Artigo
O que pensam e sentem os adolescentes sobre o ENEM?1
What do adolescents think and feel about ENEM?
¿Qué piensan y sienten los adolescentes sobre ENEM?
O que pensam e sentem os adolescentes sobre o ENEM?1
Revista Brasileira de Orientação Profissional, vol. 25, núm. 2, pp. 147-157, 2024
Associação Brasileira de Orientação Profissional; Editoria da Revista Brasileira de Orientação Profissional
Recepción: 03 Mayo 2024
Recibido del documento revisado: 12 Agosto 2024
Aprobación: 19 Septiembre 2024
Resumo: A preparação para o ENEM envolve inúmeros desafios por parte dos adolescentes. Este estudo teve por objetivo identificar as concepções dos estudantes sobre o processo de preparação e aprovação no ENEM, sobre o dia da prova e suas consequências, assim como suas emoções. Foi conduzido um Grupo Focal com nove estudantes do 3º ano do Ensino Médio e realizou-se a Classificação Hierárquica Descendente no software Iramuteq, que resultou em quatro classes: Concepções sobre o ENEM e emoções experimentadas; Consequências do resultado do ENEM; Percepções sobre o desempenho e Desafios e cobranças vivenciadas. A pesquisa fornece subsídios para compreensão da preparação para o ENEM e o impacto na saúde mental dos adolescentes para futuras investigações.
Palavras-chave: Adolescentes, ansiedade, estudantes, ensino médio.
Abstract: Preparing for the ENEM involves numerous challenges for adolescents. This study aimed to identify students’ conceptions about the process of preparing for and passing the ENEM, about the day of the exam and its consequences, as well as their emotions. A Focus Group was conducted with nine students in the 3rd year of High School and the Descending Hierarchical Classification was carried out in the Iramuteq software, which resulted in four classes: Conceptions about the ENEM and emotions experienced; Consequences of the ENEM result; Perceptions about performance and Challenges and demands experienced. The research provides support for understanding the preparation for the ENEM and the impact on the mental health of adolescents for future investigations.
Keywords: Adolescents, anxiety, students, high school.
Resumen: La preparación para el ENEM implica numerosos desafíos para los adolescentes. Este estudio tuvo como objetivo identificar las concepciones de los estudiantes sobre el proceso de preparación y aprobación del ENEM, sobre el día de la prueba y sus consecuencias, así como sus emociones. Se realizó un Grupo Focal con nueve estudiantes de 3º año de secundaria y se realizó la Clasificación Jerárquica Descendente mediante el software Iramuteq, del que resultaron cuatro clases: Concepciones sobre el ENEM y emociones vividas; Consecuencias del resultado del ENEM; Percepciones sobre el desempeño y Desafíos y exigencias vividas. La investigación brinda apoyo para comprender la preparación para el ENEM y el impacto en la salud mental de los adolescentes para futuras investigaciones.
Palabras clave: Adolescentes, ansiedad, estudiantes, escuela secundaria.
A adolescência é um período desafiador na vida dos indivíduos não só devido às mudanças biopsicossociais que ocorrem nesta fase, mas também pelo momento de escolher uma profissão e ingressar no Ensino Superior. Para conquistar a vaga desejada em uma Instituição de Ensino Superior, os alunos enfrentam inúmeras adversidades, tais como: alta competitividade, horas dedicadas aos estudos, mudanças na rotina, indecisão sobre o curso a ser escolhido, incerteza da aprovação, cobranças familiares e escolares sobre a aprovação, entre outras. Tais obstáculos podem ser tão difíceis de serem superados, que há a possibilidade de desencadeamento de sintomas de ansiedade em adolescentes. Desta forma, o presente estudo investiga como os adolescentes vivenciam esta fase de suas vidas.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência é compreendida de 10 a 19 anos de idade (World Health Organization [WHO], 2011; 2021), considerada como o ciclo entre a infância e a adultez, marcada por mudanças biológicas, psicológicas e sociais. Nota-se que estas mudanças que ocorrem na adolescência demandam inúmeras adaptações por parte do indivíduo. Espera-se que neste período haja uma maturação não só biológica, mas também psicológica e social para que gradualmente o jovem assuma papéis adultos, sendo um deles a escolha da profissão, que costuma ocorrer no fim desta fase, paralelamente ao término do ensino médio (Piccin et al., 2019). Tal decisão pode ser por meio do ensino técnico em nível médio, concursos civis e militares, ingresso ao mercado de trabalho, por meio do ensino superior, dentre outros. Para que o adolescente que opta por realizar uma graduação consiga ingressar de fato em uma Instituição de Ensino Superior (IES), é necessário que realize uma prova, na qual ele precisa ser aprovado e classificado.
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) hoje é o exame de acesso à Universidade mais abrangente do Brasil, uma vez que, em 2013, quase todas as Universidades Federais aderiram como forma de seleção para o Ensino Superior. A inscrição é voluntária e pode ser realizada não só por concluintes do Ensino Médio, mas também por pessoas que ainda vão concluir em anos posteriores, as quais são denominados “treineiros” ou qualquer pessoa interessada, desde que preencha aos requisitos do edital. Ao longo dos anos, passou por diversas atualizações, sendo a mais transformadora em 2009, em decorrência da mudança no formato da prova, aplicação em dois dias e implantação do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), no qual são ofertadas vagas de universidades públicas, majoritariamente federais. O SiSU realiza a seleção utilizando a nota do ENEM por ordem de classificação até o limite de oferta de vagas por curso escolhido e modalidade de concorrência. Atualmente a prova aborda as diversas áreas do conhecimento, as quais são distribuídas em 180 questões e uma redação (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira [INEP], 2020; Ministério da Educação [MEC], 2023).
O ENEM do ano de 2022 contou com 3.396.632 inscritos em todo o Brasil (INEP, 2022). Contudo, apesar do grande número de inscritos, não há vagas, sobretudo nas Universidades Públicas, para todos que realizam o Exame. Desta forma, é estabelecida uma competição na qual somente os participantes que obtiverem as maiores notas no exame serão classificados. Outras variáveis também influenciam a competitividade, como o curso desejado, a quantidade de concorrentes para aquele curso e a instituição a ser escolhida (Schönhofen et al., 2020).
Para aqueles que pretendem cursar o ensino superior, uma série de expectativas podem estar presentes. O estudo de Soares e Moreno (2014) identificou algumas expectativas acadêmicas de estudantes recém entrados do Ensino Superior, as quais foram divididas em oito categorias relativas à “remuneração” advinda da profissão escolhida, bem como à “realização profissional e pessoal”. A “opção de curso” foi mais uma categoria identificada. Também foram verificadas expectativas sobre o “trote” e possibilidade de passar vergonha ou sofrer algum tipo de violência e ainda as relativas às questões da própria Instituição, como “infraestrutura”, “qualidade do corpo docente” e “disciplinas lecionadas”.
Outra expectativa relacionada à escolha profissional é a “aceitação da família”, uma vez que os pais ou familiares podem ter crenças acerca do curso e futura profissão decidida pelos filhos e apoiarem ou não tal escolha. Sobre a aceitação ou não, há também a possibilidade de que os pais tenham desejado fortemente uma profissão, mas que não seguiram por algum motivo e queiram alcançar tal objetivo por meio dos filhos. Além disso, os familiares podem esperar não só o ingresso, mas também a permanência do filho no Ensino Superior, já que existe uma grande estima pelo diploma que funciona como uma prova de competência, diferenciação dos demais e abertura de oportunidades, havendo um forte investimento de alunos e familiares em relação à universidade. Desta maneira, a família pode exercer grande pressão sobre os adolescentes (Soares & Moreno, 2014).
O impacto da pressão familiar é corroborado pelo estudo de Carvalho et al. (2021), que identificou uma ligação entre a percepção de pressão da família e quadros moderados e graves de ansiedade. Dias et al. (2020) investigaram como 36 estudantes matriculados em cursos pré-vestibulares e que tinham desejo de cursar Medicina lidavam com essa fase e avaliaram a relação destes com seus familiares. Cabe ressaltar que 36,1% da amostra possuía renda familiar de seis salários mínimos e meio a 30 salários mínimos. Como resultados, embora 100% da amostra tenha respondido que os familiares apoiavam o curso escolhido (Medicina), 78% percebiam a cobrança dos pais em relação ao desempenho no vestibular e em simulados. Na análise de conteúdo realizada acerca de uma pergunta sobre o relato do incômodo dos estudantes, foram destacados os seguintes fatores: falta de confiança em si mesmos, autocobrança, medo da reprovação e pressão familiar.
Para Terruggi et al. (2019), pais e familiares também exercem papel determinante na escolha dos filhos acerca da carreira a ser seguida, além de questões socioeconômicas. De acordo com os achados destes autores, a família possui expectativas em relação à escolha profissional do adolescente e ela é que fornece informações sobre as profissões durante a vivência familiar, impactando em como os adolescentes exercem a tomada de decisão e como a vivenciam. Nepomuceno e Witter (2010) ao questionarem a interferência da família na decisão dos adolescentes do Ensino Médio verificaram que, em relação à interferência familiar na escolha profissional, 21% da amostra respondeu “sim” e 47% responderam “mais ou menos”. Das respostas “mais ou menos”, o gênero feminino de escolas particulares foi o mais frequente. Em relação às áreas de interferência da família na percepção dos adolescentes, 23% se referiam aos estudos, 20,7% à profissão e 20,7% ao namoro. Os autores concluíram que há uma interferência familiar pouco maior em alunos de escolas particulares em comparação aos alunos de escolas públicas, não sendo verificadas diferenças estatisticamente significativas entre os gêneros.
D’Avila e Soares (2003) identificaram que 23,1% da amostra percebia a cobrança para o sucesso no vestibular pela família e 16,6% era exercida por familiares, amigos e professores. Quanto ao medo de decepcionar alguém caso não fossem classificados no vestibular, os alunos se referiam à família (47,5%) e a si próprios (26,6%). Guhur et al. (2010), ao pesquisarem o significado do vestibular para adolescentes de 16 a 19 anos do Paraná de escolas públicas e privadas, identificaram a percepção de pressão externa por parte dos adolescentes. Dentre os resultados, 65% da amostra relatou que se sentiam pressionados. Em relação à rede escolar, 50% dos estudantes de escolas públicas se sentiam pressionados, enquanto 70% de escolas particulares percebiam tal cobrança. Em relação ao sexo, 75% dos que relataram que se sentiam pressionados eram do sexo feminino. A pressão externa estava atrelada à cobrança dos pais, que faziam comparação com irmãos mais velhos que já tinham obtido a aprovação ou ainda porque o adolescente estava realizando o preparatório pela segunda vez, não sendo possível, por motivos psicológicos e financeiros, repetir o processo de preparação por mais um ano. Também existia a cobrança de que os pais pagavam a escola particular com a expectativa de que o filho conseguisse a aprovação no vestibular e que o Ensino Superior era um objetivo a ser alcançado. Além da pressão dos pais, a elevada concorrência pressionava os alunos a estudarem cada vez mais. Desta forma, partindo deste raciocínio, é possível levantar a hipótese de que grupos familiares de níveis socioeconômicos mais elevados, que matriculam seus filhos em escolas e cursos preparatórios particulares reconhecidos pelas aprovações no ENEM tenham a expectativa, e até exerçam pressão em seus filhos, de que sejam aprovados e cursem o Ensino Superior.
Sendo assim, não são apenas as mudanças biopsicossociais encaradas como novidades na adolescência; as expectativas em relação à profissão e acerca do ensino superior também podem ser vivenciadas nesta fase. Outro obstáculo encontrado pelos adolescentes durante o preparo para o ENEM é a elevada concorrência, podendo estar presente o medo da reprovação, bem como a cobrança da família e da sociedade acerca da sua aprovação (Rodrigues & Pelisoli, 2008). Em relação à elevada concorrência, há um grande o número de matrículas em escolas e/ou cursos preparatórios que tenham como foco a aprovação no ENEM. Para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL, 1996), o Ensino Médio é destinado a consolidar os conhecimentos do Ensino Fundamental e preparar o adolescente para a vida profissional, para a sequência nos estudos e para a cidadania, além de desenvolver a criticidade de pensamento, a formação ética, entre outros. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (MEC, 2017) reforça a ideia de que as propostas pedagógicas devem ser voltadas para o desenvolvimento integral do sujeito, desenvolvendo competências, habilidades (cognitivas e socioemocionais) e valores, não focando apenas nos aspectos intelectuais, além de tornar o adolescente o protagonista da sua aprendizagem e do seu projeto de vida. Entretanto, de acordo com D’Avila e Soares (2003), o foco do Ensino Médio tem sido preparar o aluno para o exame vestibular, sendo voltado para estratégias de resolução de questões da prova. Contudo, muitas vezes a aprovação também não é atingida, levando os alunos a procurarem repetidamente cursos preparatórios.
Para Paggiaro e Calais (2009), as escolas preparatórias reforçam a pressão sobre os alunos, pois estimulam a competição pela vaga e a corrida contra o tempo, já que o adolescente tem um ano para se preparar e caso não tenha êxito, precisará repetir o processo de preparação no ano seguinte. Casado (2018) também apresenta esta realidade, sobretudo em escolas particulares e reconhecidas socialmente pelo número de aprovados. Elas prestam serviços educacionais para famílias de classes média e alta, oferecendo um grande volume de conteúdo e exigindo muitas horas de estudo. Os responsáveis também acreditam que esta dedicação deve ser proporcional ao resultado no ENEM, devido à percepção de competitividade do mercado de trabalho.
Desta forma, entende-se que esses fatores, somados às mudanças que ocorrem na adolescência, podem contribuir para o desencadeamento ou manutenção da ansiedade, que muitas vezes pode estar em intensidade desproporcional (nível elevado da emoção em comparação à situação) e/ou frequente, de forma que possa configurar um Transtorno de Ansiedade (American Psychiatric Association [APA], 2023). A ansiedade é uma emoção. As emoções são comuns a todos os seres humanos, são temporárias e podem ser definidas como sentimentos com significados. As emoções têm a função de evidenciar nossas necessidades, seja alertando, seja auxiliando na avaliação de alternativas, motivando a uma ação ou mudança, além de facilitar a conexão e comunicação com as outras pessoas. A ansiedade é uma emoção que tem a função de preparar o indivíduo para uma situação desafiadora ou ameaçadora e, ainda que seja desagradável de ser experimentada, é adaptativa e importante para o sujeito, colaborando para que tenha um bom desempenho em determinada tarefa. Entretanto, níveis mais elevados da emoção e a maior frequência de sintomas de ansiedade podem causar prejuízo na qualidade de vida da pessoa (APA, 2023; Leahy et al., 2013; Leahy, 2021; Linehan, 2018).
A presença da ansiedade em indivíduos que vão prestar o vestibular é corroborada por estudos recentes que têm por objetivo identificar os níveis da emoção em adolescentes. Em um estudo realizado com 48 alunos cursando o 3º ano do ensino médio de uma escola pública e de cursos pré-vestibulares na cidade de Marabá, Pará, a maior parte da amostra (70,83%) apresentou nível médio de ansiedade e o percentual de 29,17% de participantes apresentou baixo nível de ansiedade. A maioria dos alunos com média ansiedade foi composta por mulheres de 18 anos (Sindeaux et al., 2020).
Em uma pesquisa realizada com 123 alunos com idade maior ou igual a 18 anos matriculados em um curso preparatório no Rio Grande do Sul, foi encontrada uma prevalência de 41,4% de sintomatologia de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), sendo considerada alta se comparada a estudos com outras populações. Foi identificado que a sintomatologia era mais prevalente no sexo feminino e foi mais prevalente nos alunos que realizaram o 3º ano do ensino médio em escolas particulares em comparação aos que estudaram em escolas públicas (Schönhofen et al., 2020). Arruda et al. (2019) investigaram os níveis de ansiedade em 142 jovens de 16 a 26 anos que iriam realizar o vestibular, embora a maior parte (97,9%) pertencesse à faixa etária de 16 a 21 anos. Como resultados, identificou-se a prevalência de 46,47% de nível grave de ansiedade, 31,69% de nível moderado, 15,49% de nível leve e 6,33% de nível mínimo.
Um estudo realizado em duas escolas públicas do Rio Grande do Sul com 70 alunos com idades entre 16 e 19 anos e que estavam concluindo o ensino médio identificou que a maior parte da amostra apresentou níveis mínimos de ansiedade. Dos participantes que apresentaram níveis moderados, 20% eram do gênero feminino e 10% do masculino. Para os níveis graves, apenas adolescentes do sexo feminino pontuaram (13,3%). Esses achados mostram também uma prevalência maior de sintomas de ansiedade no sexo feminino em comparação ao masculino (Grolli et al., 2017). Outro estudo realizado em Jataí, Goiás, com 96 alunos com idade média de 18,2 anos de um curso pré-vestibular identificou que 25 adolescentes apresentaram ansiedade moderada e quatro, grave, representando um percentual de 30,4% da amostra. Foi encontrada uma associação significativa entre sexo e nível de ansiedade, sendo o sexo feminino aquele com escores mais elevados de ansiedade em comparação ao masculino. Outro achado deste estudo foi a correlação positiva entre idade e nível de ansiedade, indicando que quanto maior a primeira, maiores os níveis de ansiedade (Pelazza et al., 2019).
Ainda que a ansiedade esteja presente nos estudos apresentados sobre o processo de preparação para o vestibular, para a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), não é apenas o evento que vai desencadear emoções e comportamentos e reações fisiológicas no indivíduo, mas sim a percepção que o sujeito tem dos eventos, isto é, sua interpretação, seus pensamentos, bem como suas crenças. Entretanto, esses pensamentos podem estar distorcidos e, ao percebê-los e corrigi-los, o humor pode melhorar, as reações fisiológicas tendem a ser diminuídas e os comportamentos tendem a ser mais funcionais (Beck, 2014; Cordioli et al., 2019).
Tendo em vista o período de intensas mudanças que é a adolescência, entender o funcionamento deste público, sobretudo em um contexto de preparação e competição para a conquista de uma vaga na faculdade, em conjunto com todos os desafios a serem enfrentados nesse período, bem como a possível presença de ansiedade, que é acompanhada por diversos sintomas que podem comprometer o bem-estar dos estudantes, é relevante. Todavia, para uma melhor compreensão do fenômeno, se faz importante não só entender o contexto em que esses adolescentes estão inseridos, mas também o que pensam sobre isso. Para isso, é necessário identificar quais são, de fato, as dificuldades experimentadas por eles.
Tal relevância é reforçada por um estudo exploratório, transversal de levantamento (Gomes et al., 2020), que teve por objetivo identificar artigos em português publicados no período de 2007 a 2017 com os temas ansiedade, estresse, vestibular e vestibulandos em diversas bases de dados, sendo encontrados apenas 12 artigos que obedeceram aos critérios de inclusão. A quantidade de publicações se manteve equilibrada entre os anos, havendo um aumento no ano de 2017, com quatro estudos sobre o tema. Desta forma, os autores concluíram que há um volume pequeno de pesquisas sobre a temática, embora haja um crescimento em investigações sobre o assunto, indicando a necessidade de novas produções científicas de aprofundamento e intervenção voltadas para esse público e contexto.
É possível verificar um aumento de estudos sobre estudantes que vão realizar especificamente o ENEM e sua relação com a saúde mental, evidenciando a relevância de pesquisar sobre a temática. Entretanto, ainda não é um número tão significativo, sobretudo de pesquisas qualitativas, indicando a necessidade de produção artigos com tal metodologia para compreensão do fenômeno. Partindo desta premissa e da relação entre cognição e emoção, faz-se importante entender como os adolescentes pensam e se sentem acerca do ENEM e o que está envolvido neste contexto. A revisão integrativa de literatura de Ferreira Fontenele (2024) sobre fatores que influenciam ansiedade e estresse no cenário do ENEM identificou cinco artigos e ressaltou a importância de mais pesquisas que investiguem outras perspectivas e variáveis, diferenciando escolas públicas e privadas. Partindo do pressuposto que estudantes de escolas públicas e particulares possam ter diferentes percepções sobre o ENEM, optou-se por investigar apenas alunos oriundos de escolas particulares neste artigo.
Desta forma, o presente estudo teve por objetivo identificar as concepções dos estudantes de escolas particulares sobre o processo de preparação e realização do ENEM, sobre o dia da prova e suas consequências, assim como suas emoções. Sendo assim, este estudo se depara com alguns problemas a serem respondidos: Quais as concepções dos adolescentes sobre o ENEM e sobre seu processo de preparação? Quais são as emoções experimentadas por estudantes de escolas particulares inscritos no ENEM?
Método
O estudo é de natureza descritiva, qualitativa e transversal.
Participantes
Participaram nove estudantes do 3º ano do Ensino Médio regular de uma escola particular da cidade do Rio de Janeiro, selecionada por conveniência. Todas as participantes eram do sexo feminino, com média de idade 17,11 anos (DP = 0,33). Em relação à classe social, os dados obtidos por meio do Questionário Sociodemográfico (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], 2020) constataram que duas (22,2%) participantes pertenciam à classe A, três (33,3%) à B1, três (33,3%) à B2 e uma (11,13%) à C1. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: alunos que participariam do ENEM e que tivessem idade entre 16 e 19 anos. Os critérios de exclusão foram: pessoas portadoras de Transtornos do Neurodesenvolvimento, conforme critérios do DSM-5-TR (APA, 2023).
Instrumentos / Materiais
Questionário Sociodemográfico (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas [ABEP], 2020) destinado a coletar informações sobre a amostra estudada, tais como eletrodomésticos, grau de instrução do chefe da família e acesso a serviços públicos para identificação do nível socioeconômico do participante. O estrato socioeconômico é representado por uma letra, a qual corresponde a uma estimativa de renda média familiar mensal: A (R$22.716,99), B1 (R$10.427,74), B2 (R$5.449,60); C1 (R$3.042,47); C2 (R$1.805,91); DE (R$813,56). Foram acrescentadas algumas perguntas pelas autoras para identificar o gênero, idade, série escolar, histórico de reprovação, matrícula em curso preparatório para o ENEM e presença ou ausência de diagnóstico prévio de Transtornos Mentais.
Roteiro do Grupo Focal desenvolvido pelas autoras do artigo: 1. “O que você pensa quando se depara com o fato de que irá fazer o ENEM este ano?”; 2. “Quais dificuldades ou desafios você precisa lidar enquanto está se preparando para o ENEM?”; 3. “Quais emoções você vem sentindo ao se preparar para o ENEM?”; 4. “Conte-me sobre as cobranças internas e externas que você percebe” e 5. “Quais as consequências que você imagina se conseguir / não conseguir a vaga desejada no ENEM?”.
Procedimentos Éticos
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Salgado de Oliveira (CAAE: 59291922.5.0000.5289). Os responsáveis pelos estudantes menores de 18 anos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os estudantes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) com os devidos esclarecimentos sobre a confidencialidade das identificações, objetivos do estudo e mínimos riscos ou danos da pesquisa, respeitando os aspectos éticos previstos nas Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Procedimentos de Coleta de Dados
Foi selecionada uma escola particular e foi apresentado o projeto da pesquisa à Coordenação. Após a aprovação da escola, foi realizada uma visita à sala de aula para explicar o estudo aos alunos. Nove estudantes se candidataram de forma voluntária para participarem do Grupo Focal presencialmente, que foi conduzido por uma das pesquisadoras para identificar as concepções dos estudantes acerca do ENEM. As alunas interessadas receberam o TALE para que assinassem e o TCLE para que o responsável legal autorizasse previamente. O Grupo Focal aconteceu em uma sala da escola selecionada, logo após o término da aula. No dia do Grupo Focal, as alunas devolveram o TALE e TCLE preenchidos, foi oferecido um lanche para as participantes e, em seguida, foi conduzido o Grupo Focal, o qual teve duração de uma hora e cinco minutos. O Grupo consistiu em pedir para que as participantes respondessem às perguntas do roteiro livremente e um gravador de voz foi utilizado. Posteriormente, os dados da gravação foram transcritos e foi realizada a transformação em um corpus textual de acordo com o software utilizado.
Análise de Dados
As falas do Grupo Focal foram gravadas e transcritas. Em seguida foram adequadas as redações ao formato do software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) para análise. O Iramuteq é um programa de análise de dados que permite diferentes formas de análises textuais. Neste estudo, foi utilizada a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que faz uma Análise Lexicográfica, por meio do método Reinert (1990), permitindo classificar os segmentos de texto em função do seu vocabulário (Klamt & Santos, 2021).
Resultados
Em relação ao Grupo Focal, as falas das estudantes foram analisadas pelo software Iramuteq por meio de cinco textos. O corpus textual teve aproveitamento de 81,11%, e foram classificados 219 segmentos de texto (ST) gerando quatro classes (p < 0,001), conforme representado na Figura 1. Da Classe 3 “Preparação para o ENEM e emoções vivenciadas” (29,22%) derivou a Classe 4 “Desafios e cobranças vivenciados” (19,18%), as quais são relativas às dificuldades e desafios percebidos pelas estudantes. Em seguida, a Classe 1 “Consequências do resultado do ENEM” (28,31%) originou a Classe 2 “Percepções sobre o desempenho” (23,29%) e ambas compõem os aspectos relacionados às emoções. Desta forma, a partir das quatro classes, foi possível compreender o que pensam e sentem as adolescentes sobre o ENEM. Devido a esta configuração, as classes serão apresentadas a seguir respeitando esta sequência.

Na Classe 3 “Preparação para o ENEM e emoções vivenciadas”, as adolescentes abordam o ENEM como uma prova longa devido à quantidade de questões e, consequentemente, cansativa, na qual pode ser cobrado qualquer conteúdo. Sendo assim, as alunas precisam gerenciar o tempo não só para estudar as matérias específicas, mas, também, para atender às necessidades escolares. Tais demandas consistem em provas, simulados, oficinas de redação, monitoria, deveres de casa. As adolescentes se queixam do tempo insuficiente para estudar tudo que é necessário e há a cobrança interna de estarem sempre produzindo, associada ao sentimento de culpa quando têm momentos de lazer ou descanso. Em semanas de prova, as horas dedicadas aos estudos aumentam e as alunas relatam sentir ansiedade, identificada por meio de sintomas, como: alterações no apetite e peso corporal, alterações no sono, vômitos e crises de ansiedade acompanhadas de idas ao hospital. Além da ansiedade, relatam tristeza nesse processo de preparação para o ENEM, bem como desânimo, cansaço e vontade de desistir. Os excertos que se seguem representam a Classe:
Toda semana de prova que tem, eu passo mal. Já tiveram duas semanas de provas seguidas que eu fui parar no hospital. Comecei a vomitar e não tinha comido nada diferente, tinha comido em casa fui para o hospital por causa de ansiedade, ou seja, nada de errado, era ansiedade.
Ou eu como muito ou não como nada. Já perdi a conta de quantos quilos eu já perdi em semana de prova, porque eu deixava de comer mesmo e depois eu volto destruindo tudo. Ganho muito peso e depois perco muito peso.
A Classe 4 “Desafios e cobranças vivenciados” tem como foco a cobrança externa, exercida pelos professores, na percepção das alunas, em relação às notas, dedicação às aulas e à aprovação no ENEM. O discurso, por vezes, é permeado por falas que estimulam a competição entre os adolescentes e reforçam a ideia de que não conquistar a vaga desejada na faculdade no fim do Ensino Médio seria considerado um demérito ou fracasso, desconsiderando outras possibilidades de um futuro promissor. Tais falas não são interpretadas como motivacionais, mas ao contrário, as discentes sentem-se ainda mais desmotivadas, uma vez que já estão realizando um grande esforço na tentativa de atender a todas as demandas, mas, ainda assim, o retorno que recebem é de que ainda não é suficiente não só pelo discurso, mas também pelas notas obtidas. Essa busca para atender a todas as exigências leva a um grande nível de cansaço e à vivência de emoções desagradáveis, como a ansiedade. Um excerto que representa esta Classe é:
Eu acho muito complicado, porque dentro da escola, os professores são até insensíveis. Alguns professores chegam e dão o discurso motivacional deles. (...) E dizem: “amanhã vocês vão ver todo mundo passando a frente de vocês e tudo dando errado para vocês. E esse discurso é todo mundo que fala. Que você não está se esforçando e todo mundo vai passar a sua frente e você vai ficar para trás, você vai ver no futuro quem se esforçou, quem não se esforçou, você vai olhar para o seu coleguinha e vai ver que está com a vida ótima e você vai ficar com a vida ruim, você vai se arrepender.” Claro que tem gente que não quer nada com a vida, porém quem quer, quem tenta e não consegue por conta de alguma dificuldade, a pessoa fica se sentindo um lixo.
A Classe 1 “Consequências do resultado do ENEM” demonstra que a conquista da vaga, na concepção das estudantes, está atrelada a cursar o Ensino Superior, trabalhar e dar orgulho para os familiares. Algumas estudantes relatam que a vida que imaginam ou sonham para si mesmas depende do resultado deste Exame uma vez que só poderiam constituir família, viajar para o exterior, estudar em outro país e cursar o Mestrado, por exemplo, após conclusão da graduação e a conquista de um emprego. A não aprovação é temida, não só pela não realização de seus projetos de vida e consequente frustração, mas também pelo receio de decepcionar os familiares, que exercem pressão e expectativa sobre a realização dos filhos. Sendo assim, as participantes pensam que fazer uma faculdade seria algo decisivo para suas vidas, uma vez que é considerada como o passaporte para realização de seus sonhos e projetos, atribuindo grande importância ao bom resultado no ENEM. Segue um excerto que representa a Classe:
Se eu passar, seria muito mais a questão de realização, de amadurecer, de fazer uma faculdade, crescer, trabalhar... Eu tenho muita esperança do que eu quero, de fazer algo fora do país, especialização lá fora, então seria muito bom. Eu tenho essa visão de que a minha vida vai ser muito maravilhosa. Mas se eu não passar, seria muita frustração, de decepcionar tanto a mim, porque me esforço bastante e quero muito, e também decepcionar os meus pais, que depositam muita esperança e muita pressão em cima de mim.
A Classe 2 “Percepções sobre o desempenho”, o bom desempenho é associado a obter notas altas e, na visão das alunas, as notas obtidas na escola funcionam como um tipo de previsão do que seria o resultado do ENEM. Na percepção das adolescentes, as únicas notas reconhecidas por professores são as que se referem às Ciências Exatas. Desta forma, um bom rendimento em tais disciplinas seriam um pré-requisito para serem consideradas inteligentes. Algumas estudantes não concordam com esse tipo de posicionamento por parte dos professores, pois percebem que podem ter um ótimo aproveitamento em Ciências Humanas e/ou Linguagem, porém isso não é valorizado, levando as mesmas a se sentirem depreciadas pelos docentes, impactando emocionalmente as estudantes. Excertos que representam a Classe:
O problema da matemática é ter me esforçado e não ter conseguido tirar a nota que eu esperava. Estou me esforçando e não está fazendo efeito, isso me deixa ansiosa. Se eu não estou indo bem na prova da escola, imagina no ENEM? Frustrante!
Aqui na escola, a gente aprende a valorizar certos tipos de inteligência, principalmente a arte do gravar. Quem consegue a arte do gravar, se dá bem, é o inteligente e sabe tudo. Quando a pessoa tem a arte de entender as humanas, é burra. Quando ela tem a arte de entender as exatas, ela é muito inteligente. Vai mal em algumas coisas, mas é inteligente. E a gente foca no ENEM que só vai bem, que só é válido quem tem a arte de gravar.
Discussão
No Grupo Focal, a Classe 3 “Concepções sobre o ENEM e emoções experimentadas” diz respeito ao conceito que as adolescentes têm sobre a prova, à dificuldade percebida pelas alunas em relação a conciliar a preparação para o ENEM com outras demandas escolares e sociais, bem como as emoções que essas estudantes vêm sentindo nesta fase, como tristeza e ansiedade, sendo corroborado pelo estudo de Rodrigues e Pelisoli (2008), que identificaram a prevalência de ansiedade entre os estudantes, através dos sintomas nervosismo, medo de que o pior aconteça, incapacidade de relaxar, sensação de calor e indigestão. A necessidade de mudança na rotina e hábitos também ocorreu em mais de 90% da amostra durante o preparo para o vestibular. Sendo assim, os adolescentes relataram alteração no funcionamento de algumas áreas da vida, como a vida social com amigos, sono, alimentação, atividade física, além do relacionamento familiar e namoro.
A Classe 4 “Desafios e cobranças vivenciados” se refere à cobrança exercida pela escola sobre as alunas acerca de desempenho, estimulando a competição, bem como os desafios de uma rotina cansativa e consequente impacto emocional. Paggiaro e Calais (2009) também apontam que os cursos preparatórios contribuem com a pressão sobre os alunos, estimulando a competição e a disputa pela vaga e ressaltam a escassez de tempo necessário para preparo para a prova.
A Classe 1 “Consequências do resultado do ENEM” engloba as consequências imaginadas por esses adolescentes caso consigam ou não a vaga desejada no ENEM. A conquista da vaga é associada à realização de projetos e sonhos, enquanto a não aprovação desencadearia frustração e decepção em si mesmas e em seus familiares. Um dado relevante da amostra é que são todas alunas de escolas particulares, na qual a maioria pertence às classes socioeconômicas A e B. O estudo de Soares e Moreno (2014) também identificou as expectativas de estudantes em relação ao Ensino Superior de jovens de 18 a 24 que já estavam frequentando os primeiros períodos da graduação. Dentre os achados, a realização pessoal e profissional foi uma das expectativas acadêmicas encontradas, ratificando o que as adolescentes imaginam no presente estudo. O temor de decepcionar os pais devido à pressão que eles exercem é também confirmada no estudo de Carvalho et al. (2021) que identificou que em 60,2% da amostra de pré-vestibulandos de escolas e cursos particulares há a percepção de pressão da família, havendo uma relação entre esta pressão e a presença de quadros moderados e graves de ansiedade. Destes 60,2%, apenas 9,3% dos estudantes responderam que não se sentem pressionados pela família. O estudo de Dias et al. (2020) também identificou o temor em desapontar os pais em pré-vestibulandos que desejavam cursar Medicina. Grande parte dos participantes (78% da amostra) de classe média/alta percebia a cobrança dos pais pelo bom desempenho. Tendo em vista os achados do atual estudo, do nível socioeconômico e da literatura sobre o tema, pode-se supor que familiares de classes sociais mais favorecidas, que matriculam seus filhos em escolas particulares ou cursos preparatórios voltados para a aprovação no ENEM exercem influência no futuro profissional de seus filhos, sobretudo acerca do desempenho e pressão para aprovação.
A Classe 2 “Percepções sobre o desempenho” versa sobre como as participantes interpretam o seu próprio desempenho em determinadas disciplinas, representado pelas notas obtidas em provas escolares, e sobre o que acreditam ser a visão de outras pessoas, sobretudo docentes, acerca deste rendimento, além de uma projeção de qual será o resultado do ENEM. A percepção que as alunas têm dos docentes diverge do que é orientado pela LDB e BNCC de que as propostas pedagógicas não devem ser voltadas apenas aos aspectos intelectuais, mas sim para o desenvolvimento global do indivíduo (competências, valores e habilidades) (BRASIL, 1996; MEC, 2017). Ademais, Rodrigues e Pelisoli (2008) salientam que somente os melhores obtêm a aprovação e que o sucesso depende não somente do próprio esforço do candidato, mas também do desempenho dos demais, pois não há vagas em universidades públicas para todos aqueles que estão concorrendo. Desta forma, ainda que se obtenha uma boa nota, isso não é suficiente pois, caso outros alcancem notas maiores, as vagas serão atribuídas àqueles melhor classificados. No SiSU, os candidatos são selecionados por ordem de classificação e há uma oferta limitada de vagas por curso e modalidade (MEC, 2023), o que estabelece uma verdadeira competição entre os candidatos, justificando a preocupação das estudantes com o próprio desempenho na escola e, consequentemente, no ENEM. Tal competição, associada ao árduo processo de preparação, são razões que podem contribuir para o desencadeamento e perpetuação de um processo ansioso.
Em relação às emoções, por meio nomeação desta emoção e dos sintomas na fala das estudantes durante o Grupo Focal, é possível afirmar que a ansiedade é vivenciada com frequência pelas adolescentes desta amostra, que é corroborada por outros estudos com participantes em condições semelhantes. O estudo de Grolli et al. (2017) com concluintes do Ensino Médio identificou que 20% da amostra apresentou nível moderado ou grave de ansiedade, sendo mais prevalente no gênero feminino. Em um curso pré-vestibular de Goiás, 30,2% dos participantes foram classificados com nível moderado ou grave de ansiedade (Pelazza et al., 2019). O estudo de Arruda et al. (2019) encontrou o percentual de 78,16% de nível moderado a grave de ansiedade em uma amostra de 142 jovens estudantes que fariam o vestibular. Desta forma, percebe-se que adolescentes que estão se preparando para o vestibular ou ENEM são acometidos por ansiedade, que parece ter aumentado sua prevalência com o passar dos anos. Outro fator a ser considerado é que a amostra era 100% feminina, sendo bem estabelecida a maior prevalência de ansiedade neste gênero (APA, 2023).
Considerações Finais
O presente estudo teve por objetivo identificar as concepções de estudantes de escolas particulares sobre o processo de preparação e realização no ENEM, sobre o dia da prova e suas consequências, assim como suas emoções. Por meio da análise lexicográfica, foi possível responder aos problemas de pesquisa e alcançar os objetivos formulados para este estudo. Esta pesquisa fornece subsídios para a compreensão do processo de preparação para o ENEM e de como isso impacta a saúde mental dos adolescentes, fornecendo dados para futuras investigações e intervenções.
As alunas do 3º do Ensino Médio desta amostra consideram o ENEM uma prova extensa e cansativa devido à quantidade de questões e que exige um árduo processo de preparação para os diversos conteúdos que podem ser cobrados na prova. Na concepção das estudantes, as escolas, com o intuito de preparar os discentes para o Exame, aplicam muitas provas, simulados e ministram um grande volume de conteúdo, exercendo uma grande cobrança e pressão. Tais alunas se submetem a esse processo por acreditarem que o resultado do ENEM é o primeiro passo para conseguirem realizar seus sonhos, trilharem a própria vida, atenderem às expectativas dos pais e dar orgulho a eles. A conquista da vaga é associada a realização, independência e orgulho. A não aprovação está relacionada a preocupação com a comparação com outras pessoas, ideia de fracasso, sentimento de tristeza e decepção.
Cabe ressaltar que tais concepções são de alunas de uma escola particular do Rio de Janeiro, em sua maioria, com nível socioeconômico A e B. Estas características podem ter influenciado as interpretações das alunas, uma vez que familiares de alunos mais favorecidos financeiramente e que matriculam seus filhos em escolas ou cursos preparatórios particulares geralmente têm a expectativa que os filhos ingressem no Ensino Superior reforçando a crença de que cursar uma instituição de Ensino Superior pode proporcionar mais oportunidades de emprego e inserção no mercado de trabalho. O acesso à universidade é o caminho desejado para muitos pais e filhos, o que os impacta emocionalmente nesta preparação.
Como limitações do estudo, ressalta-se a não participação de adolescentes do sexo masculino e o tamanho da amostra, não permitindo generalizar os resultados. Sugere-se, para o futuro, a realização de pesquisas com estudantes de escolas públicas do Rio de Janeiro, uma vez que podem ter concepções e expectativas diferentes acerca do ENEM, podendo vivenciar esta fase de outra maneira, possibilitando verificar se a saúde mental destes adolescentes também está comprometida neste processo, além de permitir a comparação dos resultados com estudantes da rede particular.
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Notas
Notas de autor
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