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QUARTOS DE ISOLAMENTO EM UNIDADES DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA: SINERGIA ENTRE LEGISLAÇÃO E PRÁTICA?
ISOLATION ROOMS IN EMERGENCY DEPARTMENTS: SYNERGY BETWEEN LEGISLATION AND PRACTICE?
QUARTOS DE ISOLAMENTO EM UNIDADES DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA: SINERGIA ENTRE LEGISLAÇÃO E PRÁTICA?
Arquitetura Revista, vol. 16, núm. 1, pp. 119-136, 2020
Unisinos
Recepção: 17 Abril 2019
Aprovação: 25 Outubro 2019
Resumo: O quarto de isolamento faz parte de um conjunto de estratégias adotadas no controle e na prevenção das infecções no ambiente hospitalar. Aliado às técnicas hospitalares, ele ajuda a conter as doenças transmissíveis, proteger pacientes, acompanhantes e a equipe de saúde (ES). Todavia, ele não é obrigatório em Unidades de Urgência e Emergência (UUEs), segundo a normativa vigente. O objetivo deste estudo foi investigar a visão dos arquitetos da área hospitalar — classe profissional envolvida na elaboração e revisão de normas para ambientes de saúde — sobre a importância de prever quartos de isolamento nessa unidade. A pesquisa, de caráter qualitativo e exploratório, se fundamenta em revisão de literatura, que inclui a análise de normas internacionais, e também na compilação de entrevistas semiestruturadas feitas aos arquitetos. Para os entrevistados, a Arquitetura na forma das barreiras físicas é um componente relevante que auxilia na prevenção e contenção das doenças transmissíveis, e demonstrou-se a importância da presença do quarto de isolamento em UUEs. O estudo também permitiu descobrir obstáculos enfrentados pelos arquitetos na concepção do quarto de isolamento, bem como aspectos de projeto não previstos nas normas brasileiras, mas que podem dar suporte ao planejamento desses ambientes.
Palavras chave: Arquitetura hospitalar, Controle de infecção, Unidades de Urgência e Emergência.
Abstract: The isolation room is part of a set of strategies adopted to control and prevent infections in the hospital environment. Combined with hospital techniques, it helps contain communicable diseases, protect patients, caregivers and healthcare staff. However, it is not mandatory in Emergency Departments according to current regulations. This study aimed at investigating the view of hospital architects — professional class involved in the elaboration and revision of health care standards — about the importance of providing isolation rooms in these units. The research, qualitative and exploratory, is based on literature review, which includes the analysis of international standards, and also on the compilation of semi-structured interviews with architects. For the interviewees, Architecture in the form of physical barriers is a relevant component that helps the prevention and containment of communicable diseases and the importance of the presence of isolation room in Emergency Departments was demonstrated. The study also allowed to discover obstacles faced by architects in the design of the isolation room, as well as design aspects not provided in Brazilian standards, but which may support the planning of these environments.
Keywords: Hospital architecture, Infection control, Urgency and emergency departments.
INTRODUÇÃO
Considerados barreiras físicas hospitalares, os quartos de isolamento são utilizados para separar pacientes com doenças infectocontagiosas dos demais usuários no ambiente hospitalar e também para proteger os portadores de deficiências imunes — sejam elas distúrbios geneticamente herdados ou adquiridos. No entanto, esses ambientes não são obrigatórios por Norma em unidades de urgência e emergência (UUEs), incluindo as situadas em hospitais (1).
Para as UUEs, direcionam-se atendimentos por demanda espontânea de média e alta complexidade, motivo pelo qual a Portaria 2.048 (2) recomenda que esses setores possuam estrutura física, equipamentos, recursos humanos e organização adequada para o recebimento de pacientes que apresentem as mais variadas patologias e problemas de saúde. Assim, elas acabam por receber uma grande demanda de pacientes, inclusive os que não apresentam situação urgente ou emergente de saúde e que poderiam ser atendidos em unidades básicas (UBs) (3,4).
Apesar dos esforços do Ministério da Saúde (2) em articular os diferentes níveis de atenção e da determinação do tempo limite de permanência de pacientes nos serviços de UUEs em até 24 horas (5), é constante a dificuldade de transferência dos usuários dessas unidades para outros setores hospitalares mais adequados à continuidade do tratamento, resultando em sua estadia além do período recomendável, muitas vezes recebendo todo o tratamento nesse setor (6).
Como consequência da grande demanda por atendimento nas UUEs e permanência prolongada de pacientes, é frequente sua superlotação. Além da sobrecarga da equipe de saúde (ES) e experiência negativa dos pacientes, tem-se um considerável aumento do risco de infecções cruzadas. Desse modo, o cenário exposto faz refletir sobre a configuração espacial das UUEs, geralmente compostas por locais coletivos de atendimento e espera.
Apesar de a preocupação com a disseminação das doenças no ambiente hospitalar ser antiga e afetar países ricos e pobres (7), verifica-se que o uso de quartos de isolamento para fins de prevenção e controle é recente, e teve a primeira publicação específica no ano de 1970 (8). Talvez por esse motivo verifica-se a escassez de publicações que analisem o papel e o planejamento dos quartos de isolamento, principalmente aqueles inseridos em UUEs.
Dessa forma, levando-se em consideração a realidade das doenças infecciosas no meio hospitalar, a complexidade do atendimento prestado nas UUEs, a escassez de bibliografia e o fato de a inserção dos quartos de isolamento nessas unidades ser opcional na Norma brasileira, optou-se por fazer um estudo qualitativo e exploratório sobre o tema. E, a partir do embasamento teórico na literatura e na legislação nacional e internacional, mas também na experiência de arquitetos atuantes na área hospitalar, fomentar a discussão sobre o assunto, sobretudo em relação à necessidade de tornar esses ambientes obrigatórios.
NÍVEIS DE PRECAUÇÕES DE ISOLAMENTO HOSPITALARES
Apesar de não haver uma norma internacional para projeto de quartos de isolamento, há um consenso sobre os níveis estratégicos de precauções a serem considerados nos ambientes hospitalares. O primeiro nível de precaução, denominado “padrão”, inclui as ações de higienização das mãos, o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e o quarto privativo apenas nos casos em que o paciente não tem controle das eliminações de fezes e urina. O segundo nível, denominado precaução específica, é baseado no “tipo de transmissão”, indicado para o atendimento de pacientes diagnosticados ou suspeitos de estarem infectados com patógenos epidemiologicamente importantes para os quais são necessárias precauções adicionais além das precauções padrão (9).
As precauções específicas baseiam-se em três vias principais de transmissão: por contato, por gotículas e por vias aéreas. As precauções por contato são indicadas para casos nos quais a via de transmissão se dá diretamente, por meio do toque no paciente, ou indiretamente, pelo contato com materiais contaminados, e inclui doenças como a herpes zóster, as diarreias infecciosas e as bactérias multirresistentes. As precauções por gotículas são indicadas para pacientes acometidos por doenças como a coqueluche e a meningite, cujo meio de transmissão é caracterizado pela tosse, espirro ou conversação. A precaução por aerossóis é indicada para infecções respiratórias em que as partículas contaminadas ficam suspensas no ar, são casos de tuberculose e rubéola, por exemplo. Para todos os tipos de precaução anteriormente mencionados, recomenda-se, de forma geral, a colocação do paciente contaminado em quarto privativo (10).
A separação física dos pacientes em quartos privados que não possuem sistemas de ventilação e condicionamento de ar complexo, conhecidos como isolamento de contato, tem potencial de reduzir as oportunidades de contato direto com superfícies contaminadas e, ainda, evitar o contato indireto, que ocorre, por exemplo, quando os trabalhadores de saúde, ao prestar assistência em ambientes coletivos, realizam o atendimento de um paciente seguido de outro sem realizar a higienização das mãos (11).
O isolamento dos pacientes em quarto privado com o fluxo de ar controlado por pressão negativa ou positiva é indicado para pacientes imunodeficientes e para aqueles suspeitos ou infectados por organismos patogênicos altamente transmissíveis por via aérea (8). Estudos têm demonstrado o benefício desses quartos na redução das infecções hospitalares em unidades de terapia intensiva (UTIs) de adultos, de queimados e em unidades de terapia intensiva pediátrica (UTIPs) (11). Isso pode ser, em parte, relacionado com as características do ambiente físico, que inclui um maior número de lavatórios para a lavagem de mãos por leito, a eliminação de cortinas entre leitos, a utilização de banheiros privativos e a limpeza frequente do quarto (12).
A importância do uso de sistemas de ventilação e climatização adequados se dá pela rapidez com que os organismos transmitidos pelo ar têm em se espalhar. O fluxo de ar, que determina a magnitude e a direção da distribuição do ar, pode ser modificado por diversos fatores, incluindo ventilação, filtragem, gradientes de temperatura, configuração do quarto e movimento de equipamentos ou pessoas (13).
A pressão negativa, indicada para pacientes suspeitos ou diagnosticados como portadores de doenças infecciosas, é criada pelo sistema de ventilação, de modo que a quantidade de ar que é esgotada mecanicamente do quarto é maior que a quantidade que lhe é fornecida. Assim, evita-se que o ar que já circulou pelo quarto passe para outros ambientes próximos a ele (14). Já a ventilação com pressão positiva é usada para proteger os pacientes vulneráveis (imunodeprimidos) do ar potencialmente contaminado, evitando que o ar externo adentre no ambiente (11).
A literatura evidencia, portanto, que a inserção de ambientes privativos, com a adoção de características particulares conforme a forma de precaução de infecções se faz necessária para acomodar de forma apropriada tanto pacientes com doenças contagiosas como imunodeprimidos. Mostra-se pertinente refletir a respeito da presença de quartos de isolamento em UUEs, que recebem diariamente um grande volume de indivíduos com os mais variados sintomas. E, ainda, faz-se relevante verificar se tais ambientes, mesmo não sendo considerados obrigatórios por norma, costumam ser incorporados no programa de necessidades de UUEs brasileiras, quais atributos ambientais vêm sendo adotados pelos arquitetos hospitalares quando os quartos de isolamento são integrados ao projeto e qual é sua opinião sobre a importância de considerar tais ambientes obrigatórios em UUEs.
MÉTODO
O trabalho se baseia na revisão de literatura de diferentes disciplinas, como a enfermagem, a medicina, o design e a arquitetura, e no estudo das legislações brasileira, australiana e americana. A abordagem aos guias estrangeiros teve por objetivo compreender quais critérios de projeto de quartos de isolamento estão sendo recomendados por esses dois países em comparação com a norma nacional.
Os países utilizados neste estudo e seus respectivos guias foram selecionados a partir do ranking da pesquisa Best Countries (15), que classificou 80 países de acordo com determinados critérios que englobam, inclusive, a qualidade e a eficácia de seus sistemas de saúde. Os dados utilizados na pesquisa Best Countries foram extraídos de mais de 21 mil entrevistas ao redor do mundo com participantes selecionados por sua representatividade e seu engajamento como cidadãos. A Austrália e os Estados Unidos, apesar de não estarem posicionados entre os cinco mais bem colocados, pois ocupam a sétima e a oitava posição, respectivamente, fazem parte do grupo de análise desta pesquisa devido à disponibilidade de informações online e ao acesso aos guias. Destaca-se que o Brasil ocupa, nesse ranking, a vigésima oitava posição.
Buscou-se aprofundar nos parâmetros mínimos recomendados pelas normas e guias estudados: no Brasil, a Resolução RDC 50 (1) e a Norma NBR 7256 (16); nos Estados Unidos, as recomendações do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (17), The Facilities Guidelines Institute (FGI) (18) e International Health Facilities Guideline (IHFG) (19); na Austrália, o Australasian College for Emergency Medicine (ACEM) (20) e o Australian Health Facility Guidelines (AusHFG) (21).
A aproximação com os arquitetos permitiu investigar sua percepção sobre o papel da arquitetura na prevenção e redução de infecções hospitalares, bem como a relevância dos quartos de isolamento inseridos em UUEs. Além disso, na ausência de Normas brasileiras específicas para quartos de isolamento de UUEs, as entrevistas permitiram descobrir os critérios de projeto adotados no planejamento desses ambientes.
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 16 arquitetos atuantes na área hospitalar seguindo um roteiro de perguntas pré-estabelecidas. As perguntas, em formato aberto, permitiram que os entrevistados se estendessem em respostas descritivas, e a padronização das perguntas possibilitou uma análise comparativa dos resultados (22). Os critérios de inclusão dos profissionais entrevistados na amostra foram: a titulação (especialização, mestrado ou doutorado) e a atuação na área de Arquitetura Hospitalar, o que limitou o tamanho da amostra, mas permitiu que a mesma se caracterizasse por pessoas com elevado grau de experiência e de conhecimento sobre o tema.
A amostra incluiu profissionais de vários estados brasileiros: 5 participantes de Santa Catarina, 4 do Rio Grande do Sul, 2 do Rio de Janeiro, 1 do Distrito Federal, 1 de São Paulo, 1 arquiteto estrangeiro que leciona no Brasil e conhece a realidade do país, e outros 2 profissionais que, no momento da entrevista, encontravam-se fazendo doutorado no exterior. Essa diversidade de profissionais residindo e atuando em diferentes localidades permitiu uma síntese abrangente da percepção dos arquitetos, possivelmente transcendendo um entendimento que poderia ser característico apenas de um contexto local ou regional.
As entrevistas, aprovadas pelo comitê de ética CAAE nº 57612116.40000.0121, foram realizadas entre os meses de agosto e outubro de 2016 e incluíram questões referentes: à percepção dos entrevistados sobre o papel da Arquitetura no controle das doenças transmissíveis; à experiência dos arquitetos no planejamento dos quartos de isolamento; aos parâmetros projetuais utilizados ou considerados importantes de serem seguidos; e à importância dos quartos de isolamento em UUE. As identidades de todos os participantes permaneceram anônimas, sendo identificadas somente pela letra E (de entrevistado) acrescida de um número de identificação, por exemplo: E01, E02, etc.
As falas dos entrevistados foram transcritas a partir das gravações dos áudios e, em seguida, procedeu-se às leituras de todo o material, com o intuito de apreender, de uma forma global, as ideias principais e seus significados gerais. A partir dos recortes das entrevistas, aplicaram-se a análise temática e a categorização não apriorística dos dados, isto é, as categorias emergiram do contexto a partir das respostas dos sujeitos da pesquisa, e não de uma forma pré-estabelecida (23).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Quando questionados sobre o papel da arquitetura no controle das doenças transmissíveis em hospitais, os arquitetos foram unânimes em afirmar que a arquitetura hospitalar pode contribuir para tornar os estabelecimentos assitenciais de saúde (EAS) mais seguros. Cinquenta por cento dos arquitetos enfatizaram que a arquitetura por si só não é suficiente para obter bons resultados, mas que deve estar aliada aos corretos protocolos hospitalares. O comentário do participante E02 exemplifica essa percepção: “não adianta você ter a infraestrutura se você não tiver um protocolo que diga como usar essa infraestrutura e alguém que monitore se as pessoas estão seguindo o protocolo”.
Esse resultado ratifica o que afirmaram os estudos sobre a existência de um crescente corpo de evidências sugerindo que o ambiente construído é importante na prevenção da transmissão de agentes patogênicos, e que soluções de projeto podem reduzir o risco de infecções (24, 25, 26). Contudo, é evidente que outros aspectos não abarcados pela Arquitetura, como as práticas da ES, seguem como fatores fundamentais nesse processo.
Entre as estratégias de projeto arquitetônico consideradas importantes para conter e prevenir as infecções, as mais recorrentemente citadas pelos arquitetos foram as barreiras físicas — que incluem os vestiários de barreira e quartos de isolamento — e os fluxos corretos dentro das unidades. Em relação a estes últimos, há uma relação direta com o posicionamento dos ambientes nos EAS. De acordo com os entrevistados, os quartos de isolamento devem ser posicionados na unidade de forma que não haja intensa circulação de pessoas em frente a eles.
Foi constatado que alguns arquitetos priorizam questões de humanização, os quais afirmam que, embora o ambiente deva ser isolado, ele não deve ser excludente ou segregado. Para o entrevistado E11, a arquitetura hospitalar deve atuar para: “tornar os quartos menos isolados possível (do ponto de vista social), sendo absolutamente isolados (do ponto de vista físico)”. Com o propósito de tornar mais fácil o contato visual e físico entre o paciente e a ES, o entrevistado E16 descreveu que prioriza a proximidade do quarto de isolamento em relação ao posto de enfermagem.
A Norma brasileira não especifica qual deveria ser o melhor posicionamento dos quartos de isolamento em UUEs, muito provavelmente por não ser considerado um ambiente essencial no setor ou, então, para não enrijecer demasiadamente o processo projetual, dando liberdade aos arquitetos na escolha do posicionamento desse ambiente em cada projeto. No entanto, o guia Australiano ACEM (20) recomenda o posicionamento do quarto de isolamento em UUE adjacente à sala de triagem. O guia Americano IHFG (27) indica para os EAS, de forma geral (incluindo outros setores hospitalares), que todos os quartos de isolamento respiratório devem localizar-se próximos à entrada de pacientes deambulantes. Ambos os guias internacionais partem do mesmo propósito da separação imediata de pacientes potencialmente infecciosos sem a necessidade de percorrer e possivelmente contaminar outras áreas dentro da unidade. Outro guia americano, o FGI (18) indica, especificamente para UUEs, a colocação do quarto de isolamento na unidade de forma que ele seja visível a partir do posto de enfermagem.
Apesar de não indicar a melhor posição do quarto de isolamento em UUEs, o Sistema de Apoio à Elaboração de Projetos de Investimentos em Saúde (28), desenvolvido pelo Ministério da Saúde, indica a proximidade funcional do quarto de isolamento com a sala de triagem médica e/ou sala de enfermagem, sala de serviços e sala para exame indiferenciado. Porém, um estudo realizado em UUEs hospitalares públicas brasileiras mostrou que a ES e os membros da Comissão e Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) consideram como de maior importância a proximidade do quarto de isolamento com o posto de enfermagem (29).
De fato, a implantação dos quartos de isolamento logo no acesso às UUEs ou próximo à sala de triagem tem potencial para reduzir as possibilidades de transmissão de doenças tanto no ambiente de espera como internamente à unidade. Contudo, os postos de enfermagem, onde se concentram a ES e os médicos, situam-se geralmente no núcleo desses setores, distantes dos acessos e salas de triagem, o que dificultaria o monitoramento e atendimento do paciente isolado. Deve ser levado em consideração no planejamento dos quartos de isolamento, especialmente os inseridos em UUEs públicas brasileiras, a alta permanência dos pacientes (23), o que reflete no aumento dos cuidados médicos e na necessidade de proximidade entre a ES e os locais de atendimento e na observação de pacientes.
Em relação à experiência de projetar quartos de isolamento, a maioria dos arquitetos entrevistados (81%) já havia tido a oportunidade planejá-los em diferentes unidades hospitalares. Para 76% dos entrevistados, o projeto, quando executado, atendeu a suas próprias expectativas de funcionamento. Apesar disso, alguns casos importantes foram relatados: o entrevistado E09 discorreu que, em dada circunstância, o quarto que havia sido projetado para isolamento acabou sendo utilizado para outro fim, por falta do espaço físico no complexo hospitalar.
O entrevistado E04, por sua vez, verbalizou sobre a solicitação de implantação de um chuveiro no banheiro do quarto de isolamento pediátrico. Apesar de atendida a solicitação, verificou-se que a área do chuveiro não foi utilizada pela ES, que acabou adaptando-o para funcionar como depósito de materiais. Tais relatos demonstram que, em muitas situações, a posterior mudança de uso dos ambientes pode fugir do âmbito de atuação dos arquitetos e impactar no funcionamento das unidades.
Adequações de projeto que vão além do que é exigido pela legislação são muitas vezes adotadas pelos arquitetos em função da solicitação da ES ou de acordo com as limitações de infraestrutura de hospitais existentes. Apesar de a resolução brasileira RDC 50 (1) não exigir a presença de antessalas, apenas a previsão de área de paramentação anterior ao quarto de isolamento, o entrevistado E02 contou que habitualmente a inclui em seus projetos, e que, recentemente, a pedido dos médicos, projetou antessalas maiores, de forma a facilitar a circulação de macas hospitalares.
O guia americano (27) não exige o planejamento de antessala para quartos de isolamento (inclusive os de transmissão aérea, dotados de pressão negativa), porém, quando existente, ela não precisa permitir o acesso de camas. A antessala é requerida apenas em quartos de isolamento de quarentena para pacientes altamente infecciosos. Nesse caso, ela deve ser grande o suficiente para permitir o movimento da cama e funcionar como uma câmara de compressão com portas interligadas que não devem abrir ao mesmo tempo.
O Guia AusHFG (21), em suas considerações para quartos de isolamento de diferentes setores hospitalares, apresenta a antessala como um requisito para o quarto de isolamento aéreo de pressão negativa e de quarentena, devendo apresentar área mínima de 6m2. Ambos os guias, americano e australiano, indicam que, quando existente, a antessala deve ser dotada de portas com fechamento automático e lavatório para lavagem de mãos e ter área suficiente para permitir a colocação ou remoção de EPIs, sendo que o guia australiano indica também a presença de uma área envidraçada voltada para o quarto do paciente (conforme Figura 1), para que seja possível sua visibilidade.

Em relação ao compartilhamento da antessala por dois quartos de isolamento, apesar de a legislação brasileira não abordar essa possibilidade, segundo os guias americano (19) e australiano (21), esse procedimento não é recomendado. Essa orientação baseia-se nas possibilidades de contaminação de materiais, superfícies e ar que possam ser compartilhados com pacientes apresentando diferentes sintomas e patologias.
Apesar das divergências dos três países quanto à necessidade de antessala junto ao quarto de isolamento, Shweta (31) descreve que a presença desse ambiente deveria ser prevista sempre que o espaço e o orçamento do hospital permitirem. Ainda que existam muitas contradições a respeito do papel da antessala na perda de pressurização (entrada/saída de ar contaminado) para dentro ou fora do quarto, há uma convergência de opiniões quanto aos benefícios da antessala em proporcionar um ambiente controlado para a realização da paramentação da ES e de visitantes, mas também para a transferência de suprimentos e equipamentos.
O pouco espaço disponível em UUEs para o planejamento de quartos de isolamento foi apontado pelos arquitetos como um condicionante de projeto. Porém, a Resolução brasileira (1) requer, quando existentes em setores de atendimento imediato, uma dimensão mínima de 8m2, muito inferior ao recomendado pelos guias internacionais analisados. O guia americano (18) indica uma metragem de 11,15m2 para suportar as necessidades dos serviços clínicos prestados nos quartos de isolamento respiratório inseridos nesses setores. O guia australiano generaliza, para todos os setores hospitalares, uma dimensão mínima de 15m2, mas reforça que, em UUEs, a dimensão do quarto deve permitir as tentativas de ressuscitação dos pacientes isolados, se necessário.
As características de projeto obrigatórias na Resolução RDC 50 (1) para quartos de isolamento inseridos em EAS mais recorrentemente mencionadas pelos entrevistados, em ordem decrescente de frequência, foram: banheiro privativo dotado de lavatório para a lavagem das mãos; armários para a guarda de materiais necessários à paramentação localizados anteriores ao quarto; acabamentos de fácil limpeza e desinfecção; forro monolítico; visor na porta do quarto; régua de gases; e abertura de porta que possibilite a passagem de maca.
Destaca-se que a Norma Regulamentadora NR32 (32) também requer lavatório para a lavagem de mãos no quarto de isolamento como medida de segurança e saúde dos trabalhadores. A Norma discorre que todos os locais onde exista a possibilidade de exposição a agentes biológicos devem possuir lavatório para a higiene das mãos, dotado de água corrente, além de sabonete líquido, toalha descartável e lixeira acionada sem que haja o contato manual.
Além das características supracitadas, o FGI (18) indica: a necessidade de um lavatório para a lavagem de mãos fora do quarto; paredes, forros e piso selados, para que o ar não escape para os ambientes adjacentes; e portas seladas dotadas de sistema de fechamento automático. O AusHFG (21) recomenda, para quartos de isolamento de contato: a necessidade de lavatório para a lavagem de mãos dentro do ambiente, com torneira de acionamento automático; fornecimento de água quente e fria; e um compartimento para EPIs externo ao quarto, que pode ser compartilhado com uma sala adjacente.
Para quartos de isolamento aéreo, o AusHFG (21) indica, ainda, um espaço de armazenamento para o lixo clínico dentro do quarto. Os quartos de isolamento de quarentena, presente em pelo menos um hospital de cada capital australiana, devem incluir todos os requisitos de design descritos para um quarto com pressão negativa, com o adicional de um sistema de energia de emergência em caso de falha de fornecimento.
Aspectos não obrigatórios na legislação brasileira (1, 16, 33), que, segundo os entrevistados, devem ser considerados na etapa projetual, são listados a seguir na ordem decrescente de frequência com que foram mencionados: sistema de condicionamento e tratamento do ar adequado ao tipo de isolamento; visualização do paciente a partir do posto de enfermagem; corretos fluxos de ar; presença de antessala/antecâmara (indicada para isolamento respiratório); contato visual com o exterior; características de humanização; e suporte de hamper exclusivo para o transporte das roupas sujas.
O sistema de controle de pressão do ar condicionado foi um dos critérios de projeto considerados mais relevantes por diversos participantes. Porém, o entrevistado E05 relatou que o fato de os quartos de isolamento não serem utilizados de forma contínua — se comparados aos leitos de internação — faz com que os clientes ou investidores tenham dificuldade em compreender a importância dos onerosos equipamentos que integram os sistemas de ar condicionado de pressão negativa e positiva, deixando de incluí-los no planejamento da edificação de saúde. De acordo com o entrevistado, a conversa com o cliente pode ser difícil, pois há a tendência de serem priorizados aspectos econômicos, sem que haja a clareza dos benefícios que poderiam ser alcançados em longo prazo com um acréscimo do investimento inicial.
Além disso, não existem recomendações nacionais para o uso de pressão positiva ou negativa nos quartos de isolamento de atendimento imediato, ou mesmo nos setores em que são considerados obrigatórios. A Norma NBR 7256 (16) exige o uso de diferenciais de pressão do ar apenas em ambientes de processamento de roupa suja e limpa e em laboratórios com nível de segurança NB3 e de biologia molecular.
Ambos os guias, americano (18, 27) e australiano (20, 21), indicam a necessidade de pressão negativa do ar em quartos de isolamento respiratório direcionados a pacientes potencialmente infecciosos. O IHFG (27) ressalta que o ar condicionado sem diferenciais de pressurização é adequado apenas para quartos de isolamento de precaução por contato. Para isolamentos de pacientes em precaução de gotículas ou aerossóis, que inclui patologias como o sarampo, catapora e tuberculose, é indicado uma pressão de -30 Pa no quarto e -15 Pa na antecâmara. Caso o quarto não seja provido de antecâmara, o diferencial mínimo recomendado entre ele e os espaços adjacentes são de 15 Pa.
Em relação aos fluxos do ar, o sistema de ventilação deve ser projetado para garantir que o ar flua de áreas menos contaminadas para áreas mais contaminadas. Em quartos de isolamento de pressão negativa, o fluxo do ar deve proteger o profissional de saúde, partindo do profissional para o paciente e depois ser removido pelo exaustor localizado perto do paciente. Nesse caso, os dutos de exaustão do ar devem ser separados do sistema de escape do restante do hospital, para evitar a contaminação (27). A saída do ar deve localizar-se o mais longe possível das entradas de ar do edifício, preferencialmente posicionada acima da linha do telhado e dotada de filtro High Efficiency Particulate Arrestance [HEPA] (17, 21, 27).
Em um quarto dotado de pressão positiva que isola pacientes imunocomprometidos, o fluxo de ar deve proteger o paciente. Ou seja, o ar deve fluir do paciente para o profissional de saúde e ser removido pelo exaustor. As grelhas de exaustão devem ser colocadas de modo que o ar seja retirado da zona do paciente (21). Os quartos que isolam pacientes imunocomprometidos devem prover uma pressurização alta, de +30 Pa no quarto e +15 Pa na antecâmara (27).
Ainda em relação aos diferenciais de pressurização, alguns entrevistados mencionaram que dispor de mecanismos reversíveis de fluxo de ar que permitam alterar a pressão de positiva para negativa e vice-versa seria benéfico, devido à falta de espaço nos hospitais para a inserção de um quarto de isolamento para cada tipo de precaução. A Norma NBR 7256 (16) também não menciona sobre a possibilidade de utilizar um sistema reversível, no entanto, segundo o AUSHFG (27) e o ACEM (20), a adoção dessa prática não é recomendada. O uso desse tipo de recurso em um único ambiente é inadvertido, devido às dificuldades na configuração do fluxo de ar e à engenharia complexa, associada ao alto risco de erro durante o uso para finalidades fundamentalmente diferentes.
Sendo assim, os pacientes imunodeficientes devem utilizar somente quartos de pressão positiva ou quartos privativos (20). O quarto de isolamento dotado de pressão negativa pode ser utilizado por um paciente não infectado ou não apresentando deficiências imunológicas desde que o sistema de pressurização não seja desligado ou mantido a um diferencial de pressão inferior (21). No entanto, tais adaptações de uso demandam um elevado nível de eficiência de desinfecção, pois, segundo Jacob et al. (11), os microrganismos podem persistir por semanas ou meses sobre as superfícies secas, dependendo de suas propriedades biológicas. por esse motivo, aumenta-se o risco de um paciente adquirir o mesmo agente patogênico do ocupante anterior do quarto.
Apesar de a Resolução RDC 50 (1) e de os guias internacionais estudados indicarem a necessidade de banheiros privativos em quartos de isolamento, não há menção sobre prever critérios de acessibilidade nesse ambiente específico. Porém, alguns arquitetos descreveram que priorizam a utilização do ambiente pela diversidade de usuários, sob quaisquer circunstâncias, por exemplo, cadeirantes. Para tanto, os banheiros projetados por eles possuem dimensões mínimas de 1,7m e de 4,8m2 de área total. Segundo os entrevistados, a tipologia e a localização dos equipamentos sanitários, como as barras de apoio, papeleiras e demais acessórios, devem seguir o que preconiza a norma de acessibilidade NBR 9050 (33).
Os entrevistados E01, E02, E10 e E11 relataram os benefícios do envolvimento de equipes multidisciplinares na elaboração dos projetos, que, por vivência da prática diária ou conhecimento sobre equipamentos complexos, são capazes de oferecer informações e opiniões importantes para orientar o trabalho dos arquitetos. De acordo com E11 o processo de elaboração do projeto hospitalar modificou-se, e não é feito apenas pelo escritório de arquitetura, mas em conjunto com diversas áreas do conhecimento.
Os entrevistados E01 e E02 discorreram sobre a importância do projetista de sistemas de ar condicionado na elaboração e execução do projeto, por considerarem um item oneroso e de extrema importância para a saúde e a eficiência do edifício hospitalar. Para os entrevistados, o resultado do esforço conjunto corresponde a projetos e obras muito mais completas e eficientes. O mérito do envolvimento de equipes multidisciplinares também é descrito no guia de “melhores práticas hospitalares” (34) desenvolvido pelo Reino Unido. As recomendações são direcionadas aos ambientes de isolamento para pacientes infecciosos de cuidados agudos e indicam que haja o envolvimento das seguintes equipes: membros do controle de infecção hospitalar, juntamente com a equipe clínica; arquitetos e designers; empreiteiros; prestadores de serviço de manutenção mecânica e elétrica; e, ainda, os gestores da unidade.
Em relação à disponibilidade de quartos de isolamento em UUEs, 73% dos arquitetos entrevistados consideram importante prever o ambiente, por conhecerem o tipo de atendimento prestado, a população envolvida, a complexidade da unidade e a capacidade do quarto em proporcionar mais segurança aos pacientes, acompanhantes e ES. Ainda que as unidades em questão possam não ser referência no atendimento a pacientes infectocontagiosos e imunocomprometidos, os arquitetos entendem que a população em geral tende a procurar atendimento nesses locais em detrimento de outros setores hospitalares.
É importante ressaltar que as atividades laborais que envolvem o trabalho ou as operações em contato permanente com pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas, bem como os objetos de seu uso não previamente esterilizados, são consideradas de insalubridade grau máximo. São, portanto, trabalhadores expostos a condições nocivas do ponto de vista biológico que possuem previsão legal para recebimento de adicional incidente de 40% sobre o salário mínimo da região (35). Também visando proteger a saúde dos trabalhadores expostos a riscos em suas atividades laborais, a Norma Regulamentadora NR9 (36) orienta que se deve antecipar tais riscos e buscar minimizá-los ou eliminá-los inclusive no que se refere ao projeto de novas instalações. Essa norma não fala especificamente de quartos de isolamento, mas destaca a importância de se adotar todas as medidas possíveis para que se possa preservar a saúde do trabalhador, o que, no caso do ambiente hospitalar, poderia incluir a questão dos quartos de isolamento.
De acordo com Acosta e Lima (37), a procura por atendimento nas emergências hospitalares é influenciada por fatores sociais, epidemiológicos e outros relativos à organização do sistema de saúde. Nesse sentido, o entendimento dos arquitetos é de que as UUEs servem como porta de entrada do sistema de saúde, conforme relatado pelo entrevistado E04: “acho importante, sim (o quarto de isolamento em UUEs). Quando se tem surtos de doenças infectocontagiosas, as pessoas que apresentam os sintomas correm para esses pronto-atendimentos”.
O participante E04 relatou que não havia percebido a importância de prever o ambiente nas UUEs até que um surto do vírus “influenza A” (H1N1) atingiu sua cidade e aproximou-o desse problema. Naquele momento, o participante se deu conta de que, pela falta dos quartos de isolamento, os pacientes suspeitos ou infectados pelo vírus ocupavam locais coletivos de espera e também recebiam tratamento junto aos demais usuários, aumentando sensivelmente os riscos de transmissão. Entretanto, o participante destacou que, mesmo que haja os quartos de isolamento, faz-se necessário um diagnóstico rápido, a fim de minimizar a exposição dos demais pacientes e da equipe médica, reforçando a importância da adoção conjunta dos protocolos hospitalares.
Concomitantemente à aplicação da entrevista, o participante E16 relatou que estava envolvido na elaboração de um projeto de uma UUE e que o responsável técnico havia solicitado a inclusão do ambiente de isolamento. O entrevistado entende que tal solicitação vai ao encontro com a importância de se prever o quarto nessas unidades, pois é por meio delas que, na grande maioria dos casos, os pacientes são encaminhados aos hospitais. Sob o mesmo ponto de vista, o participante E06 enfatizou a importância dos quartos de isolamento como forma de prevenção:
O usuário do pronto atendimento não é um paciente eletivo, ele chega à unidade por demanda espontânea. Em casos como esse, quando não se tem o conhecimento da doença e quando a equipe médica não tem tempo hábil de confirmar uma suspeita, ela deveria ter a possibilidade de direcionar o paciente para um quarto de isolamento, reduzindo o risco de transmissão de doenças infecciosas para os demais usuários.
De acordo com o entrevistado E13, os quartos de isolamento também seriam importantes em UUEs em casos de catástrofes e surtos epidemiológicos, situações em que a falta do ambiente poderia inviabilizar o gerenciamento de determinados pacientes. A importância de se prever adversidades como essa também foi ressaltada por Zilm (38), que afirma que as emergências devem estar preparadas tanto para o aumento potencial de pacientes como para pacientes infecciosos de alto risco, que podem surgir a qualquer momento.
O posicionamento desses arquitetos é coerente com os guias internacionais estudados, que requerem, como obrigatória, a presença de pelo menos um quarto de isolamento em UUEs. Nos Estados Unidos, de acordo com o FGI (18), em UUEs, deve ser previsto, como parte dos cuidados básicos de emergência, pelo menos um quarto de isolamento de infecções aéreas (denominado tipo AII). A necessidade e a quantificação de quartos de isolamento de pressão positiva devem ser indicadas pelo Infection Control Risk Assessment (ICRA). Embora, nos casos de isolamentos de contato e gotículas, o quarto privativo seja preferencialmente recomendado (9), o FGI (18), em sua sessão destinada ao departamento de emergência, não lista o quarto privativo como uma das instalações fundamentais para seu funcionamento. O guia australiano (20) recomenda, para cada departamento de emergência, a existência de um quarto de isolamento de tipo 5 (isolamento respiratório) com requisitos adicionais determinados pela localização do hospital, pela demografia e pelo tipo de paciente.
Em contrapartida, 27% dos entrevistados desta pesquisa acreditam que não seria possível realizar o atendimento do paciente que necessita de isolamento de forma adequada nas UUEs, razão pela qual não seria necessário prever esse ambiente em norma para essas unidades específicas. Para o participante E09, é importante que todo paciente seja visto como um risco em potencial, e, se confirmada a suspeita de infecção, não há justificativas para que ele permaneça na UUE. Já o entrevistado E01, que inicialmente mostrou-se contrário à obrigatoriedade do ambiente, hesitou ao lembrar-se dos fatos relativos à epidemia de zika vírus no Brasil, que, por ser uma doença ainda pouco conhecida, deixa dúvida sobre seu impacto no planejamento de unidades hospitalares em um futuro próximo.
Esse grupo de profissionais contrários à obrigatoriedade do ambiente em norma baseiam-se na Resolução RDC 50 (1), isto é, eles estão respondendo à pergunta de acordo com o que é preconizado. É provável que eles pressuponham que o paciente que necessita de isolamento seja removido imediatamente para um local mais apropriado, situação incomum sobretudo em UUEs hospitalares de caráter público, cujos estudos apontam para um período prolongado de espera por atendimento ou transferência.
Questionados sobre em quais unidades, entre todas as que compõem o edifício hospitalar, os quartos de isolamento deveriam ser obrigatórios, a maioria dos entrevistados (60% das respostas) reafirmou que esses ambientes deveriam fazer parte do programa de necessidades de UUEs, mas também de setores de internação. Dos que indicaram que esses ambientes deveriam estar presentes somente em unidades de internação, houve divergência quanto a sua inserção ser proporcional ao tamanho das unidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo auxiliou a compreender a percepção dos arquitetos atuantes na área hospitalar sobre a relação entre a arquitetura e a prevenção das infecções hospitalares e seu olhar sobre a importância de serem previstos quartos de isolamento em UUEs. Foi possível descobrir quais são os critérios de projeto adotados pelos profissionais e as dificuldades encontradas na concepção desses espaços.
Verificou-se que os guias internacionais analisados dos Estados Unidos e da Austrália requerem, diferentemente da legislação brasileira, a presença de pelo menos 1 quarto de isolamento em UUEs. Isso coincide com a opinião da maioria dos arquitetos entrevistados sobre a necessidade dos quartos de isolamento nesses setores. Os arquitetos mostraram-se conhecedores do funcionamento das UUEs, exemplificando a forma de atendimento por demanda espontânea, sua composição por quase que exclusivamente ambientes coletivos de espera e atendimento, as dificuldades de referenciamento de pacientes e os problemas de superlotação, que os levam, sempre que possível, a incluir os quartos de isolamento como forma de prevenção e controle de doenças infecciosas.
Os demais entrevistados que não consideram os quartos de isolamento importantes ou que devam ser obrigatórios em UUEs, basearam suas respostas nas recomendações do Ministério da Saúde e na Resolução RDC 50 (1). Entretanto, estudos têm demonstrado que a permanência dos pacientes nesses locais excede com frequência o tempo previsto, o que faz repensar a necessidade de se prever quartos de isolamento como forma de acolher os pacientes imunodeficientes ou potencialmente infecciosos. Além disso, os entrevistados verbalizaram que é recorrente o planejamento desse ambiente na unidade por solicitação da ES, reforçando sua importância para a qualidade do atendimento prestado.
É possível que a diversidade das respostas relativas à importância da previsão dos quartos de isolamento inseridos em UUEs possa estar relacionada às diferenças nos sistemas de saúde regionais e estaduais, já que foram entrevistados arquitetos de diferentes localidades do país. A necessidade de dispor desses ambientes pode estar associada ao modo de gestão de determinados hospitais, considerando se estes enfrentam problemas de superlotação, ou se conseguem efetivamente encaminhar os pacientes que necessitam de isolamento para outros setores.
Observou-se que alguns dos critérios utilizados pelos arquitetos em projetos de quartos de isolamento não constam nas normas e resoluções brasileiras vigentes. Eles se baseiam na própria experiência, no caráter multidisciplinar que tem caracterizado o processo de planejamento de edifícios hospitalares e, possivelmente, na influência da legislação de outros países. Verificou-se que algumas características de projeto consideradas relevantes pelos arquitetos, como os diferenciais de pressurização positiva e negativa e fluxos de ar, entre outros, não são itens obrigatórios para quartos de isolamento, e tampouco são mencionados nas normas brasileiras como sugestão. Entretanto, tais elementos são detalhadamente discorridos nos guias americano e australiano.
Os entrevistados discorreram que, apesar de entenderem a importância dos sistemas de ar condicionado com diferenciais de pressurização e solicitarem sua instalação em projeto de quartos de isolamento, devido às limitações de ordem financeira e a priorização do retorno do capital pelos investidores do edifício hospitalar, nem sempre esses ambientes são dotados dessa tecnologia. Nesse sentido, a obrigatoriedade da disponibilidade de um quarto de isolamento dotado de sistema de pressurização contribuiria para que sua implementação fosse difundida.
Entre as dificuldades encontradas para o desenvolvimento do estudo, destaca-se a escassez de bibliografia, principalmente de pesquisas científicas a respeito dos quartos de isolamento no contexto brasileiro. Outra dificuldade foi identificar uma amostra superior de arquitetos atuantes na área hospitalar com elevado grau de formação na área e que se dedicassem prioritariamente a esse mercado. Além disso, buscou-se entrevistar principalmente profissionais que tinham experiência com obras de grande porte — como os complexos hospitalares —, o que limitou sensivelmente a amostra.
Por fim, verificou-se que os quartos de isolamento configuram um ambiente importante na visão dos arquitetos, e, embora não obrigatórios por norma, são frequentemente incluídos no programa de necessidades de UUEs. Entende-se que adaptar diretrizes de prevenção de transmissão de infecções nessas unidades é desafiador, uma vez que os pacientes potencialmente infecciosos e imunocomprometidos permanecem em áreas comuns, juntamente com os demais usuários, por longos períodos. Sugere-se, portanto, que haja um amplo debate pelos órgãos públicos brasileiros, para que, a exemplo da legislação dos países desenvolvidos analisados, os quartos de isolamento sejam considerados ambientes essenciais em UUEs, e, consequentemente, apresentem diretrizes que auxiliem os arquitetos na elaboração de projetos padronizados e eficientes.
Como sugestões para a continuidade desta pesquisa, seria desejável realizar um número também expressivo de entrevistas com profissionais atuantes nas CCIHs de hospitais com UUEs para conhecer sua percepção sobre o tema. Do mesmo modo, seria importante realizar entrevistas com Engenheiros de Segurança do Trabalho atuantes no ambiente hospitalar, para melhor compreender sua percepção sobre o papel dos quartos de isolamento em relação à preservação da saúde dos trabalhadores.
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