Resumo: O objetivo deste trabalho é entender como a mudança organizacional, especificamente a implantação da Avaliação de Desempenho Individual (ADI), pelo governo de Minas Gerais, afeta o nível de estresse dos servidores. Portanto, neste estudo descritivo e explicativo, um survey foi desenvolvido e questionários padronizados foram aplicados em 679 respondentes, sendo 247 da Secretaria de Estado da Saúde (SES), 248 na Secretaria de Estado da Educação (SEE) e 184 da Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão (SEPLAG). A análise dos dados indica que a resistência à mudança influencia o estresse no trabalho. Ou seja, indivíduos que apresentam níveis mais elevados de aceitação à mudança tendem ter um nível mais baixo de estresse global representado pelo desgaste físico e mental, assim como altos níveis de resistência individual à mudança geram maiores níveis de estresse. Os resultados oferecem implicações relevantes para a teoria e para a prática da Gestão de Recursos Humanos.
Palavras-chave:Mudança organizacionalMudança organizacional, Estresse ocupacional Estresse ocupacional, Resistência à mudança Resistência à mudança, Avaliação de desempenho individual Avaliação de desempenho individual, Gestão de recursos humanos Gestão de recursos humanos.
Abstract: The aim of this research is to understand how organizational change, specifically the implementation of the Individual Performance Evaluation in the Minas Gerais State government, affects the employees’ level of stress. Therefore, this descriptive and explicative study, a survey was developed and standardized questionnaires were applied to 679 respondents, which 247 are from Secretaria de Estado da Saúde (SES), 248 from Secretaria de Estado da Educação (SEE) and 184 from Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão (SEPLAG). The data analysis indicates that resistance to change influences stress at work. In other words, individuals who better accept the organizational change tends to have low levels of occupational stress, represented by the physical and mental exhaustion and individuals who are resistant to organizational change are more likely to have high levels of occupational stress. Results offer relevant implications to theory and practice of Human Resource Management.
Keywords: Organizational Change, Occupational Stress, Resistance to Change, Individual Performance Evaluation, Human Resources Management.
RESISTÊNCIA À MUDANÇA ORGANIZACIONAL E ESTRESSE NO TRABALHO
Recepção: 27 Dezembro 2014
Aprovação: 30 Julho 2015
Esta pesquisa aborda a cooperação e a resistência dos servidores públicos do estado de Minas Gerais em relação às mudanças implementadas pelo governo estadual nas políticas e práticas de gestão de recursos humanos. Especificamente, este estudo investiga o impacto que a implantação da Avaliação de Desempenho Individual (ADI) pode gerar nos níveis de estresse no trabalho.
No caso das instituições públicas, o processo de mudança, apesar de constituir-se de forma mais lenta e gradativa, devido à necessidade de concordância de vários agentes da sociedade (OSBORNE; GAEBLER, 1994), faz-se extremamente necessário frente à demanda de maior qualidade dos serviços prestados ao cidadão. A gestão de recursos humanos no setor público, segundo Marconi (2003), sempre se pautou pela realização de atividades operacionais e pelo comportamento reativo. No entanto, tem-se modificado, na medida em que os gestores públicos estão mais atentos à importância dos investimentos na formação de servidores mais competentes e capazes de realizar as tarefas inerentes a cada instituição.
O governo de Minas Gerais, em 2003, implantou o projeto Choque de Gestão, cuja proposta inicial seria melhorar a qualidade dos serviços públicos e reduzir seus custos, a partir da reorganização do arranjo institucional, da mudança de foco do papel do estado e da modernização da gestão de recursos humanos. Tendo em vista a necessidade de estabelecer um novo padrão de gestão de pessoas e a importância dos servidores públicos para atingir o objetivo de implantar um modelo de gestão pública mais eficiente, grandes mudanças na política de gestão de recursos humanos foram realizadas com o objetivo de ressaltar os princípios meritocráticos e focar nos resultados.
Três mudanças na política de gestão de recursos humanos foram implementadas com grande impacto na vida dos servidores: implantação da Avaliação de Desempenho Individual (ADI), reestruturação das carreiras; e realinhamento de competências. A partir de então, a avaliação de desempenho individual, ancorada no perfil de competências, passou a ser um requisito para movimentação na carreira (VILHENA, 2006). Os resultados das avaliações tanto dos gestores quanto dos não gestores são utilizados para tomadas de decisões e atitudes em relação aos servidores, passando desde o cálculo do adicional de desempenho, promoções na carreira e até a perda do cargo. Dessa forma, a ADI, como ferramenta de controle de gestão de recursos humanos, pode trazer benefícios e, ou, consequências negativas para a vida profissional do servidor. Assim, as ameaças associadas à avaliação parecem reais para os servidores, o que faz com que a resistência à implantação de instrumentos dessa natureza seja praticamente inevitável.
Pesquisas recentes têm indicado que a mudança, especialmente a resistência à mudança, pode ter um forte impacto no nível de estresse ocupacional. A pesquisa de Wang et al. (2004) revelou que a depressão, uma das principais manifestações do estresse, aumentou o absenteísmo e reduziu o foco e a produtividade dos empregados nas empresas pesquisadas. O estresse e a saúde mental do trabalhador têm um relevante impacto na produtividade, aumentando consideravelmente os custos globais das empresas e das sociedades (ADLER; MCLAUGHLIN; ROGERS et al., 2006). Braga, Pereira e Marques (2008) analisaram os fatores de tensão no trabalho e o nível de estresse ocupacional em decorrência de mudanças estratégicas. Os autores constataram que a maioria dos gestores pesquisados apresentava quadro de estresse variando de leve a moderado, e um percentual significativo apresentava estresse intenso como resultado direto das mudanças realizadas. Dahl (2011) aponta que a probabilidade de o indivíduo receber medicação relacionada ao estresse é maior se trabalhar em organizações que estão passando por mudanças.
Portanto, é importante compreender as implicações que a mudança organizacional exerce na vida do trabalhador. O foco deste trabalho é identificar como as possíveis reações de resistência ou cooperação do servidor frente à implantação da avaliação de desempenho individual influenciam os níveis de estresse ocupacional.
A palavra stress, do inglês, deu origem ao termo estresse, em português. Segundo Cooper, Sloan e Williams (1988), a palavra estresse vem do latim stringere e significa “espremer”. No século XVIII, a palavra estresse passou a ser empregada para expressar pressão ou forte esforço do corpo humano. No século XX, o termo ganhou a conotação científica dos dias atuais (SELYE, 1974; ROSSI, 1991).
Segundo Selye (1974), o estresse é uma resposta inespecífica do corpo às exigências a que está sendo submetido. O estresse se manifesta de duas formas: o diestresse, ou estresse de derrota, é a forma como é conhecido negativamente; o euestresse é considerado o estresse positivo. O euestresse é o estresse da realização, do triunfo e do contentamento. Assim, o euestresse é considerado o “estresse da vitória”. Similarmente, o diestresse representa uma reação do corpo a um estímulo externo. No entanto, o diestresse se manifesta muitas vezes na forma de patologias que surgem em consequência da exposição do indivíduo ao estímulo negativo prolongado.
A literatura sobre estresse oferece diferentes abordagens e explicações para o fenômeno. A vertente psicossomática considera que situações emocionais fortes desencadeiam o processo de estresse nos indivíduos, gerando doenças, que poderão ser de cunho biológico ou puramente psicológico (KAPLAN; SADOCK, 1993). Esses estudos não são baseados unicamente no estado emocional como fonte para explicar a somatização, mas em fatos concretos acontecidos na vida dos indivíduos que impactam na sua saúde.
A abordagem bioquímica contempla uma visão das manifestações do estresse no seu aspecto fisiológico. Conforme argumenta Guyton (1976), o estresse ocorre no organismo através do sistema nervoso, mais precisamente o sistema nervoso autônomo (SNA), que, juntamente com o sistema endócrino, são responsáveis pela maioria das funções de controle do organismo. As mudanças fisiológicas do organismo, produzidas por ambos os sistemas, têm função de prepará-lo para situações de luta ou fuga, comportamento característico da primeira fase do estresse, denominado por Selye (1974) de fase de alarme. A fase seguinte é a de resistência. A fase de resistência pode terminar de duas formas. Na primeira situação, a fonte de pressão é eliminada e o organismo retoma a condição de homeostase, desaparecendo os sintomas observados nas fases de alarme e resistência. Na segunda situação, com o prolongamento das fontes de pressão, a capacidade de resistência do organismo fica minada, culminando com o que se denomina fase de exaustão, na qual o organismo não consegue vencer os agentes estressores devido ao desequilíbrio entre os níveis de pressão (estressores), advindos do meio e da estrutura psíquica do sujeito.
Na abordagem sociológica, considera-se que há uma dependência entre a visão de mundo do indivíduo e a sua realidade social. Para a compreensão do estresse, é fundamental entender tanto o indivíduo quanto os valores sociais e as suas transformações (LEVI, 2005). Albretch (1990), à luz das grandes transformações da sociedade, definiu o séc. XX como a era da ansiedade. A ansiedade tem origem na necessidade de o individuo adaptar-se permanentemente e rapidamente às novas condições de natureza física, psicológica ou cultural, para minimizar o medo das incertezas em relação ao futuro. Para a complexidade atual da civilização, a rapidez das mudanças e a perda de valores tradicionais criam conflitos e ansiedade para a sociedade, que precisam ser compreendidos como um fenômeno coletivo (KAPLAN; SADOCK, 1993).
A abordagem interacionista é ancorada na psicologia experimental. Ela se fundamenta na compreensão da relação que o indivíduo estabelece com o meio, os mecanismos de interação e os eventos à sua volta. Baseada nos estudos de Lazarus (1974), essa concepção assume que a reação de um indivíduo ao estresse depende de como ele percebe, de forma consciente ou não, o significado de uma ameaça ou desafio advindo do ambiente. Assim, uma determinada ameaça pode ser considerada estressora para um indivíduo e, para outro, não. Já para a psicologia social, a construção dos valores dos indivíduos emerge de uma situação concreta e socialmente construída, determinando o que as pessoas vão entender como sendo fonte de pressão. Assim, a cultura e a construção dos valores dos indivíduos são determinantes da sua saúde (LHUILIER; GROSDEVA, 1992).
Os estudos sobre psicopatologia do trabalho focam nas relações entre trabalho e saúde mental. Dejours (1992) estudou o sofrimento e o prazer proporcionados pelo trabalho, independentemente da doença mental que possa ser estabelecida. Seu objetivo é compreender como os indivíduos mantêm-se saudáveis mentalmente, por meio de suas estratégias defensivas. Os estudos sobre o estresse no trabalho também são tangenciados pela abordagem psicopatológica, sendo apontados como uma alternativa do adoecer psíquico (BILLIARD, 1996).
O estresse ocupacional é aquele decorrente da reação do indivíduo a algum evento que o atinge no ambiente de trabalho (FRENCH, 1983). Resulta, em geral, de alguma ameaça, associada às excessivas mudanças no ambiente de trabalho, que o trabalhador não está psicologicamente preparado para internalizar de forma positiva. Mesmo que as mudanças sejam positivas e os funcionários percebam que os resultados das mudanças podem trazer consequências positivas para sua vida profissional, o processo de mudança gera incertezas e turbulências no ambiente organizacional (ELIAS, 2009; PECCEI; GIANGRECO; SEBASTIANO, 2011).
Dessa forma, para se proteger de potenciais ameaças, o trabalhador reage com comportamento de resistência, o que pode levar ao fracasso das mudanças propostas (SEIJTS; ROBERT, 2011). Lines (2005) e Chreim (2006) apontam a resistência do funcionário como uma das principais causas de insucesso de programas de mudança. Além de comprometer o processo de mudança, a resistência do funcionário traz para a organização altos custos (HANNAN; FREEMAN, 1984; KOTTER, 1995). Segundo Dahl (2011), muitas pesquisas sobre os custos das mudanças têm se dedicado a averiguar os custos para as organizações. A pesquisa de Mas (2008) revela que insatisfação e conflito no local de trabalho reduzem a produtividade. Pesquisas em psicologia aplicada também têm revelado que a satisfação no trabalho e a produtividade do empregado são altamente dependentes da sua saúde mental (ADLER; MCLAUGHLIN; ROGERS et al., 2006). Wang, Beck e Berglund et al. (2004) constataram que a depressão, uma das principais manifestações do estresse, aumenta o absenteísmo e reduz a produtividade dos trabalhadores.
Certo grau de estresse tem sido considerado necessário para manter o indivíduo em alerta no local de trabalho e para atingir nível de produtividade adequado. Entretanto, quando o estresse atinge níveis muito elevados, sintomas de insônia e depressão emergem. Nesse momento, o estresse se torna um sério problema para o indivíduo (KARASEK; THEOREL, 1990; COOPER, 1998). Nixon et al. (2011) realizaram uma meta-análise nas principais publicações internacionais, para investigar como os estressores ocupacionais estão relacionados com os sintomas físicos (estresse físico). Os autores concluíram que certos aspectos do estresse ocupacional, como limitações e restrições organizacionais, além de carga de trabalho excessiva e longa, são consistentemente relacionados com sintomas físicos (distúrbios no sono, fadiga, problemas gastrointestinais, falta de apetite, etc.). Em relação aos sintomas mentais, Arnetz, Lucas e Arnetz (2011) realizaram um estudo em quatro grandes hospitais, envolvendo 5.316 participantes, e constataram que as condições psicossociais do ambiente de trabalho e o clima organizacional afetam o nível de estresse do funcionário e os resultados organizacionais.
O trabalho de Bono, Glomb e Shen et al. (2013) reforça os achados que relacionam experiências negativas no trabalho com o estresse e a saúde do funcionário. Por outro lado, os autores constataram que experiências positivas na rotina de trabalho do indivíduo, como socialização, feedback e realização de objetivos reduzem o estresse ocupacional. Além disso, eventos positivos que aconteceram no período da manhã, na rotina do funcionário, foram associados com a redução de estresse no final do dia de trabalho.
Em suma, o grau em que os estressores irão afetar o trabalhador irá depender da sua vulnerabilidade individual e de suas ações para enfrentar o estresse. Essas ações, cognitiva e comportamentalmente planejadas, irão orientar o trabalhador, que pode posicionar-se de forma ativa ou passiva nas situações de estresse ocupacional. O indivíduo pode identificar, ainda, as demandas internas e os conflitos que o estejam atingindo, tentando impedir que situações ameaçadoras ou consequências desagradáveis se prolonguem.
Uma das mais recentes contribuições para a literatura sobre estresse e mudança organizacional é a pesquisa de Dahl (2011). O estudo analisou o impacto de mudanças na geração de estresse negativo e as consequências do estresse negativo para a geração de doenças. Participaram da pesquisa 92.860 empregados de 1.517 empresas, na Dinamarca, em processo de mudança, e o tipo de medicamento registrado no sistema nacional de saúde para esses empregados. Os resultados revelaram que a probabilidade de o indivíduo receber medicação relacionada ao estresse aumentava significativamente para funcionários de organizações que estavam passando por processos de mudança, especialmente aqueles que estavam submetidos a grandes mudanças em diferentes esferas da organização. Os resultados indicam que a mudança organizacional está associada ao risco iminente de o empregado desenvolver problemas de saúde.
Diante desse contexto, conclui-se que a mudança organizacional é um potencial e relevante fator que pode causar o estresse ocupacional. Nesse sentido, os funcionários que colaboram e aceitam as mudanças organizacionais tendem a apresentar níveis de estresse menores do que os funcionários que resistem às mudanças no ambiente de trabalho (CINITE; DUXBURY; HIGGINS, 2009; MARQUES, 2011). A literatura sugere que esses trabalhadores que aceitam e colaboram com as mudanças propostas não as interpretam como potenciais ameaças. Por outro lado, os trabalhadores que tendem a resistir às mudanças no trabalho o fazem porque se sentem ameaçados e percebem que as mudanças trarão consequências negativas para sua vida profissional e, ou, pessoal (PORRAS; ROBERTSON, 1992; WADDELL; SOHAL, 1998; MARKS, 1999; HERNANDEZ; CALDAS, 2001; MARQUES; CHAVES; DIAS, 2005; MARQUES; BORGES; MORAIS, 2011; SINKOVICS; ZAGELMEYER; KUSSTATSCHER, 2011). Consequentemente, esses trabalhadores podem encarar as mudanças como mais uma fonte de estresse no trabalho. Portanto, a principal hipótese desta pesquisa estabelece que os servidores que percebem as mudanças como positivas e cooperam com sua implantação tendem a apresentar níveis de estresse significativamente mais baixos que os servidores que percebem as mudanças como negativas e resistem a elas.
A presente pesquisa possui natureza descritiva e explicativa, pois descreve os fenômenos estudados para, em seguida, identificar possíveis relações de causa e efeito (CRESWELL, 2013). Portanto, esta pesquisa possui uma abordagem quantitativa, cujo método utilizado para coleta de dados foi o survey (BABBIE, 1999).
A população pesquisada é composta pelos servidores alocados no poder executivo do estado de Minas Gerais, em especial os funcionários de três secretarias de estado: Secretaria de Estado da Educação (SEE), Secretaria de Estado da Saúde (SES), e Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG). Estima-se, a partir de dados não oficiais, que 140.000 servidores trabalhem para as três secretarias. Para garantir que os servidores selecionados representassem a população de cada órgão envolvido na pesquisa, adotou-se o processo de amostragem estratificada por secretaria.
Utilizou-se o software GPower® versão 3.1.2 para calcular o tamanho da amostra. Para um efeito esperado médio (ES = 0,15), a probabilidade de ocorrer um erro tipo I, definida em 5% (α = 0,05), e um power de 95% (1 - β = 0,95), calculou-se uma amostra mínima de 138 respondentes para cada secretaria pesquisada.
Na Tabela 1, visualiza-se a distribuição da amostra por cargo ocupado em cada secretaria pesquisada.

Após a análise dos outliers e da exclusão dos dados ausentes, a amostra obtida foi de 679 respondentes no total. Os servidores participantes foram distribuídos da seguinte forma: 248 na Secretaria de Estado da Educação, 184 na Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão, e 247 na Secretaria de Estado da Saúde. Com isso, a amostra em cada secretaria foi sensivelmente superior ao número mínimo calculado, atendendo os critérios estatísticos de representatividade da amostra (HAIR; ANDERSON; TATHAM, 2007).
A distribuição da amostra, considerando seu local de trabalho, pode ser considerada equitativa entre a Secretaria de Estado da Educação (SEE), 38,6%; Secretaria de Estado do Planejamento (SEPLAG), 29,7%; e Secretaria de Estado da Saúde (SES), 31,7%.
A coleta dos dados foi realizada por meio de um questionário padronizado. O uso de questionário possui a vantagem de apresentar um custo baixo, uma vez que consiste em um instrumento que pode ser enviado pelo correio ou, simultaneamente, entregue a um grande número de informantes. Além disso, oferece a possibilidade de evitar potenciais vieses do entrevistador, pois o entrevistado tem a liberdade de responder as questões sem a presença intimidadora de outra pessoa. E os informantes poderão se sentir mais seguros em função do anonimato, o que minimiza a probabilidade da variância do método comum (MALHOTRA; KIM; PATIL, 2006).
Os servidores foram convidados para participar da pesquisa, no auditório de cada secretaria, em datas previamente estipuladas, de forma que o questionário ficasse disponível para preenchimento pelo menos durante uma semana, no horário comercial. Um mínimo de dois pesquisadores participou da coleta de dados em cada momento. Portanto, a amostra foi obtida por conveniência, uma vez que a disponibilidade do servidor para participar da pesquisa foi determinante (BABBIE, 1999).
No início do questionário, uma carta de apresentação explicava os objetivos da pesquisa, a natureza voluntária da participação e garantia o anonimato das respostas individuais. As questões referentes aos dados demográficos constituíram a primeira parte do questionário. Na segunda parte, foram apresentadas as questões sobre estresse ocupacional e, finalmente, as questões sobre mudança organizacional constituíram a terceira parte do questionário.
As variáveis de estresse foram medidas a partir do instrumento Occupational Estresse Indicator (OSI) desenvolvido por Cooper, Sloan e Williams (1988). Esse instrumento é utilizado em vários países, sendo amplamente testado e validado (COOPER; BRAMWELL, 1992; EVERS; FRESE; COOPER, 2000). O OSI consiste de seis escalas (fontes de pressão, comportamento tipo A, lócus de controle, estilos de enfrentamento, satisfação no trabalho e saúde) divididas em 25 subescalas medidas em 167 itens. A escala denominada saúde é a que foi utilizada nesta pesquisa. Ao todo, 14 itens medem a escala saúde, que é representada por duas subescalas: sintomas mentais e sintomas físicos.
O instrumento utilizado para medir o comportamento do indivíduo diante de uma mudança organizacional foi o Inventário de Medida de Resistência à Mudança, validado por Marques e Borges (2011) para o contexto público. Tomando como base os estudos de Judson (1980), Baron e Greenberg (1989), Hernandez e Caldas (2001) e Moura (2002), os autores identificaram fatores individuais e organizacionais que influenciam a decisão individual de cooperar ou resistir à mudança. Quatro itens compõem a variável resistência individual à mudança organizacional, que apresentou um alfa de Cronbach igual a 0,93. As perguntas foram adaptadas para que os participantes interpretassem que a mudança organizacional era, especificamente, a implantação da avaliação de desempenho individual. Todas as questões, excetuando aquelas referentes aos dados funcionais, foram obtidas por meio de escala do tipo Likert de seis pontos, tratadas como intervalares. Alguns autores, como Byrne (1995), afirmam que os problemas potenciais advindos do uso de variáveis ordinais como intervalares podem ser minimizados com o uso de cinco ou mais categorias. Os itens apresentados no questionário são:
Estresse mental
· Durante um dia comum de trabalho, ocorre de você se sentir nervoso por razões que nem sempre têm uma explicação óbvia.
· Há momentos no trabalho em que você sente que a vida é dura demais para você.
· Na realização de seu trabalho, você tem percebido uma redução da sua autoconfiança e se questionado quanto a sua própria capacidade.
· Você tem vivenciado longos períodos nos quais se sente triste e melancólico por razões que simplesmente não pode explicar.
· Há momentos em que tarefas simples se avolumam e você se sente sobrecarregado, a ponto de pensar que poderia ter uma estafa física ou mental.
· Com que frequência você tem a sensação de terrível cansaço ou exaustão sem razão aparente.
· Quanto ao trabalho e à vida em geral, você se descreveria como um "preocupado"?
Estresse físico
· Insônia
· Dores de cabeça
· Sensação de exaustão
· Falta de interesse sexual
· Tremedeira muscular
· Sensação de desânimo ao acordar de manhã
· Tontura
Decisão individual de cooperar ou resistir à mudança
· Você cooperou ativamente com a implantação do processo de ADI na organização por meio de sugestões espontâneas sobre como ele poderia dar certo.
· Você divulgou espontaneamente os benefícios trazidos pela ADI.
· Você considera que, apesar de não ter participado ativamente do processo de implantação da ADI, ela será boa para os servidores e para a organização.
· Você aceitou, sem se opor, as regras da ADI, como sendo boas para a organização.
A análise estatística dos dados deu-se em várias etapas. Primeiramente, contemplou os dados ausentes e os valores extremos, com o objetivo de melhor conhecer os dados e, assim, trabalhá-los de forma a garantir que as análises seguintes fossem mais precisas e confiáveis. Em seguida, alguns pressupostos foram avaliados, como o de normalidade e o de linearidade. Foi realizada a análise de correlação e, finalmente, a análise de regressão para testar a hipótese da pesquisa. Para analisar a consistência interna das escalas, a confiabilidade foi avaliada segundo o alfa de Cronbach. Além disso, estatísticas descritivas foram realizadas. Para realizar a análise dos dados, foi utilizado o pacote estatístico SPSS (Statistical Package do Social Sciences), versão 13.0.
Os dados demográficos dos respondentes podem ser visualizados na Tabela 2. Em geral, 75% da amostra é composta por mulheres, 55% possuem o nível de escolaridade alto (superior e, ou, pós-graduação) e 76% recebem até sete salários mínimos. Quanto ao tempo de trabalho na instituição, 45% dos participantes responderam que trabalham há mais de 20 anos na mesma organização. Esse número reforça uma característica do setor público decorrente da estabilidade do emprego.

A avaliação do nível de estresse ocupacional dos servidores pesquisados foi realizada pela variável estresse físico e mental. Os resultados indicam que a escala de estresse converge para as duas dimensões medidas, estresse físico (alfa de Cronbach = 0,84) e estresse mental (alfa de Cronbach = 0,88), indicando uma boa validade interna.
Para analisar o estresse no trabalho dos servidores, primeiramente, calculou-se um indicador ancorado nas médias das respostas para as duas variáveis analisadas (estresse físico e mental). Com isso, denominou-se estresse global o resultado da média das respostas relativas ao desgaste mental e ao desgaste físico. De acordo com estudos anteriores, para facilitar a interpretação, foram definidos três níveis de intensidade de estresse: baixo (médias entre 1,00 e 2,99), moderado (médias entre 3,00 e 3,99) e alto (médias entre 4,00 e 6,00). A Tabela 3 mostra os resultados dos níveis de estresse dos servidores.
Como mostra a Tabela 3, os resultados indicam que 79,2% dos pesquisados estão na faixa de baixo estresse mental no trabalho; 13,1% apresentam estresse mental moderado; e 6,3% apresentam estresse mental elevado. Analisando os dados de forma agregada, verifica-se que 93,6% dos pesquisados apresentam perfil saudável em relação à variável analisada. Porém, considerando a população de mais de 140.000 servidores que a amostra desta pesquisa representa, 6,3% é um percentual elevado, já que pode abranger 8.820 indivíduos com elevado nível de estresse mental.

O desgaste físico apresenta-se praticamente igual ao desgaste mental. Observa-se também que 79,2% dos pesquisados apresentam baixo nível de estresse físico. Outros 14,4% apresentam sintomas em grau moderado e apenas 6,0% registram alto grau de desgaste físico. Novamente, considerando a população de aproximadamente 140.000 servidores que esta amostra representa, 6,0% pode constituir um contingente de 8.400 servidores com elevado desgaste físico. Nesse sentido, ações que diminuam o estresse desses indivíduos são notadamente necessárias.
Tomando como referência as médias do estresse físico, mental e global, observa-se a maioria dos indivíduos (79,2%) com baixo nível de estresse geral. Entretanto, 13,8% apresentam estresse geral moderado e 4,0% apresentam estresse intenso. Em termos globais, 93,6% dos servidores apresentam perfil saudável em relação à variável estresse no trabalho. Porém, um contingente de 5.600 servidores, ou 4,0% da amostra, tende a apresentar estresse em nível intenso, demandando ação gerencial para redução desse percentual.
Em síntese, a maioria dos servidores tem um perfil saudável em relação a estresse ocupacional, físico e mental. Porém, 4,0% da amostra apresenta estresse em nível intenso, demandando ação gerencial para a redução desse percentual. Caso nenhuma ação seja tomada para minimizar o desgaste mental e físico desses servidores, este fenômeno poderá provocar níveis acentuados de absenteísmo e de licença médicas e um elevado custo para a sociedade e para as finanças do estado.
Em relação à mudança organizacional, os resultados indicam que a maioria dos respondentes apresenta uma relativa neutralidade em relação à implementação da avaliação de desempenho (M = 3,24, D.P. = 1,19). A variável que mede o comportamento do indivíduo em relação à mudança varia de 1 a 6 na escala Likert, onde 1 representa a resistência e 6 a cooperação. Essa medida também apresentou uma boa consistência interna (Alfa de Cronbach = 0,90).
Como pressuposto para a análise de regressão, realizou-se a análise de correlação entre as variáveis da pesquisa. O resultado da correlação de Pearson sugere que o estresse físico apresenta uma correlação negativa com a aceitação e cooperação com a mudança (r = -0,174, p < 0.001). O estresse mental também apresenta uma correlação negativa com a aceitação e cooperação com a mudança (r = -0,194, p < 0.001). Da mesma forma, o estresse global se correlaciona negativamente com a aceitação e cooperação com a mudança organizacional (r = -0,196, p < 0.001). Ou seja, na medida em que o indivíduo deixa de resistir e passa a cooperar com a mudança, aumenta a probabilidade de ocorrer uma redução nos níveis de estresse. Em outras palavras, quem percebe a mudança mais positivamente tende a apresentar menores níveis de estresse global. Consequentemente, o indivíduo que resiste ao processo de mudança tende a apresentar maiores níveis de estresse ocupacional.
Com base no resultado da análise de regressão mostrado na Tabela 4, pode-se afirmar que o nível de aceitação e cooperação com a mudança organizacional antecede, ou seja, influencia o grau de estresse do trabalhador [F(1,677) = 29,16, p < 0,001]. A equação de regressão é definida da seguinte forma: estresse = 2,716 x (-0,148) aceitação e cooperação com a mudança. O resultado da análise de regressão sugere que um acréscimo de 0,148 na aceitação e cooperação com a mudança pode gerar uma redução de até 1,0 nos níveis de estresse.

O coeficiente de determinação (R2) representa a medida da proporção da variância da variável estresse global em torno da média, que é explicada pela variável aceitação e cooperação a ADI. Com isso, o resultado do coeficiente de determinação sugere que 4,10% da variação no estresse global é explicada pela percepção da mudança (R2 = 0,041). Esse valor pode ser considerado satisfatório, uma vez que somente uma variável independente foi proposta no modelo. Os fatores que levam o indivíduo a apresentar altos níveis de estresse são vários, ou seja, o estresse é um fenômeno complexo e explicar aproximadamente 4% da sua variação somente a partir da perspectiva da resistência à mudança organizacional é relevante.
Em síntese, os níveis elevados de estresse estão associados à visão negativa e as atitudes frente às mudanças organizacionais. Isso significa que, quanto maior a aceitação das mudanças, menor tende a ser o nível de desgaste físico e mental e seu estresse global. Inversamente, quanto mais negativa a visão do servidor sobre as mudanças, ou seja, quanto maior o nível de resistência individual à mudança organizacional, maior seu desgaste físico e mental, e, consequentemente, seu estresse global.
A hipótese colocada para a pesquisa investiga se os indivíduos que têm visão mais positiva das mudanças e que cooperam mais com sua implantação são aqueles que apresentam também níveis mais baixos de estresse. O resultado da análise de regressão confirmou a hipótese da pesquisa, indicando que, quanto maior a resistência à mudança, mais intenso é o nível de estresse dos servidores das Secretarias de Estado de Minas Gerais. Ao contrário, quanto maior a aceitação da mudança – ou seja, quanto menor a resistência – mais baixa é a intensidade do estresse do servidor.
Ademais, os achados desta pesquisa confirmam estudos anteriores que procuram na mudança organizacional as causas do estresse ocupacional (BRAGA; PEREIRA; MARQUES, 2008; DAHL, 2011; SEIJTS; ROBERT, 2011; MARQUES, 2011). Mesmo que a mudança proposta seja positiva, somente o processo de implantação gera incertezas e turbulências porque altera a rotina de trabalho (PECCEI; GIANGRECO; SEBASTIANO, 2011). O indivíduo pode lidar com essas mudanças de formas diversas, a partir da sua realidade social (LEVI, 2005) e psicológica (KAPLAN; SADOCK, 1993), acionando o processo de estresse, caso resista às mudanças organizacionais. As manifestações físicas e mentais, de acordo com Selye (1974), serão mais intensas, podendo até se tornar patologias na medida em que o período de estímulo negativo se prolonga, ou seja, na medida em que o comportamento resistente persiste.
Assim, além de essa pesquisa ter como principal objetivo relacionar o comportamento resistente do indivíduo diante da mudança ao estresse ocupacional, também oferece implicações para a prática de gestão ao apresentar dados empíricos que analisam o nível de resistência à mudança no contexto público brasileiro. Minimizando o comportamento resistente, a gestão pública reduz a probabilidade de o servidor apresentar níveis elevados de estresse. No entanto, minimizar o comportamento resistente significa trabalhar as causas da resistência (melhorando a comunicação, envolvendo os servidores, planejando o processo de mudança, etc.) e de forma alguma impor um comportamento desejável pela gestão.
Sendo assim, a grande contribuição social desta pesquisa é compreender em maior profundidade como as mudanças impactam nos níveis de estresse no trabalho. Também, como contribuição acadêmica, o instrumento de pesquisa se mostrou consistente, embora necessite ainda ser aplicado em amostras de diversos setores da administração pública, para confirmar sua capacidade de predição dos fatores pesquisados.
Esta pesquisa contribuiu ainda para a ampliação do arcabouço teórico e metodológico relativo às funções e aos papéis dos gestores públicos na condução de projetos de reestruturação das instituições onde atuam, ao elucidar aspectos positivos e negativos de suas estratégias de atuação. Os resultados alcançados podem contribuir, em âmbito organizacional, para a melhoria da gestão de instituições públicas pesquisadas, se elas fizerem uso dos dados e resultados apresentados para motivar ações de melhoria de suas propostas de modernização futura.
Diante desses dados, cabe à gestão estadual estabelecer estratégias que possam dar maior visibilidade ao projeto de Avaliação de Desempenho Individual para os servidores. Além disso, conhecer as causas de descontentamento e de resistências a essa ferramenta de gestão de pessoas é essencial para que o governo alcance efetivamente os objetivos de melhorar a gestão de pessoas no serviço público. Esta pesquisa sugere, principalmente, que é importante identificar as causas da resistência à implantação da ADI para desenvolver e adotar estratégias de gestão específicas. Com isso, será possível, também, reduzir o nível de estresse ocupacional, pois a percepção do indivíduo em relação à mudança influenciará diretamente no seu nível de estresse no trabalho.
Pesquisas futuras podem introduzir novos métodos de coleta e análise de dados, além de outros métodos quantitativos. Como é sabido, nenhum método encerra em si mesmo todas as potencialidades de análise para todas as situações. É relevante aprofundar as pesquisas em resistência à mudança, levando em conta o papel dos traços de personalidade, da análise de custos e benefícios das mudanças, da comunicação, da confiança e do estilo de atuação dos gestores para a estruturação da resistência dos empregados. Essas variáveis não foram incluídas nesta pesquisa porque a tornariam muito extensa para o período previsto para seu desenvolvimento. Outras pesquisas podem também procurar entender como experiências positivas na rotina dos empregados podem reduzir o estresse ocupacional, como sugerido por Bono, Glomb e Shen et al. (2013), referindo-se à administração pública brasileira. É também imprescindível desenvolver pesquisas que tratem da gestão de pessoas no setor público como linhas de pesquisa permanentes, tendo em vista a complexidade de variáveis envolvidas nesse processo.



