DIMENSÕES DE VALORES PESSOAIS INSTRUMENTAIS E TERMINAIS: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BRASIL E TAILÂNDIA
DIMENSÕES DE VALORES PESSOAIS INSTRUMENTAIS E TERMINAIS: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BRASIL E TAILÂNDIA
Revista de Administração FACES Journal, vol. 15, núm. 1, pp. 98-117, 2016
Universidade FUMEC
Recepção: 25 Maio 2015
Aprovação: 09 Dezembro 2015
Resumo: Este artigo buscou identificar quais são as semelhanças entre dimensões de valores de tailandeses e brasileiros. Através do método de pesquisa descritiva, foi aplicado um questionário contendo valores pessoais instrumentais e terminais baseados na Rokeach Value Survey em amostras de estudantes brasileiros e tailandeses. Por meio de uma análise fatorial e da ordenação das dimensões encontradas foram buscadas semelhanças entre as estruturas de valores dos brasileiros e tailandeses. Como resultado, verificou-se que as dimensões de valores instrumentais são agrupadas de maneira semelhante nos dois países e de forma parcialmente semelhante com relação aos valores terminais. No entanto, com relação à ordenação das dimensões, em ambos os casos, os resultados obtidos não foram semelhantes. Apesar das diferenças encontradas, traços evidenciados na análise da amostra tailandesa como a busca do prazer e excitação pela vida estão intimamente ligados à cultura e cotidiano do brasileiro.
Palavras-chave: Cultura, Valores pessoais, Brasil, Tailândia, Rokeach Value Survey.
Abstract: This article sought to identify what are the similarities between the value dimensions of Thai and Brazilian. Through a descriptive research method, a questionnaire containing personal instrumental and terminal values based on the Rokeach Value Survey was applied to samples of Brazilian and Thai students. Through factor analysis and the sorting of dimensions found were sought similarities between the structures of values of Brazilian and Thai. As a result, it was found that the dimensions of instrumental values are grouped similarly in both countries and so partially similar with respect to terminal values. However, with respect to the ordering of the dimensions in both cases the results obtained were not similar. Despite these differences, some traits evident in the analysis of the Thai sample, as the pursuit of pleasure and excitement for life, are closely linked to culture and Brazilians' daily lives.
Keywords: Culture, Values, Brazil, Thailand, Rokeach Value Survey.
INTRODUÇÃO
Motta (1997) afirma que, primordialmente, a variação cultural refere-se aos hábitos e comportamentos de um grupo ou sociedade. Assim, cada tipo de cultura exerce um próprio tipo de controle de seus membros participantes. Para Hofstede (1980), os valores compõem o cerne da cultura e, por sua vez, são uma poderosa base para compreender o comportamento dos consumidores em culturas distintas e até mesmo na mesma cultura. Hofstede (1980) acredita que o valor é a tendência do ser humano a preferir uma coisa à outra e que os seres humanos são programados desde cedo a essas tendências. Segundo Erez e Earley (1993), os valores representam uma forte influência do sistema cultural ou social no qual as pessoas são criadas.
Segundo Blackwell, Miniard e Engel (2005), os valores são muito aplicados no entendimento do comportamento do consumidor, em diversos temas, incluindo a cognição da propaganda, escolha de produtos, escolha de marcas e segmentação de mercado. Nesse contexto, o objetivo principal do presente estudo consiste em investigar as semelhanças entre as dimensões de valores pessoais, instrumentais e terminais, de brasileiros e tailandeses. Adicionalmente à importância da cultura e dos valores para o marketing, principalmente no âmbito internacional, o tema desta pesquisa foi escolhido essencialmente por dois fatores: (1) crescimento da importância dos novos tigres asiáticos na economia mundial; (2) baixo número de estudos comparativos de valores entre brasileiros e culturas asiáticas.
Um estudo comparativo entre Brasil e Tailândia faz-se um tema que poderá estimular novas pesquisas, promovendo avanços nas práticas de marketing internacional. Tal trabalho poderá servir de apoio às empresas que queiram expandir seus mercados para a Tailândia e Sudeste Asiático e também para a sociedade, contribuindo para o entendimento de novas culturas, buscando a criação de novos produtos, segmentações de mercado ou posicionamentos globais estratégicos.
CULTURA BRASILEIRA E TAILANDESA
Para Engel, Blackwell e Miniard (2005), a cultura refere-se a um conjunto de valores, artefatos, idéias e outros símbolos importantes que ajudam a comunicação individual, a interpretação e avaliação dos membros da sociedade. Por sua vez, Hofstede (1980) afirma que se pode comparar a cultura a um programa mental que distingue os membros de uma categoria de pessoas dos de outra. No centro do sistema, encontram-se as normas societais, compreendendo o sistema de valores divididos pela maioria dos grupos da população. Em sociedades mais fechadas, tais normas dificilmente são modificadas, tornando-se o cerne do desenvolvimento da cultura (HOFSTEDE, 1980).
Para Johansson (2000), a moderna concepção de cultura foca diretamente em comportamentos observáveis. Assim, a cultura é reconhecida não apenas da forma como indivíduos se predispõem a tomar uma determinada atitude, mas também no por que eliminaria outras. De acordo com Mooij (1998), poucos modelos foram desenvolvidos para comparações sistemáticas entre culturas. Entre os modelos existentes para analisar as dimensões da cultura, o de Hofstede (1980) é um dos mais utilizados e reconhecidos mundialmente. A pesquisa de Hofstede (1980) baseou-se em quatro problemas fundamentais que a sociedade enfrenta: (1) as relações entre o indivíduo e o grupo; (2) desigualdades sociais; (3) implicações sociais de gênero; (4) a incerteza referente a processos econômicos e sociais. As cinco dimensões de Hofstede (1980) são:
1. Distância de poder: refere-se à maneira como os membros menos poderosos nas organizações e instituições aceitam ou esperam que o poder seja distribuído de forma desigual. Essa dimensão mostra como as pessoas aceitam os diversos graus de autoridade. Qualquer indivíduo com experiência internacional enfrentará sociedades desiguais, mas essa desigualdade varia em diversos graus, dependendo do ambiente (HOFSTEDE, 1980).
2. Individualismo: oposto de coletivismo; é o grau em que os indivíduos encontram-se integrados em um grupo. Em sociedades coletivistas há pessoas que, desde o nascimento, estão integradas fortemente e de forma coesiva em grupos que os protegem (ITIM INTERNATIONAL, 2009). Segundo Mooij (1998), praticamente todos os países latinos e asiáticos são considerados culturas coletivistas ao serem comparados com culturas individualistas (maioria dos países ocidentais).
3. Masculinidade versus feminilidade: refere-se à distribuição de papéis entre os gêneros na sociedade. O polo assertivo é o “masculino”, enquanto o modesto é o “feminino”. Em países femininos, os homens possuem valores modestos e cuidadosos, bem como as mulheres. Nos países masculinos, as mulheres são, de alguma forma, assertivas e competitivas, mas em menor escala que os homens, mostrando uma maior diferença entre os valores femininos e masculinos (ITIM INTERNATIONAL, 2009).
4. Aversão à incerteza: define a tolerância de uma sociedade à incerteza e à ambiguidade. Essa dimensão da cultura indica em que extensão uma cultura programa seus membros a se sentirem desconfortáveis ou confortáveis em situações incertas. Culturas de aversão à incerteza tentam ao máximo minimizar a possibilidade de enfrentamento dessas situações, através de leis e regras, medidas de segurança e no nível religioso e filosófico, por meio de crenças em verdades absolutas. As culturas latinas possuem um alto grau de aversão à incerteza e o Brasil é o país em que esse é o escore mais alto (HOFSTEDE, 1980).
5. Orientação para o longo prazo versus orientação ao curto prazo. Segundo Hofstede (1980), essa dimensão representa o grau em que a sociedade aceita, ou não, uma devoção no longo prazo para os valores tradicionais. Baseada em um levantamento por cientistas sociais chineses, a dimensão também é conhecida por “dinamismo confuciano” e trata de vários aspectos da cultura que parecem estar fortemente ligados ao crescimento econômico (KEEGAN, 2005). O “dinamismo confuciano” apresenta o grau em que as pessoas aceitam a hierarquia como legítima, tendo como base as tradições e está fortemente correlacionada ao crescimento econômico dos países que possuem este tipo de orientação (LACERDA, 2011).
Neste artigo, o trabalho de Hofstede (1980) foi usado para mostrar as possíveis semelhanças culturais entre Brasil e Tailândia, sendo realizada uma comparação entre os escores propostos para as cinco dimensões de Hofstede (1980) entre duas culturas. No Brasil, a dimensão observada com maior escore é a aversão à incerteza, o que implica que a sociedade brasileira possui um baixo nível de tolerância à incerteza. Todas as culturas latinas são consideradas culturas coletivistas se comparadas às culturas individualistas. Isso é manifestado pelos fortes laços de ligação com a família e relacionamentos de longo prazo (ITIM INTERNATIONAL, 2009).
Observando os escores das dimensões tailandesas (ITIM INTERNATIONAL, 2009), as dimensões com os escores mais altos, distância do poder e aversão à incerteza, possuem o mesmo valor que as dimensões brasileiras. O alto valor destinado à distância do poder se reflete no alto grau de desigualdade de poder e renda da sociedade tailandesa. Tal condição é considerada mais como um patrimônio cultural do que uma variável imposta à sociedade. Semelhantemente ao Brasil, a Tailândia possui um alto escore de aversão à incerteza, o que mostra uma sociedade também cheia de regras e políticas, cujo maior objetivo é evitar situações inesperadas (ITIM INTERNATIONAL, 2009). As culturas asiáticas e latinas são ambas consideradas coletivistas. Por fim, entre os países asiáticos, a Tailândia possui o menor escore em masculinidade. Isso define que a sociedade tailandesa possui um baixo grau de assertividade e competitividade, além de reforçar papéis tradicionais, tanto femininos como masculinos, na sociedade.
De forma geral, é ressaltada uma semelhança entre os escores brasileiros e tailandeses, pois ambos possuem a mesma ordenação de importância entre os valores em seu ranking (ITIM INTERNATIONAL, 2009). Para ambas as culturas, em primeiro lugar observam-se os maiores escores na aversão à incerteza e distância de poder, seguidos da orientação para longo prazo, masculinidade e, por fim, o individualismo.
Além das dimensões de Hofstede (1980), que auxiliam na diferenciação e mensuração de diferentes culturas, é possível encontrar outras formas de caracterizações culturais. Em complemento ao seu estudo de valores, Schwartz (1994) propôs um novo modelo, baseado em três aspectos da sociedade: (1) relações entre o indivíduo e grupo; (2) asseguração do comportamento social responsável; (3) o papel da espécie humana no mundo social e natural. Tal estudo leva à definição de três dimensões culturais bipolares:
1. Conservadorismo x Autonomia: o conservadorismo reflete uma cultura na qual o indivíduo se considera um elemento embutido na coletividade da sociedade, ao passo que a autonomia se reflete na visão da pessoa individualista, vista como autônoma. Enquanto Hofstede (1980) foca o contraste entre objetivos pessoais e grupais, Schwartz (1994) foca no papel do indivíduo dentro da sociedade e estuda a extensão com que a sociedade enxerga a inserção individual na sociedade (STEENKAMP, 2001).
2. Hierarquia x Igualdade: tal dimensão enfatiza a legitimidade de papéis fixos na sociedade e alocação de recursos, misturando conceitos de comportamento socialmente responsável e reconhecimento de interesses em comum da sociedade que podem servir como bases para acordos sociais. Nas sociedades de igualdade, as pessoas são comprometidas umas com as outras e internalizam acordos voluntários de cooperação, preocupando-se com o bem-estar social (STEENKAMP, 2001).
3. Agente de mudança x Aceitação e harmonia: essa última dimensão mede duas formas diferentes de enxergar questões sociais. A primeira, agente de mudança, se reflete nas sociedades ativas em ações para mudar o mundo, que se curvam às suas vontades e possuem maior autoafirmação. A segunda descreve culturas mais passivas, que aceitam o mundo da maneira como ele é, mais focadas na preservação do que na exploração.
Em uma tentativa de buscar um único modelo de redes culturais, Steenkamp (2001) empreendeu um estudo aplicando as dimensões de Hofstede (1980) e Schwartz (1994) em 24 países de todos os continentes, com exceção da África. Através de análises de clusters, foram identificados sete grupos diferentes de grupos de países, identificados como “áreas culturais”: Anglo (EUA, Austrália, Nova Zelândia, Israel); Europa Ocidental (Alemanha, Suíça, França, Espanha); Nórdicos (Dinamarca, Suécia, Finlândia, Holanda); Latino (Portugal, Itália, Grécia, México); Extremo Oriente (Hong Kong, Malásia, Cingapura); Japão; e um último cluster que foi definido como “outros” (Brasil, Taiwan, Tailândia e Turquia), cujos resultados foram surpreendentemente semelhantes.
Observa-se que, nos resultados obtidos por Steenkamp (2001), Brasil e Tailândia, países analisados neste artigo, revelaram-se com dimensões culturais semelhantes. Para o autor, existe uma emergência de culturas globais com ênfase na modernidade, tecnologia, liberdade e escolha individual. Essas culturas são menos cristalizadas e não são compartilhadas de forma intensa entre países, mas entre os indivíduos entre os diferentes países.
VALORES PESSOAIS
Para Triandis (1994), os elementos da cultura que foram eficientes, como os valores, resultaram em soluções para os problemas cotidianos e foram assim compartilhados e transmitidos a outras gerações. Também baseado nos estudos de Hofstede (1980), Schwartz (1987, 2005a, 2005b) tem demonstrado, em suas pesquisas, a relação existente entre valores e comportamento, enfatizando que que, apesar de não haver uma relação de causalidade, há uma correlação direta entre valores e comportamento. Para Schwartz (2005b), os valores estão intrinsicamente ligados à emoção e, de forma inconsciente, geram padrões que direcionam a seleção e a capacidade de avaliação dos indivíduos. Os valores apontam os aspectos primordiais da vida de cada indivíduo e como são produzidos. Socialmente, os valores são o cerne da cultura (HOFSTEDE, 1980).
Para Rokeach (1973), o sistema de valores do ser humano pode ser moldado por elementos como o sistema social, classe sócio-econômica, ocupação, sexo, formação, ou seja, pelo ambiente no qual ele está inserido. Blackwell, Miniard e Engel (2005) distinguem os valores pessoais dos sociais: os valores sociais representam os valores considerados normais e importantes para a sociedade ou um grupo, e os valores pessoais representam as crenças de um indivíduo sobre a sua vida. No entanto, os valores sociais influenciam de maneira importante a escolha dos valores pessoais, refletindo-se em escolhas que um indivíduo faz de uma gama de valores sociais aos quais está exposto.
A concepção dos valores humanos, segundo Rokeach (1973), foi formulada a partir de cinco premissas: o número total de valores que as pessoas possuem é relativamente pequeno; todas as pessoas, em diferentes graus, possuem os mesmos valores; valores são organizados em forma de sistemas de valores; os antecedentes dos valores humanos podem ser procurados na cultura, sociedade, instituições sociais e na personalidade; as implicações dos valores humanos podem ser manifestadas virtualmente em todos os fenômenos que os cientistas sociais possam vir a considerar como importantes para a investigação do comportamento humano.
Para Schwartz (1994), por outro lado, no nível individual, os conceitos de valores convergem no sentido de serem considerados como sendo crenças associadas a metas desejáveis e ao modo de conduta que possibilita o alcance dessas metas. Sendo assim, os valores humanos constituem-se em características pessoais dos indivíduos, com influências culturais, emocionais e comportamentais.
Como afirma Rokeach (1973), os valores podem expressar os sentimentos o propósito das vidas das pessoas, tornando-se grande parte a base de suas lutas e compromissos. Dessa forma, os valores atuam como padrões que guiam o comportamento dos consumidores: suas escolhas, crenças, atitudes e ações. Os valores podem ser vistos em termos de um sistema, em que adquirem uma disposição hierárquica de acordo com o seu grau de importância. Dessa forma, podem ser criados sistemas de medição de valores permitindo a comparação entre indivíduos, grupos sociais e culturais.
Rokeach (1973) criou uma pesquisa (RVS – Rokeach Value Survey), na qual dividiu e mensurou dois tipos de valores pessoais: instrumentais e terminais. Os valores terminais representam as metas que o indivíduo gostaria de atingir na sua vida. Por outro lado, os valores instrumentais consistem nos meios escolhidos para o alcance dessas metas dos valores terminais. Parte da popularidade da RVS deve-se ao fato de a pesquisa conseguir agrupar grupos de valores específicos que conseguem diferenciar vários grupos políticos, econômicos, culturais etc. Outra vantagem é que o instrumento é relativamente econômico (de fácil utilização e economicamente barato) e, além disso, é um dos poucos instrumentos baseados em uma conceituação bem articulada de valor (BRAINWHITE; LAW, 1985).
Partindo da seleção dos dezoito valores terminais de Rokeach (1973) e da teoria das motivações de Maslow (1954), Kahle (1983) elaborou a chamada List of Values (LOV). Tal estudo possui nove valores: (1) sentimento de pertinência; (2) divertimento e alegria de viver; (3) relações amigáveis com os outros; (4) autorrealização; (5) ser respeitado; (6) necessidade de estímulo; (7) sentimento de realização; (8) segurança; (9) autorrespeito.
Em uma releitura do trabalho de Rokeach (1973), Weber (1990) propôs o agrupamento dos valores instrumentais e terminais propostos anteriormente na RVS, desenvolvendo uma nova classificação de orientações de valores pessoais. Dessa forma, o autor chegou a uma classificação simplista de valores instrumentais e terminais. Os valores instrumentais podem ser classificados em valores de moral ou de competência. Com relação aos valores terminais, eles também foram divididos em dois grupos: os pessoais, que consistem na satisfação individual e os sociais, que se refletem na vida social do indivíduo (WEBER, 1990).
Outra visão foi concebida por Schwartz (1992, 1994). O autor estudou uma estrutura teórica de valores humanos testada de forma transcultural, que permitiu identificar as prioridades individuais, chegando assim à concepção de um sistema de valores e motivações. Schwartz (1992, 1994) chegou à conclusão de que as motivações pelas quais os indivíduos utilizam os valores, para atingir suas metas, se associam às necessidades biológicas, de interação social e de funcionamento grupal. Sendo assim, chegou à definição de 10 tipos diferentes de valores motivacionais: poder, realização, hedonismo, estímulo, autodireção, universalismo, benevolência, tradição, conformidade e segurança.
MÉTODOS
O objetivo central deste artigo consiste em entender as semelhanças entre as dimensões dos valores pessoais entre brasileiros e tailandeses. Assim, a concepção descritiva foi utilizada, com o emprego do levantamento transversal. Foram selecionadas duas variáveis: os valores pessoais instrumentais e valores pessoais terminais, conforme definidos por Rokeach (1973), a fim de obter-se um entendimento entre os sistemas de valores de ambas as amostras. A partir da revisão da literatura, foram encontrados pontos de semelhança, entre cultura e valores tailandeses, que permitiram a formulação das seguintes hipóteses:
Hipótese 1: Os valores pessoais instrumentais brasileiros e tailandeses se agrupam de maneira semelhante.
Hipótese 2: Os valores pessoais terminais brasileiros e tailandeses se agrupam de maneira semelhante.
Hipótese 3: A ordenação das dimensões para os valores pessoais instrumentais é semelhante.
Hipótese 4: A ordenação das dimensões para os valores terminais é semelhante.
Além disso, outro fator importante para a determinação das hipóteses foi o estudo de Steenkamp (2001), que mostrou que os dois países possuem grandes semelhanças culturais, mesmo localizados em locais diametralmente opostos.
Com relação à população-alvo da pesquisa, foram definidas duas populações-alvo (uma para o Brasil e uma para a Tailândia): estudantes universitários nas áreas de Administração, Economia e Ciências Contábeis de universidades de ambos os países. No Brasil, optou-se por uma instituição pública localizada no interior do estado de São Paulo, totalizando 1320 alunos. Na Tailândia, foram escolhidos os alunos da Faculty of Commerce and Accountacy of Chulalongkorn University (cerca de 2430 alunos) e da Thammasat Business School (cerca de 450 alunos), totalizando 2880 alunos. Ambas as faculdades tailandesas situam-se em Bangkok, capital do país.
As populações foram definidas pelos grupos de estudantes, por considerar-se que os estudantes dessas escolas de negócios possuam valores importantes para buscar-se, no futuro, estratégias de marketing baseadas em comportamento do consumidor, sendo também um grupo de interesse para as empresas. A técnica de amostragem utilizada foi a não probabilística.
A aplicação dos questionários foi realizada de forma eletrônica, através de envio de e-mail, convidando alunos brasileiros e tailandeses. Para a escala utilizada no Brasil, utilizou-se o modelo proposto por Gastaldello (1999), no qual o autor traduziu e validou a escala para a língua portuguesa. Para a escala utilizada na Tailândia, utilizou-se o modelo descrito por Bearden e Netemeyer (1999).
Segundo Bearden e Netemeyer (1999), muitos pesquisadores de marketing enfrentaram dificuldades em obter respostas com a ordenação original dos escores; então, para isso, buscaram formas alternativas de escalonamento dos valores de Rokeach (1973). Adicionalmente, Becker (1998) afirma que a utilização de escores de importância é a maneira mais simples e rápida para a ordenação de valores, permitindo também análises estatísticas mais sofisticadas.
Dessa forma, foram elaborados os questionários (inglês e português) em escala de concordância de 7 pontos, baseada na escala de Likert. Nessa escala, as categorias de resposta variam de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”, e os participantes indicam o grau de concordância ou discordância com cada uma das afirmações relacionadas. Essa foi uma forma para aproximar a escala de Likert de uma escala intervalar, permitindo a realização da análise fatorial exploratória.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Com relação à amostra de respondentes brasileiros, no total foram obtidas 203 respostas, correspondendo a uma taxa de resposta de 15,4%. A idade média dos respondentes é de 21,57 anos, com desvio-padrão de 3,23 anos. A amostra é representada, em sua maioria, pelo sexo masculino (57%).
Quanto aos resultados das análises fatoriais dos Valores Pessoais Instrumentais e Terminais Brasileiros, foi realizado o teste de esfericidade de Bartlett, que mostrou que essas análises são adequadas. Além disso, foi aplicado o teste KMO, com valores iguais a 0,79 e 0,86. Foi utilizado o critério de eigenvalues maiores do que 1 com relação ao número de fatores extraídos, e o método de extração de componentes principais. O método utilizado para a rotação dos fatores foi o VARIMAX.
Valores pessoais instrumentais brasileiros
Foram obtidos cinco valores com eigenvalue maior que 1, com variância explicada de 57,348%. A Tabela 1 mostra as cargas fatoriais obtidas na solução rotacionada. Em todas as tabelas contendo matrizes de componentes, foram omitidos os valores com cargas inferiores a 0,20 para facilitar a leitura e identificação dos fatores.
A consistência interna de todas as análises fatoriais foi avaliada através do alfa de Cronbach. O Fator 1 explica 16,5% da variância total dos elementos e possui consistência interna igual a 0,767 (confiável). Por meio dos valores obtidos no Fator 1, é possível interpretar que são valores pessoais relacionados a uma boa conduta em sociedade, e que os respondentes são preocupados com um bom relacionamento e convivência. Dimensões semelhantes foram encontradas no trabalho de Giraldi e Ikeda (2010), que atribuíram o nome do fator à “Civilidade”. Para este trabalho, será adotada a mesma nomenclatura.
| Componentes | |||||
| 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
| Amoroso | 0,742 | ||||
| Prestativo | 0,727 | 0,279 | 0,299 | ||
| Animado | 0,702 | ||||
| Imaginativo | 0,539 | 0,424 | |||
| Polido Asseado | 0,500 0,479 | 0,238 | 0,437 | ||
| Honesto | 0,413 | 0,397 | -0,458 | ||
| Liberal | 0,715 | ||||
| Independente | 0,662 | 0,308 | |||
| Intelectual | 0,623 | 0,333 | |||
| Corajoso | 0,280 | 0,544 | 0,475 | ||
| Logico | 0,534 | 0,510 | |||
| Capaz | 0,238 | 0,718 | 0,213 | ||
| Responsável | 0,287 | 0,699 | 0,210 | ||
| Auto Controlado | 0,205 | 0,577 | 0,263 | ||
| Obediente | 0,818 | ||||
| Tolerante | 0,454 | 0,489 | -0,298 | ||
| Ambicioso | 0,790 | ||||
O Fator 2 explica 12,66% da variância total dos elementos e possui coeficiente alfa igual a 0,686. Tal valor é aceitável, de acordo com as premissas de Hair et al. (1995). Os valores obtidos no Fator 2 configuram indivíduos confiantes em si mesmos, capazes de enfrentar o mundo com desafios. O Fator 2 é semelhante ao fator encontrado por Crosby, Bitner e Gill (1990) e Giraldi e Ikeda (2010), nomeado como “Autodireção”. Essa dimensão também está relacionada ao valor “Realização”, proposto por Schwartz (1992). Apesar de algumas disparidades na composição das dimensões encontradas pelos estudos, a essência de indivíduos com cunho Independente, Intelectual e Liberal é mantida. Dessa forma, o Fator 2 também será nomeado “Autodireção”.
A variância total explicada do Fator 3 é de 12,12% e a consistência interna foi de 0,561, indicando que não seria considerado aceitável. Entretanto, segundo Cortina (1993), o valor do alfa de Cronbach decresce à medida que o número de variáveis em um fator diminui, pois o seu cálculo é diretamente proporcional ao número N de variáveis em um fator. Apesar de ser uma medida de correlações, em casos de um baixo N, o pesquisador deve levar em conta o número de variáveis. Além disso, George e Mallery (2003) afirmam que apenas um coeficiente alfa abaixo de 0.50 é inaceitável.
Assim, como o Fator 3 é composto apenas de três variáveis, observa-se que o baixo valor de alfa é decorrente do baixo número de fatores encontrados. Apesar de serem compostas por um pequeno número de variáveis, as cargas fatoriais implicam que os indivíduos correspondentes a esse fator possuem um grande senso de capacidade e responsabilidade, o que significa que eles possuem uma grande tendência de atingir seus objetivos. Nos estudos analisados, não foi encontrado nenhum valor semelhante ao Fator 3. Entretanto, devido à alta carga atribuída ao valor Capaz, essa dimensão será denominada “Capacidade”.
O Fator 4 é composto apenas por duas variáveis. A variância total é explicada em 9,15% e o Alfa de Cronbach encontrado é de 0,485. O baixo valor atribui-se principalmente ao número de variáveis com que a dimensão é composta (CORTINA, 1993). Como o valor está próximo de 0,5 e o número de variáveis que compõe o fator é muito baixo, o coeficiente alfa é considerado como aceitável para o estudo em questão. Os valores Obediente e Tolerante refletem pessoas conformadas com a vida, que possuem um alto grau de aceitação das coisas. Tal descrição assemelha-se ao valor “Conformidade”, proposto por Schwartz (1992). Crosby, Bitner e Gill (1990) e Giraldi e Ikeda (2010) também encontraram um fator semelhante. Devido à semelhança de significados entre as dimensões, o Fator 4 também será denominado “Conformidade”.
Por fim, o Fator 5 é representado por apenas um único valor, Ambição, que não se agrupou com nenhum outro. Ele explica 6,91% da variância total dos elementos analisados. Pelo comportamento da variável, inicialmente, pensou-se em excluí-la da análise. Entretanto, pela análise da matriz de anti-imagem, observou-se que a variável estava adequada para a análise. Dessa forma, com o intuito de obter a análise a mais completa possível, o último fator foi considerado com apenas uma variável e a nova dimensão foi denominada “Ambição”.
Assim, foram encontradas cinco novas dimensões que foram transformadas em novas variáveis, compostas pelas médias dos valores que as compõem. A variável Capacidade obteve a maior média (6,06), mostrando um senso de responsabilidade e busca de aptidões para a realização dos objetivos. Por outro lado, Conformidade obteve a menor (4,64), revelando que os brasileiros estudados não gostam de serem conformados com as suas vidas. As variáveis de civilidade (5,77), Autodireção (5,57) e Ambição (5,28) ficaram no meio da análise.
Valores pessoais terminais brasileiros
Foram obtidos quatro valores com eigenvalue maior que 1, com 56,27% de variância explicada. Como o valor está muito próximo de 60%, considerou-se o resultado adequado à análise. A Tabela 2 mostra as cargas fatoriais obtidas na solução rotacionada. O Fator 1 explica 19,03% da variância total dos elementos e possui consistência interna igual a 0,814. Presume-se que esses elementos correspondam a indivíduos em busca do autorrealização e diversão, boas relações interpessoais e bem-estar. No estudo de Crosby, Bitner e Gill (1990), foi obtida uma dimensão de significado semelhante. Neste estudo, o Fator 1 utilizará a mesma denominação, “Autorrealização”.
O Fator 2 explica 13,91 % da variância total dos elementos, com consistência interna igual a 0,742. Os valores configuram indivíduos que estão em busca de equilíbrio, buscando sucesso e estabilidade. Entre os trabalhos de Crosby, Bitner e Gill (1990) e os de Erdem, Oumlil e Tuncalp (1999), que estudaram valores terminais, não foi encontrada nenhuma dimensão semelhante. No entanto, entende-se que essa dimensão é muito valiosa para o estudo e será aqui denominada “Estabilidade”, referindo-se à solidez, ao estado de equilíbrio.
O Fator 3 explica 13,72 % da variância total dos elementos, tendo consistência interna igual a 0,728. Foram encontradas dimensões semelhantes nos trabalhos de Crosby, Bitner e Gill (1990) e Erdem, Oumlil e Tuncalp (1999). Em ambos os trabalhos, o fator encontrado evidenciava um mundo em paz e seguro e foi chamado de “Segurança”. Neste trabalho, de acordo com a semelhança de significados e a interpretação dos valores obtidos, o Fator 3 também será denominado “Segurança”.
Por fim, no Fator 4, a variância total explicada foi de 9,61%. O coeficiente alfa foi baixo (0,442), e pode ser atribuído ao número de variáveis de que a dimensão é composta (CORTINA, 1993). Como o valor está próximo de 0,5 e o número de variáveis que compõem o fator é muito baixo, o coeficiente alfa é considerado como aceitável. O estudo de Erdem, Oumlil e Tuncalp (1999) obteve uma dimensão semelhante ao Fator 4, sendo denominada “Gratificação Pessoal”. Crosby, Bitner e Gill (1990) também encontraram uma dimensão semelhante, à qual denominaram “Hedonismo”. Por estar mais relacionado à excitação, o Fator 4 será denominado “Hedonismo”.
Assim, foram encontradas quatro novas dimensões que foram transformadas em novas variáveis, compostas pelas médias dos valores. A variável Estabilidade obteve a maior média (6,26). Por outro lado, a amostra mostrou-se menos preocupada com questões de segurança nacional e bem-estar mundial, compondo a menor média (4,80). Tal fato pode ser decorrente da condição nacional que o Brasil sempre teve, estando distante de guerras ou catástrofes mundiais. A Autorrealização obteve a segunda maior média (6,08), mostrando que, além da estabilidade, os indivíduos buscam bem-estar e boas relações interpessoais. Após sentirem-se estáveis e realizados, preocupam-se com a diversão e reconhecimento social, compondo a dimensão Hedonismo e classificando-se como a terceira média (5,64).
| Componentes | ||||
| 1 | 2 | 3 | 4 | |
| Liberdade | 0,736 | |||
| Amizade Verdadeira | 0,673 | |||
| Igualdade | 0,651 | 0,280 | 0,443 | |
| Prazer | 0,591 | 0,383 | 0,228 | |
| Harmonia Interior | 0,573 | 0,359 | 0,209 | |
| Sabedoria | 0,543 | 0,203 | ||
| Amor Maduro | 0,440 | 0,393 | ||
| Autorrespeito | 0,310 | 0,660 | ||
| Segurança Familiar | 0,651 | 0,428 | ||
| Sentimento de Realização | 0,220 | 0,613 | 0,360 | 0,245 |
| Uma vida confortável | 0,553 | 0,525 | ||
| Felicidade | 0,527 | 0,551 | ||
| Salvação | 0,769 | |||
| Segurança Nacional | 0,710 | 0,320 | ||
| Um mundo de beleza | 0,240 | 0,595 | 0,346 | |
| Um mundo em paz | 0,517 | 0,523 | ||
| Uma vida excitante | 0,206 | 0,796 | ||
| Reconhecimento Social | 0,253 | 0,629 | ||
A seguir, será mostrada a análise da amostra tailandesa. Devido à dificuldade de obtenção de elementos para a amostra e à falta de colaboração das universidades, os convites foram estendidos aos membros da AIESEC Tailândia, funcionários da Electrolux Rayong na Tailândia e membros da “National Thai Studies Centre (NTSC)”, na Australia National University. Com isso, a amostra também passou a contar com pessoas já graduadas e mais velhas. No total, foram obtidas 80 respostas. A idade média dos respondentes é de 27,48 anos, com desvio-padrão de 10,69 anos. Por fim, 79% da amostra eram respondentes do sexo feminino. A metodologia utilizada para a realização das análises fatoriais da amostra tailandesa foi a mesma utilizada para a amostra brasileira. Tanto o teste de esfericidade de Bartlett quanto o KMO indicaram que a análise é adequada (índices KMO acima de 0,79).
Valores pessoais instrumentais tailandeses
Foram obtidos quatro valores com eigenvalue maior que 1, com total de variância explicada de 63,919%. A Tabela 3 mostra as cargas fatoriais obtidas na solução rotacionada. No Fator 1, a variância total explicada é de 21,97% e a consistência interna medida obteve um coeficiente alfa de 0,839. Os valores encontrados no Fator 1 demonstram indivíduos considerados capazes e que buscam atingir seus objetivos, porém de forma honesta e autocontrolada.
Entretanto, encontra-se uma semelhança ao Fator 3 da análise dos valores instrumentais brasileiros: em ambos os casos, o valor Capaz obteve a maior carga fatorial. Além disso, a variável Autocontrolado também esteve presente nos dois estudos. Dessa forma, supõe-se que essa dimensão é semelhante à terceira encontrada no estudo brasileiro, sendo também denominada “Capacidade”.
O Fator 2 explica 17,83% da variância total dos elementos e possui consistência interna igual a 0,768. Os valores obtidos no Fator 2 configuram indivíduos criativos e inteligentes, capazes de buscar soluções inovadoras. O Fator 2 é semelhante ao fator encontrado por Crosby, Bitner e Gill (1990) e Giraldi e Ikeda (2010). Essa dimensão também está relacionada ao valor “Realização”, proposto por Schwartz (1992). Além disso, esse fator agrupa-se de forma semelhante ao Fator 2 da amostra brasileira, sendo, portanto, denominado também de “Autodireção”.
O Fator 3 possui variância total explicada de 13,39% e Alfa de Cronbach de 0,822. Os valores refletem pessoas educadas e conformadas com a vida, que possuem um alto grau de aceitação das coisas. Essa dimensão é semelhante ao Fator 4 encontrado na análise brasileira. Além disso, a descrição assemelha-se ao valor “Conformidade”, proposto por Schwartz (1992). Devido à semelhança de significados entre as dimensões e ao Fator 4 do estudo brasileiro, o Fator 3 da análise tailandesa também será denominado “Conformidade”.
| Componentes | ||||
| 1 | 2 | 3 | 4 | |
| Capaz | 0,761 | 0,205 | 0,283 | |
| Asseado | 0,756 | 0,250 | 0,239 | |
| Independente | 0,746 | 0,252 | ||
| Corajoso | 0,740 | |||
| Honesto | 0,653 | 0,245 | 0,266 | -0,379 |
| Autocontrolado | 0,520 | 0,235 | 0,333 | |
| Logico | 0,864 | 0,215 | ||
| Responsável | 0,723 | 0,386 | ||
| Imaginativo | 0,549 | 0,640 | ||
| Liberal | 0,259 | 0,558 | 0,369 | |
| Amoroso | 0,413 | 0,551 | ||
| Intelectual | 0,410 | |||
| Polido | 0,887 | 0,210 | ||
| Prestativo | 0,392 | 0,777 | ||
| Obediente | 0,481 | 0,252 | 0,641 | |
| Ambicioso | 0,695 | |||
| Animado | 0,246 | 0,380 | 0,244 | 0,683 |
| Tolerante | 0,334 | 0,424 | 0,545 | |
Por fim, o Fator 4 explica 11,45% da variância total dos elementos analisados e a confiabilidade foi igual a 0,639. O Fator 4 é semelhante ao Fator 5 da análise brasileira, visto que os valores Ambicioso e Animado possuem maiores cargas fatoriais na composição dessa dimensão. Assim, tal como na análise fatorial dos valores instrumentais brasileiros, o Fator 4 desta análise será denominado “Ambição”.
Assim, foram encontradas quatro novas dimensões. Analisando a ordenação obtida, verifica-se que a variável Autodireção obteve a maior média (6,07), mostrando a importância da autonomia para a realização das tarefas. Por outro lado, a amostra tailandesa, bem como a brasileira, mostrou-se menos conformada com as situações da vida, colocando a dimensão Conformidade com a menor média (5,41). As variáveis de Ambição (5,82) e Capacidade (5,71) obtiveram médias muito próximas.
Valores pessoais terminais tailandeses
Foram obtidos 5 valores com eigenvalue maior que 1, com variância explicada igual a 73,58%. A Tabela 4 mostra as cargas fatoriais obtidas na solução rotacionada. O Fator 1 explica 22,65 % da variância total e sua consistência interna é igual a 0,899. Através dos valores obtidos no Fator 1, presume-se que correspondem a indivíduos em busca de autorrealização, paz interior e uma vida feliz. Ao realizar a comparação com os fatores obtidos na análise dos valores terminais brasileiros, observa-se semelhança com os Fatores 1 e 2.
| Componentes | |||||
| 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
| Felicidade | 0,904 | 0,232 | |||
| Harmonia Interior | 0,870 | ||||
| Igualdade | 0,829 | 0,301 | |||
| Segurança Familiar | 0,669 | 0,339 | 0,249 | ||
| Sentimento de Realização | 0,666 | 0,412 | |||
| Uma vida confortável | 0,545 | 0,411 | 0,324 | ||
| Prazer | 0,305 | 0,808 | |||
| Reconhecimento Social | 0,696 | 0,484 | |||
| Sabedoria | 0,246 | 0,643 | 0,261 | 0,488 | |
| Liberdade | 0,432 | 0,631 | 0,385 | ||
| Amor Maduro | 0,599 | 0,410 | |||
| Amizade Verdadeira | 0,824 | ||||
| Um mundo em paz | 0,204 | 0,801 | 0,250 | ||
| Autorrespeito | 0,757 | 0,385 | |||
| Segurança Nacional | 0,240 | 0,460 | 0,593 | 0,298 | -0,202 |
| Uma vida excitante | 0,346 | 0,752 | |||
| Salvação | 0,264 | 0,659 | 0,391 | ||
| Um mundo de beleza | 0,232 | 0,833 | |||
Ao comparar o fator com o estudo de Crosby, Bitner e Gill (1990), observa-se uma dimensão de significado semelhante, chamada de “Autorrealização”. Dessa forma, devido à alta carga fatorial obtida pela variável Harmonia Interior neste resultado, e devido à convergência de significados das dimensões, o Fator 1 será denominado “Autorrealização”.
O Fator 2 possui variância total explicada de 17,10% e coeficiente alfa igual a 0,830. O Fator 2 aqui encontrado assemelha-se ao Fator 4 da análise fatorial brasileira. Na comparação com o estudo de Erdem, Oumlil e Tuncalp (1999), foi também obtida uma dimensão semelhante a esse Fator, denominada “Gratificação Pessoal”. Crosby, Bitner e Gill (1990) também encontraram uma dimensão semelhante à qual denominaram “Hedonismo”. Além disso, Schwartz (1992) também possui uma definição de valores relacionada a reconhecimento social e excitação denominada “Hedonismo”. Dessa forma, o Fator 2 também será denominado “Hedonismo”.
O Fator 3 explica 14,4 % da variância total. Sua consistência interna é igual a 0,802. Foram encontradas dimensões semelhantes nos trabalhos de Crosby, Bitner e Gill (1990) e Erdem, Oumlil e Tuncalp (1999). Em ambos os trabalhos, o fator encontrado evidenciava um mundo em paz e seguro e foi chamado de “Segurança”. Além disso, o Fator 3 da análise brasileira também foi semelhante. Dessa forma, o Fator 3 também será denominado “Segurança”.
No Fator 4, foram obtidos apenas dois valores. A variância explicada encontrada é de 11,33% e o coeficiente alfa igual a 0,626. Schwartz (1992), em seu estudo, denominou “Estimulação” para representar a dimensão na qual se situam os indivíduos que gostam de uma vida excitante. Pode-se entender, nesse caso, que os tailandeses quiseram representar uma vida variada e ousada, porém buscam a salvação ao final, devido, sobretudo, à religião budista. Com base nisso, o Fator 4 será denominado “Estimulação”.
Por fim, o Fator 5 foi representado apenas por um valor: Um Mundo de Beleza. Pensou-se em excluir a variável da análise, mas, pela análise da matriz de anti-imagem, observou-se que a variável estava adequada para a análise. Dessa forma, o último fator foi considerado com apenas uma variável e a nova dimensão foi denominada “Idealismo”. Tal denominação baseou-se nos fatores encontrado por Crosby, Bitner e Gill (1990) e por Erdem, Oumlil e Tuncalp (1999).
Por meio das novas dimensões encontradas foram criadas novas variáveis. De acordo com a ordenação obtida, observa-se que a variável Hedonismo obteve a maior média (6,14), evidenciando a busca pelo prazer e reconhecimento social buscado pelos tailandeses. A dimensão “Estimulação” obteve a segunda maior média. Por outro lado, quando os valores são relacionados a questões mundiais e de segurança, referentes a um mundo ideal, em paz ou seguro, as médias obtidas foram as menores.
Semelhantemente ao fato brasileiro, tal fato pode ser decorrente da estabilidade nacional que o país sempre teve. Por fim, a variável de Autorrealização obteve a terceira maior média (5,94), mostrando que, após o reconhecimento social e diversão, os indivíduos buscam bem-estar e boas relações interpessoais.
Verificação das hipóteses
A Figura 1 mostra as dimensões encontradas para os valores pessoais instrumentais brasileiros e tailandeses e os valores em comum em cada uma delas.
Ao analisar a Figura 1, é possível observar que os valores instrumentais brasileiros se agruparam em cinco dimensões, ao passo que os valores tailandeses foram agrupados em quatro. É importante ressaltar que a denominação dada às novas dimensões baseou-se, sobretudo, em estudos previamente realizados. Além disso, a forma como as pessoas entendem o significado das palavras utilizadas para “rotular” os valores pessoais e a cultura local também fazem com que os indivíduos achem alguns valores mais parecidos entre si do que outros. Dessa forma, é possível considerar a hipótese 1 como confirmada, pois oito das nove dimensões encontradas possuem significados semelhantes. Ambas as análises fatoriais obtiveram como resultado, ou seja, como uma síntese dos valores estudados, dimensões relacionadas à Autodireção, Capacidade, Conformidade e Ambição.

É importante salientar que o fato de a amostra tailandesa não apresentar a dimensão Civilidade não implica na ausência de importância dada aos valores ligados a ela. Nesse caso, os respondentes deram maior peso a outras respostas, que representaram maiores cargas fatoriais para as outras dimensões. Valores ligados a Civilidade, como Prestativo ou Polido, agruparam-se como valores relacionados à Conformidade; e outros, como Imaginativo e Animado, relacionaram-se melhor a outros valores, ligados a Autodireção.
Para a análise do agrupamento dos valores pessoais terminais brasileiros e tailandeses foi elaborada a Figura 2. É possível identificar três dimensões semelhantes nos valores terminais brasileiros e tailandeses: Autorrealização, Segurança e Hedonismo. As três dimensões também estão no trabalho de Crosby, Bitner e Gill (1990). Por outro lado, enquanto os respondentes da amostra brasileira identificaram um novo fator relacionado à Estabilidade, os tailandeses obtiveram o agrupamento nos fatores Estimulação e Idealismo, que estão ligados a fatores de excitação, prazer e beleza da vida pessoal.

Os valores ligados a Estabilidade mostram maior preocupação dos brasileiros com relação à segurança familiar e conforto, proporcionando uma vida estável. Dessa forma, apesar de seis das nove dimensões encontradas agruparem-se de forma semelhante, tomar-se-á a Hipótese 2 como parcialmente verdadeira, devido à divergência de alguns valores encontrados nas outras dimensões. A ordenação das dimensões para os valores pessoais instrumentais para as duas amostras está disposta na Figura 3. Ao comparar as duas ordenações, observa-se que, em ambas as culturas, a dimensão de Conformidade obteve as menores médias de resposta. Tanto o Brasil como a Tailândia são culturas que possuem uma grande distância de poder, mostrando submissão de boa parte da população.
Com relação às outras dimensões, não foram identificadas semelhanças, indicando que a Hipótese 3 não pode ser confirmada. Enquanto os brasileiros privilegiam aspectos relacionados à Capacidade e Civilidade, ou seja, buscam sempre estar aptos a realizar as suas tarefas e a adquirir novas habilidades de forma consciente e honesta, os tailandeses privilegiam aspectos relacionados à autodireção e ambição, mostrando-se mais liberais e independentes.

Como a Hipótese 2 foi confirmada apenas parcialmente, a Hipótese 4, consequentemente, torna-se inválida. De qualquer forma, a Figura 4 mostra a ordenação das dimensões para os valores terminais brasileiros e tailandeses. Observa-se que não há nenhuma semelhança com relação à ordenação das dimensões dos valores terminais.
Ao analisar os resultados, é possível interpretar que os tailandeses que responderam a pesquisa buscam mais, como objetivos de vida, o prazer, reconhecimento social e maiores excitações, dando mais valor ao lado “divertido” da vida. Por outro lado, os brasileiros mostraram-se mais “sérios”, buscando, para o seu futuro, uma vida estável e com sucesso. Dessa forma, a hipótese 4 não foi confirmada nesta pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de existirem muitos estudos relacionados a valores pessoais, poucos estão centrados no estudo intercultural entre Brasil e Ásia. É importante analisar que, quando se estudam culturas distintas, os valores pessoais podem agrupar-se em diferentes dimensões, de acordo com os pensamentos característicos dos respondentes de cada país. Assim, dependendo do país de estudo, a composição da dimensão de valores pode se diferenciar. No entanto, o significado de algumas dimensões parece se manter.
Ao considerar a questão da pesquisa, “Quais são as semelhanças entre as dimensões dos valores pessoais de tailandeses e brasileiros?”, é possível concluir que apenas os valores pessoais instrumentais agrupam-se em dimensões semelhantes para ambas as culturas, enquanto os valores pessoais terminais agrupam-se de forma parcialmente semelhante. Por outro lado, com relação à ordenação da importância dessas dimensões, os valores pessoais brasileiros e tailandeses mostram-se diferentes. É importante ressaltar que, apesar das diferenças encontradas, traços evidenciados na análise da amostra tailandesa, como a busca do prazer e excitação pela vida estão intimamente ligados à cultura e cotidiano do brasileiro. Isso também pode dar-se pela semelhança climática dos dois países, que vivem sob temperaturas tropicais, estimulando essas pessoas a sair de casa e a aumentar o seu convívio social.
A partir deste estudo, acredita-se que profissionais e teóricos de marketing possam entender melhor a estrutura de valores pessoais dos brasileiros e tailandeses e, dessa forma, buscar compreender os seus comportamentos de compra. Além disso, essa pesquisa também pode auxiliar estudiosos sobre culturas ou empresas que possuam expatriados na Tailândia e queiram amenizar os choques culturais. Por fim, este trabalho também é importante para empresas que mantêm relações comerciais com a Tailândia, pois podem compreender melhor os seus fornecedores e clientes e, assim, estabelecer melhores relacionamentos.
Como limitação do estudo, pode-se apontar que a população-alvo, definida para o estudo, não abrangeu outros importantes mercados asiáticos com os quais o Brasil mantém relações, como China ou Índia, além de não atingir outros segmentos de respondentes, focando-se apenas em estudantes. Portanto, seus resultados não podem ser generalizados para a população brasileira ou tailandesa. Além disso, a amostra não probabilística obtida não permite generalização dos resultados. Sobre sugestões para estudos futuros, considerando-se o baixo número de pesquisas interculturais entre o Brasil e a Ásia, sugere-se, em primeiro lugar, a realização de estudos relacionados a esse campo, além da utilização de outras escalas de valores como a de Schwartz (1992) e a LOV de Kahle (1983).
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