Resumo: Problematizações envolvendo a dinâmica operativa de rotinas organizacionais vêm apresentando desafios crescentes para pesquisadores do constructo, ao considerar dificuldades e limitações circunstanciais da identificação do fenômeno em diferentes ambientes e contextos de ocorrência. Nessa perspectiva, por meio de uma abordagem fenomenográfica, esta investigação teve por objetivo coletar concepções de consultores externos sobre a identificação de rotinas organizacionais em suas experiências profissionais. Quatro diferentes modos de identificar o fenômeno emergiram dos relatos como resposta a esse problema de pesquisa: o fundamento em artefatos; o questionamento ao agente; a observação da prática; e a construção coletiva. O presente estudo sugere que a consistência de um entendimento pontual sobre a prática organizacional, entre consultores e agentes e entre os agentes da rotina, é influenciada por condições relacionais, refletidas em mecanismos de poder e confiança que envolvem esses sujeitos, sugerindo aos consultores o desenvolvimento de competências específicas para promover a identificação de rotinas nas organizações.
Palavras-chave: Rotinas Organizacionais, Interações Sociais, Consultoria Externa, Estudos Organizacionais, Fenomenografia.
Abstract: Problematizations involving the operational dynamics of organizational routines have presented increasing challenges for researchers of the construct, considering the difficulties and circumstantial limitations of the identification of the phenomenon in different environments and contexts of occurrence. In this perspective, through a phenomenographic approach, this research aimed to collect conceptions of external consultants on the identification of organizational routines in their professional experiences. Four different ways of identifying the phenomenon emerged from the reports as a response to this research problem: grounding in artifacts; questioning to the agent; observation of the practice; and collective construction. The present study suggests that the consistency of a punctual understanding of organizational practice, between consultants and agents, and among the agents of the routine, is influenced by relational conditions, reflected in mechanisms of power and trust that involve these subjects, suggesting to the consultants the development of specific competencies to promote the identification of routines in organizations.
Keywords: Organizational Routines, Social Interactions, External Consulting, Organizational Studies, Phenomenography.
MAPA OU TERRITÓRIO? A EXPERIÊNCIA DE CONSULTORES NA IDENTIFICAÇÃO DE ROTINAS ORGANIZACIONAIS
MAP OR TERRITORY? THE EXPERIENCE OF CONSULTANTS IN THE IDENTIFICATION OF ORGANIZATIONAL ROUTINES
Recepción: 08 Febrero 2018
Aprobación: 29 Junio 2018
Autores seminais contribuíram para fundamentar as rotinas organizacionais, definindo-as como: hábitos (DEWEY, 1922); mecanismos de alcance dos objetivos organizacionais (STENE, 1940); programas repetitivos de resposta a determinados estímulos do ambiente (MARCH; SIMON, 1958); regras e procedimentos operacionais que contribuem para o controle da firma (CYERT; MARCH, 1963) e dos indivíduos (MARCH; SIMON, 1958); repositório de informações coordenadas que sinaliza a eficácia do desempenho organizacional e individual (NELSON; WINTER, 1982); além de importante recurso de coordenação organizacional, na medida em que as rotinas atendem às necessidades de predição interdepartamental (MARCH; SIMON, 1958).
Atualmente, diversos autores reconhecem a necessidade em se compreender a estrutura interna das rotinas organizacionais, de modo a viabilizar o avanço do entendimento de sua dinâmica operativa (FELDMAN, PENTLAND, D’ADDERIO et al., 2016), demonstrando que a realização desse objetivo ainda é incipiente, ao considerar a existência de pausas, gaps e disrupções, assim como outros eventos extraordinários que impedem a sequenciação repetida das ações dos sujeitos nas rotinas em seu curso cotidiano (HOWARD-GRENVILLE; RERUP, 2016). Configura-se, assim, uma lacuna de pesquisa pouco explorada, mediante a influência dos microfundamentos do fenômeno (FELIN, FOSS, HEIMERIKS et al., 2012) em sua identificação.
Nessa perspectiva, a presente investigação propõe acrescentar um olhar alternativo às discussões acadêmicas sobre a identificação de fenômenos coletivos, como as rotinas, considerando para tanto, a percepção de consultores em suas experiências de campo, isto é, em projetos de consultoria envolvendo a necessidade de “mapeamento de processos”, a prática em detalhar processos de negócio focando nos elementos que influenciam seu comportamento atual (SOLIMAN, 1998).
Além desta introdução, o presente trabalho apresenta, a seguir, mais quatro seções, as quais: o referencial teórico considerado no estudo; a abordagem metodológica empregada; apresentação e análise dos resultados encontrados; e as considerações finais.
Às rotinas organizacionais tem sido atribuída a fonte de diversos fenômenos influenciadores do comportamento organizacional, justificando sua importância crescente como unidade de análise nos estudos organizacionais. Adeptos da economia organizacional irão olhar as rotinas como meio de alcance de metas, integrando a “corrente das capacidades” da firma (PARMIGIANI; HOWARD-GRENVILLE, 2011), enquanto teóricos organizacionais consideram a perspectiva da operação, envolvida com as pessoas pelas quais a rotina é desempenhada, promovendo uma série de implicações que fundamentaram a evolução dos estudos das rotinas na “corrente prática” (PARMIGIANI; HOWARD-GRENVILLE, 2011), como por exemplo, as rotinas e sua característica de mudar continuamente (FELDMAN, 2000), considerando o poder de agência (DE BOER; ZANDBERG, 2013) e retenção das construções abstratas pelos agentes (FELDMAN; PENTLAND, 2003) e, ainda, a influência de contextos externos (TURNER; FERN, 2012). Seguindo a perspectiva prática, as rotinas podem ser definidas como “padrões de ações interdependentes, reconhecíveis, repetitivos” (FELDMAN; PENTLAND, 2003, p. 95) e constituídas de múltiplos atores (PENTLAND; FELDMAN, 2005). As rotinas organizacionais são compostas dos aspectos ostensivo, performativo e artefatos envolvidos (FELDMAN; PENTLAND, 2003).
As construções abstratas sobre as rotinas são expectativas utilizadas como referência para desempenhos específicos pelos agentes que as operam (PENTLAND; FELDMAN, 2008). Esse aspecto é chamado de ostensivo: a construção mental de ações sequenciais e repetitivas que o indivíduo possui sobre como se dá a operação de determinada rotina (FELDMAN; PENTLAND, 2003). Nesse sentido, o aspecto ostensivo pode apresentar múltiplos entendimentos, variando de indivíduo para indivíduo, muito embora, possa ser codificado em artefatos, que são mais facilmente visíveis (D’ADDERIO, 2008).
As rotinas são mecanismos organizacionais, compostas de ações dos agentes que as operam com desempenhos cotidianos e específicos (PENTLAND; FELDMAN, 2005), isto é, os desempenhos são como realmente a rotina acontece dentro da organização, apresentando movimentos interdepartamentais. Nesse sentido, o aspecto performativo enfatiza o papel das ações das pessoas, que são ativadas mediante o resgate e retenção de uma ideia abstrata (aspecto ostensivo) sobre a rotina organizacional (FELDMAN, 2003).
Os artefatos, por sua vez, aparecem na forma de sistemas de informação, políticas, regras e procedimentos operacionais, formulários, manuais, fluxogramas, entre outros objetos físicos e digitais utilizados durante o desempenho de uma rotina (PENTLAND; FELDMAN, 2005). Nesse sentido, os artefatos apresentam significativa influência sobre a operação das rotinas, sua construção mental e dinâmica operativa (FELDMAN, PENTLAND, D’ADDERIO et al., 2016).
Para Clegg, Kornberger e Rhodes (2004), o propósito da consultoria em alterar o status quo nas organizações é, ao mesmo tempo, uma das grandes dificuldades para a prática. Segundo os autores, a consultoria atua por meio de uma interação entre a ordem vigente e as movimentações propostas e é, nesse espaço, onde o consultor exerce a sua função (CLEGG; KORNBERGER; RHODES, 2004).
Bloomfield e Best (1992) indicam que por meio de movimentos discursivos, os consultores buscam persuadir os clientes de que um determinado problema é solucionado por intermédio de uma determinada solução, oferecida pelo consultor. Com base nos estudos de Foucault, Méllo, Silva, Lima et al (2007) definem as práticas discursivas como um conjunto de enunciados ou formações discursivas que possibilitam o exercício de saberes que, por sua vez, operam e instituem acontecimentos em campos estratégicos, refletindo o poder, isto é, o uso da linguagem como prática que resulta em efeitos (MÉLLO, SILVA, LIMA et al, 2007).
A relação de poder no ambiente organizacional pode afetar diversos atores na consecução do fluxo de trabalho, uma vez que a composição da estrutura organizacional favorece o controle das informações que podem ser disponibilizadas aos sujeitos que as necessitam, conforme explica Morgan (2013):
Pela posse da informação certa, no momento certo, tendo acesso exclusivo a dados-chaves, ou simplesmente demonstrando a habilidade de ordenar e sistematizar fatos de maneira eficaz, os membros da organização podem aumentar o poder que detêm dentro dela. Muitas pessoas desenvolvem essas habilidades de maneira sistemática e com ciúmes guardam ou bloqueiam o acesso a conhecimentos importantes para aumentar a sua indispensabilidade e “status de especialista” (MORGAN, 2013, p. 174).
A forma de poder identificada nos estudos de Nikolova e Devinney (2009), entre consultores e clientes, remete ao estabelecimento de uma relação de confiança por meio da socialização, como uma estratégia de poder do consultor sobre o cliente. Nikolova, Mollering e Reihlen (2015) apontam três práticas que explicam a construção de um relacionamento de confiança em relações de consultoria: 1) a sinalização da integridade e capacidade do consultor; 2) a definição, negociação e o alinhamento às expectativas dos clientes para demonstrar benevolência; e 3) a demonstração de empatia e adequação do consultor ao cliente.
Diante do exposto, é possível considerar que a relação de poder e confiança são dimensões do comportamento organizacional com influência direta no alcance dos objetivos do consultor e seu cliente.
Por meio de uma abordagem interpretativa, este estudo considerou explorar os significados atribuídos pelos indivíduos acerca de um problema social ou humano (CRESWELL, 2010), configurando uma pesquisa do tipo qualitativa. Dado que a intenção foi captar percepções de consultores em suas experiências envolvendo a identificação das rotinas organizacionais, a estratégia de investigação que se considerou oportuna para esse fim foi a fenomenografia.
A pesquisa fenomenográfica trata da descrição, análise e entendimento de experiências e modos de conceber inúmeros aspectos da realidade, com ênfase em aspectos socialmente significativos (MARTON, 1981). A unidade da pesquisa fenomenográfica reside no modo mediante o qual um fenômeno é experimentado, enquanto seu objeto de pesquisa está presente nas variações nesses diferentes modos, qualitativamente limitados, mediante os quais os indivíduos entendem o fenômeno, os quais são logicamente relacionados (MARTON; BOOTH, 1997) e representados por meio de uma estrutura hierárquica com os diferentes significados (AKERLIND, 2005).
Quando se busca a concepção do indivíduo acerca de um determinado fenômeno, a sua consciência focal emerge, isto é, o resgate do modo específico e particular mediante o qual o sujeito experimenta o fenômeno e pode relatar, uma vez que nem todos os aspectos de suas experiências possuem destaque, o aspecto predominante para o indivíduo é o que ocupa a sua consciência focal (MARTON; BOOTH, 1977). Entretanto, a fenomenografia não trata da ciência da experiência ou fenomenologia, uma vez que busca a variação de concepções e a arquitetura dessa variação nos termos de diferentes aspectos que definem o fenômeno (MARTON; BOOTH, 1997).
Para esta pesquisa, os dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, nas quais os profissionais de consultoria puderam relatar suas experiências de identificação das rotinas organizacionais, no modo pelo qual desejassem expressar as questões indagadas pelos pesquisadores. A entrevista semiestruturada é um procedimento padrão de coleta de dados na investigação fenomenográfica (BOWDEN; WASH, 2000).
Os sujeitos selecionados intencionalmente para este estudo integraram a rede de contatos profissionais de um dos pesquisadores e, a época da coleta de dados, exerciam atividades profissionais em uma firma multinacional do segmento de auditoria e consultoria. Dessa forma, a origem da população alvo deste estudo não é constituída de consultores “independentes”. Configura desse modo, uma limitação da presente pesquisa, uma vez que os indivíduos selecionados estão sujeitos aos direcionamentos da firma de consultoria que os contrataram. No entanto, na seleção intencional considerou-se convidar consultores com experiências em projetos envolvendo a necessidade de mapeamento de rotinas em várias organizações e com diversos propósitos. A seleção intencional, assim como um mínimo previsto de 20 indivíduos selecionados (quadro 1) sugere o alcance do critério de variedade nas características dos sujeitos (BOWDEN, 2005), sendo assim, recursos que contribuíram para a emergência de diferentes concepções sobre o fenômeno estudado.

O roteiro de entrevistas elaborado iniciou-se com uma breve apresentação do problema de pesquisa, assim como as premissas assumidas com os sujeitos para a realização das entrevistas. Em seguida, foi dividido em três partes, denominadas: 1) Questões introdutórias – grande parte de natureza demográfica; 2) Questão central – o problema de pesquisa em forma de pergunta; e 3) Questões de desenvolvimento das experiências – facilidades, dificuldades, experiências bem-sucedidas e malsucedidas que os profissionais vivenciaram ao buscar identificar as rotinas.
Todas as 20 entrevistas foram realizadas presencialmente e ocorreram ao longo do segundo semestre de 2015 e até a segunda semana de 2016. As entrevistas foram gravadas, totalizando treze horas de registro e duração média de 40 minutos, aproximadamente. Ao longo de todas as entrevistas, foi dada atenção aos relatos dos sujeitos, sem intervenções de validade, julgamentos ou debates de conhecimento pré-concebido acerca do conteúdo abordado pelos participantes, concentrando o foco na proposta primária da investigação (BOWDEN; WALSH, 2000).
Os registros de áudio gravados das 20 entrevistas geraram, aproximadamente, 194 páginas de transcrições dos relatos dos entrevistados. Devido ao grande volume de dados e o rigor que envolve a etapa de análise na fenomenografia, foi utilizado como apoio para esse fim o software de análise qualitativa ATLAS.ti®, sobretudo para a associação durante a leitura, de anotações (memos) às transcrições, sinalização dos extratos representativos (quotes) e associação de códigos (codes) aos extratos semelhantes.
Os procedimentos de análise dos dados de campo tiveram início com a leitura integral, preliminar e descontextualizada do sujeito, de cada transcrição das 20 entrevistas realizadas. Nessa primeira etapa, procurou-se ter uma primeira impressão sobre como os indivíduos perceberam o fenômeno alvo da pesquisa, com uma mente aberta acerca de como os entrevistados abordaram as questões a eles endereçadas (AKERLIND, 2005). Em seguida, efetuou-se uma nova leitura integral de cada transcrição em conjunto com as demais transcrições, ora consultando um determinado relato, ora outro. O objetivo nesta etapa foi a identificação preliminar de abordagens semelhantes entre os consultores.
A terceira leitura integral ocorreu com a sinalização de extratos (trechos) representativos frente ao problema de pesquisa. Bowden e Walsh (2000) recomendam focar a análise no “que” e “como” nas concepções e descrições das experiências dos indivíduos sobre o fenômeno. Nesse sentido, identificou-se a representatividade dos extratos por meio de dois aspectos: as respostas dos indivíduos para o problema de pesquisa (o que), juntamente com os modos pelos quais agiram em suas experiências de campo relatadas (como).
Na quarta leitura, já focada nos extratos sinalizados, comparou-se cada extrato de significado com os demais e foram reunidos conforme semelhança de descrição ou diferenças entre os demais extratos. Na análise fenomenográfica os significados são agrupados e reagrupados de acordo com as similaridades e diferenças percebidas (AKERLIND, 2005). Para tanto, não foram atribuídos “nomes” para cada extrato, mas considerados, inicialmente, nove códigos: “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H” e “I”, representando cada agrupamento de extratos semelhantes. Os modos pelos quais os indivíduos experimentam um fenômeno são qualitativamente limitados (MARTON, 1986). Essa premissa sugeriu o prosseguimento das leituras. Com a codificação dos extratos semelhantes, foi possível ter, então, os primeiros grupos de significados (pool of meanings) atribuídos pelos indivíduos ao problema de pesquisa. Em seguida, prosseguiu-se com as leituras de cada grupo de significados, efetuando os seguintes critérios comparativos entre eles, com base em Akerlind (2005):
· Se cada extrato era significativo do grupo preliminar a qual pertencia; e
· Se cada extrato era significativo de outros grupos preliminares.
O resultado desta etapa de análise resultou em trocas de extratos entre os grupos de significados. Em seguida, realizou-se mais uma leitura dos grupos, agora procurando verificar se cada grupo era suficientemente distinto dos demais grupos, pois na análise fenomenográfica é necessário determinar os diferentes modos pelos quais os indivíduos compreendem o fenômeno (AKERLIND, 2005). Nesta etapa, identificou-se que três dos nove grupos preliminarmente codificados (“A”, “C” e “D”) apresentavam mesma natureza de abordagem por parte dos consultores, já identificadas em outros grupos. Os pesquisadores também perceberam que a natureza de outros dois grupos (“F” e “G”) apontava para a emergência de um relacionamento estrutural (MARTON; BOOTH, 1997) para todos os demais grupos, pois explicava semelhanças e diferenças entre eles, reduzindo e encerrando, assim, em um total de quatro grupos de significados (“B”, “E”, “H” e “I”) identificados. Após a releitura desses quatro grupos, as quatro categorias de descrição foram definidas.
Considerou-se, também, efetuar testes de alocação entre os extratos e as categorias emergidas. Na análise fenomenográfica, as categorias são verificadas dentro dos relatos até que os significados sejam estabilizados (MARTON, 1986). Por fim, ocorreu a leitura integral de todas as transcrições para identificar que dimensões explicativas caracterizavam as semelhanças e diferenças entre as categorias evidenciadas, representando o seu relacionamento estrutural (MARTON; BOOTH, 1997). Ao todo, seis dimensões explicativas emergiram dos relatos.
No método fenomenográfico os resultados da investigação são apresentados na forma de “categorias de descrição”, isto é, modos de conceber o fenômeno pelos sujeitos que participaram do estudo, assim como os “relacionamentos estruturais” entre essas categorias (MARTON; BOOTH, 1997), ou seja, as dimensões explicativas que relacionam os diferentes modos de experimentar o fenômeno (AKERLIND, 2005). As categorias de descrição e as dimensões explicativas compõem assim, o “espaço de resultados” da investigação fenomenográfica.
Os resultados desta investigação apontaram para quatro diferentes modos, mediante os quais, os consultores buscam identificar as rotinas organizacionais em suas experiências com o fenômeno: 1) o fundamento em artefatos; 2) o questionamento ao agente; 3) a observação da prática; e 4) a construção coletiva. Essas categorias descritivas foram organizadas hierarquicamente na figura 1, de forma inclusiva, isto é, da categoria mais restrita à mais abrangente, considerando a complexidade de aplicação em campo pelos consultores. Na prática, cada categoria imediatamente anterior está contida na categoria seguinte.

Foi possível notar que o foco dos consultores entrevistados em cada categoria está relacionado à interpretação de que determinado modo de identificar o fenômeno seja predominantemente “adequado” para os deliberados, porém inúmeros propósitos de entendimento das rotinas nas organizações, entre eles, a sinalização de inconformidades, a proposição de melhorias ou a implantação de artefatos tecnológicos. Nesse sentido, é importante destacar que cada categoria descritiva não se apresenta nos resultados desta investigação como modo relativamente mais correto, correto ou incorreto de compreender o fenômeno pelos consultores, porém modos que atenderam às necessidades específicas de identificação das rotinas em suas experiências e que, ainda assim, são modos de experimentar o fenômeno que podem oscilar entre si, uma vez que o trânsito dos sujeitos por entre as categorias se mostrou influenciado pelo contexto específico de dificuldades vivenciadas e competências desenvolvidas em suas experiências profissionais.
Os elementos das narrativas dos sujeitos entrevistados que emergiram como dimensões, que apresentam semelhanças e diferenças entre os modos de experimentar o fenômeno, foram as seguintes: 1) o aspecto das rotinas; 2) os artefatos envolvidos; 3) a perspectiva dimensional; 4) o nível de acesso; 5) o mecanismo de intermediação; e 6) o horizonte temporal.
Apresenta-se a seguir, a discussão dos resultados considerando cada categoria descritiva, assim como o conteúdo das dimensões explicativas e, em seguida, expõe-se o “espaço de resultados” desta investigação fenomenográfica (quadro 2), organizando as concepções dos consultores frente ao problema de pesquisa.
Os consultores buscam identificar as rotinas organizacionais apoiando-se em documentos formais que as envolvem, pré-existentes nas organizações ou em esboços recém-criados e, ainda, em evidências do desempenho das rotinas, derivadas de seu aspecto performativo (outputs). Os artefatos, além de contextualizar a própria organização e suas unidades constitutivas, também direcionam o desempenho das rotinas, refletindo sua construção abstrata (aspecto ostensivo), isto é, a expectativa da organização perante a operação de suas rotinas, reunida em objetos físicos e digitais:
Geralmente é isso: primeiro, material. O que a área tem, por exemplo, de razão de ser dela? Ela já tem alguma política? Ela já tem algum procedimento? Ela já tem, por exemplo, um material de criação dela? Por que a área foi criada? Ela tem um plano de meta? Ela tem direcionadores estratégicos que foram desdobrados de alguma coisa da empresa, como um todo? Como é que a área sabe o que ela tem que fazer? Então, assim, documentos. O que você tem de documento? O que você tem de documentação? Então, seria mais ou menos isso (ENTREVISTA 03).
Esta abordagem ocorre antes mesmo da incursão dos consultores em campo, com a coleta de materiais externos às organizações-cliente ou já utilizados em projetos anteriores; continua a partir do primeiro contato com o cliente; e segue durante a incursão dos consultores em campo, representando o predomínio do horizonte temporal de sua ocorrência. A perspectiva dimensional é a nível da sociedade e das organizações: os consultores consideram utilizar artefatos de mercado, da firma de consultoria, da organização-cliente e de outras organizações.
As rotinas desempenhadas pelos consultores, neste modo de identificar o fenômeno, se apresentaram como ostensivas, mais estruturadas: as experiências relatadas sugerem a identificação, coleta e análise de narrativas pré-existentes, rotinas codificadas (fluxogramas), políticas, diretrizes, regras e procedimentos operacionais padronizados e modelos de mercado, mediante benchmarking, muitas vezes provenientes das bases metodológicas da própria consultoria ou de experiências anteriores de identificação de rotinas em outras organizações. São os artefatos envolvidos na presente categoria descritiva. Também são considerados os resultados de construções abstratas preliminares e conjuntas da rotina, entre o consultor e o agente, diagramadas em fluxogramas rascunhados, funcionando como um objeto de apoio para uma compreensão mútua; configuram como artefatos simbólicos originados em práticas metodológicas para mapeamento e desenho de rotinas (PENTLAND; FELDMAN, 2008).
Estudos recentes indicam que além de somente projetar um determinado desempenho, os artefatos funcionam como propulsores pontuais de mudança nas rotinas (GLASER, 2017); origem de novas rotinas (HOWARD-GRENVILLE; RERUP, 2016) e; ainda, influenciadores de modos criativos de execução dos padrões estabelecidos (SONENSHEIN, 2016). É um estopim para a criação, manutenção ou mudança em rotinas (HOWARD-GRENVILLE; RERUP, 2016). Em atenção à essa perspectiva, foi possível notar que os consultores utilizam os artefatos como uma base comparativa para o levantamento posterior de inconsistências; um alicerce de compreensão das rotinas em seu estado atual. Ocorre a decodificação dos artefatos, tanto em construções abstratas, quanto em desempenhos específicos e a interpretação da significância de determinados artefatos que são relacionados às rotinas (PENTLAND; FELDMAN, 2008a), justificando, portanto, o propósito dos consultores em utilizar esses recursos como uma base comparativa:
Para você verificar um trabalho, você tem que estar por dentro das regras deles, precisa entender todo o processo, entrar no processo em termos de verificação, e isso que foi aplicado, não só na área de compras, mas atuei também com financeiro da mesma forma, entender todos os procedimentos. Primeiramente, estudar a documentação do cliente, desde o contrato até as políticas e procedimentos, para entender como funciona não só a empresa, mas também as áreas onde a gente vai atuar (ENTREVISTA 11).
Os relatos das entrevistas indicam que os artefatos são recursos elementares para a compreensão das rotinas organizacionais e, possivelmente, de mais fácil acesso na busca pela sua identificação, pois, muitas vezes, já se encontram disponíveis na organização, armazenados na própria consultoria ou, ainda, no mercado. Contudo, em acordo com os relatos, a aquisição dos artefatos ocorre, predominantemente, mediante o estabelecimento de uma relação de poder, como mecanismo de intermediação, na medida em que o consultor expõe aos envolvidos a necessidade em adquirir os artefatos como meios preliminares ou evidências necessárias à identificação das rotinas:
A cobrança precisou ser um pouco maior. Nós precisamos, inclusive, recorrer até alguns líderes, ter uma conversa para que eles pudessem, os líderes, conversar com seus funcionários e explicarem o propósito daquela verificação, que era importante para empresa e que os funcionários deveriam passar determinadas informações para nós (ENTREVISTA 11).
A declaração de narrativas pelos agentes das rotinas expõe aos consultores as ações e os artefatos, componentes da construção abstrata da prática organizacional: o aspecto ostensivo das rotinas organizacionais.
Você tem que induzir, você tem que puxar, porque se você pergunta e a pessoa diz: "faço", sim, mas como você faz? Quando você chega, qual é a primeira coisa? Você recebe isso de alguém? Você pede isso de alguém? Alguém te pede? Aí você vai explorando cada informação que ele te dá. É que nem criança de seis anos: por quê? Por quê? Por quê? Como? De onde é que vem? Qual é o objetivo? Você tem que ir fazendo perguntas. Eu não vejo muita forma, senão fazendo perguntas (ENTREVISTA 07).
As concepções dos consultores sugerem que a declaração pontual de como as rotinas operam é um meio de detectar se o aspecto ostensivo sofreu atualização sobre os padrões estabelecidos em artefatos. Deste modo, a resposta dos agentes aos questionamentos dos consultores pode carregar a inclusão, alteração ou exclusão de determinadas ações e artefatos que integram a prática operativa das rotinas em determinado período de tempo.
As rotinas empregadas pelos consultores nesta abordagem são mais estruturadas, de aspecto ostensivo: os consultores buscam elaborar roteiros, perguntar ao agente, registrar a narrativa declarada e validar o entendimento. Roteiros de entrevistas, registros de narrativas e fluxogramas rascunhados apresentaram-se como os artefatos envolvidos no questionamento ao agente. A perspectiva dimensional é a dos indivíduos: o consultor pergunta ao agente. O agente responde ao consultor. Predominam nas entrevistas dos consultores aos agentes, questões do tipo how questions (como) e why questions (por que), frequentemente associadas a metodologias de investigação (ELLRAM, 1996). Muitas delas, questões abertas, que favorecem ao agente o seu livre exercício reflexivo sobre como abordar e relatar suas atividades, muito embora, fosse também frequente o uso de perguntas direcionadas para determinadas ações, específicas da natureza da rotina a qual se busca compreender.
Os relatos apontaram que, geralmente, o questionamento ao agente ocorre no início e durante a incursão dos consultores nas organizações, representando o horizonte temporal de ocorrência em campo deste modo de identificar o fenômeno. Embora tal abordagem possa configurar-se como prática elementar na busca pela identificação das rotinas organizacionais, a sua aplicação depende da disponibilidade do agente em atender o consultor para a sessão de entrevista, assim como sua capacidade de estruturar mentalmente um raciocínio sequencial de suas ações nas rotinas: “noventa e nove por cento das vezes, o cliente ainda não tem a visão de processos” (ENTEVISTA 02). O acesso a essa abordagem é, portanto, de nível moderado:
Você tem que ajustar o seu questionário, o seu roteiro e o seu linguajar durante a entrevista “pra” aquele nível de maturidade, senão você pode até assustar a pessoa que você está conversando, a pessoa pode ficar muito reativa, achar que pode virar um problema pra ela (ENTREVISTA 06).
Como mecanismo de intermediação para o alcance da identificação das rotinas nesta abordagem, os consultores buscam a relação de poder, ao estabelecer controle e autoridade sobre o agente: “você tem que ficar em cima mesmo, não tem outra escapatória. Vamos insistindo muito, subimos para o nível superior” (ENTREVISTA 09). Ocorre o exercício do poder pela autoridade formal (MORGAN, 2013) concedida ao patrocinador (NIKOLOVA; DEVINNEY, 2009), isto é, tipicamente associado a posição que alguém mantém na organização, mediante a qual o sujeito obtém direitos e obrigações que o qualificam a estabelecer um campo de influência sobre o que se poder realizar, com o apoio formal daqueles com quem se trabalha (MORGAN, 2013). “É muito mais fácil quando o patrocínio do projeto é forte. Claro, se todo mundo ‘tá’ sabendo: ‘se eu não atender esse consultor bem e falar direitinho, vai ter alguém lá que vai me puxar a orelha’. Então, o patrocínio interfere muito” (ENTREVISTA 06).
Contudo, uma relação de confiança também pode emergir, na medida em que o consultor estabelece conforto, esclarecimento de propósito, empatia e aproximação com o agente, visando ao seu envolvimento no detalhamento de suas atividades: “ele se sente parte do que eu estou fazendo. Não sente que estou fazendo uma coisa imposta, que não vai ter nada a ver com o que ele faz. Com isso eu compro a confiança dele” (ENTREVISTA 07).
Você tem que analisar o cenário, tem que entender politicamente onde a pessoa está, qual é o momento dela, quais são as forças, tem que fazer uma análise mais abrangente. Porque se você ficar fixo ali em querer as suas respostas e não olhar para a pessoa sem tentar entender em que contexto ela está, se você esquecer que ela é um ser humano, você não vai conseguir (ENTREVISTA 07).
Os profissionais de consultoria concebem que a compreensão das rotinas envolve questionar o agente, exemplificando ações provenientes de outras experiências de campo, mentalmente resgatadas e consideradas quando identificado que tal rotina, mediante a qual, se busca compreender é semelhante ou de mesma natureza de rotinas de experiências passadas. É interessante notar que o consultor precisa se utilizar de meios didáticos para ajudar o agente a narrar suas ações na rotina e a refletir se a exemplificação representada pelo seu questionamento (sensegiving) faz sentido para a realidade do agente, isto é, o consultor apresenta uma interpretação considerada viável sobre uma possível realidade (GIOIA; CHITTIPEDDI, 1991), sobre a qual o agente está inserido.
Atualmente, é possível encontrar discussões acadêmicas que apresentam a declaração do aspecto ostensivo das rotinas organizacionais como modo de identificar o fenômeno e até mesmo de promover mudança em seu curso (DITTRICH; GUÉRARD; SEIDL, 2016). Por outro lado, Sandberg e Tsoukas (2011) indicam que a perspectiva prática de investigação que considera as ações dos indivíduos, ajuda aos interessados no entendimento de determinado fenômeno administrativo, a melhor articular e manifestar as dinâmicas obscuras e pouco conhecidas das rotinas, considerando o relacionamento intrínseco entre o ser humano e suas ferramentas no momento em que ocorrem, ou seja, a lógica da prática no espaço sociomaterial.
Alguns consultores experimentam uma descrença com o aparato de artefatos e o discurso dos agentes (aspecto ostensivo), sendo necessária a observação da realidade de desempenho da rotina (aspecto performativo) para então identificá-la, indicando que a geração de conhecimento não é desprendida da prática na qual o fenômeno ocorre: “nem sempre o que está no papel é o que está na prática” (ENTREVISTA 12).
Você só perguntar é muito complicado, você tem que acompanhar o processo, porque é difícil você materializar, uma vez que cada empresa tem uma realidade diferente, você até tem uma noção, mas você fixa muito mais, vê se realmente o seu entendimento está correto quando faz o walkthrough, quando você faz o acompanhamento (ENTREVISTA 08).
Mapas de processos provenientes de práticas de mapeamento são, no máximo, artefatos idealizados pelos indivíduos, pois qualquer desempenho particular de determinada rotina poderia divergir, consideravelmente, desse ideal, conforme os agentes dessa rotina promovem improvisos e adequam os detalhes de desempenho à situação vigente (PENTLAND; FELDMAN, 2008a).
O modo como os consultores empregam a observação da prática das rotinas varia em acordo com as circunstâncias da identificação. A abordagem pode ocorrer, pontualmente, considerando apenas o desempenho de uma ação; ou o consultor pode buscar compreender o máximo de ações que integram a rotina, observando o máximo de desempenhos possíveis ao seu alcance: “eu visitei o estoque da [Empresa], botei capacete, que é indústria, né? Aí, tive que colocar tampão no ouvido, bota, ‘pra’ ver, ‘pra’ visitar os estoques, ver o que o ‘cara’ fazia, a contagem do estoque” (ENTREVISTA 08).
Caracteriza improviso (PENTLAND; FELDMAN, 2005), pois não é clara uma rotina padrão de observação da prática das rotinas pelos consultores. Os profissionais imprimem alto exercício de agência frente às imprevisíveis situações apresentadas, isto é, em qualquer parte de uma dada sequência de conduta, o indivíduo pode agir de diferentes modos (GIDDENS, 1984). As rotinas desta abordagem em seu aspecto performativo, revelam que os consultores operam em acordo com as necessidades contextuais. Não há configuração padrão consistente e recorrente identificada nos relatos. Ocorre a construção abstrata das rotinas mediante seus desempenhos específicos.
A perspectiva dimensional é a dos indivíduos: o agente desempenha para o consultor, espontânea ou pontualmente. O consultor solicita o desempenho pontual ou já observa a prática espontânea. Evidências das ações dos agentes nas rotinas e registros de inconformidades com o aspecto ostensivo, apresentaram-se como os artefatos envolvidos nesta abordagem.
Foi interessante notar nos relatos que nem sempre o aspecto performativo se manifesta quando geralmente ocorre, mas é reproduzido para os fins de compreensão dos consultores. Os estímulos do ambiente que frequentemente resultam em ações dos agentes na rotina são, em alguns casos, substituídos pelas demandas dos consultores para a reprodução do desempenho, independentemente da real demanda que incentiva a execução da rotina em seu curso cotidiano. Em outras situações, entretanto, os consultores indicam que buscam acompanhar a realidade prática das rotinas no momento em que frequentemente ocorrem. A prática operativa das rotinas permite aos consultores testemunhar as conexões entre os agentes, os modos pelos quais decidem empregar o aspecto ostensivo das rotinas e como utilizam os artefatos que as envolvem. Ocorre a visualização da prática de coordenação de atividades entre os agentes nas rotinas organizacionais (JARZABKOWSKI; LÊ; FELDMAN, 2012).
Quanto ao horizonte temporal de ocorrência desta abordagem, os relatos dos consultores indicam que a busca pela identificação das rotinas ocorre, geralmente, no início e durante a incursão dos consultores em campo, muito embora, a observação da prática esteja diretamente condicionada a autorização do cliente para a observação dos desempenhos específicos dos agentes pelos consultores e, muitas vezes, da disponibilidade de supervisão de um profissional do cliente, denominado “ponto focal”, sendo então uma abordagem de acesso moderado. Nessa perspectiva, a relação de poder emerge como mecanismo de intermediação, considerando a autoridade formal de um cargo superior ao agente que desempenha a rotina, ainda que a relação de confiança também possa ocorrer, na medida em que o consultor esclarece ao agente seu propósito na observação da prática da rotina:
Você precisa explicar para as pessoas que não é porque ela não faz aquilo ali que ela vai ser tirada dali. Talvez ela vai receber uma outra rotina que agregue mais valor ao conhecimento dela. Eu acho que não é passado claramente esses pontos. Eles ficam muito assim: "Mas por que está fazendo isso? Vão me tirar daqui e mudar de lugar". Sempre quando você fala em mapear as rotinas das pessoas, gera uma certa tensão para a equipe. Eu acho que isso tem que ser muito claro para a equipe se sentir confortável para participar (ENTREVISTA 05).
Pentland e Feldman (2008) indicam que os aspectos ostensivos das rotinas organizacionais são, frequentemente, diversos, múltiplos e conflituosos, sobretudo ao considerar que, muitas vezes, os agentes não seguem as mesmas regras de desempenho, provocando inconsistências de entendimentos abstratos sobre a rotina. As concepções dos consultores apontaram para a busca da percepção de diversos agentes que interagem em uma sequência de atividades, como modo de identificar as rotinas. Esta abordagem apresenta aspecto ostensivo, mais estruturado: os consultores buscam coletar a percepção de um agente, confirmá-la com outros agentes/sujeitos envolvidos e alinhar o entendimento sobre as rotinas com todos eles, conjuntamente. Ocorre a construção abstrata das rotinas por meio dos vários entendimentos, coletivos. E-mails, convites de reunião, comunicações formais, registros de narrativas ou fluxogramas destinados à validação ou pré-validados configuram como artefatos envolvidos na abordagem, de modo a subsidiar a identificação de rotinas, coletivamente.
As concepções dos consultores direcionam para a necessidade em se coletar informações ora com colaboradores de níveis gerenciais, ora com níveis operacionais. Os relatos sinalizaram que o nível operacional não possui a visão estratégica sobre determinada rotina, o que impede uma descrição mais completa. Outros consultores, no entanto, apontaram que a visão dos gestores não é suficiente, pois eles não conhecem a realidade da operação. Nesse sentido, as experiências dos consultores indicam que é recomendável a percepção de todas as partes envolvidas com a identificação do fenômeno:
Porque eu acredito que a pessoa que é operacional, ela tá mais por dentro das atividades, então ela entende, vamos dizer assim, o passo-a-passo e o supervisor é o que baliza aquilo. Então, eu acho que é até bom colocar os dois juntos em caso de haver alguma discordância. O supervisor que só confirma, que dá o aceite, pode ser que não tenha tanto contato com o material produzido no dia-a-dia (ENTREVISTA 20).
Os relatos apontaram que a identificação das rotinas por construção coletiva ocorre durante e até o fim das incursões em campo, pois vão se conectando diversas percepções dos diversos agentes, até a validação final do entendimento. É uma abordagem de difícil acesso, pois exige a disponibilidade dos agentes, assim como a visão holística de todas as partes envolvidas na compreensão das rotinas, trazendo à tona, inconsistências de entendimentos entres os agentes que as operam: “a área, às vezes, ela só sabe o que acontece na casinha dela. Não sabe o que acontece na outra” (ENTREVISTA 10). Os consultores procuram se posicionar como parceiros dos envolvidos, objetivando construir, conjuntamente, um entendimento comum sobre a rotina, caracterizando, predominantemente, uma relação de confiança com os agentes e demais sujeitos como mecanismo de intermediação: “muitas vezes as pessoas se defendem e não dão todas as informações, então você se apresentar como parceiro facilita a obtenção de informação. Criar essa relação de parceria e não de ameaça” (ENTREVISTA 10). As conexões emocionais e sentimentos positivos entre o consultor e o cliente reduzem a incerteza e a vulnerabilidade percebida do cliente sobre o consultor, pois ao estabelecer essa conexão, determinados comportamentos são estabelecidos em sintonia entre os sujeitos (NIKOLOVA; MOLLERING; REIHLEN, 2015).
As pessoas estão muito amarradas no que elas estão fazendo, então elas não veem aquilo que você está passando como uma coisa positiva, elas vão pensar que você só está indo lá para apontar defeitos e dizer para o chefe delas que elas estão fazendo algo errado. E a ideia não é essa (ENTREVISTA 19).
A perspectiva dimensional é a do grupo: o consultor busca consenso com os agentes, demais consultores e envolvidos na necessidade de identificação das rotinas. Os sujeitos buscam entre si a congruência dos entendimentos subjetivos. Contudo, foi interessante notar que não ocorre a busca pelo consenso apenas entre os agentes das rotinas, mas também entre os próprios consultores, compartilhando suas percepções sobre seus próprios entendimentos sobre a rotina. Nesse sentido, a percepção de várias partes contribui para esclarecimentos e conexões entre as ações dos sujeitos envolvidos nas rotinas organizacionais, expondo aos agentes a característica de interdependência entre ações nas rotinas organizacionais. Ocorre que o indivíduo não apenas compreende os fenômenos dos outros em situações compartilhadas, mas os definem reciprocamente nessas situações, promovendo, assim, uma construção social do conhecimento sobre o fenômeno (BERGER; LUCKMANN, 1991).
No quadro 2, apresenta-se o espaço de resultados que sintetiza as concepções apresentadas acima, frente ao fenômeno experimentado pelos consultores.

Como contribuição teórica para os estudos organizacionais, os modos de identificar as rotinas organizacionais apresentados nesta investigação, revelam um potencial arcabouço teórico-metodológico que amplia o estudo das dinâmicas internas da prática organizacional para além da aplicação individual desses modos. O presente estudo sugere a identificação do fenômeno, de uma abordagem ostensivo-codificada (a expectativa formal da organização) para uma perspectiva ostensivo-declarada (a reflexão narrativa dos agentes), prático-operativa (testemunho da improvisação, happenings, beings e becomings) e sócio-construída (desmistificações coletivas, descobertas, esclarecimentos e consensos entre os interessados). Ainda que distintas, essas abordagens são fluidas entre si, de maneira que a multiplicidade de achados decorrentes da aplicação de cada abordagem subsidie a (des)construção das próprias percepções dos pesquisadores acerca da realidade organizacional.
As dimensões comportamentais de poder e confiança surgiram como mecanismos de alcance para a identificação do fenômeno entre consultores e agentes; e entre os próprios agentes das rotinas. Apresentaram-se como vetores que podem determinar, potencializar ou, simplesmente, influenciar o detalhamento ou a (re)configuração das rotinas por aqueles agentes que as desempenham, viabilizando ou condicionando a quantidade e a qualidade do conteúdo que o agente disponibiliza ao consultor em cada abordagem de identificação, implicando no enfraquecimento das possibilidades de omissão, que representariam neste fenômeno, as áreas cinzentas, profundas e, frequentemente ocultas, da ação do indivíduo em uma dada sequência de atividades.
As descobertas reveladas no trânsito dos sujeitos por entre as concepções apresentadas, implicam que tanto a influência de aspectos comportamentais quanto os progressivos níveis de complexidade na aplicação dos modos de conceber o fenômeno, exigem competências específicas para a identificação de rotinas organizacionais. Esses achados contribuem de modo relevante para a inserção do estudo das competências na pauta de discussão acadêmica sobre a compreensão da prática organizacional, configurando-se, ainda, como um tópico de especial interesse para o corpo gerencial das organizações.
Ainda que a coleta das percepções dos consultores seja derivada de uma variedade de experiências com as rotinas, a observação das rotinas organizacionais como instrumento de coleta de dados não foi alvo desta investigação. Recomenda-se, assim, a sua aplicação para o avanço das proposições aqui apresentadas, tanto sobre a população que foi alvo deste estudo, quanto aos atores internos às organizações.


