Resumo: Neste artigo pretendo analisar a trajetória política de Plínio Ramos Coelho desde que assumiu uma cadeira como Deputado Constituinte Estadual até o momento de sua deposição como governador do estado do Amazonas na ocasião do golpe civil-militar de 1964. Pretendo discutir a forma como as rivalidades e disputas locais e o desgaste em sua relação com as elites locais contribuíram para sua deposição. Do mesmo modo, ressaltarei sua importante posição como figura representativa do Trabalhismo amazonense e a forma como sua posição política se refletiu em sua obra poética.
Palavras-chave:BiografiaBiografia,TrabalhismoTrabalhismo,Golpe Civil-MilitarGolpe Civil-Militar.
Abstract: n this article I analyze the Pliny’s political trajectory Ramos Coelho since taking a chair as Deputy State Constituent until the time of his deposition as Amazonas state governor at the time of the civil - military coup of 1964. I intend to discuss how the rivalries and local disputes and wear in their relationship with the local elites contributed to his ouster . Similarly, ressaltarei its important position as a representative figure of the Amazonian Labour and how his political position was reflected in his poetry.
Keywords: Biography, Labour, Civil-Military Coups.
Artigos
O golpe de 1964 no Amazonas e a deposição do governador Plínio Coelho1
The coup of 1964 in Amazonas and the deposition of Plínio Ramos Coelho

Recepção: 23 Fevereiro 2018
Aprovação: 07 Março 2019
E se vêem policiais fugindo esbaforidos
E correndo e matando ante a turba assanhada,
Porque a Ordem é Lei Velha, há muito ultrapassada!
E por terem cumprido as ordens são perseguidos,
Sem dúvida ao xadrez serão recolhidos
“Ordem e Progresso”, eis a lição olvidada!
Fonte: Plínio Coelho (2001)
Na ocasião da deflagração do golpe civil-militar que destituiu o presidente João Melchior Goulart e que, a despeito de algumas posições que tendem a reduzir o período de vigência da Ditadura Militar no país, deu início a um período de 21 longos anos de autoritarismo, repressão e restrição das liberdades individuais e democráticas2, o Amazonas era governado pelo líder trabalhista Plínio Ramos Coelho. De imediato se estabelece uma profunda desconfiança de que, com a chegada dos militares ao poder, o governador eleito em 1962 permaneceria muito pouco tempo no cargo. Tal desconfiança era legítima e se fundamentava tanto em questões referentes ao clima político vivenciado no país quanto a questões de política interna que já faziam com que seu mandato balançasse. Aliás, uma deposição de Plínio Coelho viria ao encontro dos interesses de boa parte das elites do estado. A seguir, abordaremos algumas dessas questões que influenciaram no estabelecimento de um clima de instabilidade política no estado do Amazonas.
Nacionalmente, devemos considerar que, na esteira do golpe, os atos institucionais que se seguiram com o intuito de legitimar as ações políticas dos militares e conferir uma aparência de legalidade a essas práticas tiveram o efeito de dizimar a oposição e, ao mesmo tempo, manter a aparência de funcionamento das instituições democráticas. O Ato Institucional número I, de 9 de abril de 1964, dava ao governo militar o poder de alterar a constituição, cassar leis, suspender direitos políticos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública. Pelo artigo 7º, o ato suspendia, por seis meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade, permitindo que os titulares dessas garantias fossem “demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse do presidente da República e, depois da sua posse, por decreto presidencial”.
Contrapondo-se à ideia de que apenas após o Ato Institucional nº 5 o regime passaria a adotar sistematicamente medidas mais autoritárias e repressivas, Carlos Fico (2004) destaca que o “projeto repressivo baseado numa ‘operação limpeza’ violenta e longeva estava presente desde os primeiros momentos do golpe”, ressaltando que o AI-5 foi apenas o amadurecimento de um processo que se iniciara muito antes.
Assim, no dia 10 de abril de 1964, foi divulgada a primeira lista dos 102 nomes que tiveram seus direitos políticos cassados. Dos 40 deputados federais, quase metade (19) pertencia ao PTB, incluindo Gilberto Mestrinho, ex-governador do Amazonas, mas eleito deputado federal por Roraima. O PTB tornou-se o principal alvo do regime, que pretendia consolidar-se através do silenciamento/eliminação da oposição e o parlamento foi mutilado!3
Segundo Alves (1989, p. 63), essa política de cassações teve duas importantes funções: intimidou o “Congresso com o ‘efeito demonstrativoʼ do que poderia acontecer aos que se rebelassem e reduziu significativamente as possibilidades de coalizão parlamentar entre os dois principais partidos, o PTB e o PSD”. Em meio a notícias referentes à eleição do General Castelo Branco, à cassação de parlamentares e à exoneração de funcionários públicos, Assis Chateaubriand publica um editorial intitulado Dois Cúmplices no qual acusava o PTB e o PSD de terem dado sustentação a uma estrutura política criada nos “dias negros de Vargas”, afirmando não ser possível realizar a chamada “cruzada regeneradora deixando intactas as carcaças partidárias que marcavam passo dentro da lama na qual se atolou João Goulart” (JORNAL DO COMMERCIO, 7 abr. 1964).
Alvo da ira do regime que se impunha por meio de medidas autoritárias, o PTB logo tratou de manifestar sua insatisfação com os acontecimentos quando, na ocasião da eleição indireta que levou o General Humberto de Alencar Castelo Branco à Presidência a fim de concluir o mandato do presidente deposto, foi a única sigla que se manifestou pela abstenção, afirmando ser necessário usar “as parcelas de uma ordem democrática e legal ainda existentes, para honrar o seu compromisso de luta com o povo” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 12 abr. 1964).
Fazendo um balanço do expurgo ocorrido após os primeiros meses do golpe, o Correio da Manhã contabilizava a cassação dos direitos políticos de 441 cidadãos, incluindo três ex-presidentes, dois senadores e 63 deputados federais (CORREIO DA MANHÃ, 18 jun. 1964). Ademais, perderam seus mandatos os governadores Miguel Arraes (PE), Seixas Doria (SE), Badger Silveira (RJ), (AC), Aurélio do Carmo (PA) e Plínio Ramos Coelho (AM).
Além do expurgo de pessoas que pudessem representar a possibilidade de resistência ao regime, o AI-1 impunha ao Congresso Nacional procedimentos legislativos que aumentavam sua dependência do governo e que conferiam amplos poderes ao Executivo, como observa-se em seu artigo 4º que estabelecia que o Presidente da República pudesse enviar ao Congresso Nacional projetos de lei sobre quaisquer matérias, os quais deveriam ser apreciados dentro de trinta (30) dias, caso contrário, seriam tidos como aprovados.
Diante de tantas cassações de opositores ao governo, vários questionamentos são lançados sobre a permanência do governador do Amazonas no poder. Para melhor compreender a dinâmica política do Amazonas no momento da deflagração do golpe civil-militar, torna-se necessário discutir brevemente o processo de consolidação da hegemonia política do PTB no estado e as disputas e rivalidades políticas que serão cultivadas a partir de então. Uma das principais lideranças do Partido Trabalhista Brasileiro no Amazonas e com uma larga trajetória de defesa do movimento sindical – em especial junto aos trabalhadores do porto de Manaus –, Plínio Ramos Coelho se elegera pela segunda vez para o cargo de governador do estado em 1962. Antes já havia sido eleito em outubro de 1954, derrotando Rui Araújo, candidato da coligação formada pela UDN, PSD, PDC e PTN, e selando a derrota de Álvaro Maia. Esta eleição, vencida por Plínio por apertada margem de votos, colocou em lados opostos as forças políticas que se formaram e consolidaram durante o Estado Novo. Para Eloína Santos, a vitória eleitoral de Plínio Coelho, em 1954, evidencia o crescimento político do PTB – que ganhava forças desde 1946 – e marca o afastamento do poder do PSD e da liderança de Álvaro Maia, que ainda tentara por duas vezes retornar à atividade política (em 1958 e 1962), só conseguindo ser nomeado senador pela ARENA após o golpe de 1964, vindo a falecer durante o mandato (SANTOS, 1997, p. 142). A posse do novo governador e a perspectiva de consolidação do projeto político trabalhista4 provocavam grande receio entre as elites locais: a proximidade histórica dos trabalhistas com o meio sindical ameaçava a manutenção das elites no poder. A preocupação verificada na posse de Plínio Coelho5 em seu primeiro mandato talvez possa lançar luzes sobre o desfecho do segundo.
Com uma plataforma que ressaltava a necessidade de moralização da administração pública, se pautando nas propostas de “paz, moralidade, justiça e progresso” (DIÁRIO DA TARDE, 1 fev. 1955), criticava duramente o governo anterior que teria se caracterizado por uma cruzada em prol dos “primos felizes”6. Assim, propriedades públicas como carros, motores e telefones que se encontravam em poder de particulares foram retomados pela administração pública, gerando grande insatisfação entre os opositores. Ademais, inicia uma série de cortes no funcionalismo público com a finalidade de afastar do poder esses setores ligados a Álvaro Maia (os primos felizes). Quanto a isso, em mensagem à Assembleia afirmou que foi “obrigado a cortar na própria carne, exonerando centenas de servidores públicos”7. Tais medidas acabam por gerar um grande descontentamento entre os partidários de Álvaro Maia que passaram a criticar as arbitrariedades de Plínio Coelho e denunciar perseguição política. O jornal Diário da Tarde constatava em março de 1956 que o “Legislativo encontra-se dividido em dois blocos, com a mesma força e com a mesma expressão numérica, isso é, 15 deputados da situação e 15 da oposição” (DIÁRIO DA TARDE, 13 mar. 1956).
Os desafetos políticos que Plínio Ramos granjeou em seu primeiro mandato não se resumem à oposição no Legislativo e às lideranças políticas ligadas a Álvaro Maia e ao PSD: se envolveu ainda em um embate com o patronato amazonense após a eleição de Isaac Benaion Sabbá8, um membro da UDN, para a presidência da Associação Comercial do Amazonas (ACA), em abril de 1956 (QUEIRÓS, 2016). Não admitindo que a presidência de uma associação tão importante caísse nas mãos da oposição, Coelho inicia uma série de retaliações contra a entidade, retirando subsídios de que gozava a Associação, o que a obrigou a extinguir vários serviços prestados para adequar as despesas aos recursos. Decretou ainda, por meio da Secretaria de Finanças, o congelamento dos repasses de meio por cento sobre os produtos exportados.
Em 1958, outro trabalhista se elege para o governo do Amazonas: Gilberto Raposo Mestrinho. Mestrinho havia sido introduzido na vida política amazonense pelas mãos de Plínio Coelho, que o indicara para assumir a prefeitura de Manaus em setembro de 1956 e, ao deixar a função, para ocupar o cargo de Secretário de Economia e Finanças no governo estadual. No entanto, na ocasião da escolha de seu sucessor, Plínio teria firmado um acordo com o senador Vivaldo Lima que deveria ser o candidato à sucessão no Executivo estadual. Nessa ocasião, o governador teria perdido a queda de braço para Mestrinho, já que a direção do partido acabou indicando o nome de Gilberto Mestrinho como candidato do Partido Trabalhista Brasileiro para a sucessão ao Executivo. Essa situação aponta para o enfraquecimento de Plínio na estrutura estadual do PTB: sem conseguir indicar seu sucessor, ainda enfrentaria novos desafios e obstáculos dentro do partido.
Nas eleições presidenciais de 1960, ao apoiar o candidato Jânio Quadros, do PTN (contrariando a orientação partidária, que apoiava o Marechal Henrique Lott, do PSD para a presidência, tendo como vice João Goulart, do PTB), Plínio Coelho angaria ainda mais desafetos e inicia uma ferrenha desavença com o então governador Gilberto Mestrinho. A eleição de 1960 foi marcada por uma forte polarização e pela incidência de diversos conflitos entre janistas e lottistas. Nelson Omegna, deputado federal pelo PTB de São Paulo, dirigiu uma carta a João Goulart acusando-o de estar incentivando e apoiando a candidatura de Jânio Quadros à presidência. Segundo o deputado, estaria ocorrendo uma “densa campanha confusionista no sentido de divorciar o nome de João Goulart do nome do marechal Teixeira Lott”. Afirmava ele que
[...] o que causa angústia é ver correr o tempo e alastrar-se aquela campanha sem que de sua parte surja não só uma palavra de repulsa e censura mas as providências repressivas contra aqueles petebistas que pensando servir à sua pessoa, descumprem determinações dos órgãos soberanos do partido (CORREIO DA MANHÃ, 18 ago. 1960).
Era o surgimento daquele que ficou conhecido como movimento Jan-Jan e que visava à combinação da candidatura de Jânio Quadros, lançada pela União Democrática Nacional (UDN) para a presidência da República, com a de João Goulart (Jango), lançada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), para a vice-presidência. Com isso, além de contar com o apoio dos partidos que apoiavam a candidatura de Henrique Lott, João Goulart contaria também com o apoio de segmentos do Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ) e do sindicalismo informal e, de quebra, esvaziaria a candidatura de Mílton Campos, candidato da UDN à vice-presidência ao lado de Jânio Quadros. O movimento não chegou a adquirir caráter oficial, mas apareceu intensamente como palavra de ordem na campanha eleitoral. Para Maria Benevides, “o movimento Jan-Jan originou-se de uma dissidência do PTB paulista, promovido, principalmente, por Dante Pelacani, presidente da Associação nacional dos Trabalhadores Gráficos” (BENEVIDES, 1978, p. 100).
No estado do Amazonas, as principais lideranças do PTB adotaram posições antagônicas durante o processo de disputa eleitoral, levando a um rompimento entre os correligionários Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho. Enquanto Coelho apoiava a dobradinha Jânio-Jango, Mestrinho, seguindo as orientações da cúpula do partido, apoiou a candidatura de Henrique Lott.
Em documento intitulado Nona Carta aos Trabalhadores, dirigindo-se aos trabalhadores do Brasil, Plínio Coelho afirmara acreditar na vitória de Jânio Quadros e João Goulart por considerar que o candidato apoiado pelo PTB, Henrique Lott, era um dos generais que exigira a renúncia de Getúlio Vargas em 1954. Ademais, imputava a Jânio Quadros um nacionalismo que, segundo ele, estaria ausente no candidato Henrique Lott, atribuindo a Jânio Quadros o papel de continuador da obra de Getúlio Vargas.
Creio na vitória de Jânio Quadros e de João Goulart porque o ex-Governador paulista realizou no maior parque industrial da América do Sul tudo quanto Getúlio Vargas sonhara para o Brasil ao construir Volta Redonda, ao fundar a Fábrica Nacional de Motores, ao disseminar pelo Território Nacional Escolas Técnicas e João Goulart deu aos trabalhadores como vice-presidente da República tudo quanto a reação de Juscelino Kubitschek não pode evitar – reclassificação do funcionalismo federal, Lei Orgânica de Previdência Social, continuando, pois, a inolvidável obra de Getúlio Vargas (O TRABALHISTA, 24 ago. 1960).
As disputas e discordâncias entre Plínio e Mestrinho acabaram por resultar em que o Governador Gilberto Mestrinho assinasse a demissão de Plínio Ramos Coelho da prefeitura de Manaus, em 1960. A despeito das fissuras que a disputa presidencial provocou na relação entre Plínio e Mestrinho, Gilberto Mestrinho manifestou seu apoio à candidatura de Plínio Coelho para o governo do estado do Amazonas não sem alfinetar o antigo padrinho político e desafeto: “Depois de derrota-lo duas vezes, a primeira no pleito presidencial e a segunda na eleição do prefeito de Manaus, vou lançar a candidatura do sr. Plínio Coelho a minha sucessão, na convenção do PTB“ (ESTADO DE SÃO PAULO, 28 abr. 1962).
Em outubro de 1962, com o apoio do então deputado federal Arthur Virgílio Filho, responsável pelo movimento de pacificação do Amazonas, Plínio Ramos Coelho elegeu-se mais uma vez governador do Amazonas, derrotando Paulo Néry, apoiado pelo PSD e pela UDN. O trabalhismo amazonense se consolidava no cenário político local enquanto a oposição se desarticulava. No limite, tal hegemonia pode ser verificada até os dias atuais, quando observamos a perpetuação de herdeiros políticos dessas lideranças no poder uma vez que, desde o retorno das eleições governamentais, em 1982, o Amazonas tem sido governado por um grupo pequeno e relativamente fechado de políticos que ora se aliam, ora se opõem, tendo como patriarca o ex-governador Gilberto Mestrinho.
No entanto, a crise econômica que assolava o estado, o desequilíbrio fiscal e o desgaste político enfrentado por Plínio Coelho, que sofria com pesadas críticas não só dos partidos de oposição, mas também daqueles que há pouco eram importantes aliados, formavam um quadro de instabilidade política regional que se somaria aos eventos que rapidamente selariam os destinos políticos do país. Ademais, Amaral destaca que, como no restante do país, as agitações promovidas pelos movimentos sociais no período imediatamente anterior ao golpe assustavam os elementos mais tradicionais da sociedade e eram tidas como “fruto da escravidão ideológica dos líderes sindicais para com o marxismo e o trabalhismo de Coelho e Mestrinho” (AMARAL, 2013, p. 136).
Com o golpe de 1964 e a deposição do presidente João Goulart, a situação do governador Plínio Coelho torna-se bastante delicada. Em meio a notícias sobre uma possível “renúncia” do presidente e críticas às “tentativas de bolchevização” do país e aos maus brasileiros que, tendo como pretexto as Reformas de Base, “pretendem subverter o regime democrático, com a mudança de nossas instituições” (JORNAL DO COMMERCIO, 2 abr. 1964), a imprensa noticiava que, desde 25 de março, Anfremon D’Amazonas Monteiro havia assumido o governo em virtude da “ausência do respectivo titular, o excelentíssimo doutor Plínio Coelho” que se encontrava no Rio de Janeiro, onde se encontraria com o presidente João Goulart a fim de “tratar de assuntos de interesse do estado”. Diante dos acontecimentos, em entrevista à Rádio Nacional, Plínio Coelho informara que iria antecipar seu regresso para o Amazonas.
Após a deposição do presidente pelas “forças democráticas”, o próximo passo seria dar início a uma “operação limpeza” a fim de “proceder a higienização da vida pública brasileira” e o desmonte do “esquema subversivo que se encontra[va] montado, ameaçando os alicerces do regime”. E era justamente com esse título, “operação limpeza”, que o Jornal do Commercio, periódico pertencente ao grupo dos Diários Associados, noticiava a necessidade de “destruição dessa máquina viciada” sem “falsos pruridos legalistas”. Na mesma edição, noticiava a perda de mandatos para todos os “parlamentares comunistas” (JORNAL DO COMMERCIO, 3 abr. 1964).
A Associação Comercial do Amazonas (ACA), antigo desafeto do governador, fez publicar uma nota no Jornal do Commercio convidando seus associados para participarem de uma concentração cívica no Largo São Sebastião com a finalidade de manifestar o “regozijo da sociedade amazonense pela superação do clima de insegurança que contagiava a nação”, agradecendo o gesto de coragem e de patriotismo das forças armadas. Neste dia, as entidades patronais solicitaram que os estabelecimentos industriais e comerciais encerrassem suas atividades às 12:00 para que os trabalhadores pudessem comparecer à “Concentração pela Democracia e contra o Comunismo”, ocasião em que seria prestada uma homenagem às gloriosas forças armadas (JORNAL DO COMMERCIO, 4 abr. 1964).
Tendo contra si a oposição da Assembleia Legislativa e sendo alvo da insatisfação de amplos setores das elites – o que se verifica facilmente a partir da leitura dos principais periódicos do estado –, Plínio Coelho foi surpreendido pelo golpe quando estava no Rio de Janeiro para um encontro com o presidente João Goulart (JORNAL DO COMMERCIO, 4 abr. 1964). Ainda no Rio, no dia primeiro de abril, o governador deu declarações às rádios da Guanabara, defendendo o presidente João Goulart daquilo que considerava uma quartelada e se colocando ao lado da realização das Reformas de Base. Para as rádios, Plínio afirmara que
[...] ontem fomos contrários ao presidente da República no que infringia a Constituição e hoje somos contrários aos que indisciplinam contra o eleito pelo povo. As reformas de base sairão com a certeza da infalibilidade de um dia que dá a outro dia (JORNAL DO COMMERCIO, 10 abr. 1964).
A ausência de Plínio Coelho no comando do Executivo causava intranquilidade em seus aliados sobre a possibilidade de seu retorno ao governo. Nesse contexto de incertezas, o prefeito de Manaus, Josué Cláudio de Souza, declarou que Plínio Coelho, que foi “um dique contra a desordem comunista, voltará, com a graça de Deus, ainda mais fortificado para bem cumprir os seus deveres em favor da comunidade cristã” (JORNAL DO COMMERCIO, 8 abr. 1964).
Paradoxalmente, ao retornar a Manaus, Plínio Coelho fez um discurso no qual declarou que “a Revolução fez ressurgir um Brasil mais autêntico e liberto da pequena minoria que queria implantar em nosso país um regime comuno-social-castrista” e que o movimento que culminou com a deposição de João Goulart foi “uma revolução de elevado sentido histórico, igual somente a que nos libertou da querida Pátria portuguesa” (JORNAL DO COMMERCIO, 10 abr. 1964).
Essa ambiguidade do então governador pode ser compreendida se percebermos o quanto Plínio estava isolado no quadro político local: uma aproximação com os militares poderia representar um fortalecimento de suas posições no âmbito local e regional e, ao mesmo tempo, lhe tiraria da posição de vulnerabilidade na qual se encontrava. Tal preocupação se justificava ainda mais quando observamos que, logo após o golpe, governadores de diversos estados tiveram seus mandatos cassados. Logo nos primeiros dias, Miguel Arraes (PE) e Seixas Doria (SE) perderam seus mandatos, seguidos por Badger da Silveira (RJ) e Jose Augusto de Araújo (AC).
Pela permanência no cargo, o governador manteve as articulações com os militares e, após envio de telegrama felicitando Humberto Castelo Branco pela eleição e atribuindo-lhe a tarefa de ser o “pacificador do Brasil pela consolidação da Revolução vitoriosa que banhou nossa pátria”, Plínio Coelho teve que se licenciar novamente de seu cargo a fim de participar da cerimônia de posse do novo presidente (JORNAL DO COMMERCIO, 13 abr. 1964).
Tal postura não foi facilmente esquecida por seus adversários políticos. Fábio Lucena, por exemplo, tecera severas críticas ao ex-governador Plínio Coelho. Ao afirmar que
O Sr. Plínio Coelho dava início a um comportamento indigno: bajular os militares vitoriosos para manter-se no poder. No dia 31 de março de 1964, ele estava no Palácio das Laranjeiras, ao lado de João Goulart. Naquele dia, discursou pelo rádio. Chamou de golpistas os generais que estavam começando a depor o Presidente da República. Pouco menos de dez dias, disse o seguinte: “Eu supunha que se tratasse de mais uma indisciplina. Primeiro tinha sido a dos sargentos. Agora, a dos generais. Mas me enganara: o que estava acontecendo no país era uma autêntica Revolução” (A CRÍTICA, 7 ago. 1979).
Os dias que se seguiram foram de profunda agitação e instabilidade. Em maio, a crise se avolumara quando o secretariado do governo, chefes, subchefes e diretores de repartições estaduais enviaram ofício solicitando sua exoneração coletiva tendo como justificativa a “necessidade de reformar a máquina administrativa, para a execução da nova etapa de seu programa de governo” (JORNAL DO COMMERCIO, 7 maio 1964). A justificativa para a exoneração coletiva seria a necessidade de adequar o secretariado aos novos postulados da “revolução”, mas tal argumento buscava mascarar o descontentamento de muitos aliados com o novo contexto político. O processo de escolha do novo secretariado, seria feita de comum acordo com o Comando da Guarnição Federal, gerou um novo desgaste político para o governador. Na solenidade de posse, só compareceram e assinaram os termos de posse três secretários: Francisco de Assis Portela, Mário Jorge Couto Lopes e Amazonas Palhano. Tal situação evidenciava o isolamento de Plínio, que incomodado com a situação, afirmou que publicaria um ato que tornaria sem efeito as demais nomeações9. Na ocasião, o governador pronunciou discurso no qual reafirmava a intenção de “cumprir as determinações do Presidente da República” e criticou aqueles que buscavam “levantar calúnias contra sua administração, tentando implicá-lo com o Comando Revolucionário” (JORNAL DO COMMERCIO, 14 maio 1964). A forma intempestiva como Plínio reagiu às ausências do secretariado causaram sérias repercussões: alguns dos indicados que não compareceram à solenidade reagiram às críticas e ao ato de Plínio e publicaram notas na imprensa amazonense a fim de esclarecer suas posições.
Naquele contexto, marcado pelas cassações de deputados e governadores, Plínio Coelho recebe novo convite para ir a Brasília com o propósito de discutir “problemas referentes ao Amazonas” (JORNAL DO COMMERCIO, 8 maio 1964). O encarregado de fazer o convite ao governador foi o deputado Paulo Coelho que, quando perguntado sobre detalhes da reunião, teria respondido de forma enigmática: “papagaio que está trocando as penas não fala” (JORNAL DO COMMERCIO, 9 maio 1964). Um convite desse tipo em um momento marcado por uma forte expectativa em torno da divulgação de uma nova lista de deputados e governadores cassados podia não ser um bom presságio para o governador do Amazonas, que devia estar sob forte pressão. Os periódicos divulgavam que, apesar da lista não ter sido publicada no Diário Oficial, havia a informação de que políticos amazonenses seriam cassados (JORNAL DO COMMERCIO, 7 maio 1964).
A vice-presidência da Assembleia Legislativa já estava vaga em função da cassação do deputado Arlindo Porto e, pelas informações que circulavam informalmente, mais cabeças estavam por rolar. A substituição de Arlindo Porto na mesa diretora gerou mais uma crise institucional para Plínio Coelho uma vez que a oposição desejava sem sucesso ocupar o posto vago, tendo publicado uma nota de desagravo nos periódicos da capital. Diante desta nova crise do governo, a imprensa especulava que a “reforma revolucionária” atingiria também a Assembleia Legislativa, com a renúncia da mesa diretiva e das lideranças partidárias (JORNAL DO COMMERCIO, 10 maio 1964). A oposição começava a ganhar força no estado e a causa da “Revolução” parecia unir deputados da oposição e do governo: no início de maio, o deputado Dorval Vieira, da UDN, apresentou um projeto que conferia o título de “Cidadão do Amazonas” ao General César Moniz de Aragão, um dos chefes da “Revolução Vitoriosa”. Quando entrou em votação, o deputado João Valério, líder do governo na Assembleia, apresentou emenda que estendia o título de Cidadão do Amazonas aos generais Castelo Branco, Amaury Kruel, Olimpo Mourão Filho e Orlando Ramagem (JORNAL DO COMMERCIO, 12 maio 1964). O projeto foi aprovado por unanimidade pelo plenário da Assembleia Legislativa.
Em 14 de maio, Plínio Coelho volta a se licenciar da chefia do Executivo a fim de viajar para a capital para encontrar-se com o presidente. Ao viajar para Brasília, o Jornal do Commercio estampa a seguinte manchete: “Estaria iminente o ‘impeachment’ de Plínio” (JORNAL DO COMMERCIO, 16 maio 1964). O jornal alegava que vários fatos apontavam para a iminência de sua deposição. Na sessão da Assembleia Legislativa do dia 15 de maio, verificou-se a ausência em plenário dos deputados que compunham a maioria do governo e, pela cidade, circulavam diversos ‘boatos’ que apontavam para a decretação do impeachment do governador pela própria Assembleia Legislativa do Estado. O jornal mencionava que periódicos do Rio especulavam que os próximos a serem depostos seriam os governadores Plínio Coelho (AM) e Petrônio Portela (PI) (JORNAL DO COMMERCIO, 16 maio 1964).
Diante de tantos boatos e especulações, Plínio Coelho, após retornar de seu encontro com Castelo Branco, reuniu-se com três emissoras locais no Palácio Rio Negro para falar acerca da situação que se apresentava. Falando sobre a possibilidade de impeachment, disse que se reunira com o general Orlando Ramagem e que o mesmo lhe dissera que não havia nenhuma instrução da parte do Comando da Guarnição Federal e que a iniciativa partira dos mesmos adversários políticos que em 1954 lhe fizeram oposição e que os deputados estaduais Theomário Pinto, Joel Ferreira da Silva, João Valério e Francisco Cavalcante haviam sido interpelados pelo major Felix e pelo capitão Amazonas com o objetivo de assinarem um pedido de impeachment do governador e que o mesmo já continha as assinaturas de Andrade Neto e Aguiar Correia. O governador declarou ainda que “enquanto não houver ato do Presidente da República, reagirei à mão armada a qualquer cerceamento de meu direito. Estou pronto para defender o meu mandato” (JORNAL DO COMMERCIO, 16 maio 1964).
Na reunião com Castelo Branco, Plínio teria saído com a impressão de que tudo estava na mais “plena harmonia”. Tanto que, em ligação para o governador em exercício, Anfremon Monteiro, teria lhe dito que estava “tudo azul” (JORNAL DO COMMERCIO, 22 maio 1964). Contudo, a relação de Plínio com Brasília não estava tão tranquila quanto ele esperava: no dia 23, o governador Plínio Coelho recebeu telegrama do gabinete da presidência da República solicitando que o governador desmentisse com urgência a notícia de que o Ministro da Guerra, Arthur Costa e Silva iria punir oficiais que se envolvessem nos rumos da política amazonense (JORNAL DO COMMERCIO, 23 maio 1964).
Nessa situação de incertezas, Plínio Coelho recebeu o apoio de uma comitiva de funcionários públicos que se dirigiram ao Palácio Rio Negro para lhe prestar solidariedade. Tal comitiva contava com a presença de vários prefeitos do interior e do Procurador Geral do Estado, Adriano de Queiroz, que enviou telegrama ao presidente da república demonstrando seu apoio ao governador, por colocar-se “em defesa da ordem da conservação do princípio da autoridade em solo amazonense, havendo sido o primeiro chefe de governo a denunciar as atividades subversivas do CGT” (JORNAL DO COMMERCIO, 21 maio 1964). Recebeu ainda um “voto de confiança” do Tribunal de Justiça do Estado, que enviou ao governador um ofício no qual reconhecia em Plínio Coelho um “governante provecto, digno de confiança do povo que o elegeu e sempre devotado à sua formação democrática” (JORNAL DO COMMERCIO, 23 maio 1964).
Todavia, o apoio de sua base legislativa ia enfraquecendo: no dia 27, os deputados Bernardo Cabral e Abdala Sahdo, duas importantes lideranças petebistas, se pronunciaram declarando que, a partir daquele momento, não mais pertenceriam à base do bloco parlamentar de apoio ao governador Plínio Ramos. Os dois disseram que prestariam maiores esclarecimentos sobre sua saída da base governista após o retorno do governador ao estado (JORNAL DO COMMERCIO, 27 maio 1964).
No começo de junho, em meio a notícias sobre a situação insustentável do governador Aurélio do Carmo, no Pará, Plínio Coelho se deparava com denúncias de corrupção, em torno da constituição de uma sociedade anônima com o nome de Paranauari, por parte de deputados da oposição parlamentar. Para responder às críticas, o governador reuniu a imprensa e afirmou que:
Se examinarmos no fundo de toda essa agitação política na crise amazonense, verificaremos que a motivação essencial é a de grupos econômicos. Em verdade, com a nossa vitória eleitoral em 1954, rompemos os arcabouços das velhas estruturas e fincamos no chão os marcos definitivos da nossa marcha para o futuro (JORNAL DO COMMERCIO, 3 jun. 1964).
Justificando a constituição da empresa, o governador afirmou que foi com os objetivos de “aproveitar o calcário, fazer o aproveitamento das madeiras mediante serrarias e transformar a madeira de pau-rosa em essência” (JORNAL DO COMMERCIO, 3 jun. 1964).
Finalmente, em 14 de junho o governador Plínio Coelho teve seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos. A informação foi trazida pelo general Jurandir Mamede, que veio a Manaus especialmente para transmitir a notícia sobre a perda de seu mandato. A notícia foi dada enquanto o governador Plínio Coelho discursava durante a cerimônia de abertura do VIII Festival Folclórico do Amazonas, no estádio General Osório (JORNAL DO COMMERCIO, 3 jun. 1964). O governador deixou o estádio General João Osório acompanhado pelo General Jose Alípio de Carvalho, comandante do 27º Batalhão de Caçadores. À noite, Plínio Coelho transmitiu seu cargo para o Presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas, Anfremon Monteiro.
A constituição definia que, como o governador Plínio Coelho não havia cumprido metade de seu mandato, as eleições deveriam ser realizadas através do voto direto da população. Entretanto, em 15 de junho, a Assembleia Legislativa promulgou um ato adicional que autorizava os deputados a escolherem o novo governador de forma indireta. Dois dias depois da deposição de Plínio, em 16 de junho, Arthur César Ferreira Reis foi eleito governador do Amazonas pela Assembleia Legislativa. As manchetes da imprensa amazonense apontavam para uma era de “novas perspectivas para o Amazonas” (JORNAL DO COMMERCIO, 17 jun. 1964). Era o fim do governo de Plínio Ramos Coelho e o início dos embates entre governador deposto e o novo governante do estado. Creio ser impossível analisar a deposição de Plínio Coelho sem levar em conta os inúmeros enfrentamentos e desafetos adquiridos ao longo de sua trajetória política. Sua deposição acabou sendo o resultado de uma comunhão de interesses entre as elites locais e os novos governantes na esfera nacional.
Com a deposição do líder trabalhista, Arthur Cesar Ferreira Reis, que havia sido Superintendente do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (1953-1955) e Diretor do INPA (1956-1958), tomou posse no dia 27 de junho, em cerimônia realizada no prédio do Instituto de Educação do Amazonas, onde na ocasião funcionava a Assembleia Legislativa.
Porém, mesmo com a deposição, o ex-governador não teve descanso. Em virtude das denúncias de corrupção sobre a constituição de uma sociedade anônima com o nome de Paranauari feitas pelos deputados da oposição parlamentar durante seu governo, em 10 de agosto de 1964, Plínio Ramos Coelho foi conduzido à Chefatura de Polícia e depois à Penitenciária Estadual acusado de ter cometido “delito contra o Estado”, passando por uma investigação sumária instalada pelo desvio de 5 milhões de cruzeiros dos cofres públicos. Na mesma noite, seu advogado entrou com um pedido de Habeas Corpus. Na manhã seguinte, com a presença de soldados da Polícia Militar nas escadarias do Palácio da Justiça, o tribunal se reuniu para apreciar o pedido e a decisão em favor da concessão foi unânime, tendo sido expedido alvará de soltura em favor do ex-governador. Os juízes deliberaram que,
[...] em face da informação dirigida pelo Sr. governador, não se tem definição dos crimes que seriam de responsabilidade do paciente e, de outro lado, frente aos dispositivos legais correlativos, o Governador não é autoridade competente para ordenar a prisão de quem quer que seja10.
No entanto, por ordem do governador Arthur Reis, o alvará de soltura não foi cumprido. Diante disso, o Tribunal de Justiça do Amazonas enviou um ofício a Arthur Reis estabelecendo o prazo de uma hora para a libertação de Plínio. Em resposta, o governador afirmou que, por ordem das autoridades militares federais, Plínio Coelho foi transferido da Penitenciária Estadual para o 27º Batalhão de Caçadores, no bairro São Jorge. O encarregado do IPM era o Coronel Jose Alípio de Carvalho, responsável por apurar as “atividades de corrupção e subversão que lhe são atribuídas”.
Devemos salientar que a maioria dos IPMs foi instaurada com o intuito primordial de conter a “agitação subversiva” e eliminar qualquer oposição ao regime. Já nos primeiros anos do regime, tornou-se tão corriqueiro a instauração de IPMs, ao ponto de estes servirem até mesmo a interesses políticos locais, quando políticos que perdiam as eleições valiam-se do recurso para prejudicar seus adversários ou desafetos. Para Alves (1989), o período entre 1964 e 1965 caracteriza-se por um “autoritarismo de crise”, ou seja, uma intervenção para contenção do projeto revolucionário das esquerdas. Essa contenção ficou marcada pela cassação de direitos políticos, abertura de IPMs para extirpar a corrupção e a subversão dos quadros institucionais.
Nessa ocasião, as disputas entre o Executivo e o Judiciário já estavam muito acirradas, ao ponto de, em sinal de protesto público frente às constantes ameaças transmitidas ao Judiciário por membros do Poder Executivo, os desembargadores Leôncio de Salignac e Souza, Benjamim Magalhães Brandão, Roosevelt Pereira de Melo, Oyama Cézar Ituassú da Silva e Sebastião Salignac de Souza terem requerido suas aposentadorias, em caráter irrevogável (GARCIA, 2002). Em dezembro, o governador baixou decreto aposentando, “por conveniência da administração”, o juiz de direito Oswaldo Salignac de Souza, da 7ª Vara da Capital.
Por fim, no dia 12 de agosto, para enorme descontentamento do governador, Plínio Ramos Coelho foi posto em liberdade. Sentindo-se desmoralizado pela soltura de Plínio, Arthur Reis redige de próprio punho sua renúncia ao cargo, entregando-a pessoalmente ao presidente da Assembleia Legislativa, deputado Rui Araújo. Para dissuadir o governador, que só permaneceria no cargo se Plínio Coelho fosse preso, o General Castelo Branco autorizou sua prisão pelo crime de corrupção, ordenando que ele fosse detido “onde estivesse” (ESTADO DE SÃO PAULO, 16 ago. 1964).
Devemos observar que seu pedido de renúncia pode ser melhor compreendido se analisarmos o cenário político que Arthur Reis enfrentava no estado. O governador já vinha encontrando dificuldades em sua relação com a Assembleia Legislativa em virtude de uma medida que extinguia mais de 200 municípios criados por Plínio Coelho no interior do estado durante seu governo. Muitos parlamentares ficaram desgostosos, uma vez que muitos deles tinham bases eleitorais sólidas nessas cidades. Como represália, no mesmo dia, foi aprovado em regime de urgência um projeto que aumentava os subsídios dos parlamentares e do governador, isso em um momento em que o governador havia vetado um aumento salarial para o funcionalismo público. Diante desse quadro, Arthur Reis vetou o projeto. No entanto, seu veto foi derrubado na Assembleia Legislativa por 18 votos a 8.
Nesse impasse,o governador ordenou a ocupação militar do parlamento estadual – que funcionava provisoriamente no Instituto de Educação do Amazonas –, tendo enviado telegrama ao presidente Castelo Branco denunciando “o aumento inconstitucional e imoral votado por deputados, dos seus próprios subsídios” e acusando-os de terem agido dessa forma em função da necessidade de compensar perdas de recursos econômicos provocadas pela supressão dos municípios. Assim, justificando a interdição da Assembleia Legislativa e a prisão do ex-governador, Reis afirma que resolveu “praticar atos revolucionários para chamar à razão os que se opõem a concepção dos objetivos revolucionários e a missão que me foi confiada” (JORNAL DO COMMERCIO, 11 ago. 1964). O General Jurandir Mamede, comandante da 8ª Região Militar e do Comando Militar da Amazônia, veio a Manaus como emissário do presidente Castelo Branco a fim de contornar a crise entre Executivo e Legislativo, tendo se reunido com diversas lideranças, entre elas o presidente da Assembleia. Entre os desdobramentos da crise entre os dois poderes, devemos salientar a exoneração do Secretário de Educação Jose Lindoso e a saída do PSD da base governista.
Arthur Cesar Ferreira Reis irá permanecer no governo fortalecido pelo apoio do presidente Castelo Branco e tendo vencido a queda de braço tanto com o Poder Legislativo quanto com o Judiciário. O Legislativo subjugado e o Judiciário sob ameaça tiveram que se curvar – não sem resistências e protestos – às decisões do governador. Um edital publicado no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, comemora que “a Revolução chegara à Amazônia. E revigorada. Acicatada. Para valer. A crise ontem encerrada com a recusa, pela Assembleia Legislativa, da renúncia do governador Arthur Cesar Ferreira Reis, significa a outorga de todo o poder aos revolucionários” (JORNAL DO COMMERCIO, 21 ago. 1964).
O edital também tecia críticas ao Poder Judiciário pela soltura do ex-governador Plínio Coelho, questionando se esses magistrados eram realmente “inocentes em todos os episódios de decomposição moral em que mergulhou o Amazonas trabalhista?” (JORNAL DO COMMERCIO, 21 ago. 1964). Ademais, o Amazonas era tido como “a maior vítima da hecatombe trabalhista que espoliou esse país”, visto que “ali se instalou a mais terrível máquina de corrupção laborista que desde o início do fabianismo se conhece”.
Na mesma ocasião da prisão de Plínio Coelho e da interdição da Assembleia Legislativa, Arthur Reis ordenou o fechamento dos jornais O Trabalhista e A Gazeta (LOBO, 1986), ambos pertencentes ao grupo Difusão, sendo seus redatores enquadrados na Lei de Segurança Nacional. O procurador do estado, Leandro Tocantins, declarou que o fechamento dos dois jornais “foi um imperativo das conclusões do inquérito policial-militar que enquadrou os seus diretores e redatores incursos na Lei de Segurança Nacional”. Seu redator-chefe, Manoel José Antunes, foi preso e recolhido ao quartel da milícia. Entretanto, o senador Desiré Guarani atribuiu o fechamento dos periódicos à publicação de um ofício do Tribunal de Contas da União indicando nomes de pessoas que teriam deixado de prestar contas de verbas recebidas da SPVEA quando Arthur Reis era superintendente, o que caracterizaria uma pequena vingança pessoal (ESTADO DE SÃO PAULO, 10 set. 1964). Tal atitude levou a Associação Amazonense de Imprensa, sob a presidência de Aristophano Anthony, a redigir um ofício endereçado ao governador apelando para que os dois jornais que se encontravam ocupados pelas forças da Polícia Militar fossem autorizados a voltar a circular normalmente. O presidente da AAI recebeu do senador Arthur Virgílio no qual prestava sua solidariedade a “todos os jornalistas amazonenses atingidos pela medida arbitrária do governador Arthur Reis” (JORNAL DO COMMERCIO, 13 ago. 1964).
Ao longo deste estudo, pudemos observar que o processo de consolidação da hegemonia do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no Amazonas a partir da eleição de Plinio Ramos Coelho, em 1954, propiciou o crescimento de um conjunto de rivalidades com os herdeiros do alvarismo, derrotado naquelas eleições e cujo espaço político foi significativamente reduzido nas eleições seguintes. Ademais, os enfrentamentos que Plinio Coelho teve ao longo de seu governo com importantes segmentos das elites locais – notadamente a Associação Comercial do Amazonas (ACA) – não tiveram uma resolução favorável em seu primeiro governo e contribuíram fortemente para o contexto de instabilidade que marcou seu segundo governo. Nem mesmo o seu próprio partido – o PTB – lhe prestava apoio irrestrito, sobretudo em virtude das disputas que levou a cabo com outra importante liderança trabalhista: Gilberto Mestrinho.
Nesse sentido, procuramos ressaltar que a deposição do governador Plinio Coelho não pode ser explicada apenas pela queda de João Goulart e pela instalação de uma ditadura militar: suas bases de apoio estavam muito fragilizadas e o governador sequer podia contar com seus próprios aliados. Diante desse quadro, seus opositores tiveram a oportunidade de se aproveitar dessas fragilidades para trazer velhas disputas à tona. A deflagração do Golpe Civil-Militar e seus desdobramentos no estado do Amazonas foram permeados de diversos conflitos e disputas que, se não observados de perto, dificultam uma compreensão mais efetiva dos episódios em tela. Disputas políticas, rivalidades pessoais, lutas empedernidas, antipatias e revanchismos estiveram presentes nesses meses em que se fez escuro o Brasil e o Amazonas.