Sociedades científicas

Recepção: 15 Abril 2019
Aprovação: 28 Abril 2019
DOI: https://doi.org/10.5433/1984-3356.2019v12n23p674
Resumo: Na filmografia que retrata a ditadura brasileira, os personagens de torturadores e colaboradores civis geralmente se enquadram em arquétipos bem definidos de antagonistas e coadjuvantes. O artigo traça uma cartografia desses arquétipos em um corpus de títulos ficcionais e documentais brasileiros realizados desde a Abertura política, identificando as figuras e nuances em jogo: o torturador brucutu; o torturador com laivos de consciência; o empresário patrocinador da repressão; o médico acobertador de violações; o religioso alinhado ao regime. A despeito dos matizes, em todos esses casos as culpas e cumplicidades acabam circunscritas dentro das fórmulas de arquétipos cristalizados, relegadas a um microcosmo de “vilões” distantes do tecido social. Um segundo movimento da análise propõe a comparação entre esse panorama geral e dois documentários específicos: 70 y Pico (Mariano Corbacho, Argentina, 2016) e El pacto de Adriana (Lissette Orozco, Chile, 2017). Ambos são dirigidos por descendentes de indivíduos ligados à estrutura repressiva das ditaduras de seus respectivos países. Na chave do documentário subjetivo que revolve as interfaces entre memória familiar e história, esses filmes jogam luz sobre personagens menos óbvios da órbita da repressão. Pessoas comuns que integram uma zona cinzenta muito próxima, onde se enraíza o apoio social ao autoritarismo.
Palavras-chave: Memória, Ditadura, Cinema, Filhos, Colaboracionismo.
Abstract: In the filmography portraying the Brazilian dictatorship, the characters of torturers and civil collaborators usually fit into well-defined archetypes of antagonists and supporting roles. The article traces a cartography of these archetypes in a corpus of Brazilian fictional and documentary works made since the democratization, identifying the figures and nuances at stake: the truculent torturer; the torturer with signs of conscience; the businessman sponsoring the repression; the physician covering violations; the priest aligned with the regime. Regardless of these nuances, in all the cases the guilts and complicities are circumscribed within the formulas of crystallized archetypes, relegated to a microcosm of “villains” distant from the social fabric. A second movement of the analysis proposes the comparison between this general panorama and two specific documentaries: 70 y Pico (Mariano Corbacho, Argentina, 2016) and Adriana’s Pact (Lissette Orozco, Chile, 2017). Both are directed by descendants of individuals linked to the repressive structure of the dictatorships of their respective countries. In the way of the subjective documentary that investigates the interfaces between family memory and history, these films shed light on less obvious characters in the orbit of repression; common persons that integrate a gray zone extremely close, where the social support to the authoritarianism is rooted.
Keywords: Memory, Dictatorship, Cinema, Children, Collaborationism.
É una zona grigia, dai contorni mal definiti, che insieme separa e congiunge
i due campi dei padroni e
dei servi. Possiede
una struttura interna incredibilmente complicata, ed alberga in sé quanto basta per confondere il nostro bisogno di giudicare.
Fonte: Levi (2005, p. 28-29).
Os personagens de perpetradores e colaboracionistas frequentam há tempos as imagens do cinema dedicado à representação das ditaduras do Brasil e do Cone Sul. Via de regra, esses papéis ligados à repressão assumem a função de antagonistas ou coadjuvantes nas tramas fílmicas sobre o passado autoritário. Apenas esporadicamente esses personagens surgem como protagonistas. Por si só, tal correlação já dá indícios do lugar distante e colateral dessas figuras incômodas na memória social sobre o período.
O abrigo desse distanciamento são os arquétipos que servem de invólucro a determinadas figuras bem reconhecíveis da órbita autoritária. Vale a pena o esforço de olhar de perto tais representações para dar contornos a esse panorama. Para tentar compreender, enfim, os significados complexos das simplificações e dos esquematismos da memória no cinema. Um primeiro movimento deste artigo estará dedicado a isto: identificar, nas imagens de casos significativos da filmografia sobre o passado autoritário brasileiro, os moldes dos arquétipos de perpetradores e colaboracionistas, sem ignorar os matizes em jogo. De saída, portanto, a escala de análise será ampliada, repassando em comentários breves alguns exemplos de ficções e documentários do Brasil de um longo arco temporal, partindo de produções dos anos 19801. O objetivo desse sobrevoo é esboçar uma cartografia exploratória das representações de quatro personagens-tipo centrais nessa cinematografia: o torturador, pertencente às fileiras do regime; o empresário patrocinador do aparato repressivo; o médico atuando no porão e acobertando assassinatos políticos; o religioso alinhado ao regime, estes três últimos da esfera da sociedade civil.
Em um segundo momento, a escala de análise será reduzida para se concentrar em dois casos de documentários recentes, da Argentina e do Chile, que sinalizam para a possibilidade de outro olhar para perpetradores e colaboradores nas representações cinematográficas sobres as ditaduras. São eles 70 y Pico (Mariano Corbacho, Argentina, 2016) e El pacto de Adriana (Lissette Orozco, Chile, 2017). Ambos são dirigidos por descendentes de figuras ligadas ao aparato repressivo dos regimes de seus respectivos países. Mais precisamente, Mariano Corbacho é neto de Héctor Corbacho, alguém que, durante a ditadura argentina, foi nomeado “decano”, ou seja, diretor da Faculdade de Arquitetura (Fadu) da Universidade de Buenos Aires (UBA) ao mesmo tempo que era instrutor na Escuela de Mecánica de la Armada (Esma). Por sua vez, Lissette Orozco é sobrinha de Adriana Rivas, que foi funcionária, durante a ditadura de Augusto Pinochet, da Dirección de Inteligencia Nacional (Dina), onde supostamente trabalhava como mera secretária.
A hipótese é que há uma diferença significativa entre essas obras específicas, que lidam com o espectro de perpetradores e colaboracionistas no círculo íntimo, e o quadro geral de arquétipos distantes do cinema brasileiro sobre a ditadura. Nota-se, pois, que, metodologicamente, a análise aqui se dá por comparação. Pelo contraste, enfim, entre a cartografia de torturadores, empresários, médicos e religiosos esquemáticos da filmografia do Brasil, de um lado, e, de outro, dois documentários de países vizinhos que dizem, em primeira pessoa, “meu avô” e “minha tia” para se referir a figuras ligadas à violência ditatorial. Inequivocamente, estas reflexões estão ancoradas na conjuntura atual de acirramento das disputas na arena da memória da ditadura no Brasil. Assim sendo, este artigo assume abertamente seu intuito de crítica do presente (CARDOSO, 2001), quando a adesão massiva a pautas autoritárias reveste de urgência a abordagem dos colaboracionismos; quando as culpabilidades deixam de ser apenas empurradas para um distante arquétipo e passam a ser descaradamente negadas.
Cartografia dos arquétipos ligados à repressão no cinema brasileiro
a) Torturadores antagonistas
Antagonistas. Em geral, esta é a função dramática atribuída aos torturadores no cinema que retrata a ditadura no Brasil. No quadro social desenhado pelas tramas fílmicas, os agentes da repressão são o “outro”, situado no polo oposto da resistência e distante da comunidade dos “cidadãos de bem”. Cabe ponderar, entretanto, que essa alteridade dos antagonistas torturadores tem seus matizes em cada filme.
Indo desde o rematado torturador de Pra frente, Brasil (Roberto Farias, 1982), o Dr. Barreto (interpretado por Carlos Zara), típico sanguinário inveterado. Na lógica kafkiana que pauta a narrativa de Pra frente, Brasil, segundo a qual os cidadãos de bem são arrastados para o torvelinho da “guerra suja”, o Dr. Barreto é a encarnação dos “excessos” do porão. Sempre truculento, ele age ao arrepio da própria burocracia repressiva. Seu palco é um sítio afastado, longe do espaço urbano da trama. Lá, apoiado por seus asseclas, ele submete o inocente-tipo Jofre (Reginaldo Faria) – neutro, apolítico, que nunca fez nada contra ninguém, que não é dos que são contra, um homem comum, que tem emprego, documento, mulher, filhos, paga imposto, como diz o personagem no solilóquio declamado enquanto está amarrado e ensanguentado no intervalo de uma sessão de tortura –, enfim, lá, o Dr. Barreto e seus asseclas insistem em submeter Jofre, apenas alguém no lugar errado na hora errada, às maiores barbaridades. E quando, no labirinto de descaminhos e desmandos das forças da ordem, a própria hierarquia repressiva vai ao sítio isolado e tenta enquadrar o Dr. Barreto, este não se contém e pisoteia Jofre até matá-lo.
O arbítrio é o que move o elenco de agentes da ordem em Pra frente Brasil. Mas a personificação da “linha dura” é, sem dúvida, o Dr. Barreto. Seus “excessos” são um ponto fora da curva na engrenagem que vai vitimando a todos indistintamente, desde os inocentes – os irmãos Jofre e Miguel (Antonio Fagundes), Marta (Natalia do Vale), esposa do primeiro – até os omissos na fronteira da zona cinzenta – representados no filme pelo personagem Rubens (Luiz Armando Queiroz), colega de trabalho de Jofre e Miguel que se recusa a fazer contato com o tio general em busca de informações sobre o paradeiro do desaparecido. Na dinâmica narrativa de Pra frente, Brasil, se, por um lado, a máquina do arbítrio é retratada como um problema geral daqueles tempos, por outro, é a encarnação dos “excessos” que deve morrer no clímax da trama. No tiroteio do confronto final entre protagonista (Miguel) e antagonista (Dr. Barreto), este último cai alvejado. Os tiros fatais, claro, não viriam de Miguel, afinal, algum grau de inocência precisava ser preservado no protagonista que só pegou em armas porque se viu forçado a tal pelo arbítrio sistêmico. Quem acerta o Dr. Barreto é um dos guerrilheiros, Ivan (Maurício Farias) – cuja caracterização aponta para o Lamarca real –, algo que já sinaliza para os sentidos da segunda morte resultante desse fogo cruzado: a do personagem Zé Roberto (Luís Mário Farias), a liderança guerrilheira que, num lapso de descuido, expõe-se à mira dos policiais. Zé Roberto é o polo oposto do Dr. Barreto. Se este último tortura brutalmente, Zé Roberto foi o responsável pelo justiçamento do empresário Geraldo Braulen (Paulo Porto) – personagem que será analisado logo adiante. Para não deixar dúvidas quanto ao antípoda do “excesso” do Dr. Barreto, Zé Roberto sussurra à beira da morte: “Mas em questão de liberdade, sempre fui ambicioso.” O “excesso” do torturador “linha dura” é o par opositor da ambição libertária da liderança guerrilheira.
Respirando o oxigênio conciliatório da Abertura política, Pra frente, Brasil propõe essa versão brasileira da “teoria dos dois demônios”. Nos dois extremos, os personagens que encarnam o mal devem morrer. Assim como todos os outros que, de um lado ou de outro, compunham as fileiras do conflito violento: o empresário Geraldo Braulen, mas também os militantes Mariana (Elizabeth Savalla) e Ivan. Sobram vivos os inocentes. Estes podem até ter sujado as mãos: a trajetória de Miguel vai de um mero affair com a política, simbolizado por seu caso com a guerrilheira Mariana, até a adesão às armas, embora movido mais pelo revide pelo assassinato do irmão do que por razões políticas. Mesmo Marta, esposa de Jofre, vê-se forçada a pegar em armas para proteger seus filhos no clímax da história. Contudo, os inocentes só sujaram as mãos porque foram tragados por uma espiral de arbítrio que desestruturou o núcleo familiar. Agiram, portanto, em “legítima defesa” da família. Neste ponto, o teor político de Pra frente, Brasil se confunde com os códigos do típico filme de vingança (XAVIER, 2003). No fim da história, purgado dos “excessos”, esse Brasil pode seguir adiante.
Mas nem sempre o torturador é representado no cinema como um simples brucutu cujos traços têm como função imediata corroborar a retórica dos “excessos” do regime. O Dr. Oliveira (Armando Bogus), o antagonista torturador de Paula, a história de uma subversiva (Francisco Ramalho Jr., 1979), é violento, sem dúvida, mas seu personagem se caracteriza por um toque de consciência sardônica que o torna menos esquemático do que o Dr. Barreto de Pra frente, Brasil.
Na cena de apresentação do Dr. Oliveira, o momento histórico da narrativa fílmica é o presente pós-anistia. A filha do protagonista, o arquiteto Marco Antônio (Walter Marins), está desaparecida, ao que tudo indica pelo abuso de drogas. Dr. Oliveira veste terno completo, figurino composto, e está sentado ao lado de Marta (Marlene França), ex-esposa de Marco Antônio e mãe da jovem desaparecida. Ao entrar no apartamento de Marta e se deparar com Dr. Oliveira, a surpresa de Marco Antônio é patente. Logo o espectador saberá que o Dr. Oliveira, uma década antes, havia sido o delegado do Dops responsável pelo caso de Paula (Carina Cooper), a “subversiva” – e o relato fílmico está composto por estes dois núcleos narrativos: de um lado, em flashback, o passado de Marco Antônio com a militante Paula; de outro, o presente da busca da filha Celinha desaparecida após a Lei da Anistia. Diante da expressão estupefata de Marco Antônio, o Dr. Oliveira se apressa em afetar cordialidade, relembrando os “velhos tempos”. Essa intimidade forçada da performance do delegado já carrega consigo o traço de ironia – portanto, do grau de consciência superior na origem de todo enunciado irônico (MUECKE, 1995) – que caracterizará o antagonista torturador tanto no presente quanto no passado da narrativa.
Porque o Dr. Oliveira não só se porta com certa cordialidade sardônica no instante do reencontro com Marco Antônio. Mais do que isso, ele demonstra uma clarividência desdenhosa mais geral quanto à convivência “democrática” entre aqueles que antes eram perseguidor e perseguido. A todo momento suas falas dão vazão a essa sagacidade ressentida acerca dos “novos tempos”. Por exemplo, desde o reencontro dos dois, quando Marco Antônio diz: “O Brasil mudou muito de lá para cá, não é, Oliveira?” Este responde, irônico: “Claro! Tem até anistia! Você foi anistiado, não foi? E eu? Os dois lados me vigiam.” Na sequência, Oliveira explica que não está mais no Dops, que se tornou apenas um “executor de ordens” na Divisão de Tóxicos. Adiante, no segundo face a face dos dois no presente da narrativa fílmica, o delegado, em seu escritório, define a convivência democrática entre ambos: “Eu tendo que aguentar a tua estupidez, e você precisando dos meus serviços para manter a sua paz, a sua tranquilidade.”
Porém, o verniz de consciência sardônica de Oliveira no diagnóstico dos novos tempos não faz dele alguém menos violento. Pois o delegado não abre mão de usar as mesmas “técnicas” empregadas no passado contra Paula para encontrar a filha de Marco Antônio no presente. Na chácara aonde vão à procura da jovem, a equipe de policiais comandada por Oliveira tortura sem hesitações o rapaz ali encontrado, perguntando pelas moças desaparecidas (a filha de Marco Antônio e uma amiga, filha de um industrial). O próprio Oliveira desfere um tapa em outra moça ali presente, e ordena que o rapaz seja “pendurado” para o interrogatório, golpeando-lhe o rosto enquanto grita: “Vai falar ou não vai?” A conjuntura política pode ser outra, ele pode ser agora apenas um “executor de ordens” da Divisão de Tóxicos, mas o “método” de interrogatório fundado na tortura é o mesmo dos tempos do Dops. A diferença é que agora Marco Antônio estava ao lado da equipe de Oliveira, seguindo-a passo a passo na busca pela própria filha. Até que a tortura promete se intensificar. Neste ponto, Marco Antônio deixa o ambiente, ouve-se em off os gritos do rapaz. Na entrada da chácara, ele encontra a ex-esposa e diz: “Mas se você quiser entrar, vai assistir a uma brilhante sessão de interrogatório.”2
Nesses dois filmes ainda contemporâneos à Abertura política, já se esboçavam dois dos principais arquétipos de representação dos torturadores no cinema brasileiro da pós-ditadura. O Dr. Barreto de Pra frente, Brasil, de 1982, é o modelo do torturadorbrucutu: o antagonista esquemático, raso em sua brutalidade, mais um emblema da violência repressiva do que um personagem. Por sua vez, o Dr. Oliveira de Paula, a história de uma subversiva, lá em 1979, já oferecia uma fórmula do torturador com laivos de consciência: o antagonista com algum grau de complexidade, que sem dúvida é violento, mas que nem por isso é desprovido de certa argúcia que lhe permite compreender seu papel no palco social.
Esses dois tipos reencarnam em antagonistas torturadores da cinematografia que viria nos anos posteriores. Do lado do torturador brucutu, um exemplo que chama atenção, pelo alto grau de esquematismo, é o Fleury interpretado por Cássio Gabus Mendes em Batismo de sangue (Helvécio Ratton, 2006). Sempre aos berros, sua brutalidade está sendo constantemente reiterada pela performance exaltada. Na longa sequência em montagem paralela na qual ele vai de uma sala a outra onde os frades dominicanos estão sendo torturados isoladamente, sua obstinação truculenta vai dando provas de eficácia à medida que ele logra extrair dos religiosos as peças do quebra-cabeça que o levariam a capturar Carlos Marighella (vivido nesse filme por Marku Ribas). A tortura é dada a ver com crueza nessa sequência, em consonância com a violência desenfreada de Fleury – adicionalmente, a exposição às claras das atrocidades sofridas pelos frades tem também a função dramática de justificar o fato de eles terem entregado as informações sobre Marighella.
Na cena da emboscada a Marighella, o Fleury de Batismo de sangue não só comanda a operação como, no desfecho fatal, dá o tiro de misericórdia no líder guerrilheiro já tombado, com uma evidente expressão de satisfação. Assassinada a presa mais procurada, Fleury e sua equipe – na verdade, a caricatura de um bando de meganhas – descem ao cárcere, onde chegam cantando a plenos pulmões a morte de Marighella. Trazem consigo garrafas de bebida, afinal, trata-se de celebração, mas também exibem fotografias que comprovam o feito aos presos políticos incrédulos, sem perder a oportunidade de debochar dos dominicanos que serviram de isca na ação.
O Fleury de Batismo de sangue não hesita em sua crueldade. Pelo contrário, todos os seus passos são movidos por um sadismo irrefreável que serve de contraponto à fragilidade vacilante dos frades dominicanos. Nesse filme, o antagonista é elevado à condição de entidade cristalina, a encarnação do mal que irá assombrar os pesadelos de frei Tito (Caio Blat) em contra-plongée no final da narrativa, levando-o ao suicídio no exílio.
Lamarca (Sérgio Rezende, 1994) também tem o seu Fleury, embora com mais mediações. O antagonista nesse caso se chama delegado Flores (interpretado por Ernani Moraes), em uma alusão fonética evidente ao sobrenome da pessoa real, corroborada pela caracterização física do ator. Não bastasse, na cena de abertura, Flores elenca as credenciais que o associam ao delegado Sérgio Fleury: “Já peguei o Velho [um dos codinomes de Joaquim Câmara Ferreira], já peguei o Mariga, acabo com esse capitãozinho também.”
Na comparação com o Fleury de Cássio Gabus Mendes, a atuação do Flores de Ernani Moraes é mais contida. Ainda assim, no universo interno de personagens de Lamarca, Flores é aquele que age com estardalhaço, principalmente no contraponto com o antagonista do antagonista, o major do Exército vivido por José de Abreu. Na cena de abertura, na reunião do comando do Exército sobre Lamarca que contou com a participação de Flores, os dois já haviam se cruzado, anunciando a disputa entre o Dops de Fleury e o Exército na corrida atrás do capitão guerrilheiro. Avançada a narrativa, o encontro entre Flores e o major ganha densidade, a princípio no trabalho em conjunto no cerco a Lamarca na Bahia. Na cena em que Flores é literalmente apresentado pelo major a um militante preso, é o oficial do Exército quem elenca os trunfos do delegado do Dops. Ele vai perguntando ao preso se ele sabe quem prendeu Bacuri, Marighella, ao que o preso responde repetidamente: “Delegado Flores”. Enaltecendo-o cinematograficamente, a câmera, em travelling, vai circundado Flores sentado, até enquadrá-lo na contraluz que invade o porão pela janela. Ainda em silêncio, Flores entrega sua carteira funcional ao preso, que a lê e o identifica. Flores então pergunta: “E o Lamarca?” O preso se desespera e informa o município onde o deixara. Flores aponta a pistola para a testa do sujeito e dispara. Mas a arma estava sem munição, tratava-se apenas de dar um susto no militante. Neste ponto da narrativa, Flores ainda é mais triunfal do que truculento.
Na verdade, o Flores de Lamarca afasta-se apenas um passo do torturador brucutu mais esquemático, estando ainda longe do torturador com laivos de consciência. Pois nas operações de busca por Lamarca no sertão da Bahia, sua faceta impiedosa se escancara. E isso para desagrado do major do Exército, que a certa altura do antagonismo entre antagonistas critica Flores frontalmente: “Seus métodos não vão dar certo. Para caçar um guerrilheiro, tem que se agir como eles: simplicidade e silêncio.” Flores debocha. O major insiste: “Para caçar um militar, só outro militar. Para andar pelo sertão, só sendo sertanejo.” Quando Flores enfim sai de cena, deixando a operação na Bahia junto com sua equipe, o major pode aplicar seus próprios métodos. A caçada se promete entre iguais, dois militares do Exército, mas seu desfecho é o anticlímax de um major que, no confronto ao fim do cerco, simplesmente executa um capitão desertor incapaz de reagir.
Mais ou menos carregados nas tintas, os delegados Fleurys de Batismo de sangue e Lamarca se movem na margem mais estreita do arquétipo do brucutu. Tanto em um quanto em outro caso, o “vilão” é bem identificável na representação fílmica. E também é facilmente reconhecível como referente histórico, remetendo ao famigerado delegado, espécie de ícone da violência do aparato repressivo. Eis aí outro arquétipo, agora social, situado além dos enredos cinematográficos, cuja existência é real e serve de receptáculo para concentrar em si as culpabilidades.
Na outra órbita, a dos torturadores com laivos de consciência, a chave de representação do Dr. Oliveira, de Paula, a história de uma subversiva, também teve seus desdobramentos na produção posterior que retrata a ditadura no Brasil. Na caracterização de Oliveira, como se viu, a consciência era sardônica. Já em Zuzu Angel (Sérgio Rezende, 2006), a consciência do antagonista Capitão Mota (Flávio Bauraqui), embora revestida com mesmo o verniz de polidez, aponta para outros significados: o da sagacidade do inquiridor, a astúcia que o diferencia da bestialidade dos sanguinários. No primeiro contato com a protagonista Zuzu Angel (Patricia Pillar), o Capitão Mota vai direcionando insidiosamente suas perguntas de modo a induzir a mãe a incriminar o filho. Sua expressão facial é leve, ele mantém o tom de bom funcionário nas armadilhas de suas palavras. Zuzu Angel chega a reconhecer: “O senhor está sendo muito gentil, eu só não estou entendendo como é que isso tudo vai ajudar a encontrar meu filho.” O cinismo sereno do Capitão Mota leva Zuzu Angel ao limite, e é ela quem perde a calma e grita: “Mas isso aqui é uma palhaçada! Eu quero saber o que vocês fizeram com ele! Mas que teatro é esse?”
A máscara da polidez do Capitão Mota pode cair no interior do porão. Na cena da tortura de Stuart (Daniel de Oliveira) e Alberto (Caio Junqueira), após as ameaças de praxe – “Aqui tudo é uma questão de tempo e de dor. Mais tempo, mais dor. Menos tempo, menos dor.” –, o Capitão Mota pode ser direto e berrar: “Onde está o Lamarca?” A nuance agora vem não da performance, mas da dinâmica cinematográfica da cena. Junto aos terríveis ruídos do porão e à tensa trilha incidental, um travelling insistente vai reenquadrando o Capitão Mota sentado à mesa de trabalho. O segundo plano é obscuro, sem profundidade de campo, o capitão fixa o olhar na câmera enquanto fala. Em contracampo, isolados pelo corte da edição, os torturados surgem distantes do Capitão Mota no espaço do porão, submetidos a pau de arara, eletrochoques e afins por outros agentes da repressão. Ao longo de toda a cena, Mota não suja as mãos. Ele faz as perguntas, grita, mas se mantém o tempo todo sentado, sozinho no campo. Sem dúvida, é ele quem comanda a sessão de tortura, mas sem tocar nos torturados lá no contracampo. A construção de sua inquirição fantasmagórica dentro do horror do porão se dá pela montagem, pelo movimento de câmera, pela iluminação, pelo foco e pela banda sonora, ou seja, pela via do cinema, isentando o antagonista de chegar às vias de fato3.
Essa equação entre violência opaca e sagacidade insidiosa compõe também o torturador de Ação entre amigos (Beto Brant, 1998). No instante em que os amigos finalmente encontram Correia (Leonardo Villar) na rinha de galo, Miguel (José Carlos Machado) tem um flashback do porão e de seu face a face com o torturador. Um Miguel jovem (Rodrigo Brassoloto) surge em close-up, ferido, seu olho esquerdo especialmente vermelho. No contracampo, o espectador vê Correia desarregaçando as mangas da camisa, ladeado por dois outros repressores. A câmera subjetiva, em contra-plongée, assume o ponto de vista de Miguel, a imagem é desfocada – afinal, seu olho está machucado. Correia já terminou o “serviço” sujo, agora se trata de torturar psicologicamente Miguel, primeiro desdenhando dos arroubos de valentia do torturado. Depois, ainda se arrumando, abotoando os punhos da camisa e ajeitando a gravata, Correia vai revelar, com indiferença, a morte da companheira de Miguel, grávida: “Ninguém mandou bancar a durona. Deve estar numa gaveta lá do IML.” Termina de vestir o paletó e diz: “Vou tomar um café. Pendura outra vez.” A violência física da tortura deixou marcas no rosto e no corpo de Miguel, mas o espectador não a vê sendo perpetrada. A cena se inicia quando Correia já terminou o “serviço”, quando ele vai recompondo sua vestimenta para ir tomar um café. Neste intervalo da sessão de tortura, é com palavras que ele golpeia Miguel. A tortura física, em si, fica em off.
No clímax da caçada ao antigo torturador, mais uma vez, Correia usa de suas palavras para atingir os agora ex-militantes. Encurralado, desmascarado, ele lança o veneno da traição no seio do grupo. Já sem esperanças, desprovido do poder de outrora, resta a Correia a sagacidade como último recurso para desestruturar novamente Miguel, voltando-o contra seus amigos. A relação entre Miguel e Correia se inverteu, o algoz do passado está subjugado no presente, inverte-se também aquela justaposição entre campo e contracampo em contra-plongée do flashback da tortura. Miguel pergunta: “Quem foi que entregou?” Correia dá a última cartada antes de ser executado: “Isso você vai ter que descobrir. Você não é bom nisso? Não me achou aqui?” Com essa fala, ele desencadeia o desfecho trágico do filme.
Já Henrique (Marco Ricca), o torturador de O que é isso, companheiro (Bruno Barreto, 1997), tem uma consciência de outra natureza. Trata-se neste caso de uma consciência em crise, de alguém que perde o sono pela obrigação de torturar. A insônia é um tópico pregnante de sua caracterização, associado ao pesadelo que o assola: o mundo de cabeça para baixo. Nas cenas de tortura, Henrique é “profissional”, busca evitar “acidentes de trabalho”, as “técnicas” que emprega são assépticas. Ele confessa à bela esposa, Lilia (Alessandra Negrini), que sua insônia vem do fato de se ver obrigado a torturar “crianças inocentes e cheias de sonhos”. E sua angústia vem exatamente da compreensão de que a tortura abriu uma espécie de “caixa de Pandora” no Brasil. Ele diz ao colega de repressão: “A gente abriu um frasco perigoso que nunca deveria ter sido aberto. As coisas fogem do controle.” Ora, as coisas “fogem do controle”, mas não é de excesso que se trata. Pois a construção dramática do antagonista torturador de O que é isso, companheiro? é toda nuançada. Com sua crise de consciência, Henrique está bem distante do esquematismo sádico do Dr. Barreto de Pra frente, Brasil, ou do arquétipo facilmente reconhecível dos Fleurys de Batismo de sangue e Lamarca. Ele se diferencia também da consciência sardônica do Dr. Oliveira de Paula, a história de uma subversiva, bem como das consciências ardilosas do Capitão Mota, de Zuzu Angel, e de Correia, de Ação entre amigos. Em uma escala das culpabilidades, sua posição é a mais atenuada, situando-se no limiar entre a fórmula narrativa dos torturadores com laivos de consciência e a absolvição histórica da tortura.
Aí está o problema central da caracterização matizada do torturador em O que é isso, companheiro?. Em princípio, a representação de um personagem da repressão menos arquetípico poderia ser um mérito do filme de Bruno Barreto. Afinal, no polo oposto desse panorama, os torturadores brucutus monoliticamente “malvados” contribuem para certas mistificações da memória da ditadura. Sobre isso, Caroline Gomes Leme (2013, p. 79) já escreveu:
Os filmes que tematizam a ditadura militar transmitem, por vezes, a impressão de que os militares e agentes dos órgãos de segurança são homens essencialmente maus que, por características intrínsecas, agem com truculência e crueldade contra suas vítimas. Torcer contra eles é, então, uma decisão moral, pois significa opor-se à personificação do arbítrio, da força autoritária e violenta que esmaga indivíduos e oprime a sociedade civil como um todo.
Acontece que, quando se observa os pares opostos do antagonismo no interior da trama de O que é isso, companheiro, as nuances de Henrique contrastam fortemente com os excessos do personagem Jonas (Matheus Nachtergaele), o guerrilheiro de origem proletária que comanda a ação do sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick (Alan Arkin). Jonas é truculento, frio, impiedoso, traiçoeiro, avesso a vacilações, ou seja, o antípoda de Henrique. No microcosmo dos guerrilheiros confinados no cativeiro do embaixador, sua postura ríspida destoa da dos demais militantes, quase todos jovens “inocentes” oriundos do movimento estudantil. Ali dentro da casa-aparelho, Jonas é o antagonista inequívoco, incansável em armar intrigas contra o protagonista Fernando (Pedro Cardoso). No fundo, é Jonas o verdadeiro vilão arquetípico em O que é isso, companheiro?, a figura responsável pelos “excessos” daquele período em que o mundo estava de “cabeça para baixo”.
Por sua vez, se Henrique é o antagonista na trama global do confronto entre guerrilheiros e repressão, ele não chega a ser propriamente o vilão da história. Este é o ponto fundamental: mais do que de tornar o personagem do torturador mais complexo, as nuances da caracterização de Henrique aliviam seu vínculo com o mal da tortura. Esta, a tortura, desponta na lógica da narrativa como um remédio amargo que ele, angustiado, vê-se obrigado a aplicar. Henrique é um torturador, quanto a isso não resta dúvida. Mas é um torturador contrariado, um antagonista em crise, cujos laivos de consciência são lampejos de virtude. Trata-se de uma inversão dos sentidos do passado que fica patente no filme O que é isso, companheiro?, mas que sempre esteve atuante nos subterrâneos da memória coletiva sobre a ditadura brasileira. O sucesso de público conquistado pelo filme de Bruno Barreto tem razões que estão para além de sua vinculação estilística ao thriller de época hollywoodiano. Tal sucesso era apenas a superfície de um terreno memorialístico onde pôde eclodir a ofensiva negacionista pós-2018, quando a celebração da “virtude” dos torturadores se dá abertamente, sem nuances, na contraface das tentativas de criminalização da luta contra o autoritarismo4.
Eis uma cartografia dos arquétipos do torturador antagonista no cinema de ficção brasileiro sobre a ditadura, partindo do brucutu esquemático para chegar à atenuação das culpas. Vale ainda esboçar um breve comentário sobre a presença dos perpetradores no cinema documentário brasileiro. Pois há, sim, os títulos desse campo nos quais as vozes de figuras reais da órbita da repressão são ouvidas. Condor (Roberto Mader, 2008) se destaca nesse sentido, incluindo consistentemente o contraditório no mosaico de entrevistados sobre a operação repressiva continental. Senhores integrantes da organização nacionalista conservadora Asociación Unidad Argentina (Aunar); Augusto Pinochet Hiriart, filho do ditador Pinochet; Manuel Contreras, ex-diretor da Dirección de Inteligencia Nacional (Dina) chilena; e, do Brasil, Jarbas Passarinho, que foi ministro em três governos militares: todas estas são figuras que trazem para o filme a perspectiva do outro lado, do lado dos regimes autoritários. Porém, a dinâmica da montagem documental está longe de assumir uma postura neutra. Em uma espécie de acareação, as alegações negacionistas dos representantes da esfera repressiva vão sendo desmentidas pelo testemunho de ex-militantes e vítimas.
Perdão, mister Fiel (Jorge Oliveira, 2009), documentário sobre o assassinato sob tortura do operário Manoel Fiel Filho, conta com outro depoimento de Jarbas Passarinho. Mas o entrevistado oriundo do núcleo da repressão que se destaca nesse título é Marival Chaves, ex-sargento que trabalhou no DOI-Codi e no Centro de Informações do Exército (CIE) durante a ditadura. Chaves não está ali para negar. Ao contrário: ele dá detalhes acerca da estrutura repressiva; fala em arbítrio e barbárie; nomeia a cúpula do DOI-Codi, os agentes e generais mais violentos; descreve as atrocidades perpetradas no que chama de “cárcere privado de Petrópolis”, listando nomes de pessoas que lá foram assassinadas e esquartejadas; conjectura sobre a existência de arquivos das operações clandestinas em posse dos antigos chefes da repressão. Enfim, no universo de entrevistados de Perdão, mister Fiel, o ex-integrante do aparato repressivo não é exatamente um antagonista. Ele está ali para denunciar as violações que testemunhou, sua voz corrobora o que é dito por vítimas e especialistas, mas o impacto do que ele relata se potencializa justamente pelo fato de ser alguém do outro lado disposto a falar nesses termos.
Em Diário de uma busca (Flavia Castro, 2010), a cineasta entrevista os policiais envolvidos na operação que resultou na morte de seu pai. Como informa em voz over, ela não revelara essa sua relação familiar com o caso quando agendou as conversas. Ainda assim, nos diálogos que tenta entabular com os prováveis algozes de seu pai, Flavia Castro só encontra as evasivas de João Itacir Pires, inspetor de polícia, e as negativas de Jorge Tabajara Mafra, ex-delegado. Ambos reiterando a inverossímil versão oficial do “suicídio” de Celso Castro.
Cláudio Guerra, ex-delegado do Dops, é um dos entrevistados em Missão 115 (Silvio Da-Rin, 2018), assumindo sua participação na trama geral do atentando do Riocentro de 1981. Mas é em Pastor Cláudio (Beth Formaggini, 2017) que seu depoimento é o foco das atenções, em um raro contraexemplo de filme, considerando-se tanto o campo ficcional quanto documental, em que um torturador é o protagonista – e não o antagonista, como costuma acontecer. Entrevistado por Eduardo Passos, psicólogo e militante dos direitos humanos, e reagindo a projeções em uma tela no ambiente da entrevista, Guerra narra as atrocidades que ele mesmo cometeu durante a ditadura, desde a execução de perseguidos políticos até a incineração de corpos de desaparecidos. Tem-se aqui um caso real de torturador arrependido tornado pastor, alguém que decide falar parte do que sabe movido, ao que tudo indica, pela conversão religiosa.
Em síntese, vê-se que os torturadores, militares ou policiais diretamente ligados ao aparato repressivo, comumente são retratados como antagonistas na filmografia sobre a ditadura brasileira. Dentro desse arquétipo, claro, há certa margem para a construção dos personagens, desde os mais esquemáticos até aqueles mais nuançados, dos truculentos irrefreáveis aos assolados por crises de consciência. No cinema documentário, de forma análoga, as figuras da órbita da repressão em geral se situam no outro lado da história. Tais vozes entram no mosaico de entrevistas como contrapontos, enunciando ora o negacionismo convicto, ora a denúncia dos arrependidos. A cartografia da representação dos perpetradores tem seus matizes, mas todas essas gradações estão sempre contidas lá longe, dentro das raias de uma alteridade que garante conforto à memória social.
b) Coadjuvantes civis: empresários, médicos e religiosos
O que dizer, todavia, daqueles culpados que, sim, estão próximos da comunidade dos “homens de bem”? Ora, há que se dizer que os colaboradores civis não estão ausentes das representações cinematográficas sobre os anos autoritários no Brasil. O que é eloquente nesse caso é o lugar geralmente atribuído a essa presença: trata-se de personagens coadjuvantes, figuras que, se não estão isoladas em uma alteridade distante (como no caso dos antagonistas torturadores), são relegadas a um lugar à margem na memória social.
Mesmo nesse âmbito, os arquétipos são bem identificáveis. Começando pelo empresário que financiava a repressão. Pra frente, Brasil, mais uma vez, merece certo destaque. Nele o personagem do Dr. Geraldo Braulen (interpretado por Paulo Porto) faz óbvia referência a Henning Boilesen, o executivo dinamarquês que encabeçou o financiamento da Operação Bandeirante (Oban) e foi justiçado pela guerrilha em 1971 – e, outra vez, a ressonância fonética do sobrenome do avatar ficcional é a chave que decifra o referente real. O curioso é que o Dr. Geraldo Braulen de Pra frente, Brasil está bem distante da imagem corrente de Henning Boilesen como um sádico inveterado. Coadjuvante, o Dr. Geraldo Braulen faz o que faz porque não tem opção. Ele financia a repressão porque se vê coagido pelos militares; porque, de outro modo, seus negócios com o regime se arruinariam. Para que não restem dúvidas ao espectador quanto a isso, na cena em que é forçado a levar Miguel para assistir com ele à aula de tortura ministrada por um estadunidense – e o tradutor da aula, como não poderia deixar de ser, é o Dr. Barreto –, o close-up que explicita sua reação à demonstração da “técnica” o revela fazendo uma expressão de desgosto que contrasta com os rostos sorridentes dos torturadores convictos. Isso não chega a isentá-lo de ser justiçado pela luta armada, afinal, o referente Boilesen ainda se mantém no horizonte. Se o Braulen coagido de Pra frente, Brasil se diferencia da imagem do Boilesen sádico, tal deslocamento não diz respeito a uma busca por maior complexidade do personagem ficcional em relação ao senso comum em torno da figura real. Quando se ressalta a adesão forçada do empresário ao regime, trata-se de manter a lógica de extensão das inocências e circunscrição das culpas que atravessa todo o filme. Paula, a história de uma subversiva também tem o seu empresário parceiro da repressão. Mas ali o personagem é ainda mais coadjuvante, quase um figurante na cena da acareação entre Paula e Marco Antônio. É o Dr. Oliveira quem esclarece que aquela presença sinistra no canto da sala é “um industrial amigo nosso” que “gosta de assistir aos interrogatórios”. Uma espécie de ilustração, de passagem no filme, agora sim, do arquétipo do empresário sádico.
Já em Zuzu Angel, o empresário sequer aparece como ilustração na tela. O que ocorre é uma rápida alusão verbal por parte da protagonista em forma de pergunta à amiga Lúcia (Ângela Vieira): “Você sabia que eu descobri que tem uns particulares, empresários e banqueiros, financiando a repressão?” Diante do desinteresse da amiga, o assunto se interrompe por aí.
O contraexemplo significativo nesse terreno é o documentário Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009), no qual a trajetória de Henning Boilesen é o foco da narrativa, elevando o empresário civil colaborador à condição de protagonista. Junto com a centralidade de Boilesen, as vozes do lado da repressão também são ouvidas ao longo do filme, em entrevistas com figuras que vão de Jarbas Passarinho ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra – este último lendo seu depoimento, significativamente mantendo o que diz sob estrito controle. O filho de Boilesen, Henning Albert Boilesen Jr., traz a dimensão familiar do outro lado. Também neste caso, a lógica da acareação guia a montagem documental, e é da alternância entre vozes da repressão e das esquerdas que emergem os desmentidos. Adicionalmente, Cidadão Boilesen recupera, em sua miríade de imagens de arquivo ilustrativas, o elenco de personagens ficcionais acima descrito, inserindo trechos dos filmes aqui analisados sobrepostos às menções feitas pelos entrevistados às figuras reais daquelas histórias. Nessa chave, o coral de vozes abrange uma entrevista com Roberto Farias, diretor de Pra frente, Brasil, com o cineasta inclusive cometendo o lapso de confundir os nomes do avatar ficcional Braulen e Boilesen. Sem deixar de reiterar o tópico da perversão sádica do empresário, o documentário busca uma agilidade narrativa que acaba servindo de plataforma para a difusão da pauta do colaboracionismo civil.
Médicos que trabalhavam para a repressão também surgem esporadicamente como personagens nesse panorama. Em Batismo de sangue (Helvécio Ratton, 2006), um médico (Gustavo Werneck) entra em cena na sequência da tortura e examina frei Fernando (Léo Quintão), este ainda pendurado no pau de arara. Como se aquilo não passasse de uma consulta corriqueira, o médico fala de amenidades com Fleury. Ele aplica uma injeção em Fernando, reanimando-o. Tarefa cumprida, o doutor diz: “Ok. Se precisar de mim, é só chamar.” Ele sai de cena, ouve-se em off, enquanto o médico se afasta, os gritos da tortura que foi prontamente reiniciada.
Contraexemplo notável quanto a esse arquétipo é Corpo em delito (Nuno Cesar Abreu, 1989), cujo protagonista é o Dr. Athos Brazil (Lima Duarte), médico legista que acobertava os assassinatos do porão com laudos forjados, além de examinar torturados desfalecidos no porão. Longe do estereótipo do “vilão”, o Dr. Athos Brazil é um sujeito cindido: obcecado pela memória do pai integralista; assumindo-se convictamente como uma peça na engrenagem da repressão, que sem dúvida apoia; e encarando a dor de ter tido a própria filha militante assassinada pelo regime com o qual colabora por vontade própria (LEME, 2013, p. 94-118).
Também há casos de integrantes da Igreja Católica alinhados com a ditadura entre os coadjuvantes dessa cinematografia. Em Batismo de sangue, a certa altura os freis dominicanos têm um diálogo, dentro do escritório de Fleury, com o cardeal (Jota D’Ângelo). Quando um dos freis diz que eles foram muito torturados, o cardeal responde com uma pergunta: “Mas os senhores não foram presos celebrando missa, não é verdade?” Fleury, assistindo de sua mesa à conversa, sorri satisfeito com a insinuação do representante da alta hierarquia católica.
Em Zuzu Angel, é cristalino o diálogo da protagonista com o capelão (Ivan Cândido) que ela encontra no quartel onde fora procurar seu filho. O religioso não hesita em justificar e minimizar a tortura: “Uma coisa eu lhe garanto, minha filha. As torturas de que tanto falam, não é nada disso. Os tais choques são levinhos. É uma maquininha à toa, minha filha, que não mata ninguém.”
* * *
Olhando-se de perto esse conjunto de antagonistas e coadjuvantes vinculados à repressão no cinema ficcional e documental brasileiro sobre a ditadura, é possível perceber que tal microcosmo comporta matizes, com “vilões” ora bestiais, ora dotados de consciência. Entretanto – e esta é a conclusão fundamental neste ponto da análise –, tais nuances não chegam a dar conta das complexidades e complicações da zona cinzenta, esse espaço ambíguo “ocupado pela maior parte da sociedade, entre a resistência e a colaboração.” (ROLLEMBERG, 2015, p. 86, grifo da autora). Pelo contrário, esses personagens mantêm-se dentro de fórmulas arquetípicas destinadas a conter – isto é, impedir que extravasem socialmente – as culpas e cumplicidades com o autoritarismo. Os antagonistas são mantidos do outro lado, em uma alteridade radical, a uma distância segura do tecido social. Os coadjuvantes, por sua vez, se estão mais próximos por sua condição civil, estão situados em um lugar à margem na memória coletiva, muito bem reconhecíveis no papel de colaboradores.
Já a própria metonímia tão usada para se referir às violações dos direitos humanos naquele período dá um testemunho eloquente desse processo: “porão”, ou seja, um espaço circunscrito, isolado, fora da vista. Na sua escuridão, as zonas cinzentas se apagam, o espaço é dominado pelas culpas bem definidas (ROLLEMBERG; QUADRAT, 2011).
O antípoda do porão é o monumento à resistência. Este, sim, projeta-se com força, assumindo o verdadeiro protagonismo da memória das ditaduras. Pense-se nestes mesmos filmes aqui analisados, que em geral contam alguma história da luta armada, com distintas estilísticas e nuances ideológicas. Resistência, oposição ao regime, luta contra a opressão, eis o foco das representações cinematográficas sobre o período – e é exatamente esse protagonismo da resistência na memória da ditadura que vem sendo alvo da ofensiva negacionista na conjuntura pós-2018. Sob a sombra do grande monumento, as zonas cinzentas também desaparecem (NAPOLITANO, 2015).
No espaço entre o porão e o monumento, espraia-se a inocência difusa dos “cidadãos de bem”, vítimas relegadas a um papel passivo, atingidas pelos “vilões” arquetípicos, assustadas quando a resistência se radicaliza. É a passividade, portanto, o que está em pauta, e não omissão, muito menos cumplicidade. E, nesse campo aberto das vítimas indefesas, mais uma vez, não há lugar para as zonas cinzentas.
A despeito dos matizes identificáveis, esta cartografia traz a simplificação em seu próprio núcleo. Pois é precisamente de simplificação que se trata quando as representações cinematográficas segmentam o passado em um porão circunscrito, um monumento de grandes escalas e, entre estes dois polos, uma inocência desprotegida em campo aberto. Em termos formais, isso demonstra, mais uma vez, a força dos maniqueísmos da matriz melodramática nas representações do passado autoritário (XAVIER, 2003; LEME, 2013, p. 25-26), sem excluir o cinema documental, embora dentro de suas características estético-narrativas específicas. A implicação ideológica de tal invólucro formal é clara. Ora, o quadro simplista é a condição para o apagamento das zonas cinzentas. Afinal, como indica Primo Levi (2005, p. 29, tradução nossa) na epígrafe deste artigo, a zona cinzenta “possui uma estrutura interna incrivelmente complicada, e abriga em si o suficiente para confundir nossa necessidade de julgar”.
Zonas cinzentas nos círculos íntimos
Neste ponto, a análise desvia o olhar panorâmico lançado até aqui para a filmografia brasileira para colocar o foco em dois títulos específicos realizados nos países vizinhos: 70 y Pico (Mariano Corbacho, Argentina, 2016) e El pacto de Adriana (Lissette Orozco, Chile, 2017). Ambos são parte de um fenômeno maior de elaboração do passado, na esteira de uma memória intergeracional das ditaduras do Cone Sul. De fato, os documentários dirigidos por descendentes de militantes de esquerda, em chave íntima e subjetiva, já são uma vertente consolidada das representações sobre o período autoritário na região, com uma produção que remonta a meados dos anos 1990 e que segue dando frutos (SELIPRANDY, 2018). O que distingue 70 y Pico e El pacto de Adriana nessa tendência mais ampla do documentarismo intergeracional é o fato de seus realizadores terem laços consanguíneos não com opositores aos regimes, mas com indivíduos que estavam do outro lado daquela história. Isto é, do lado da repressão, no mínimo da colaboração. Os parentes de ambos os cineastas se situam naquela zona cinzenta dentro da qual os julgamentos são confusos. E os filmes exploram essa confusão quanto ao papel social dos ascendentes no passado autoritário, seguindo o vaivém das hesitações subjetivas que tateiam uma memória espinhosa no seio da própria família.
Como adiantado na introdução, em 70 y Pico, Mariano Corbacho se volta para a figura de seu avô, Héctor Corbacho, nomeado diretor-interventor da Faculdade de Arquitetura (Fadu) da Universidade de Buenos Aires (UBA) pela ditadura. Paralelamente, Héctor Corbacho atuava como instrutor na famigerada Escuela de Mecánica de la Armada (Esma), um dos principais centros clandestinos de detenção e desaparecimento da máquina repressiva na Argentina. A premissa do filme é comum a tantos outros dessa tendência, com sinal invertido: diante do silêncio da família quanto ao real papel do avô “Pico”5 nas violações ocorridas no período, o neto decide indagar não só os demais parentes, mas o próprio avô, ainda vivo quando iniciada a realização do documentário.
O ponto de partida anunciado, portanto, filia-se formal e narrativamente aos códigos do “documentário de busca” (BERNARDET, 2005) subjetiva e familiar. Mas há que se dizer que, em 70 y Pico, a enunciação em primeira pessoa é mais uma promessa do que um eixo que estruture a fatura fílmica. Ocorre no documentário uma espécie de montagem paralela: de um lado, a indagação no círculo privado, dirigida aos familiares e, principalmente, ao avô; de outro, entrevistas com antigos professores e estudantes perseguidos durante a gestão de Héctor Corbacho, possivelmente afetados pelas delações deste.
Na verdade, este núcleo do coral de vozes de personagens ligados à Fadu, organizado na chave do documentário de entrevista convencional (“cabeças falantes”, imagens de arquivo ilustrativas, linearidade), tem muito mais peso narrativo na organização do filme do que a perspectiva íntima. Diante da câmera do neto, o avô não fala nada de muito revelador. Em geral, ele apenas expõe as evasivas e racionalizações que se esperariam de alguém que, mantendo-se firme em suas posições conservadoras, com toda probabilidade tem muito a esconder sobre seus vínculos com a repressão. Até o ponto em que, como informa o neto em voz over, o avô decide não mais continuar com as entrevistas, pois não se sentia cômodo. Pouco meses depois, Héctor Corbacho faleceu, aos 92 anos, levando consigo as respostas não dadas. Ao fim do documentário, a impressão que fica é que a entrevista com o avô, segmentada e intercalada esparsamente ao longo do relato, funciona mais como um chamariz para segurar a atenção do espectador, incitando sua curiosidade nos intervalos da história do movimento estudantil naquela faculdade, contada em modo convencional. Talvez não seja injusto ponderar que 70 y Pico, embora acene para uma tendência interessante da memória intergeracional, não se resolve muito bem como obra, como documentário.
Já El pacto de Adriana, de Lissette Orozco, é um caso mais instigante, e não porque seja um exemplo bem-acabado de documentário subjetivo. Pelo contrário, é justamente em sua estilística um tanto precária que talvez esteja sua maior potência. Como já sinalizado, nele a sobrinha se põe às voltas com o papel da tia, Adriana Rivas, na Dirección de Inteligencia Nacional (Dina), órgão central da repressão onde supostamente teria trabalhado como simples secretária durante a ditadura de Pinochet.
Foragida na Austrália, a tia é acusada pela Justiça em casos de tortura, sequestro e desaparecimento. Tudo a implica: evidências, testemunhos. Mas, no filme, ela insiste em negar qualquer envolvimento. Eis o “pacto de Adriana”: o pacto de silêncio daqueles que atuaram na repressão. Adriana Rivas tenta a todo momento manipular o documentário da jovem sobrinha de modo a transformá-lo em uma peça em sua própria defesa. E, ao longo do processo, o voto de confiança inicialmente dado pela sobrinha-cineasta vai perdendo força diante dos indícios surgidos na busca fílmica.
Adriana Rivas percebe que a sobrinha começa a duvidar de sua palavra. Acuada, a tia lança um turbilhão de investidas verbais contra a sobrinha, chantageando-a emocionalmente, falando agressivamente, tentando desesperadamente manter o documentário sob seu controle. Mas já é tarde, o documentário não mais poderá ser usado para inocentá-la, e a reação truculenta de Adriana Rivas diante da câmera da sobrinha tem o efeito inverso: ela revela uma tia que a sobrinha não conhecia até aquele momento, a face de uma mulher autoritária e manipuladora disposta a fazer de tudo para extrair de seu interlocutor aquilo que quer escutar. O laço afetivo se desata. No fundo, mais pela performance da tia do que por evidências concretas cabais, o documentário acaba desmascarando uma torturadora em potencial.
Em El pacto de Adriana, não se trata de expor um retrato familiar bem-acabado. Os laços afetivos entre tia e sobrinha vão se tensionando ao longo da narrativa. Trata-se ali, antes, de mostrar o lado avesso da memória intergeracional, pleno de arestas e farpas. Desde sua configuração formal, El pacto de Adriana tem um grau de imperfeição próprio aos lados avessos: tomadas mal enquadradas; movimentos de câmera desajeitados; imagens mal iluminadas, granuladas, de baixa resolução; uma profusão de planos mostrando telas com chamadas por Skype e conversas pelo celular, em conexões falhas com a tia foragida do outro lado do mundo. Essa precariedade cinematográfica, essa estilística próxima das filmagens domésticas, essa espécie de estética on-line tem um efeito de sentido eloquente: ela potencializa o aspecto de uma memória das culpabilidades não lapidada pelos consensos sociais forjados. Naquelas imagens escuras, granuladas e mal enquadradas, vê-se o reverso da memória das responsabilidades que muitos prefeririam manter escondido, isolado no porão, na distância dos arquétipos bem delimitados.
A exposição do segredo familiar, desmascarando a tia e seus subterfúgios, é uma atitude corajosa da sobrinha na esfera privada. Ao mesmo tempo, tal gesto cumpre um dever de memória com implicações mais amplas. O filme enfrenta o negacionismo no seio da família, e as veementes negativas da tia têm hoje ressonâncias sociais mais estrondosas do que nunca. Quando Adriana Rivas exclama que não sabia de nada, que não tem nenhuma culpa pelos “excessos”, que apenas vivia sua vida, sua voz ecoa as vozes estridentes de todos aqueles que atualmente querem relativizar ou mesmo negar o passado de atrocidades, no Brasil e no Cone Sul.
Esses dois títulos, 70 y Pico, da Argentina, e El pacto de Adriana, do Chile, de modo menos ou mais instigante, sinalizam novas formas de representação de perpetradores e colaboradores vinculados às ditaduras da região: uma passagem do arquétipo distante ao círculo íntimo; dos personagens consagrados (o torturador, o empresário sádico, o médico que acobertava violências, o religioso alinhado com o regime) para pessoas comuns (“meu avô”, “minha tia”). São indivíduos que estão muito perto de todos nós, que estão entre nós, difusos no tecido social – e não na “distância segura” do arquétipo, e não isolados no “porão” escuro. Seguindo o viés subjetivo do documentário contemporâneo, esses dois filmes enfrentam as culpabilidades no seio das próprias famílias, trazendo à luz figuras com papéis menos óbvios no sistema repressivo.
Particularmente no Brasil pós-2018, quando se vive uma ofensiva autoritária, é urgente promover um debate sobre as responsabilidades em termos complexos. Vasculhar os recônditos das zonas cinzentas, descortinar um gradiente de culpas diretas, de colaborações, de cumplicidades e de omissões: eis um prisma que permite enxergar com outros olhos aquelas pessoas ao nosso redor que aderem sem pudor aos discursos negacionistas, querendo reeditar um projeto autoritário no Brasil de hoje. É nessa zona cinzenta tão próxima que se enraízam as bases sociais do autoritarismo.
Referências
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Notas