já consolidadas na linguagem política.

É o que podemos perceber com a publicação da revista comunista Seiva22 (1938-1943), de Salvador (BA). Em janeiro de 1939 Michael Gold, o editor da revista New Masses no período, enviou uma colaboração inédita para o segundo número do periódico baiano (GOLD, 1939, p. 1). A publicação foi, segundo a nota presente no mesmo número, a primeira resposta ao pedido de colaboração feito desde o lançamento da revista. No referido pedido, Mensagem à inteligência da América, o periódico declarava que, frente ao “ódio e discórdia” que cavavam barreiras profundas do outro lado do Atlântico, o propósito de Seiva era unir a inteligência de toda América em um “largo abraço de amizade e compreensão”23.

O apelo a uma identidade americana, o rechaço à Europa (o “outro lado do Atlântico”) e a pronta resposta de Mike Gold aos apelos brasileiros são uma das inúmeras evidências de que, nos meses que antecederam o início da Segunda Guerra, parte do antifascismo sul americano passou a demonstrar simpatia pelos Estados Unidos. A Política da Boa Vizinhança já parecia ter frutificado de diversas formas, tanto por meio da aproximação com a cultura estadunidense, sobretudo por meio de Hollywood, como por meio de uma retomada dos ideais do Pan-americanismo entre os intelectuais. Considerando que no período imediatamente anterior os antifascistas do Cone Sul estiveram entrelaçados com a França e a Espanha, esta mudança de rumos amplificou as já tensas e complexas tramas de ideias em circulação em torno da luta contra o fascismo.

Com relação ao Uruguai, as referências a New Masses e a Michael Gold são quase inexistentes. Por outro lado, a realização do Congresso Internacional das Democracias, em 1939, (OLIVEIRA, 2015b, p. 212) pode ter colaborado para que o debate em torno do tema de uma aproximação os Estados Unidos como estratégia de proteção continental contra o fascismo tenha envolvido boa parte da intelectualidade em um debate já tradicional sobre as identidades do continente.

As visões sobre as ameaças fascistas à América Latina vindas à luz nas páginas da revista New Masses apresentam mais um elemento para o debate sobre a heterodoxia do antifascismo no entre guerras. Os colaboradores que redigiram os artigos analisados nesta pesquisa, comunistas ou não, fizeram referência à possível ameaça aos Estados Unidos advinda dos contextos regionais do Brasil, Argentina, Cuba e México. Desta forma, podemos considerar que o anti-imperialismo, fundamento da atuação política de intelectuais das mais diversas tendências, sobretudo da esquerda, perdeu força na intricada luta política contra o fascismo nos âmbitos local e global. Além disso, F. D. Roosevelt e a Política da Boa Vizinhança foram apresentados como uma solução plausível para o combate às ameaças fascistas ao continente, principalmente em relação ao caso brasileiro. Nos outros casos, os interesses dos Estados Unidos na região eram restritos a “Wall Street”, desconsiderando o papel do Estado como um promotor de políticas tanto intervencionistas quanto “amigáveis”.

Sobre a revista New Masses, destacamos sua relevância como uma plataforma fundamental para a circulação das ideias antifascistas no continente, porque revelou ter representado um papel importante tanto nacionalmente quanto em nível internacional. Neste caso, a notoriedade de Michael Gold nos grupos antifascistas transnacionais e sua capacidade de mobilização parecem ter fornecido o impulso para a circulação do periódico no Cone Sul.

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Notas

1 A tese de doutorado que deu origem ao livro Palavras como Balas: imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939), dedicou-se ao estudo dos diálogos transnacionais entre os intelectuais em luta contra o fascismo na Argentina, Uruguai e Brasil e destes com as associações e pensadores franceses. Na pesquisa, a emergência das revistas e intelectuais estadunidenses, sobretudo New Masses (1926-1948) não foi investigada em profundidade. Este artigo procura, portanto, suprir as lacunas de uma evidência importante para os diálogos transnacionais no seio do antifascismo.
2 A ânsia pelo expansionismo “a qualquer preço” dos Estados Unidos é entendida como um aspecto fundamental da identidade nacional daquele país, forjada ao longo dos séculos e concretizada pela anexação de diversas regiões à nação (por meio de guerras ou compra). A guerra pela Independência de Cuba, finalizada em 1898, alavancou a figura de Theodore Roosevelt e o lançou à presidência. A partir daí, sob a justificativa de “proteger” a região das investidas europeias, houve um acirramento da política intervencionista dos Estados Unidos no restante do continente, conhecida como a política do “Big Stick” (JUNQUEIRA, 2001).
3 Idealizada por Hebert Hoover (1929 – 1933), mas implementada por Franklin D. Roosevelt, a política inaugurou uma nova era nas relações interamericanas, sem, no entanto, abandonar por completo a estratégia de apoio mais ou menos velado às “ditaduras amigas”, sobretudo na América Central (LIVINGSTONE, 2009).
4 Totta (2000, p. 130) sustenta que, mesmo antes da criação do Office... em 1940, já havia um intercâmbio cultural entre os Estados Unidos e o Brasil, levados a cabo pela Divisão Cultural do Departamento de Estado.
5 Ao contrário das outras datas, em Buenos Aires foi realizada uma reunião extraordinária denominada Comissão para a Consolidação da Paz, com vistas a solucionar o conflito entre Bolívia e Paraguai, a Guerra do Chaco (1932-1935). O encontro contou com a presença de Franklin D. Roosevelt.
6 Os intelectuais estudados são Emilio Frugoni (socialista), Carlos Quijano (nacionalista independente) e José Antuña (conservador). Os dois primeiros foram ativos militantes no antifascismo local e continental a partir de suas plataformas impressas, o jornal El Sol, do socialista Frugoni e os periódicos Acción (1932-1939) e Marcha, de Quijano. (REIS, 2014).
7 A Primeira Conferência Pan-americana (1889-1890), em Washington, terminou com a criação do International Bureau of the American Republics; em 1910, a organização mudou seu nome para União Pan-americana (SMITH, 2017, p. 282).
8 As associações de intelectuais que estiveram mobilizadas contra o fascismo no Cone Sul e na França foram as AIAPEs (Agrupación de Intelectuales, Artistas, Periodistas y Escritores) da Argentina e do Uruguai, o Clube de Cultura Moderna e a Liga de Defesa da Cultura Popular, “braços” intelectuais da ANL no Brasil e o Comitê de Vigilância dos Intelectuais Antifascistas e a Associação Internacional pela Defesa da Cultura, em Paris, entre outras (OLIVEIRA, 2013).
9 Em tradução livre, já que o termo “Laboring” presente no título de Michael Denning não possui tradução literal para o português. Na introdução do trabalho, Denning justifica a escolha do termo por seus diversos sentidos inter-relacionados: 1) Valorização das ideias ligadas ao trabalho (e seus desdobramentos, como proletário, trabalhador, etc.); 2) Crescente participação da classe trabalhadora no mundo da cultura e das artes; 3) Inserção de artistas e produtores em um modo “industrial” de produção, entre outros.
10 A Frente Popular foi uma guinada estratégica orientada pela Internacional Comunista a partir do VII Congresso, em julho de 1935, que passou a orientar os partidos comunistas locais a amenizarem sua radicalidade com o objetivo de estabelecer uma frente unificada de combate ao fascismo com outros partidos de esquerda. A revista New Masses esteve aberta a publicações de diversas tendências políticas, apesar das dissidências que, a partir de Trotsky, dos processos de Moscou e da própria adoção da linha frentista ocorreu entre comunistas, outros militantes marxistas e simpatizantes.
11 A revista New Masses foi nomeada em homenagem a The Masses (1911-1917), publicação fechada pelo governo ao declarar oposição à entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial. Entre seus editores constam Hugo Gellert, John F. Sloan, Max Eastman, Mike Gold and Joseph Freeman.
12 Ainda em 1933 publicou Swastica, o Terror Nazi, um livro que era ao mesmo tempo uma denúncia a respeito dos maus-tratos sofridos pela população judia na Alemanha hitlerista (com relatos verídicos, conseguidos por meio de cartas) e um manifesto pela ação dos Estados Unidos em relação ao antissemitismo crescente.
13 Provavelmente o autor fazia referência às tradições revolucionárias oriundas dos movimentos de 1930 que alçaram Getúlio Vargas ao poder.
14 A vinda de Rockwell Kent ao Brasil deu início a uma longa relação do pintor com o país, tendo inclusive travado amizade com Cândido Portinari (PHILIPPOV, 2008).
15 Em ofício encaminhado, em resposta, para o Ministério das Relações Exteriores, o Chefe de Seção, Antonio Emilio Romano informa os movimentos de David Levinson no Brasil e indica que “graças à enérgica providência do Excelentíssimo Sr. Chefe de Polícia [Filinto Muller] o estrangeiro havia sido expulso do território brasileiro. Correspondência Expedidos - Ministério da Justiça e Negócios Interiores – Polícia (1937(AGO) – 1938) – Arquivo Histórico do Itamaraty.
16 Ricardo Setaro teve uma profícua produção literária e jornalística. Em síntese, colaborou em diversos jornais argentinos, foi correspondente do jornal Crítica na Guerra do Chaco (1932-1935) - sobre a qual escreveu dois livros - e ajudou a fundar, com González Tuñon, La Nueva España (1936), jornal em apoio à República Espanhola. Publicou livros cujos temas tratavam do jornalismo e da luta antifascista. Viveu nos Estados Unidos entre 1942-1947, onde trabalhou na rádio CBS com o programa Cadena de las Américas, com informes em espanhol para a comunidade hispânica. Também colaborou com a indústria cinematográfica, como produtor. Durante o macarthismo, foi acusado de ser agente soviético. Em entrevista com seu filho Enrique Setaro, ele afirma que o pai tinha proximidade com partidos de esquerda e que tinha ido à Espanha durante a Guerra Civil Espanhola, e que desconhecia o fato dele ser “agente soviético”. Em uma fotografia do acervo pessoal, sem data nem local, estão Pablo Neruda, Raúl Gonzáles Tuñon e Ricardo Setaro. Entrevista, por email, em 23 de outubro de 2018.
17 Outras colaborações de Setaro aparecem na revista, ainda no período em que vivia na Argentina. É o caso, por exemplo, da reportagem sobre o retorno à Argentina de Rodolpho Guioldi, preso no Brasil em 1935 acusado de envolvimento com os movimentos revolucionários daquele ano (SETARO, 1941, p. 16).
18 Denominação dada por João Fábio Bertonha por ocasião da visita do mesmo personagem a São Paulo, em 1937 (BERTONHA, 2001, p. 118).
19 A Emenda Platt tratou-se de um adendo à Constituição de Cuba inserido em 1903 a partir da invasão da ilha pelos Estados Unidos, no contexto da independência cubana. Por conta deste artigo, Cuba era obrigada a cumprir diversas determinações dos Estados Unidos e a ceder parte de seus territórios aos estadunidenses, como é o caso do território onde está até hoje a Base de Guantánamo.
20 John Reed foi um jornalista estadunidense que escreveu livros sobre lutas populares, como a Revolução Mexicana (México Insurgente, 1914) e a Revolução Russa (“Os dez dias que abalaram o mundo”, 1919).
21 Por conta do recorte estabelecido na referida tese não será destacada a circulação de New Masses por outros países latino-americanos. Contudo, no artigo de Carlos Alberto Sampaio Barbosa (2015) sobre a revista mexicana Frente a Frente, o autor aponta o diálogo entre ambas as revistas.
22 A Revista Seiva foi idealizada pelos militantes Diógenes de Arruda Câmara e Armênio Guedes e lançada em dezembro de 1938 pelos jovens estudantes João da Costa Falcão, Emo Duarte e Eduardo Guimarães. Colaboraram em suas páginas, usando pseudônimos, Carlos Lacerda, Leôncio Basbaum e outros comunistas. Com tiragem de 1500 exemplares, a revista esteve ativa até 1943; publicou 18 edições, seis delas entre 1938 e 1939 (DALMÁS, 2012).
23 Outros textos de Gold foram publicados no Brasil, mas não foram textos exclusivos. É o caso, por exemplo, da tradução de um artigo de New Masses, “Letter to France” no jornal carioca O Homem Livre (GOLD, 1935a, 1935b).


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