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Os “vários urbanos”: Uma análise das transformações recentes na hierarquia urbano-regional do Nordeste brasileiro
EURE, vol. 51, núm. 152, pp. 1-20, 2025
Pontificia Universidad Católica de Chile

Artículos


Recepción: 26 Abril 2023

Aprobación: 22 Octubre 2023

DOI: https://doi.org/10.7764/eure.51.152.01

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar as modificações na hierarquia de cidades da Região Nordeste do Brasil, a partir dos anos 1990. Para tanto, consideram-se as configurações e tendências da rede urbana do Nordeste, associando uma perspectiva diacrônica (dinâmica) sobre o comportamento da rede urbana a uma perspectiva sincrônica, relativa aos aspectos formais e funcionais que qualificam a hierarquia entre as cidades e à centralidade da oferta de determinados serviços. Metodologicamente, utilizam-se os indicadores relacionados à evolução da hierarquia urbana (níveis de centralidade) e ao volume de ativos financeiros para o conjunto dos municípios que pertencem à rede urbana regional. Conclui-se que a (re)estruturação da rede urbana e as tendências do desenvolvimento urbano-regional no Nordeste pós-1990 permitem captar diferentes dinâmicas econômico-espaciais, revelando “vários Nordestes urbanos”.

Palavras-chave: urbanização, sistema urbano, serviços financeiros.

Abstract: This article aims to analyze changes in the hierarchy of cities in the Northeast region of Brazil, from the 1990s onwards. For this purpose, the configurations and trends of the urban network in the Northeast are considered, associating a diachronic (dynamic) perspective on the behavior of the urban network to a synchronic perspective, relative to the formal and functional aspects that qualify the hierarchy between cities and the centrality of the offer of certain services. Methodologically, indicators related to the evolution of the urban hierarchy (levels of centrality) and the volume of financial assets for the set of municipalities that belong to the regional urban network are used. It is concluded that the (re)structuring of the urban network and the urban-regional development trends in the Northeast, post-1990, allow us to capture different economic-spatial dynamics, revealing “several urban Northeasts”.

Keywords: urbanization, urban system, financial services.

Introdução

A Região Nordeste do Brasil apresentou crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) acima do brasileiro nos últimos 20 anos. Segundo o Diário Econômico ETENE (DEE, Ano II, Nº 117, 2019), divulgado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), entre os anos de 2002 e 2017, o PIB do Nordeste teve crescimento real de 2,7% ao ano, com média superior à verificada no Brasil (2,4% a.a.). Isso pode ter favorecido a redução de desigualdades sociais, elevando a renda e reduzindo a pobreza. Infere-se que ocorreram importantes transformações econômicas e sociais, as quais, de certo modo, geraram efeitos dinamizadores sobre a hierarquia urbano-regional do Nordeste. No entanto, é necessário verificar em que medida esses efeitos dinamizadores podem ter decorrido da maneira como a urbanização responde às transformações nas estruturas produtivas.

Entende-se que, desde os anos 1990, emergiram processos que (re)condicionaram o estágio atual da urbanização brasileira, associados às modificações da trajetória de desenvolvimento do país e de suas regiões (Abdal, 2020; Cano, 2011). Por um lado, aponta-se para a emergência de cidades médias (Scherer & Do Amaral, 2020) ou de arranjos urbano-intermediários (Miranda & Gomes Júnior, 2017), cujos desempenhos estiveram associados à desconcentração produtiva regional e influenciados pelo aprofundamento da exploração da base de recursos naturais, tal como ocorre em toda a América Latina (Cano, 2017; Svampa, 2022). Por outro lado, reconfiguraram-se as tradicionais hierarquias exercidas pelo estrato superior da rede de cidades brasileiras (Moura, 2016), com as metrópoles incorporando novas funções decorrentes da trajetória recente de reestruturação econômica e produtiva (Cobos & López, 2021), devido ao avanço do processo de globalização e do neoliberalismo no país (Cano, 2017).

Em suma, verificou-se um movimento de redefinição do padrão de urbanização, que ocorre de maneira mais generalizada e extensiva (Miranda & Gomes Júnior, 2017), abrangendo todo o território nacional, mas com um maior crescimento urbano fora das áreas metropolitanas. Esse processo simultâneo de fortalecimento dos principais nós da rede urbana e de emergência dos arranjos urbano-intermediários é também sintomático do padrão histórico de distribuição da população, da atividade econômica e, por conseguinte, das cidades brasileiras em seu espaço nacional. Um padrão que é, ao mesmo tempo, concentrado e disperso, cujas características herdadas também condicionam seu comportamento atual.

Vale observar, no entanto, que a análise da hierarquia entre essas cidades, baseada nas funções centrais que desempenham, tende a priorizar o topo de seu ordenamento metropolitano (Porto, 2022). Isso dificulta a avaliação do que ocorre em arranjos urbanos que se formam – articulando cidades pequenas e médias – e que conferem novo sentido hierárquico às redes de cidades e a seus respectivos espaços regionais. Nesse sentido, deve-se observar o caráter social mais dinâmico que as cidades exercem em suas áreas de influência, contornando um viés centrado apenas na classificação funcional dada pelos papéis que exercem na rede, seja em curtas (cityness) ou longas (townness) distâncias (IBGE, 2020b).

No caso da Região Nordeste, os centros urbanos intermediários aumentaram sua importância relativa no total da população e expandiram seu dinamismo a partir das atividades terciárias que foram sendo implantadas. Entretanto, após a grave crise econômica e política que afetou o Brasil após 2017, pode-se considerar que esse padrão de crescimento impulsado pelo consumo e expansão terciária tenha se exaurido (Rossi et al., 2020). Dessa forma, não foram superados os condicionantes estruturais em que a dinâmica da renda se apresenta, mantendo forte dependência do Estado (Carvalho, 2014), questão crucial para garantir a diversificação da economia urbana e seu crescimento.

Com base nesses elementos, este artigo busca responder às seguintes questões: quais foram as principais modificações da hierarquia urbano-regional do Nordeste do Brasil desde os anos 1990? Em que medida essas modificações se devem à reestruturação da rede urbana brasileira e às tendências atuais de seu desenvolvimento regional? Assim, tem-se como objetivo geral analisar as modificações recentes na hierarquia das cidades da Região Nordeste. Para tanto, discute-se a configuração e as trajetórias das redes de cidades nordestinas, por meio de uma abordagem histórico-estrutural, associada à análise do desempenho de indicadores de centralidade e hierarquia entre as cidades.

Este texto divide-se em mais quatro seções, além desta Introdução. Na próxima seção, de fundamentação teórica, propõe-se um quadro analítico sobre a hierarquia urbano-regional e sobre a rede urbana. Na seção seguinte, apresenta-se a metodologia e o objeto de análise. Posteriormente, discutem-se os principais resultados para os dois indicadores avaliados para a caracterização da hierarquia. Por fim, são apresentadas as principais conclusões desta análise.

Um aporte teórico-metodológico sobre as mudanças na hierarquia urbano-regional

A presente seção propõe um quadro analítico das modificações da hierarquia urbano-regional, em um determinado período de longa duração. Sob a perspectiva histórico-estrutural, defende-se uma análise escalar integrada acerca da rede urbana e das estruturas produtivas regionais. Nesse contexto, o ponto de partida reside na forma como as redes de cidades estão estruturadas e se articulam segundo diferentes níveis de sua hierarquia.

No Brasil, tais condições foram atualizadas por meio do estudo “Regiões de Influência das Cidades” (REGIC) de 2018 e seus produtos subsequentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020b, 2021). Este material serve como referência para os recortes espaciais, os níveis de hierarquia e de centralidade, bem como para as relações espaciais internas às regiões brasileiras, permitindo a avaliação das transformações pelas quais suas áreas de influência passam e fazem com que os principais núcleos urbanos consolidem sua hierarquia e níveis de centralidade.

Não obstante, para uma análise mais circunstanciada das características das redes de cidades no período, é preciso considerar as modificações correspondentes em sua própria hierarquia urbana – isto é, nos níveis de centralidade e nas funções desempenhadas pelas cidades. Trata-se, portanto, de verificar alguns dos principais componentes da hierarquia urbano-regional consubstanciada pela presença de um conjunto de equipamentos e serviços distribuídos pelo território, seguindo à lógica específica de estruturação dessa rede. Em suma, parte-se da sua configuração atual para entender até que ponto ela evoluiu e como ajuda a explicar o desenvolvimento urbano-regional do Nordeste.

Define-se a rede urbana como a forma pela qual os centros urbanos estão espacialmente distribuídos e se articulam funcionalmente (Corrêa, 2006), estabelecendo uma estrutura hierárquica entre si. Ao mesmo tempo em que a rede urbana resulta de como as cidades estão distribuídas pelo território, é também ela que permite a organização espacial dos municípios brasileiros (Brito & Pinho, 2015). Seu estudo passa por entender como as cidades estão estruturadas pelo território e se articulam espacialmente em diferentes níveis de hierarquia urbano-regional, o que consubstancia as características econômico-espaciais de um determinado país ou região.

Assim, a rede urbana opera como uma espécie de “ossatura” por onde se dão os principais fluxos sociais e econômicos (Porto, 2003). Pode-se afirmar que a necessidade de aglomeração de determinadas atividades leva à definição do formato da organização socioespacial, onde a maior ou menor capacidade de estruturar o espaço está relacionada com a organização dos sistemas produtivos. Em contrapartida, a estruturação desse espaço fornece os elementos “definidores do processo de produção e da sua associação com o território” (Porto, 2003, p.10), sendo a rede urbana a “armadura da estrutura socioespacial” (IPEA, IBGE & UNICAMP, 2001).

No entanto, a estrutura da rede urbana corresponde às trajetórias diferenciadas de desenvolvimento econômico, de modo que a integração socioespacial será mais ou menos completa conforme forem mais ou menos complexos e diversificados os vínculos entre as cidades. Por conta disso, a configuração regional de um sistema de cidades tem relações com o movimento mais geral das transformações econômicas e sociais. De acordo com Porto (2022), os efeitos dessas transformações sobre a rede urbana decorrem de diferentes níveis de determinação. Para Brandão et al. (2018), esses níveis vão desde o global até o local, passando por mediações de outras escalas, em especial a escala nacional.

Com efeito, são essas mediações que permitem avaliar o grau de coesão do espaço econômico nacional e de suas dimensões políticas e sociais. Pode-se argumentar, por exemplo, que as mediações decorrentes do pacto federativo (relações entre os entes nacionais e subnacionais), da organização e atuação do Estado brasileiro (Monteiro Neto, 2017) e do movimento de integração do mercado nacional (Cano, 2017) continuam a ser bastante relevantes para se pensar a organização espacial brasileira. Esta, entretanto, não se caracteriza apenas pela sua enorme dimensão, mas apresenta-se como amálgama de processos históricos, políticos, sociais, econômicos e físicos que levaram à constituição de uma escala espacial nacional.

Com base nesse amplo entendimento, a rede urbana expõe a “ossatura” desse processo escalar brasileiro. Nota-se, por meio da rede urbana, uma infraestrutura social que permite o transporte de materiais, de pessoas, de mercadorias e de capitais, que deve ser percebida tanto por seu aspecto material quanto por ser um dado social (Santos, 2006). Interessa, contudo, saber como enquadrar sua escala aos outros níveis espaciais da análise, como é o caso da escala municipal e da posição que o município ocupa no sistema urbano, revelando a região de influência das cidades das quais ele faz parte. Mais que isso, é a complexidade da articulação da rede urbana com a escala estadual, a escala regional – neste caso, a do Nordeste – e a escala nacional que permite que os seus vínculos ou determinações extraterritoriais transpareçam.

Pela ótica de Santos (1981), pode-se dizer que a dificuldade em analisar a integração espacial de economias subdesenvolvidas deve-se ao fato de que o espaço nacional sempre conviveu com algum grau elevado de “fragmentação”. Isso aparece tanto na forma de suas heterogeneidades produtivas, sociais e econômicas, como na manifestação de elevadas desigualdades regionais ou, ainda, pela estrutura vertical que as redes de cidades apresentam em diversas partes do território, tornando “frágeis” os vínculos entre as cidades de pequeno e médio porte com as de grande porte, mais concentradas em suas próprias expansões.

No caso brasileiro, devido à sua dimensão continental e formação socioespacial, há uma maior diferenciação das redes urbanas regionais. É possível identificar áreas com maior adensamento econômico e demográfico e outras com estruturas mais dispersas, que historicamente foram repartidas entre centrais e periféricas. Tal repartição é feita para mostrar que a dinâmica dessas últimas era, em grande parte, um reflexo do que acontecia nas primeiras, ou porque não conseguiam acompanhar o ritmo de crescimento. Isso implica em uma integração – ao centro dinâmico ou a outro nível escalar mais elevado – formada por elos mais ou menos frágeis e, portanto, pouco dinâmicos do ponto de vista espacial.

Desse modo, existem redes de cidades cujas estruturas refletem os diversos processos de formação regional diferenciada ou nacional inconclusa. Torna-se, assim, pouco produtivo discutir formas ideais da rede urbana, sobretudo se o ideal diz respeito à distribuição equilibrada dos seus componentes1. Não se trata de ter alguns sistemas urbano-regionais com distribuição e configuração da rede de cidades mais estruturada e/ou equilibrada e outros sistemas que não o são. Em vez disso, verifica-se que as estruturas bastante diferenciadas assumidas por essas redes correspondem ao modo como a economia e a sociedade foram se constituindo em cada momento histórico e em cada região, e à maneira como as regiões e cidades se integram nesses diferentes períodos.

Dada essa complexidade, cabe identificar aqui os elementos que condicionam a configuração e conformam a evolução da rede urbana, a fim de captar seu caráter dinâmico (Porto & Miranda, 2020). Isso permite, por um lado, superar as análises estáticas presentes nas principais investigações sobre a rede urbana, conforme já apontado por Egler et al. (2011), e, por outro, incluir os elementos que, de fato, ajudem a revelar o dinamismo. Desse modo, de um ponto de vista sincrônico do processo2, adota-se a classificação dos centros urbanos dada pelo conjunto de funções que desempenham no território, conforme faz o IBGE (2020b). Por essa perspectiva, a rede urbana é vista, tout court, como um dado da realidade social, cujo estudo atual implica na descrição de sua constituição, das quantidades estatísticas e qualidades socioespaciais (Santos, 2006).

Ao restringir a análise apenas à classificação funcional das cidades, corre-se o risco de perder justamente o que mais se pretende destacar: o dinamismo da rede urbana (Porto, 2022). Claro, a análise das funções urbanas e de suas hierarquias é necessária e incontornável, pois as cidades têm uma dimensão (multi)funcional, mas é preciso ir além da exclusividade da perspectiva sincrônica. Nesse sentido, para avançar em direção ao caráter dinâmico das cidades, também é necessário ter uma perspectiva diacrônica, a fim de conseguir identificar os centros urbanos que têm presença mais ativa nas regiões e os fatores que determinam seus ganhos ou perdas de importância regional.

De acordo com Santos (2006, p. 177), numa perspectiva diacrônica, a rede urbana passa a ser vista como um processo, o que requer sua “reconstituição histórica” a fim de entender a evolução dos lugares como uma totalidade. Sua dinâmica se manifesta, sobretudo, pela forma segundo a qual, ao longo do tempo e em diferentes lugares, as cidades assumem uma amplitude de tamanhos e de novas funções, permitindo constituir e reconhecer novas hierarquias.

Essa dinâmica sobressai quando se considera a maior complexidade e diversidade do processo de urbanização. No entanto, esse movimento não seria homogêneo em todo o território. De fato, observa-se a emergência de áreas de maior dinamismo econômico e demográfico, bem como a presença de lugares cada vez mais especializados, de acordo com o estágio de avanço da divisão espacial do trabalho. Ao mesmo tempo, também se verifica a ocorrência de regiões de ocupação mais ou menos antiga, cujos centros urbanos acumulam novas funções, mas estão distribuídos de maneira mais dispersa pelo território, dada a forma como os processos de modernização são incorporados atualmente.

Esses elementos teóricos levam a tomar a rede urbana por uma dupla perspectiva, diacrônica e sincrônica, ou seja, considerando tanto a dinâmica estabelecida funcionalmente quanto a identificação dos seus agentes dinamizadores. A validade desse procedimento neste texto consiste em destacar a multiplicidade de fatores que resultam naquilo que se concebe como “os vários Nordestes urbanos”, isto é, uma mesma região apresenta distintos processos de integração ou reestruturação produtiva ao se vincular a determinadas escalas espaciais, não se limitando exclusivamente à ação nacional do Estado ou à proximidade da ação local dos agentes.

Conforme assinalou Araújo (1997), considerada uma autora clássica da questão regional no Brasil, a dinamização dos vários “nordestes” leva a considerar as diferentes temporalidades de cada uma de suas sub-regiões. Isso remete a uma perspectiva diacrônica, a partir da qual surgem algumas questões norteadoras, como: de que maneira caracterizar a ascensão de novas cidades dentro do padrão histórico de constituição da rede urbana brasileira? Como é possível identificar a formação de novos arranjos urbanos que modificam o sentido dado pela hierarquia metropolitana convencional e valorizar a lógica da interiorização de determinados processos produtivos que resultam em novas centralidades?

Para tentar responder a estas reflexões, é necessário examinar as características e tendências da hierarquia urbano-regional brasileira e, em especial, da Região Nordeste. Tal configuração é determinada pelo nível de centralidade das cidades e também pelas relações que esses núcleos estabelecem com as suas respectivas regiões de influência, delineando um caráter territorial aos distintos processos espaciais. Por exemplo, com a REGIC-2018, o IBGE (2020a) propôs uma classificação que hierarquiza as funções de cada centro urbano a partir de seus níveis de centralidade.

No entanto, por si só, a metodologia da REGIC não permite captar os processos que justificam esses ganhos e perdas de centralidade nas diferentes porções do território nacional (Porto, 2022). Cabe, portanto, associá-la com uma perspectiva diacrônica, a fim de identificar os arranjos urbanos (Miranda & Gomes Júnior, 2017; Moura, 2016) que se formam em diferentes contextos regionais, dando novos sentidos hierárquicos à rede urbana.

Essa dinâmica é diacrônica para diferentes espaços subnacionais e não se esgota nos tradicionais polos industriais. Trata-se, assim, de um processo qualitativo de mudanças na composição de atividades econômicas e dos novos equipamentos e serviços distribuídos pelo território, que (re)condicionam os papéis exercidos pelas cidades na rede, mesmo que sejam observadas apenas pelos prismas regional ou local. Em outras palavras, as cidades modificam as formas e funções como atuam, cabendo diferenciar as condições em que seus ganhos/perdas de importância se dão nos contextos em que estão situadas, o que requer um refinamento analítico maior do que o habitual.

Características da rede urbana do Nordeste e instrumentos de análise

A discussão apresentada na seção anterior buscou qualificar o que se concebe como os “vários Nordestes urbanos”, objeto desta análise. Definiu-se a utilização de um conjunto de indicadores que possam captar o caráter dinâmico da rede urbana sem, contudo, atribuir papéis aos quais as cidades não são capazes, efetivamente, de realizar. Esse procedimento passa pela compreensão de como as cidades da região estão organizadas e de como se comportam os indicadores considerados na definição de sua hierarquia urbano-regional. Trata-se de operacionalizar essas variáveis numa perspectiva diacrônica, identificando os movimentos que permitiram os ganhos e perdas de centralidade junto a alguns dos indicadores utilizados para chegar a essa centralidade, sem, a priori, concebê-las como “polos”, como geralmente fazem as análises convencionais.

Inicialmente, considera-se a gestão do território, que remete à capacidade de comando que os agentes econômicos têm a partir de determinados lugares sobre as suas respectivas áreas de influência. De acordo com o IBGE (2014, p. 10), essa capacidade é uma dimensão imaterial da organização espacial, pois incorpora “ordens, hierarquias, informações, poder e dinheiro” de forma multilocalizada, por influência do Estado ou ação dos agentes privados. Assim, na elaboração das últimas REGICs, levantou-se a presença de determinados órgãos do setor público da União e das sedes das maiores empresas do país. Com isso, o IBGE (2008, 2014, 2020b) assumia que o conjunto de decisões tomadas por esses agentes era capaz de afetar a dinâmica do espaço em que estavam inseridos.

Em seguida, o próprio IBGE realizou estudos complementares para identificar centros urbanos não abarcados pelo critério da gestão do território, por meio de uma lista de equipamentos e serviços que configuravam a hierarquia dos núcleos urbanos. Esses estudos complementares permitem a comparação das REGICs de 2007 e 2018 com a de 1993, que privilegiava o papel das cidades e das redes de cidades para viabilizar determinados fluxos socioeconômicos e na organização dos elementos fixos que interagiam com esses fluxos. Sua preocupação era identificar as funções centrais das cidades segundo sua complexidade ou pela intensidade da procura por determinados serviços ali localizados. A centralidade das principais cidades era mensurada de maneira indireta, conforme a interação que apresentavam com as demais (IBGE, 2000, 2008).

A partir da metodologia das REGICs, neste artigo buscou-se utilizar uma proxy da capacidade de gestão ou de comando sobre o território que é exercida a partir das cidades, definida como o nível de hierarquia urbana segundo o grau de centralidade apresentado em cada levantamento. Por fim, após identificar as mudanças nos níveis de centralidade, utilizam-se indicadores que serviram de base para a elaboração das REGICs, avaliando sua mudança ao longo do tempo.

Para isso, em seguida, analisa-se o volume do ativo financeiro dos municípios, obtidos através do Banco Central do Brasil (BCB), seguindo a metodologia das REGICs, que considera como ativo financeiro das agências bancárias a soma das Operações de Crédito e das Aplicações Interfinanceiras de Liquidez, de Títulos e de Valores Mobiliários nos respectivos balancetes3 das agências. O nível de centralidade é determinado pelo volume do ativo em cada centro urbano e pela participação que este centro apresenta no total do ativo financeiro da região ou do país. Além de observar a posição hierárquica das cidades, é possível avaliar as taxas de crescimento anual do ativo financeiro, atribuindo uma perspectiva temporal e associando o desempenho das cidades com a sua dinâmica econômica e financeira.

A seguir, apresenta-se a descrição dos indicadores básicos:

  • Classificação na hierarquia urbana: de natureza qualitativa, a classificação é construída pelo próprio IBGE e avaliada pela presença de órgãos públicos e privados que desempenham funções de gestão – no caso das duas últimas REGICs – e/ou pelo número de relações estabelecidas com outros núcleos da hierarquia urbana – comum às três REGICs consideradas. Para sua análise, são considerados os resultados das REGICs dos anos de 1993, 2007 e 2018, permitindo conhecer o comportamento dos níveis de hierarquia entre as cidades ao longo do período analisado4;

  • Volume do ativo financeiro: consiste no valor total do ativo financeiro das agências bancárias de cada município, disponibilizado pelos balancetes divulgados por meio da Estatística Bancária dos Municípios (ESTBAN), junto ao BCB. O indicador abrange o período de 1994 a 2021. Além de indicar o nível de centralidade urbana, a análise do volume do ativo financeiro permite aprofundar sobre a dinâmica financeira dos distintos espaços do Nordeste.

Trata-se, em resumo, de identificar os movimentos que permitiram os ganhos e perdas de centralidade, utilizando-se algumas variáveis selecionadas para alcançar esse objetivo (Porto, 2022). Tais movimentos são importantes na conformação das estruturas dessas redes de cidades, identificando redes mais horizontais ou mais verticais. Eles podem reforçar antigas centralidades ou promover o surgimento de novas funções e, por meio delas, novas centralidades.

É importante observar que a temporalidade dos dois indicadores acima corresponde ao período da análise, que abrange desde os anos 1990 até o ano de 2021. Esse recorte temporal não visa apenas operacionalizar a coleta de dados, mas, também, evidenciar os elementos de periodização que constituem o objeto. A partir dos anos 1990, entre as transformações mais importantes que justificam o período adotado, estão: a) o avanço de uma agenda neoliberal iniciada ainda no Governo Collor, em 1989, com impactos urbano-regionais relevantes (Cano, 2011); b) a promulgação da Constituição Federal de 1988, que teve forte influência dos mecanismos de seguridade social no território (Carvalho, 2014); c) as modificações no padrão de crescimento da economia do Nordeste (Araújo, 1997), resultado dos dois fatores anteriores; e d) as alterações na rede urbana nordestina, especialmente com a criação de novos municípios, que afetam a base da hierarquia urbana.

Delimitação do objeto: a “variegada” rede urbana do Nordeste

A análise incide sobre a configuração atual da rede urbana do Nordeste, delimitada pelas áreas de influência de suas três maiores aglomerações urbanas (Fortaleza, Recife e Salvador), conforme demonstrado na Figura 1, que detalha a conformação espacial da área investigada. O espaço urbano-regional nordestino estrutura-se a partir de suas três principais metrópoles e das articulações de seu conjunto de cidades, posicionadas em diferentes níveis de hierarquia, o que a torna diferenciada espacialmente.

Esta área possui 1.535 km², equivalente a 18,1% do território nacional, onde estão compreendidos 1.815 municípios brasileiros, com a população estimada em 57,9 milhões de pessoas em 2020. Nesse mesmo ano, seu PIB nominal foi de US$ 217 bilhões (dólares americanos, na cotação de 20 de abril de 2023), o que corresponde a 14,2% do PIB nacional, conforme a ótica do produto. Observa-se na Figura 1 que o conjunto de municípios analisados corresponde à quase totalidade dos territórios estaduais do Nordeste, além de alguns municípios nos estados do Pará, Tocantins e Minas Gerais. Excetua-se uma área na Bahia e outra no Maranhão, que sofrem influência de outras metrópoles (Brasília e Goiânia).


figura 1
Rede urbana do Nordeste: delimitação da área investigada e níveis de hierarquia dos centros urbanos
IBGE (2020b, 2021)

A configuração desta rede corresponde ao que o IBGE (2021) denominou de Regiões Ampliadas de Articulação Urbana, permitindo atribuir uma perspectiva territorial ao estudo da hierarquia urbana, dado que privilegia a maneira pela qual os núcleos urbanos se relacionam com suas respectivas áreas de influência. Segundo o IBGE (2021), essa divisão adota o mesmo arcabouço conceitual e metodológico da REGIC. Com isso, buscou-se combinar o processo de urbanização e integração do mercado nacional, juntamente com o surgimento de estruturas verticais dentro da rede urbana brasileira, que, combinadas às estruturas horizontais herdadas, fortalecem os “tons variegados” das cidades e aglomerações urbanas como elementos fundamentais de centralidade urbana.

Discussão dos indicadores de centralidade urbano-regional

Evolução da classificação dos centros urbanos do Nordeste (1993, 2007 e 2018)

Considera-se a rede urbana como uma estrutura estável no tempo, cujas modificações podem ser decorrentes de diversos fatores específicos a cada caso (IBGE, 2020a). Essa estabilidade estrutural é demonstrada pelo número relativo de cidades que mantiveram a classificação entre as REGICs de 2007 e de 2018. Com efeito, 86,1% das cidades brasileiras mantiveram a mesma classificação nos dois levantamentos, enquanto apenas 2,9% dos municípios brasileiros perderam posição na hierarquia urbana, caindo apenas um nível. Por sua vez, apenas 7 cidades tiveram uma queda de mais de um nível hierárquico, enquanto 485 cidades elevaram seu nível, representando cerca de 10% do total de cidades, com a maioria ascendendo apenas um nível.

Na Tabela 1 apresenta-se a classificação das cidades brasileiras e nordestinas segundo seus níveis de hierarquia urbana nas três últimas REGICs realizadas pelo IBGE. Observa-se que as mudanças na distribuição das cidades segundo sua hierarquia foram mais expressivas entre 1993 e 2007, o que também reflete as diferenças metodológicas entre uma REGIC e outra. Já entre os anos de 2007 e 2018, houve menos modificações, embora tenham sido relevantes.

Em 1993, no mais alto nível de centralidade da hierarquia urbana, estavam as aglomerações urbanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, Recife, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia. Já em 2007, Brasília foi elevada à categoria de Metrópole Nacional e foram incorporadas as cidades de Belém e Manaus, de modo que a Região Norte do país passou a ter cidades classificadas nesse nível. Isso significa que na região pode ter se reduzido a influência que era exercida por outras metrópoles, situadas muito distantes de seu território, como era (ou ainda é) o caso de São Paulo.

tabela 1
Classificação dos centros urbanos, segundo os níveis de hierarquia, para o Brasil e Região Nordeste, nos anos de 1993, 2007 e 2018

IBGE (2000, 2008, 2020b)

A REGIC de 1993 havia demonstrado que a metrópole paulistana exercia influência direta sobre as redes de cidades do Norte do país, da Região Centro-Oeste, além das redes secundárias comandadas pelas cidades de São Luís, MA e Teresina, PI, no Nordeste (IBGE, 2000). Evidenciava-se, então, uma estrutura mais verticalizada da rede urbana em diversas porções do território nacional, apesar da manifestação de seu caráter policêntrico. Isso também demonstrava o menor grau de interação das áreas de influência das duas capitais nordestinas com o restante dessa região, fator que se modificou nas últimas três décadas, como atestam os dados das REGICs posteriores.

Dentre as Metrópoles, destacam-se os casos de Fortaleza, Recife e Salvador, cujas áreas de influência abrangem quase toda a Região Nordeste, conforme se depreende da Figura 1. A forma histórica de ocupação, seu processo de urbanização e, principalmente, o movimento de industrialização e integração produtiva ocorridas ao longo do século XX possibilitaram que as três aglomerações urbanas passassem a desempenhar funções metropolitanas desde fins dos anos 1960.

No grupo seguinte estão as Capitais Regionais (CR), representadas por 59 cidades no país, em 1993, das quais 15 estavam no Nordeste. Já em 2007 e 2018, as capitais estaduais da Região Nordeste (6 cidades) não pertencentes ao nível metropolitano, foram classificadas como CR-A. Observa-se uma diferença significativa em relação ao ano de 1993, quando as cidades que figuravam na classificação de “Muito Forte” eram Teresina, PI, São Luís, MA, João Pessoa, PB – capitais estaduais – e Feira de Santana, BA, Caruaru, PE e Campina Grande, PB – posteriormente reclassificadas como Capitais Regionais B (CR-B).

Os dados demonstram, por um lado, um alto dinamismo das cidades do interior do Nordeste, permitindo-lhes um grau de centralidade maior do que os das capitais estaduais do Rio Grande do Norte (Natal), Alagoas (Maceió) e Sergipe (Aracaju), durante os anos 1990. Por outro lado, também reforça a diferença metodológica entre as REGICs, uma vez que a função de gestão do território não era considerada no levantamento de 1993. Observa-se, portanto, que, nas duas últimas REGICs, as demais capitais estaduais da Região Nordeste integravam, junto com as três metrópoles, o que seria o estrato mais elevado da rede urbana regional.

Por sua vez, houve um aumento no número de cidades classificadas como CR-B entre os levantamentos de 2007 e 2018. A principal mudança apresentada por esse grupo na Região Nordeste consiste na reclassificação das cidades de Itabuna e de Ilhéus, na Bahia. Em 2007, elas eram consideradas como uma única Área de Concentração Populacional (ACP), isto é, uma aglomeração urbana que desempenhava as funções de CR-B. Já em 2018, identificou-se que as cidades possuíam dinâmicas e exerciam articulações sobre o território nas quais podiam ser consideradas como centralidades separadas e, com isso, passaram a ser classificadas de maneira desagregada: Itabuna como CR-B e Ilhéus como CR-C.

Em seguida, o desempenho das CR-C e, principalmente, dos Centros Sub-regionais (CS) no Nordeste e no Brasil demonstra a expansão do número de cidades intermediárias com maior capacidade de articulação em suas áreas de influência. No nível imediatamente inferior aos da CR na hierarquia urbano-regional, estão os núcleos urbanos que desempenham atividades menos complexas de gestão do território e apresentam áreas de influência de menor extensão (IBGE, 2020b, 2008). Em outras palavras, um amplo conjunto de cidades intermediárias de pequeno porte ampliou sua capacidade de articulação sobre o território.

Tanto para o Nordeste quanto para o Brasil, a expansão da quantidade de CS como um todo significa que, nessa escala da rede urbana, as cidades (pequenas ou médias) cresceram em importância relativa, adquiriram funcionalidades e passaram a articular outras cidades menores. Portanto, mantêm suas influências relativas sobre o território, compartilhando com os núcleos hierarquicamente superiores algumas funções de articulação econômico-espacial da Região Nordeste, tornando-se elementos estruturantes da organização desse território, sobretudo quando observadas conforme o papel que desempenham nos subespaços regionais em que estão localizadas.

Situando-se no próximo nível da hierarquia urbano-regional brasileira, estão os Centros de Zona (CZ). Junto com os Centros Locais (CL), essas cidades figuram entre os menores níveis de centralidade e ocupam o menor escalão da rede urbana. Os CZ são núcleos urbanos de menor porte e atuação restrita às suas áreas de influência imediatas. Isso não quer dizer, contudo, que não desempenhem funções regionais relevantes, em especial, nas diferentes áreas do interior da Região Nordeste. Decorrente da estrutura vertical da rede urbana regional, o relativo isolamento (ou distanciamento geográfico) dessas cidades em relação a outros centros urbanos de maior porte faz com que elas assumam papéis e funções que não costumam ser assumidos por este nível hierárquico em outras partes do território nacional.

Destaca-se que 68% de todos os CZ existentes no país estão localizados na Região Nordeste, reforçando o argumento apresentado no parágrafo anterior. Como apontado, nessa região, pequenas localidades assumem funções cada vez mais relevantes, de acordo com as necessidades e características dos subespaços regionais em que estão situadas. Vale observar também que houve redução da quantidade de CZ entre os anos de 2007 e de 2018. No entanto, neste caso, isso se deu em função do crescimento dos CS. Ou seja, nesse período, vários CZ reforçaram-se e elevaram a sua importância regional, passando a figurar como CS.

Por fim, os CL formam o maior conjunto de núcleos urbanos do Nordeste, constituindo-se em pequenas cidades com centralidade e atuação que não extrapolam os limites municipais. O tamanho individual da população é bastante reduzido, e são cidades que não possuem outros municípios em sua área de influência, servindo apenas aos seus habitantes locais. Esse é, aliás, o principal motivo pelo qual os centros urbanos são classificados nesse nível.

Com relação aos resultados apresentados, é possível fazer algumas ponderações sobre os níveis de centralidade das cidades do Nordeste e a constituição de diferentes dinâmicas urbano-regionais. Por exemplo, ao comparar núcleos de menor hierarquia com centros de níveis superiores, percebe-se que os primeiros podem até apresentar áreas de influência mais extensas e articulando quantidade maior de municípios do que os últimos. No entanto, possuem menor densidade econômica e diversidade da oferta de comércio e serviços (Porto, 2022; Porto & Miranda, 2020).

No caso das redes de cidades do Nordeste, verifica-se uma maior concentração em sua porção litorânea (IBGE, 2020b), o que reflete seu processo histórico de ocupação e de maior divisão do trabalho. Também se verifica uma distribuição mais regular dos centros urbanos com diferentes portes e níveis de hierarquia nessa região. Por outro lado, nas demais porções do território nordestino, suas redes de cidades têm um caráter mais vertical, ou seja, existem áreas onde há poucos centros urbanos intermediários entre os níveis de hierarquia, além do distanciamento geográfico entre os núcleos classificados no mesmo grupo.

Nas circunstâncias apontadas, é possível verificar que as cidades com centralidade hierarquicamente inferiores assumem funções regionais de relativa importância, estabelecendo relações diretas com o estrato superior da rede urbana. Logo, essas diferenciações regionais demonstram as limitações de se considerar apenas a classificação formal (sincrônica) dos centros urbanos ou da hierarquia de suas funções.

Isso porque, como já mencionado, as cidades modificam as suas formas e funções ao longo do tempo e no espaço, o que torna necessário diferenciar, na sua dinâmica econômico-espacial, as interações entre os centros que justificam os ganhos e perdas hierárquicos. Dentre outros indicadores (IBGE, 2020b), essa dinâmica pode ser observada pelo que ocorre com a distribuição dos serviços financeiros no território, tal qual se faz na subseção seguinte.

Centralidade dos núcleos urbanos do Nordeste a partir da atividade bancária

A atividade bancária é um componente especial da hierarquia urbano-regional, pois, embora esteja presente em todo o território, tende a se concentrar nos espaços mais bem dotados de infraestrutura física e social, com ampla diversificação e densidade econômica e demográfica (IBGE, 2008, 2020b). Desde as reformas financeiras dos anos 1960, ampliou-se o comando hierárquico dos grandes centros urbanos, principalmente, a partir da metrópole de São Paulo, e elevou-se o alcance da rede bancária em todo o território. Porém, isso se deu com características diferenciadas em termos de dinâmica urbano-regional.

Na Figura 2, demonstra-se a distribuição geográfica do volume do ativo financeiro entre os anos de 1994, após a estabilização monetária5, e 2021. Verifica-se uma maior concentração do ativo financeiro das agências bancárias na Região Sudeste, que passou de 68% do total em 1994 para 71,5% no último ano. As grandes regiões perdedoras foram o Nordeste e o Sul do país, que passaram, respectivamente, de 7,3% do total para 4,5% e de 11,3% para 6,7%, em quase 30 anos. Por sua vez, as regiões Norte (de 0,9% para 1,6%) e Centro-Oeste (de 12,5% para 15,6%) elevaram sua participação.

Contudo, esse desempenho geral tem condicionantes históricos e regionais importantes, com a Região Sudeste perdendo participação relativa nos primeiros anos da série e voltando a crescer a partir de 2009, influenciada pelos eventos da crise dos subprime 6, que provocaram um movimento de reconcentração do crédito e, principalmente, de valores mobiliários. Esse movimento, condicionado pela retração do crédito, também se manifesta no refluxo da Região Centro-Oeste, que, em função da maior expansão da produção agropecuária, chegou a representar 20,3% do ativo financeiro do país em 2004, caindo para 13,9% em 2009.

A Tabela 2 permite entrever o desempenho do volume do ativo financeiro na Região Nordeste, a nível das unidades da federação. Durante o período, destaca-se negativamente a Bahia, que reduziu sua participação no total da região em -22,4 pontos percentuais (p.p.). Essa mudança pode ser atribuída à falência do antigo Banco Econômico ainda em 1995, que era a instituição bancária privada mais antiga do país. Sua liquidação implicou na recomposição de seus ativos. Em 1999, foi a vez do Banco do Estado da Bahia (Baneb) ser privatizado, adquirido pelo Banco Bradesco S/A, também provocando essa perda de participação, visto que a gestão do ativo financeiro passou a ocorrer fora daquele estado.


figura 2
Participação relativa (%) do volume do ativo financeiro no Brasil, segundo as suas grandes regiões, entre os anos de 1994 e 2021
Banco Central do Brasil (BCB) / Estatística Bancária por Municípios (ESTBAN), 1994-2021

tabela 2
Participação relativa (%) no total do volume do ativo financeiro da Região Nordeste, segundo as unidades da federação, entre os anos de 1994 e 2021

Banco Central do Brasil (BCB) / Estatística Bancária por Municípios (ESTBAN), 1994-2021

Por sua vez, Pernambuco reduziu -8,7 p.p. entre os anos de 1994 e 2021, o que reflete uma melhora na distribuição regional do ativo financeiro, uma vez que a Bahia passou de 44,5% do total desse ativo para 22,1%. Assim, os demais estados da região apresentaram uma melhora na distribuição do ativo financeiro, com destaque positivo para o Ceará, que avançou 10,7 p.p. no total da região ao longo de quase 30 anos. Em função desse desempenho, o Ceará passou a representar a maior parcela do volume do ativo financeiro entre todos os estados do Nordeste, detendo 25,2% em 2021, seguido pela Bahia (22,1%) e Pernambuco (15%). Já o Maranhão manteve-se estável na quarta colocação, mas com aumento expressivo de sua participação relativa no total do ativo, enquanto os estados de Alagoas, Piauí e Sergipe apresentaram as menores participações, embora com ganhos relevantes no período.

Na Figura 3, é possível visualizar que, após uma redução entre 1994 e 1999, houve uma expansão no número de agências bancárias em todo Nordeste entre os anos de 1999 e 2014, impulsionada pelo bom desempenho da economia regional nesse período. Após 2014, houve uma queda acentuada, acompanhando a retração econômica do país e da região, além de mudanças tecnológicas e institucionais que levaram a uma reorganização do setor bancário7. O Nordeste passou de 2.385 agências bancárias em 1994 para 3.665 em 2014, reduzindo para 2.984 em 2021.


figura 3
Evolução e distribuição do número de agências bancárias da Região Nordeste, segundo as unidades da federação, entre os anos de 1994 e 2021
Banco Central do Brasil (BCB) / Estatística Bancária por Municípios (ESTBAN), 1994-2021

Essa reconfiguração do setor bancário após 2014, verificada não apenas na Região Nordeste, pode ter uma influência direta na maneira como o volume do ativo financeiro se distribui pelo território. Isso porque o redirecionamento dos fluxos de pessoas e de empresas que buscam esses serviços dependerá de onde essas agências foram fechadas. Dito de outro modo, se a quantidade de agências fechadas ocorre nas maiores cidades, como as Metrópoles e Capitais Regionais, espera-se que ocorra apenas uma recomposição da oferta de serviços financeiros no conjunto de agências restantes. Porém, se o fechamento ocorre nos centros de mais baixa posição na hierarquia urbana – especialmente onde exista apenas uma agência –, a recomposição pode significar a busca por esses serviços em outros lugares.

Na Tabela 3, verifica-se como isso se deu no âmbito da rede urbana do Nordeste. Destaca-se a desconcentração do volume do ativo financeiro segundo os níveis de hierarquia urbano-regional. No ano de 1994, as três Metrópoles nordestinas concentravam 73,1% de todo o ativo financeiro regional, passando para 42,2% no ano de 2021. Observa-se que o maior ganho de participação se deu entre as Capitais Regionais, que passaram de 16,5% em 1994 para 32,6% em 2021, influenciado pelo desempenho das demais capitais estaduais da região, classificadas como Capital Regional A. Os três níveis inferiores também ganharam participações relevantes, traduzindo um movimento de maior bancarização da população brasileira, cujos efeitos regionais ainda são pouco avaliados.

tabela 3
Participação relativa do volume do ativo financeiro e do número de agências bancária na rede urbana da Região Nordeste, segundo os níveis de hierarquia urbano-regional – 1994 a 2021

Banco Central do Brasil (BCB) / Estatística Bancária por Municípios (ESTBAN), 1994-2021

Do ponto de vista da oferta desses serviços, houve maior estabilidade na disposição do número de agências bancárias pela rede urbana regional. Em 1994, 25,2% das agências do Nordeste estavam localizadas em uma das suas três Metrópoles. Dez anos depois, em 2004, após um movimento de expansão do número de agências bancárias, sua concentração era ainda maior, representando 26,8% do total. Posteriormente, sua participação começou a diminuir, encerrando o ano de 2021 com 24,7% das agências bancárias do Nordeste. Nesse mesmo período, as Capitais Regionais elevaram a sua participação na quantidade de agências, passando de 19,9% do total do Nordeste em 1994 para 23% em 2021.

Em resumo, verificou-se uma alta concentração da atividade bancária nas principais cidades do Nordeste, embora também tenha ocorrido um movimento favorável de desconcentração deste setor. Após 2014, essa desconcentração se arrefeceu, como resultado da retração da atividade econômica e da reconfiguração do setor bancário, que fechou agências bancárias em todo o território. A redução dos Centros Locais pode indicar um redirecionamento dos fluxos socioeconômicos em direção às cidades de maior posição na hierarquia urbana.

Considerações finais

O texto propõe uma análise das modificações na hierarquia das cidades da Região Nordeste brasileira, entre 1993 e 2021, a fim de perceber “os vários nordestes urbanos”. Como proposta metodológica, apresentou-se um quadro analítico que acrescenta uma perspectiva diacrônica sobre o comportamento da rede urbana analisada, quase sempre, duma perspectiva sincrônica, que diz respeito aos aspectos formais e funcionais que qualificam a hierarquia entre as cidades e à centralidade da oferta de determinados serviços. Essa metodologia permitiu capturar as centralidades e hierarquias urbanas nas regiões mais interiorizadas do Nordeste brasileiro.

Devido à sua relevância, o estudo de determinadas redes de cidades permite captar diferentes dinâmicas econômico-espaciais, caracterizando efeitos diferenciados do processo de desenvolvimento econômico de um determinado país ou região. Isso ocorre porque as redes de cidades, distribuídas ao longo do território nacional, expressam a divisão espacial do trabalho. Observá-las por meio de um método histórico-estrutural possibilita caracterizar períodos bastante distintos dessa dinâmica, identificando suas determinações e principais modificações. Com efeito, há um conjunto de condicionantes da organização socioespacial regional que perpassa pela estruturação de uma rede urbana de alcance nacional e que traduz a forma como a economia se manifesta no território, caracterizada por especificidades regionais.

A Região Nordeste se caracteriza por seu avançado processo de urbanização e por uma rede de cidades funcionalmente articulada, em que novos arranjos urbanos que surgiram foram capazes de alterar o sentido da interiorização dos processos produtivos. Isso ocorre, por exemplo, com os Centros Locais que são a base produtiva de exportação agropecuária e com as cidades “médias”, como as Capitais Regionais e os Centros Sub-regionais. Elas passam a exercer um comando e articular as redes desses centros produtores, através da oferta de serviços mais complexos, como é o caso dos serviços financeiros.

Esse processo pode ter ocorrido tanto com a emergência de novas centralidades urbanas como pelo fortalecimento dos antigos centros regionais, sendo este último mais preponderante no caso do Nordeste. Assim, a ascensão de novos centros urbanos ou das antigas centralidades regionais implica num padrão vertical da rede urbana regional, existindo áreas com baixa ocorrência de centros urbanos intermediários entre os níveis de hierarquia, além do distanciamento geográfico entre os núcleos classificados no mesmo grupo.

Nessas circunstâncias, as cidades menores e/ou com centralidades hierarquicamente inferiores assumem funções regionais de relativa importância. Isso as leva a estabelecer relações diretas com o estrato superior da rede urbana, o que relativiza a posição formal dessas cidades na hierarquia urbana e revela a existência de “vários Nordestes urbanos”. Nesse contexto, centros urbanos de importância secular funcionam como nós logísticos do processo de produção e circulação de mercadorias pelo território. Ao mesmo tempo, podem ampliar os efeitos na redução de desigualdades sociais, ainda que de forma descontínua, condicionando o processo de re-hierarquização. Isso sugere, diferentemente do que supõem as análises convencionais, que as cidades nordestinas estão mais articuladas internamente e mais dinâmicas economicamente neste século.

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Notas

1 Aqui, refere-se às teorias dos lugares centrais, dos fluxos centrais, à abordagem sobre a “lei de Zipf”, dentre outras (Pires et al., 2018).
2 Por esse critério, pode-se observar a evolução da rede urbana nacional em mais de cinquenta anos, dado que desde os anos 1960 o IBGE divulga sistematicamente a classificação funcional das cidades brasileiras e a sua hierarquia urbana, caracterizando a rede urbana nacional. Até o presente já foram realizados cinco estudos como a REGIC, sendo que a mais recente ocorreu no ano de 2018.
3 Esses balancetes são divulgados pelo BCB por meio do levantamento chamado de Estatística Bancária por Município (ESTBAN). O volume do ativo financeiro é dado pela soma dos verbetes 120, 130 e 160 em cada balancete.
4 Exercício semelhante foi realizado por Morais et al. (2014) para o caso do Ceará.
5 Refere-se à adoção do Plano Real, em 1994, que consistiu num programa de estabilização monetária associado com a elevação dos déficits externos e com a forte dependência de fluxos de capitais estrangeiros, mas que deu fim ao elevado processo inflacionário que a economia brasileira apresentava até então.
6 Esta crise foi motivada pela concessão de empréstimos de alto risco, prática conhecida como subprime, nos Estados Unidos da América, e afetou o sistema financeiro internacional.
7 Vale recordar que, no ano de 2016, o novo governo federal anunciou o fechamento de centenas de agências do Banco do Brasil, sob o argumento de aumentar sua competitividade via redução de custos.


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