Recepção: 01 Março 2018
Aprovação: 20 Novembro 2018
DOI: https://doi.org/10.21714/1984-6975FACES2019V18N1ART6013
Resumo: O objetivo deste trabalho foi apresentar um panorama da produção científica brasileira que utiliza as Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) como base de dados nos artigos publicados na área das Ciências Sociais Aplicadas, em especial na Administração. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliométrica como método de revisão sistemática de literatura nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL) entre 2003 e 2017, que possibilitou a construção de um cenário sobre a temática considerando suas características, contribuições e problemáticas para a área. A análise dos resultados evidenciou que a POF é um tema frequente na Economia, mas recente e pouco utilizado na Administração. Desse modo, por se tratar de uma pesquisa ampla, sistemática e que envolve múltiplas variáveis, as POF poderiam ser mais bem exploradas nas áreas de Marketing, Contabilidade e Administração Pública, pois possui interfaces com as mesmas.
Palavras-chave: Pesquisa de Orçamentos Familiares, Bibliometria, Administração, Orçamento Familiar, Economia.
Abstract: The objective of this paper was to present an overview of the Brazilian scientific production that uses the Household Budget Surveys (HBS) as a database in the articles published in the area of Applied Social Sciences, especially in Management. In order to do so, a bibliometric research was carried out as a method of literature systematic review in the Scientific Electronic Library Online (SciELO) and Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL) databases between 2003 and 2017, which allowed the construction of a scenario about this subject, considering its characteristics, contributions and problems for the area. The analysis of the results showed that the POF is a frequent theme in Economics, but recent and little used in the Management. Because it is a broad, systematic and multi-variable research, the POF could be better explored in the Marketing area, Accounting and Public Management, because it has interfaces with them.
Keywords: Household Budget Surveys, Bibliometrics, Management, Household budget, Economy.
INTRODUÇÃO
A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) é um estudo que delineia perfis das condições de vida dos brasileiros através da análise de seus orçamentos domésticos, por meio de informações como hábitos de consumo e os ganhos e despesas dos indivíduos nos domicílios investigados. Trata-se de uma pesquisa realizada por amostragem em diversos municípios brasileiros que fornece informações não apenas sobre as estruturas orçamentárias da população, como também antropométricas, sobre a composição dos gastos das famílias de acordo com as classes de rendimentos, as desigualdades regionais nas áreas urbana e rural, a extensão do endividamento familiar e a dimensão do mercado consumidor para diferentes grupos de produtos e serviços (IBGE, 2004; 2010).
Nesse sentido, as POF podem ser utilizadas como base de dados de estudos em diversas áreas de conhecimento, como no consumo alimentar (SCHLINDWEIN; KASSOUF, 2006; ABREU; HOR-MEYLL; NOGUEIRA, 2014; SILVA; SILVA; DIVINO, 2015), na logística de distribuição varejista nas cidades (FREITAS; MARTINS, 2018), nos gastos com bens e serviços culturais (WINK JUNIOR et al., 2016), com saúde e assistência médica (REIS; SILVEIRA; ANDREAZZI, 2003; ZUCCHI; BITTAR, 2003), com educação (NOVAES et al., 2014), em relação à segurança alimentar (COSTA et al., 2014), dentre outros trabalhos em que as POF se destacam por possibilitar estimativas por meio de recorte de dados com tamanhos de amostra elevados (LEITE, 2015) sobre o orçamento das famílias brasileiras. No que se refere especificamente à área da Administração, de acordo com Silva, Parente e Kato (2009), as POF possuem grande potencial para se tornar um instrumento poderoso na tomada de decisões mercadológicas, haja vista sua amplitude e seu detalhamento de informações sobre orçamentos familiares e padrões de consumo.
Nos últimos anos, foi possível observar um crescente número de pesquisas sobre orçamentos familiares no Brasil (e.g., ABREU; HOR-MEYLL; NOGUEIRA, 2014; NOVAES et al., 2014; COSTA FILHO; MOTTA, 2015; SILVA; SILVA; DIVINO, 2015; PAIVA; SILVA; FEIJÓ, 2016; CARRARO; MEROLA, 2018). Contudo, apesar de se mostrar um instrumento poderoso e consistente para a tomada de decisões e um campo diverso de possibilidades de ampliação dos conhecimentos teóricos e práticos sobre Administração no Brasil, em virtude do amplo conjunto de variáveis que detalham o comportamento de consumo das famílias brasileiras, as POF ainda têm sido uma base de dados secundários pouco debatida na Administração e, devido à sua confiabilidade, pode ser mais explorada para subsidiar diferentes estudos na área (DU; KAMAKURA, 2008; SILVA, 2009; SILVA; PARENTE; KATO, 2009; KAMAKURA; MAZZON, 2013).
Portanto, buscando preencher essa lacuna de compreender como as POF têm sido exploradas na Administração, o problema de pesquisa que este estudo buscou responder foi: Como se apresenta a produção acadêmica nacional nas Ciências Sociais Aplicadas sobre as Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) e quais os principais artigos, autores e temáticas emergentes sobre o assunto em questão? O objetivo deste trabalho foi apresentar um panorama da produção científica brasileira que utiliza as Pesquisas de Orçamentos Familiares como base de dados para os artigos na área das Ciências Sociais Aplicadas publicados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL) com o recorte temporal de 2003 e 2017, a fim de identificar os principais artigos, autores e as temáticas emergentes sobre as POF.
Este estudo se justifica devido à importância das pesquisas bibliométricas para quantificar os processos de comunicação escrita, analisar a produção sobre determinado assunto e a disseminação e o uso da informação em áreas específicas do conhecimento (PRITCHARD, 1969; MACIAS-CHAPULA, 1998; ARAÚJO, 2006). Para Mugnaini (2003), a produção contínua de conhecimento pode dificultar o trabalho do pesquisador de recuperar o cenário da sua pesquisa, e técnicas como a bibliometria facilitam a apreciação da informação produzida e armazenada. Dessa forma, esta pesquisa bibliométrica auxiliaria não apenas na análise da informação produzida e armazenada sobre as POF, como também na identificação de novas tendências sobre o tema para pesquisas futuras (QUEVEDO-SILVA et al., 2016) na Administração.
Além disso, este estudo se justifica também no âmbito social e econômico, uma vez que os estudos sobre as POF podem explicar com mais detalhamento e profundidade as influências da renda familiar e da restrição orçamentária nos processos decisórios de compra e nos padrões de consumo das famílias brasileiras (SILVA, 2009; SILVA; PARENTE; KATO, 2009), já que a POF se trata de um estudo de alta performance que explica o nível de consumo das famílias brasileiras por estrato socioeconômico fundamentado em critérios válidos, fidedignos e confiáveis (KAMAKURA; MAZZON, 2016).
Este artigo foi estruturado em cinco seções. Após esta introdução, foi feita uma explanação sobre a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), de forma a situar o leitor do contexto teórico deste trabalho. Em seguida, foram apresentados os procedimentos metodológicos utilizados para condução do estudo e alcance do objetivo delimitado. Posteriormente, são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa e, por fim, são feitas as considerações finais.
A PESQUISA DE ORÇAMENTO FAMILIAR (POF)
Considerando a teoria clássica do consumidor, amplamente desenvolvida pelo conjunto teórico de microeconomia, podemos entender a escolha do consumidor típico como a tentativa racional de confrontar um conjunto de preferências hierarquizadas por bens e serviços frente a um conjunto orçamentário para preços de mercado dados e conhecidos (Conjunto Orçamentário Walrasiano) (MAS-COLELL et al., 1995).
Devido à limitação de recursos econômicos frente ao caráter ilimitado das necessidades, as pessoas, na maioria das vezes, são obrigadas a distribuírem suas receitas em determinados itens de consumo e em quantidades específicas (PINTO; FREDES; MARINHO, 1983). Tais decisões decorrentes da distribuição de renda formam o orçamento familiar. O termo “orçamento” compreende calcular os gastos previamente para a consecução de uma determinada atividade, sendo que as pessoas costumam organizar seus orçamentos em diversas categorias de despesa, como compras domésticas, alimentação, habitação, entretenimento, saúde e educação, e buscando obter o maior bem-estar coletivo do núcleo familiar (HEATH; SOLL, 1996).
Apesar das proposições centrais identificadas no conjunto teórico ainda permanecerem sólidas, muitos pressupostos relacionados às estruturas de decisão tiveram que ser adaptados ou revistos a luz da evidência empírica, principalmente devido a contribuições da área de economia comportamental (HEATH; SOLL, 1996). Evidências relacionadas com a forma de entender ganhos e perdas, avaliar compras (Utilidade Transacional), definir regras de orçamento, classificação de grupos orçamentários e despesas levaram a um novo entendimento de que a escolha individual e coletiva (núcleo familiar) enfrenta um conjunto de limitações cognitivas e informacionais (THALER, 1985; THALER; JOHNSON, 1990).
Desta forma, as Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) e Pesquisas de Padrão de Vida Familiar visam, principalmente, a mensuração das estruturas de consumo, dos gastos e rendimentos efetivadas pela escolha individual, e da variação patrimonial de famílias, traçando perfis das condições de vida da população através da análise de seus orçamentos domésticos efetivados (orçamento doméstico revelado) (IBGE, 2004; 2010; DEATON, 2018).
Historicamente, os estudos sobre orçamentos e despesas familiares começaram a ganhar visibilidade a partir do momento em que o estatístico Ernst Engel publicou, em 1857, um artigo que demonstrava o impacto do rendimento no perfil dos gastos familiares (SILVA; PARENTE; KATO, 2009). Apesar de sua pesquisa de consumos familiares ter sido antecedida por trabalhos seminais como as de Ducpetiaux e Le Play, sua contribuição se destaca como uma tentativa inicial de estimação da relação entre variáveis socioeconômicas de forma não paramétrica e pela identificação de padrões regulares de comportamento do consumo coletivo (PETHEL, 1975). Para Johnson, Rogers e Tan (2001), somente no início do século XX que pesquisas relacionadas ao orçamento familiar foram sistematicamente delineadas, com a Bureau of Labor Statistics – Agência de Governo dos EUA – mapeando os padrões de consumo das famílias norte-americanas.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já realizou cinco amplos estudos sobre orçamento familiar, a saber: I) o Estudo Nacional da Despesa Familiar – ENDEF 1974/1975, de abrangência nacional, com exceção da área rural da Região Norte; II) a Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF 1987/1988; III) outra Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) nos anos 1995/1996, sendo que estas duas últimas foram realizadas em Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Goiânia e no Distrito Federal, e idealizadas para atender, prioritariamente, a atualização das estruturas de consumo do Índice de Preços ao Consumidor (IPC); e as IV) POF de 2002/2003 e V) POF de 2008/2009, as quais, além de priorizarem as diretrizes acima, foram realizadas em nível nacional e tiveram o acréscimo de questões sobre as condições de vida das pessoas a partir do consumo, aquisições não-monetárias, questões sobre qualidade de vida, dentre outras que complementaram análises socioeconômicas, especialmente sobre pobreza, desigualdade e exclusão social (IBGE, 2010).
As Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) visam, principalmente, a mensuração das estruturas de consumo, dos gastos e rendimentos e da variação patrimonial das famílias brasileiras, traçando perfis das condições de vida da população através da análise de seus orçamentos domésticos (MELO; TEIXEIRA; SILVEIRA, 2017). Além disso, há outros temas mais subjetivos que também podem ser analisados por meio dos dados das POF, como a avaliação do perfil nutricional da população, medidas antropométricas e sobre alimentação escolar. Trata-se de uma pesquisa realizada por amostragem, em que são investigados os domicílios particulares permanentes, nos quais são identificados a unidade básica da pesquisa, que compreende um único morador ou um conjunto de moradores que compartilham as despesas com moradia (IBGE, 2004; 2010; DEATON, 2018). Nesse entremeio, as POF se constituem como estudos que possuem informações extremamente importantes e detalhadas sobre diversas variáveis de renda e consumo das famílias brasileiras, permitindo aprofundar, por exemplo, na compreensão sobre os diferentes padrões de consumo entre as diversas classes de renda do país (SILVEIRA; MENEZES; MAGALHÃES; DINIZ, 2007).
Nesse contexto, Coelho, Aguiar e Fernandes (2009) e Coelho, Aguiar e Eales (2010), por exemplo, analisaram o padrão de consumo de alimentos das famílias brasileiras com base nos dados da POF de 2002/2003 e concluíram que há discrepâncias significativas nas probabilidades de aquisição entre domicílios chefiados por mulheres, por pessoas que se autodeclaram pardas e negras e entre domicílios localizados nos meios urbano e rural, além de constatarem a relevância das variáveis regionais e educacionais na explicação da aquisição de diversos produtos. Da mesma forma, Neto e Menezes (2010) analisaram os níveis e a evolução da desigualdade do gasto familiar per capita e da desigualdade da distribuição do consumo familiar per capita no Brasil, demonstrando que os microdados das POF são relevantes nos estudos sobre a dinâmica dos tipos de gastos familiares e na compreensão da evolução dos desníveis de bem-estar da população.
Desse modo, as POF podem ser consideradas um vasto campo de informações relacionadas não somente às estruturas orçamentárias da população brasileira, como também contem elementos dos domicílios e das famílias pesquisadas, ampliando o potencial de utilização dos resultados do estudo, principalmente para habilitar avalições sobre desigualdade de renda, pobreza e padrões de vida mínimos (DEATON, 2018). Entretanto, embora o volume significativo de informações que tais pesquisas apresentam, elas ainda são pouco exploradas na academia, devido, talvez, à dificuldade de compreensão da sua estrutura de apresentação a cada tempo e da sua evolução (DINIZ et al., 2007).
Outra consideração importante, como observado por Deaton (2018), é que a própria metodologia de pesquisa utilizada apresenta um conjunto de limitações, como falta de uniformização sobre o que constitui uma família (household) e suas formas de aquisição e divisão de recursos, dificuldade de construir via amostra o acompanhamento de um mesmo indivíduo ou família (panel data), falta de uniformidade sobre qual o melhor período para delimitar as pesquisas de consumo, dificuldades para caracterizar o espectro relevante de itens ou ações de consumo (dificuldades com bens que geram externalidades positivas, consumo de bens públicos, etc..), e dificuldades de medir a própria renda e riqueza.
Portanto, os estudos sobre orçamento familiar são pouco frequentes na academia, apesar do intenso uso de tais fontes de informação por órgãos internacionais de avalição de política, distribuição de renda e pobreza como a ONU e o Banco Mundial. Geralmente, tais pesquisas não estão preocupadas com as razões da composição do orçamento dos indivíduos e famílias, e são mais comuns e aprofundadas na área da Microeconomia (SILVA; PARENTE; KATO, 2009). Nesse contexto, muitos estudos implicam em usos dos dados das POF para avaliação simulada de propostas teóricas, como as das características distributivas de impostos indiretos (ASANO et al., 2004; SIQUERIRA et al., 2012; CARVALHO et al., 2013), testes sobre pressupostos estruturais da teoria da demanda (TRAVASSOS; COELHO, 2015), entre outras aplicações de validação ou análise teórica. Por outro lado, podemos listar uma gama de trabalhos empíricos dentro da área de economia e avaliação de políticas públicas preocupados com nichos específicos do conjunto social (escolha familiar de consumo e distinções de gênero, setor de consumo e distinções raciais e culturais) e suas escolhas (CARVALHO; KASSOUF, 2009; SANTANA; MENEZES, 2009; PAGLIOTO; MACHADO, 2012) ou mesmo políticas especificas e seus efeitos (RESENDE; OLIVEIRA, 2008; JUNIOR et al., 2016).
Em contraposição, na área de Administração as POF são bases de dados pouco exploradas, apesar de serem instrumentos de alto potencial na tomada de decisões mercadológicas (SILVA, 2004). De acordo com Silva e Parente (2007) e Du e Kamakura (2008), os estudos sobre orçamentos familiares são pertinentes nos dias atuais e estão intimamente relacionados com a temática de segmentação de mercado e comportamento do consumidor. Por isso, quando ocorrem, são mais comuns na área de Marketing, como os estudos de Silva et al. (2009), Costa Filho e Motta (2015) e Kamakura e Mazzon (2016), embora ainda sejam escassos e recentes.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A fim de atingir o objetivo proposto de apresentar um panorama da produção científica brasileira que utiliza as POF como base de dados para os artigos na área das Ciências Sociais Aplicadas publicados nas bases de dados SciELO e SPELL entre 2003 e 2017, esta pesquisa fez uso do método bibliométrico e é de abordagem quantitativa, de cunho descritivo, uma vez que utilizou de técnicas estatísticas para obter informações sobre características de determinadas áreas (COLLIS; HUSSEY, 2005).
De acordo com Araújo (2006), a Bibliometria é uma técnica quantitativa e estatística que tem como finalidade medir a produção e disseminação do conhecimento científico. Tal método vem sendo usado, principalmente, para identificar autores e periódicos mais produtivos sobre determinada temática, analisar linhas de pesquisa de periódicos e a colaboração entre autores e instituições (ANDRÉS, 2009).
Tendo por base o trabalho de Tranfield, Denyer e Smart (2003), este estudo foi realizado em duas etapas: I) busca sistemática e II) análise sistemática da literatura, descritas a seguir. A primeira etapa ocorreu em janeiro de 2017, em que foram definidas as bases de dados, as palavra-chave, os campos de buscas e os filtros de refinamento. A definição das palavras-chave é fundamental nessa etapa, uma vez que determina o escopo da pesquisa e impacta na sua validade (SINGLETON; STRAITS, 1993). A escolha pelas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL) levou em consideração o fato de serem coleções abrangentes de periódicos reconhecidos pela comunidade científica nacional, com foco na produção acadêmica das áreas relacionadas às Ciências Sociais Aplicadas, principalmente à Administração.
Tendo em vista que a utilização das POF é pouco frequente na academia (SILVA, 2004; SILVA; PARENTE, 2007; DU; KAMAKURA, 2008; SILVA; PARENTE; KATO, 2009), considerou-se a totalidade dos artigos localizados desde a sua primeira publicação, ou seja, de 2003 até janeiro de 2017. Os termos utilizados como critérios de busca foram “orçamento familiar”, “pesquisa de orçamento familiar”, “estudo sobre orçamento familiar”, “POF” e “orçamentos familiares” investigados nos resumos dos artigos. Vale destacar que o descritor “orçamento familiar”, utilizado como filtro para refinamento da pesquisa, está enquadrado nos descritores recomendados pela Thesaurus Brasileiro da Educação. Contudo, como a busca somente por “orçamento familiar” levantou um número reduzido de artigos sobre a temática, optou-se por expandir os termos utilizados como critérios de busca, passando a englobar também os demais termos supracitados, de modo a ampliar e a enriquecer a base de dados para análise.
Com base nesses procedimentos e na exclusão de artigos repetidos entre as duas bases, foram encontrados 125 artigos publicados. Em seguida, para refinamento da busca, aplicou-se o filtro da área de pesquisa – Ciências Sociais Aplicadas – e coleções brasileiras, tendo em vista que as POF, regularmente conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possuem métodos e características específicas para desenvolver as análises (IBGE, 2004; 2010) e, por isso, não seria apropriado expandir a busca para periódicos internacionais. Após o filtro da área de pesquisa e o recorte nacional, foram selecionados 43 artigos.
Na etapa seguinte (análise sistemática da literatura), os 43 artigos foram lidos na íntegra, com o objetivo de manter somente aqueles que apresentassem a POF como base de dados para o artigo, e excluir aqueles que apenas faziam menções a POF no corpo do texto mas cujo assunto não se relacionava com ela. Dessa forma, após essa análise restaram 39 artigos que compuseram a amostra final objeto das análises e que foram publicados em 18 periódicos, sendo o mais antigo publicado em julho de 2003 e o mais recente em dezembro de 2016.
Este estudo foi conduzido com base na Lei de Lotka, na Lei de Bradford e na Lei de Zipf (ARAÚJO, 2006; PATRA; BHATTACHARYA; VERMA, 2006; NORONHA; MARICATO, 2008; MACHADO JUNIOR et al., 2016). Em suma, a primeira se refere a produtividade dos autores; a segunda objetiva avaliar a evolução histórica do número de publicações e os periódicos que mais publicaram sobre a temática ; e a terceira visa aferir a distribuição de frequências de palavras de um texto, estabelecendo uma lista ordenada de termos sobre uma determinada temática (VANTI, 2002).
Por fim, foram utilizadas as seguintes categorias de análise: (a) evolução histórica do número de publicações e (b) os periódicos que mais publicaram sobre a temática (Lei de Bradford); (c) Distribuição dos artigos por número de autores e autores com maior número de publicação (Lei de Lotka); (d) as instituições das quais esses autores são filiados (e) a identificação dos artigos mais citados; (f) os principais autores e obras referenciados em Pesquisa de Orçamentos Familiares nas Ciências Sociais Aplicadas; e (g) as palavras-chave que mais se destacam nas POF (Lei de Zipf). Os resultados obtidos a partir da análise bibliométrica foram tabulados e analisados no software Microsoft Excel® e discutidos na seção a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Frequência anual de publicação
Na pesquisa bibliográfica foram localizados 39 artigos que abordaram a temática das Pesquisas de Orçamentos Familiares em artigos da área das Ciências Sociais Aplicadas. Através da distribuição das publicações no tempo e sua frequência em cada período é possível identificar a produtividade científica de uma determinada área de estudo (ANDRÉS, 2009).
Ao analisar os dados da distribuição por ano das publicações sobre as POF em Ciências Sociais Aplicadas (Figura 1), é possível afirmar que, embora a partir de 2009 as publicações tenham aumentado, o número de artigos publicados sobre tal temática nessa área ainda é muito baixo, sendo 2004, 2005 e 2007 os anos com menor número de publicações – apenas 1 artigo – e os anos de 2009 e 2015 com maior número de publicações, com 6 artigos em cada. Tal fato corrobora com os estudos de Diniz et al. (2007), os quais afirmam que as POF ainda são pouco exploradas pela academia.

Publicações por periódicos
A tabela 1 lista em ordem decrescente a quantidade de artigos publicados por periódicos, permitindo identificar os periódicos mais produtivos. A partir disso, foi evidenciado que não há uma amplitude de revistas em que são publicados os estudos sobre as POF na área das Ciências Sociais Aplicadas, uma vez que periódicos específicos de campos de conhecimento dessa área, como por exemplo, Direito, Ciência da Informação e Turismo, não apareceram na relação. Pelo contrário, a partir da Lei de Bradford constatou-se um núcleo pouco disperso sobre as POF em um mesmo conjunto de periódicos, já que um pequeno número de revistas (três) é responsável por uma parcela significativa (43,6%) do total da produção científica da área (VANTI, 2002).
Vale ressaltar, além disso, como pontuado por Silva, Parente e Kato (2009) e demonstrado na tabela abaixo, que essa temática é mais comum em periódicos da área da Economia, seguidos pela da Administração, as quais, em conjunto, totalizaram quase 90% das publicações, ainda que a segunda área tenha um número de artigos relativamente baixo se comparada à primeira. Nesse contexto, destaca-se o periódico “Estudos Econômicos”, que apresentou o maior número de artigos sobre as POF entre 2003 e 2017, com sete publicações. Assim, apesar de se tratar de um assunto interdisciplinar, as POF têm sido mais abordada na Economia, e pouco debatida em outras áreas, como na Administração, demonstrando, por exemplo, um maior interesse por parte dos pesquisadores da Economia sobre o assunto ou até mesmo uma maior abertura dos periódicos da área para a temática, uma vez que a Lei de Bradford também se refere ao aperfeiçoamento de políticas de alcance e de rejeite de revistas (BEUREN; SOUZA, 2008).

Distribuição dos artigos por número de autores e autores com maior número de publicação
A tabela 2 mostra a distribuição dos artigos por número de autores. A partir dela, é possível afirmar que há a predominância de publicações com dois autores por artigo – 38,5% do total da amostra –, seguidos de três autores por artigo, que representa 30,8% do total da amostra. Nesse sentido, constatou-se também o baixo número de publicações individuais quando comparado às publicações em conjunto.
A relevância de buscar identificar a composição de autores por artigo analisado neste estudo se deu pelo fato de que em outras áreas, como na Ciência da Informação, “artigos com autoria única predominam sobre a autoria em colaboração” (MUELLER; PECEGUEIRO, 2001). Por conseguinte, vale destacar também que “a literatura gerada por pesquisas feitas em colaboração mostra diferenças importantes se comparadas com a produzida por pesquisadores que trabalham isoladamente” (MEADOWS, 1999, p. 109), podendo indicar, nesse caso, uma tendência de ampliação do número de trabalhos sobre as POF com dois ou mais autores, a ampliação das redes de cooperação entre pesquisadores e uma possível integração do conhecimento diversificado com um número maior de autores.

Já a tabela 3 evidenciou os autores e coautores com maior número de publicação sobre as POF em Ciências Sociais Aplicadas. Tendo em vista que os 39 artigos selecionados pela pesquisa bibliométrica possuem um total de 99 autores – já que há uma grande quantidade de artigos que possuem autoria de dois ou mais pesquisadores –, foram selecionados para compor os dados dessa tabela apenas aqueles que publicaram mais de uma vez.
Visto isso, destacaram-se Alexandre Bragança Coelho, filiado à Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Tatiane Almeida de Menezes, da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), ambos com três publicações sobre Pesquisa de Orçamentos Familiares em Ciências Sociais Aplicadas nas bases de dados analisadas. Vale ressaltar ainda que, dentre os outros autores que tiveram duas publicações sobre tal temática, houve a prevalência, novamente, das Instituições UFV e UFPE.
Desse modo, observou-se que não há uma alta concentração de publicações por um grupo específico de pesquisadores, mas sim uma ampla difusão de autores. Isso se refere a uma característica de determinada área de conhecimento (as POF) cujo referencial teórico, identidade e institucionalização do corpo de autoridade ainda estão em um processo de construção (RODRIGUES; VIEIRA, 2016). Portanto, a partir dos dados apresentados na tabela abaixo, considera-se inapropriada a aplicação da Lei de Lotka para os estudos das POF, já que a quantidade de pesquisadores que produziram n contribuições sobre as POF não foi aproximadamente 1/n2 daqueles que produziram apenas uma contribuição (VANTI, 2002). Por exemplo, segundo a Lei de Lotka, a proporção entre quantidade de autores que produziram dois artigos em determinada área seria 25% da quantidade de autores que produziram apenas um artigo. Contudo, no presente trabalho, essa proporção foi de aproximadamente 13,7%, já que 73 autores publicaram apenas uma vez.

Distribuição dos artigos por instituição de origem
Os artigos que compõem esta análise também foram distribuídos de acordo com as instituições de origem dos seus autores e coautores. Para tanto, foram realçadas aquelas que tiveram 5 ou mais autores vinculados à instituição. Como é possível verificar na tabela 4, houve um maior número de autores e coautores nas publicações sobre as POF vinculados à Universidade de São Paulo (USP), com 17 autores no total, seguidos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com 12, e pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), com 11 autores em publicações.

Análise das obras mais citadas
Esta seção apresenta os artigos mais citados até o mês de janeiro de 2017 entre os artigos utilizados na amostra total da pesquisa. O número de vezes que uma obra ou autor foi citado por outros pesquisadores é uma das maneiras mais utilizadas pela academia para mensurar a importância de um artigo. De acordo com Andrés (2009), apesar de esse não ser o único critério utilizado, o impacto de autores, pesquisas e periódicos pode ser avaliado por meio da análise de citações, as quais são vistas como reconhecimento positivo da contribuição feita pelo autor citado. Por isso, do total dos artigos selecionados nesta pesquisa bibliográfica, foram realçados aqueles que apresentavam o maior número de citações no SciELO e no Spell. O resultado pode ser conferido na tabela 5.

Dentre os artigos mais citados, um chamou atenção pela frequência superior em que aparece em relação aos demais, citado 9 vezes e escrito pelas autoras Madalena Maria Schlindwein e Ana Lúcia Kassouf, ambas vinculadas a Universidade de São Paulo, instituição esta que mais publica sobre a temática Pesquisa de Orçamentos Familiares. Vale ressaltar também que Ana Lúcia Kassouf apareceu como uma das autoras mais produtivas sobre as POF durante a realização deste estudo na Tabela 3. O artigo mais citado, intitulado “Análise da influência de alguns fatores socioeconômicos e demográficos no consumo domiciliar de carnes no Brasil”, evidenciou, por meio dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2002-2003, que fatores socioeconômicos e demográficos possuem influência expressiva nos padrões de consumo domiciliar de carnes no Brasil.
Ademais, é importante ressaltar também que o baixo número de citações de trabalhos sobre as POF podem ser explicados por dois motivos: o primeiro é que se trata de um tema relativamente novo para a academia e que ainda pode ser mais explorado, visto que as primeiras publicações sobre a temática nessas bases de dados datam de 2003; outra consideração a ser feita a esse respeito é que, além do baixo número de produções de artigos, apenas um número reduzido desses é que gerou um impacto significativo na comunidade que publica na área das Ciências Sociais Aplicadas, devido ao número de citações.
Outro aspecto relevante de se destacar sobre a Tabela 5 é que as obras mais citadas sobre as POF levam em consideração informações relacionadas com os domicílios, as famílias e as estruturas orçamentárias da população brasileira (DINIZ et al., 2007), sendo amplamente citadas e divulgadas em periódicos da área da Economia, como apontado por Silva, Parente e Kato (2009), mas pouco frequentes na área da Administração (SILVA, 2004).
Análise das principais obras referenciadas
Nesta seção, apresentam-se os principais autores e obras referenciadas nas Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF). Para tanto, foi levado em consideração dois fatores: I) as referências bibliográficas utilizadas nos 39 artigos analisados, e II) a obra ser referenciada cinco vezes ou mais no total de publicação sobre as POF como critério de seleção para compor os resultados abaixo, descritos na Tabela 6.

Constatou-se que a principal obra referenciada nessa temática é a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo IBGE nos anos de 2008/2009, seguida pela POF de 2002/2003, referenciadas 17 e 13 vezes, respectivamente. Tal fato pode ser explicado pois, segundo o IBGE (2010), a última POF, realizada em 2008/2009 e publicada em 2010, foi a mais abrangente e sistemática realizada até o momento. Além disso, é importante ressaltar que as POF de 1987/1988 e 1995/1996 também foram referenciadas nos artigos analisados, sem, contudo, atingir o critério de aparecer cinco vezes ou mais como referência e, por isso, ambas não compuseram a Tabela 6.
Foi possível verificar também que algumas das obras referenciadas nos trabalhos sobre as POF são da Economia, como em “Economics and consumer behavior”, “An almost ideal demand system” e “Econometric Analysis”, reforçando a intensa relação de tal temática com essa área (SILVA; PARENTE; KATO, 2009) nas Ciências Sociais Aplicadas. Entretanto, destaca-se ainda que alguns trabalhos referenciados abrangem também a Administração, como em “Economics and consumer behavior” e “Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas”, demonstrando que, embora sejam pouco explorados nessa área (SILVA, 2004), os estudos sobre as POF podem ser vinculados ao Marketing, principalmente no que se refere ao comportamento do consumidor e a segmentação de mercado (SILVA; PARENTE, 2007; DU; KAMAKURA, 2008).
Frequência de termos nas palavras-chave
Por fim, conforme a Lei de Zipf – sobre identificar a frequência do aparecimento das palavras no texto e criar uma lista ordenada de termos de uma determinada área temática (VANTI, 2002) –, foram analisadas as palavras-chave que mais ficaram em evidência na pesquisa bibliométrica sobre as POF. O objetivo desta análise foi subsidiar a construção de figuras-conceito sobre os antecedentes, as relações e os consequentes do conhecimento construído sobre POF até o momento, bem como identificar suas dimensões e as principais tendências e temáticas emergentes sobre o assunto nos dias de hoje, como demonstrado na Tabela 7.

De acordo com a tabela acima, os principais termos que se destacaram na análise da frequência das principais palavras-chave foram “Pesquisa de Orçamentos Familiares”, que foi citado 8 vezes e “Orçamento Familiar”, que apareceu 6 vezes. Foi possível identificar outros termos frequentes que geralmente se relacionam com a temática das POF, tais como “desigualdade” e “consumo”, sendo que o primeiro apareceu 5 vezes e o segundo foi citado 4 vezes como termo isolado. Nesse contexto, vale destacar que além dessas 4 vezes isoladas, o termo “consumo” foi citado enquanto palavra-chave também na forma de expressão em outros seis trabalhos diferentes (consumo alimentar (2 vezes), consumo de açúcar, consumo de carne, consumo de saúde e consumo familiar), demonstrando que essa temática é uma dimensão importante e emergente nos estudos sobre as POF, já que, se somadas as frequências isoladas mais as vezes como expressão em que o termo apareceu, a temática do consumo representaria 6,8% de todas as palavras-chave, ou seja, mais frequente até do que “Pesquisa de Orçamentos Familiares”.
Além disso, outros termos se destacaram enquanto palavras-chave nos estudos das POF, como “bem-estar”, “distribuição de renda”, “segmentação” e “segurança alimentar”, os quais apareceram 3 vezes na amostra, demonstrando ser outros possíveis temas emergentes sobre as POF. Já “gastos” e “demanda”, ainda que representem isoladamente um percentual reduzido do total (1,3%) e que tenham aparecido na mesma frequência (2 vezes) que outras palavras-chave, como “equidade”, “reforma tributária”, “elasticidade-renda” e “baixa renda”, ressalta-se que, assim como “consumo”, tais termos foram citados também na forma de expressão. Assim, “gastos” apareceu duas vezes isoladamente mais outras três vezes em forma de expressão (gasto com alimentação, gasto com educação e gastos em saúde), bem como “demanda”, que foi citado isoladamente duas vezes, mais outras duas vezes em forma de expressão (demanda por alimentos e demanda por carnes), colocando tais termos também como temas de destaque quando relacionados as Pesquisas de Orçamentos Familiares.
De modo geral, considerando essa inconsistência na frequência de palavras-chave nos artigos analisados – tendo em vista que poucos termos se repetiram algumas vezes – pode-se afirmar que ainda não há muitas temáticas consolidadas que se relacionam com as POF e que a Lei de Zipf também não se aplicada nesse contexto, já que ela se refere ao princípio do mínimo esforço, em que haveria pouca dispersão dos principais termos citados no texto (VANTI, 2002). Por outro lado, tal fato demonstra também que as POF realmente contem um vasto campo de informações relevantes sobre a população brasileira e que, portanto, trata-se de um instrumento em potencial para utilização de seus resultados nas pesquisas nacionais (DINIZ et al., 2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo proposto neste artigo foi apresentar um panorama da produção científica brasileira que utiliza as Pesquisas de Orçamentos Familiares como base de dados para os artigos na área das Ciências Sociais Aplicadas publicados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL) entre 2003 e 2017. Tal objetivo foi alcançado ao ser analisado, por meio de uma pesquisa bibliométrica, o cenário das pesquisas realizadas sobre as POF, considerando suas características, contribuições e problemáticas para a área, e por oferecer insights para pesquisas posteriores.
A partir da bibliometria realizada nas bases de dados citadas, foram selecionados 39 artigos publicados em 18 periódicos distintos, sendo a publicação mais antiga datada de 2003 e a mais atual em dezembro de 2016. Por meio da análise dos resultados, foi possível afirmar que essa temática ainda não é muito consolidada e utilizada nas Ciências Sociais Aplicadas, tendo em vista a baixa produtividade e as publicações relativamente recentes na área.
Nesse contexto, vale destacar que, embora este estudo tenha se baseado na Lei de Lotka, Lei de Bradford e Lei de Zipf para a condução da pesquisa, apenas a segunda se aplicou no contexto das pesquisas de orçamentos familiares no Brasil. Foi visto que a Lei de Lotka e a Lei de Zipf não se aplicam aos estudos das POF, uma vez que se trata de uma temática recente e pouco consolidada, cujo referencial teórico, identidade e institucionalização do corpo de autoridade ainda estão em fase de construção.
Além disso, foi evidenciado que os artigos que se baseiam nas POF são publicados, principalmente, em periódicos da Economia, demonstrando a estreita relação que há entre tal temática e a área econômica. As publicações ocorreram, também, embora menos comuns, na Administração. Isso demonstra que há, ainda, outros campos das Ciências Sociais Aplicadas que podem explorar as Pesquisas de Orçamentos Familiares como fonte de informações, como por exemplo, o Direito, a Ciência da Informação e o Turismo.
Quanto à autoria, destacaram-se Alexandre Bragança Coelho, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Tatiane Almeida de Menezes, da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), ambos com três publicações sobre a temática. Notou-se, também, que a maioria dos autores que publicam sobre as POF estão vinculados a Universidade de São Paulo (USP), seguidos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), demonstrando a possibilidade de um futuro fortalecimento de grupos de pesquisa sobre a temática nessas instituições.
Outra questão a ser destacada foi o baixo número de citações dos artigos analisados e a concentração de citações em apenas um artigo. Tal fato pode ser justificado por ser tratar de uma temática relativamente nova para a academia, mas também pode indicar que apenas um número reduzido dessa produção científica gerou impacto significativo na comunidade que publica na área das Ciências Sociais Aplicadas. Em relação às principais obras referenciadas nos artigos analisados, destacaram-se as POF realizadas pelo IBGE nos anos de 2008/2009 e 2002/2003, por serem pesquisas mais abrangentes e sistemáticas.
A contribuição deste estudo diz respeito à apresentação e difusão da produção do conhecimento sobre as POF para as Ciências Sociais Aplicadas, especialmente para a Administração. Além de ser uma temática recente na área, ainda não havia uma pesquisa bibliométrica que abordasse esse tema. Nesse sentido, o presente estudo demonstrou que as POF podem ampliar os conhecimentos teóricos e práticos no ensino e em pesquisas em Administração no Brasil. Nas POF realizadas pelo IBGE há inúmeras variáveis que compõem os orçamentos das famílias brasileiras. E há também diversos fatores que impactam a composição desse orçamento, dando subsídio, então, para inúmeros estudos específicos sobre a temática.
Entretanto, embora sejam um vasto e significativo campo de informações, as POF ainda são pouco exploradas no ensino e pesquisas em Administração. E quando o são, se referem a estudos específicos na área de Marketing, em relação à segmentação de mercado e comportamento do consumidor, já que as POF são fundamentadas em critérios válidos, fidedignos e confiáveis e podem ser úteis para as empresas na implementação de estratégias mercadológicas diferenciadas de acordo com o estrato socioeconômico do público-alvo, na formulação de estratégias de comunicação e mídia, na facilitação do processo de tomada de decisões de compra e no conhecimento dos desejos de aquisição e atitudes em relação a determinados tipos de produtos (KAMAKURA; MAZZON, 2016).
Contudo, por se tratar de uma pesquisa ampla, sistemática, que envolve múltiplas variáveis e possui diversas interfaces, as POF também podem ser utilizadas por outras áreas da Administração, como na Contabilidade e o efeito dos sistemas contábeis no comportamento humano; na Administração Pública e a gestão de políticas sociais, subsidiando políticas sociais para a melhoria das condições de vida da população em relação a nutrição, saúde, moradia e contra a desigualdade social, por exemplo; e em outros temas em Marketing, como o consumo consciente/verde, a responsabilidade social e comunidades de anticonsumo. Para tanto, basta apenas empreender esforços científicos sistemáticos a este propósito.
Como limitação da pesquisa, destacou-se a utilização de apenas duas bases de dados para a bibliometria. Dessa forma, sugere-se uma ampliação desse recorte para pesquisas posteriores, o que permitiria análises complementares e uma apreensão mais abrangente da produção científica nacional sobre a temática. Ademais, recomenda-se também a utilização da sociometria em pesquisas futuras, que permitiria analisar as redes de parceria entre autores e instituições. Por fim, vale ressaltar como um desdobramento futuro deste presente trabalho o interesse por parte dos autores deste artigo de, posteriormente, analisar os dados da POF da região metropolitana de Belo Horizonte e relacioná-los com outras temáticas da Administração.
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