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Avaliação dos conceitos de Teoria das Restrições aplicados à loja de varejo descrita no livro “Não é óbvio?” em ambiente de simulação computacional

Evaluation of Theory of Restrictions concepts applied to the retail store described in the book "Is not it obvious?" in computational simulation environment

Fernanda Becker
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Marcelo Battesini
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Avaliação dos conceitos de Teoria das Restrições aplicados à loja de varejo descrita no livro “Não é óbvio?” em ambiente de simulação computacional

Ingeniería Industrial. Actualidad y Nuevas Tendencias, vol. VI, núm. 21, pp. 27-48, 2018

Universidad de Carabobo

Recepção: 16 Novembro 2018

Aprovação: 17 Dezembro 2018

Resumo: A Teoria das Restrições (TOC) é conhecida por aplicações em ambiente fabril, porém é pouco estudada no contexto de gerenciamento da cadeia de suprimentos do varejo, que enfrenta o grande dilema de gestão de estoques pela dúvida entre manter inventários altos, a um custo elevado, ou diminuí-los, arcando com as rupturas decorrentes da falta de produtos. A aplicação da TOC à cadeia de suprimentos têm como referência central o livro “Não é óbvio?” que é redigido na forma de um romance de negócios e têm influenciado as decisões de gerentes. O objetivo deste artigo é avaliar a aplicação dos conceitos de Teoria das Restrições na loja de varejo descrita na obra em ambiente de simulação computacional. A metodologia utilizada envolveu a sistematização da situação problema estabelecida na obra, que foi reproduzida em um modelo de simulação de eventos discretos, para os cenários inicial e final, e a investigação do impacto dos comandos gerenciais descritos pelo autor nas medidas de desempenho da TOC. Os resultados obtidos comprovam que a implantação de princípios da TOC na cadeia de suprimentos do varejo é capaz de produzir a redução de 94,9% no percentual de rupturas, o aumento de 2,86 vezes no giro de estoque, de 3,02 vezes no lucro líquido e de 8,64 vezes no retorno sobre o investimento. Constatação que reforça a consistência da TOC e recomenda a sua aplicação em cadeias de suprimento do varejo.

Palavras-chave: Teoria das Restrições, cadeia de suprimentos, varejo, simulação discreta de eventos, indicadores de performance.

Abstract: The Theory of Constrains (TOC) is known for applications in the manufacturing environment, but is little studied in the context of retail supply chain management, which is faced with great dilemma of inventory management by the doubt between keeping high inventories, at a high cost, or decreasing them, bearing the ruptures resulting from the lack of products. The TOC applications in retail supply chain have as central reference the book "Isn't It Obvious?" which is narrated in a novelized fashion and has influenced the manager’s decisions. The objective of this paper is to evaluate the application of TOC concepts in the retail store described in the book in computational environment. The methodology used involved the systematization of the problem situation established in the book, which was reproduced in a discrete event simulation model for the scenarios initial and final, and the investigation of the impact of managerial commands described by the author on the TOC performance measures. The results obtained prove that the implementation of TOC principles in the retail supply chain is able to produce the reduction of 94,9% in ruptures percentage, an increase of 2.86 times in the inventory turns, 3.02 times in the net profit and 8.64 times in the return on investment. Finding that reinforces the consistency of TOC and recommends its application in retail supply chain. INTRODUÇÃO

Keywords: Theory of Constrains, supply chain, retail, discrete-event simulation, performance indicators.

INTRODUÇÃO

Os conceitos de logística e de cadeia de suprimentos se referem a diferentes dimensões da movimentação de materiais. A logística é um processo de gestão estratégica das operações de aquisição, movimentação e armazenagem, se concentra no planejamento do fluxo de materiais e informações (Christopher, 2011). A gestão da cadeia de suprimentos (Supply Chain Management, SCM) é uma orientação e uma estrutura de planejamento que visam criar um único plano para o fluxo de produtos e informações que busca a integração dos processos de todas as organizações da cadeia, a partir do consumidor final para o fornecedor inicial, sendo assim um conceito mais amplo e complexo que a logística (Wanke, 2010).

É intuitiva a crescente importância da SCM como uma vantagem competitiva entre organizações, uma vez que, atualmente, de acordo com Corrêa (2014), a concorrência não se dá entre empresas, mas entre suas redes de suprimentos. Quando se trata da cadeia de suprimentos do varejo, percebe-se uma busca constante de lojistas para evitar as chamadas rupturas (falta de produtos quando demandados), convivendo com o dilema entre manter altos estoques para garantir nível de serviço (a um alto custo de inventário) e diminuir os estoques correndo o risco de perder vendas (Saggioro et al., 2010). Campos & Silva (2007) e Aguiar & Sampaio (2014) justificam a importância de realizar estudos sobre varejo e ressaltam a dificuldade de estabelecer um nível adequado de serviço ao cliente, devido à imprevisibilidade da demanda e a possibilidade de ocorrerem rupturas indesejadas.

A solução de distribuição/reabastecimento da Teoria das Restrições (Theory of Constraints, TOC) é bastante nova em relação a outros sistemas (Schragenheim, 2013, p. 310), sendo sua importância mais reconhecida pelas aplicações em ambientes fabris, especialmente, na programação e controle de sistemas de produção nos quais o gargalo está relacionado ao processo produtivo. No entanto, uma restrição deve ser entendida de forma mais ampla, se referindo a qualquer elemento ou fator que impede que um sistema conquiste um nível melhor de desempenho em relação a sua meta (COX III et al., 2012).

Entendida dessa forma, percebe-se que a filosofia da TOC pode ser aplicada em diversos tipos de organizações e sistemas, tendo sido: relatados por Schragenheim (2013) o aumento nas vendas, a redução do investimento e melhoria nos giros de estoque, quando implantada na distribuição e reabastecimento; discutida no contexto de gerenciamento da cadeia de suprimentos por Moellmann (2010) e por Santos & Alves (2015); utilizada em ambiente de simulação para resolução de problemas reais em serviços (Sabbadini et al., 2006).

A referência central da aplicação da TOC no contexto da cadeia de suprimentos do varejo é dada no livro “Não é óbvio?” (Goldratt, 2011), no qual é proposta uma solução para o dilema do setor que permite o aumento do nível de serviço pela diminuição do número de rupturas. Os conceitos e a filosofia da TOC apresentados pelo autor na forma de um romance de negócios têm influenciado as decisões de gerentes e gestores e delimitam a questão de pesquisa relacionada a verificar/comprovar se as afirmações feitas na obra se sustentam, quando testadas em um modelo de simulação. O objetivo deste artigo é avaliar em ambiente de simulação a aplicação dos conceitos de Teoria das Restrições na loja de varejo descrita no livro “Não é óbvio?”. Os resultados obtidos comprovam que a implantação de princípios da TOC na cadeia de suprimentos do varejo é capaz de produzir os benefícios com narrados.

CONTEXTO TEÓRICO

Esta seção contextualiza em relação à literatura conceitos de cadeias de suprimentos; de TOC que estabelece a filosofia de otimização do sistema investigado; e de modelagem e simulação de sistemas, que descrevem a ferramenta utilizada na investigação da situação problema.

Cadeias de suprimentos

O gerenciamento da cadeia de suprimentos teve a sua importância aumentada como reflexo da economia globalizada, contexto no qual a competição entre as organizações já não é individual e a concorrência ocorre entre as suas cadeias de suprimentos, cujo dinamismo é fator chave para uma vantagem competitiva (Santos & Alves, 2015).

A gestão da demanda e de estoque são importantes macroprocessos do gerenciamento da cadeia de suprimentos tratados neste artigo, sendo estas diretamente afetadas pelo fluxo de informações e pela integração da cadeia. Corrêa (2010) enfatiza que uma boa gestão de suprimentos inicia com uma boa gestão da demanda, já que ela é responsável (Ching, 2010; Christopher, 2011) por coletar e agregar as necessidades de produtos, garantindo que a organização antecipe e reaja às exigências reais do mercado, para atingir elevado nível de satisfação do cliente. Já a gestão de estoques, conforme Santos & Alves (2015), visa disponibilizar o produto no tempo e nas quantidades certas, através do planejamento do estoque, seu controle e retroalimentação (Ching, 2010).

A propagação da falta de previsibilidade de demanda e aumento dos estoques ao longo da cadeia estão relacionadas ao chamado efeito chicote (Moellmann, 2010), que corresponde a uma distorção entre a demanda real e a prevista e cresce à medida que “subimos” na cadeia de suprimentos (Santos e Alves, 2015). Corrêa (2010) descreve o efeito chicote como o fenômeno em que pequenas variações na demanda do consumidor final se amplificam ao longo da rede com a transmissão sequencial distorcida das informações dessa demanda. Entre as causas do efeito chicote, estão os grandes leads times na cadeia, a falta de compartilhamento de informação e de alinhamento estratégico, o tamanho dos pedidos e a imprecisão das previsões (Coelho; Follmann; Rodriguez, 2009). O efeito chicote pode causar: o menor nível de serviço e perda de vendas; o aumento do estoque de segurança e do número de reprogramações da produção; e, por consequência, o aumento dos custos relacionados aos estoques e diminuição do retorno sobre o investimento (Fioriolli e Fogliatto, 2009).

Um importante conceito associado ao nível de serviço oferecido pelo varejista é o de ruptura de estoque, evento que pode ser caracterizado pela indisponibilidade de um item demandado pelo cliente (Aguiar; Sampaio, 2014). O varejo corresponde a um conjunto de atividades da venda de produtos e serviços e, no contexto de uma cadeia de abastecimento, o varejista pode ser visto como um facilitador entre fabricantes e consumidores (Merlo, 2011).

Saggioro et al. (2010) destacam que o excesso de estoque pode gerar custos desnecessários, mas que a falta dele pode implicar em perda de vendas, em um nível de serviço ao cliente indesejado. Sendo esse um dos dilemas em cadeias de suprimento, inclusive do varejo, que envolve o conflito entre manter níveis de inventário menores, a fim de reduzir custos, ou maiores, de modo a proteger as vendas e evitar rupturas (Moellmann, 2010).

Dentre as teorias e abordagens utilizadas para lidar com a melhoria do nível de serviço e redução de rupturas está a TOC, que foi utilizada por Santos & Alves (2015) no segmento de eletrodomésticos e por Moellmann (2010) na cadeia de suprimentos de eletrônicos. Concepção e aplicações alinhadas com as regras para uma cadeia de suprimentos são apresentadas no TOCIC Dictionary (Cox III et al., 2012) e incluem, entre outras: o uso de um depósito central para agregar as flutuações estatísticas de oferta e demanda; a ordenação de pedidos e o reabastecimento diários entre os varejistas e os centros de distribuição; e o gerenciamento de pulmões para ajustar os níveis de amortecimento e melhorar o fluxo.

Teoria das Restrições

A Teoria das Restrições (TOC) é uma filosofia de gestão global desenvolvida pelo físico Eliyahu Goldratt durante os anos 80 baseada no princípio da simplicidade inerente, presente mesmo em processos mais complexos (Cox III et al., 2012). Essa simplicidade está relacionada ao fato de haver poucos elementos que limitam o desempenho de um sistema, ou organização, de alcançar sua meta, sendo eles conhecidos como restrições (Goldratt, 2013).

Pacheco (2014) relaciona as origens da TOC a um software de programação e controle da produção, que já continha muitos dos conceitos inovadores de gestão de produção, que foram posteriormente formalizados nessa filosofia gerencial. Em função da TOC ter sido inicialmente apresentada em um ambiente fabril, no livro A Meta, o conceito de restrição ficou vinculado a um gargalo de produção (Goldratt; Cox III, 2014), o que leva muitos a perceberem-na de modo restrito, como o processo de menor capacidade (Goldratt, 2011). No entanto, para outros ambientes de negócios uma restrição pode ser (Goldratt, 2013): o caminho crítico no contexto de gestão de projetos; o caixa no setor atacadista; o número de clientes que entram na loja na distribuição do varejo.

Para o gerenciamento de restrições dos sistemas, a TOC apresenta o processo de focalização em cinco etapas (Cox III & Spencer, 2008; Goldratt, 2011; Goldratt, 2013; Souza & Baptista, 2010; Santos & Alves, 2015; Goldratt & Cox III, 2014): (i) identificar as restrições do sistema; (ii) explorar as restrições do sistema; (iii) subordinar todo o sistema às decisões tomadas na etapa anterior; (iv) elevar as restrições do sistema; (v) se uma restrição for quebrada, voltar para a etapa um. No contexto do varejo, Souza & Baptista (2010) afirmam que a demanda do mercado deve ser encarada como uma permanente restrição, mesmo entendimento dado por Moellmann (2010) ao apresentar a aplicação dessas etapas à SCM de forma comparada a uma manufatura, para facilitar a compreensão.

Um mecanismo da TOC para o gerenciamento de gargalos é o Tambor-Pulmão-Corda (TPC), cujos componentes são apresentados pelo TOCICO Dictionary (Cox III et al., 2012) como segue: tambor é a restrição, ou recurso com limitação de capacidade, que dita o ritmo do sistema; pulmão são estoques de proteção contra incertezas; e corda se refere ao fluxo de informações que controla a liberação de materiais de acordo com a capacidade do tambor.

No contexto da cadeia de suprimentos, o TPC apresenta desafios ainda maiores (Santos & Alves, 2015), podendo ser implementado (Moellmann, 2010) pela subordinação do fluxo à capacidade do tambor, seguida da adição de pulmões em pontos estratégicos do sistema e do controle do seu nível de inventário, a fim de manter o fluxo contínuo e puxado pelo tambor. Blackstone (2013) acrescenta que para cadeias de suprimentos o TPC foi estendido, de modo a puxar os estoques entre os seus elos, ambiente onde é conhecido como reabastecimento rápido. Para os casos em que o mercado é a principal restrição do sistema, conforme Souza & Baptista (2015), foi concebida uma versão simplificada do mecanismo TPC (TPCS). Ao utilizar o TPCS, Santos e Alves (2015) propuseram um modelo de gestão integrada para a cadeia de suprimentos de uma indústria de eletrodomésticos, na qual todos os membros foram subordinados à demanda, tendo obtido como resultados uma maior integração entre os elos, a redução de estoques e um aumento no nível de serviço.

A utilização da TOC em SCM pode ser compreendida como um sistema que puxa estoques ao longo da cadeia, desde um ponto de consumo e a partir de um armazém central, que é utilizado como um centro de distribuição Schragenheim (2013). Segundo Blackstone (2013), essa abordagem funciona por manter a maioria dos estoques no depósito central do fabricante, onde a variabilidade é menor que no varejista comum, devendo iniciar com uma maior frequência de entregas, de quantidades equivalentes às vendas reais do período de entrega anterior, ou seja, o estoque no início de um período é apenas a quantidade máxima provável de vendas durante o período de reabastecimento previsto.

A aplicação da TOC na cadeia de suprimentos, em especial do varejo, foi inicialmente descrita no livro “Não é óbvio?” (Goldratt, 2011), que apresenta os passos do processo de focalização no varejo e destaca ser este um dos ambientes mais fáceis e seguros para melhoria de desempenho decorrentes do uso da TOC, uma vez que, sua restrição (número de clientes que entra na loja) é fixa, e nunca se quebra (Goldratt, 2011).

A TOC utiliza um conjunto de medidas de desempenho para a chamada contabilidade de ganhos (Goldratt, 2011; Goldratt, 2013; Goldratt, 2014), sendo consideradas por Guerreiro (1999) como parâmetros norteadores das ações para o alcance da meta organizacional, sendo definidos no APICS Dictionary (Cox III & Spencer, 2008), como segue:

O Retorno Sobre o Investimento (RSI) de cada item, segundo Schragenheim (2013), é para um varejista um importante indicador de comparação entre SKUs (Stock Keeping Unit – unidade de manutenção de estoque) e, conforme Guerreiro (1999), pode ser calculado por RSI=(G–DOp)/I, sendo G o ganho, DOp a despesa operacional, Lucro Líquido (LLiq=G–DOp) e I o Inventário. Outra medida de desempenho importante é o giro de estoque (GE), definido por Schragenheim (2013) como o número de ciclos, ou de vezes, que um estoque é esgotado e reposto durante o ano, podendo ser calculado, segundo Goldratt (2014), por GE=VV/CE, sendo VV o valor das vendas anuais e o CE o custo médio de estoque.

Nem sempre é trivial a verificação em situações reais da otimização resultante da aplicação dos princípios da TOC com base nesse conjunto de indicadores, motivo pelo qual Schragenheim (2013) aponta o uso de modelos de simulação como uma forma de avaliar os resultados da solução obtida pela aplicação da TOC, especialmente antes da sua implantação.

Modelagem e simulação computacional de sistemas de eventos discretos

Um modelo de simulação compreende as características de sistemas reais, que mudam seu estado em momentos discretos no tempo a partir de eventos, repetindo em um computador esse comportamento do sistema quando submetido a dadas condições de contorno (Chwif e Medina, 2010). De acordo com Vargas e Paglione (2015) uma simulação é a imitação do funcionamento do sistema real, através de modelos matemáticos desenvolvidos a priori, contendo as principais características que se quer representar.

Entre os benefícios da simulação, destaca-se a possibilidade de antecipar consequências de mudanças operacionais antes da sua implementação no sistema real, sem gerar ônus elevados (Sabbadini et al., 2006). Para o sucesso do estudo de simulação alguns passos devem ser seguidos (Chwif e Medina, 2010; Jacobs e Chase, 2012; e Law, 2003), sendo caracterizados na literatura como metodologias de simulação.

Chwif e Medina (2010) dividem o desenvolvimento do modelo de simulação em três grandes etapas e apresentam os diferentes modelos a serem formulados. Na primeira etapa, de concepção, devem ser esclarecidos os objetivos da simulação e as informações sobre o sistema a ser simulado, bem como o escopo do modelo, suas hipóteses e seu nível de detalhamento. O resultado é o modelo abstrato que deve ser convertido em um modelo conceitual, com o uso de técnica adequada de representação. Segundo os autores a segunda etapa, de implementação, converte o modelo conceitual em um modelo computacional, através de linguagem de simulação ou de um simulador comercial. O modelo computacional implementado deve, então, ser comparado com o modelo conceitual, de modo a avaliar se sua operação atende ao estabelecido na primeira etapa. Esse processo abrange as chamadas validação e verificação. A validação atenta para o modelo conceitual, a fim de se certificar que as considerações nele feitas representam o sistema real, enquanto a verificação se relaciona ao modelo computacional e seus possíveis bugs. Ou seja, a validação se preocupa com o que será modelado e a verificação com o modo como o modelo está sendo implementado. Por fim, na terceira etapa, de análise, o modelo computacional está pronto para os experimentos, dando origem ao modelo experimental, no qual são efetuadas várias rodadas para posterior análise e documentação dos resultados.

Analogamente, Jacobs e Chase (2012) propõem como principais passos do estudo de simulação: definir o problema, construir o modelo de simulação, especificar os valores das variáveis e dos parâmetros, executar a simulação, avaliar os resultados, validar e propor um novo experimento. Segundo os autores, os parâmetros são as propriedades do sistema real que devem ser fixas e as variáveis são aquelas que podem sofrer variação. Deve-se ainda especificar as regras de decisão, que explicitam sob quais condições o modelo se comporta e quais as distribuições de probabilidade a serem utilizadas (Jacobs; Chase, 2012).

Além dessas, uma forma clássica de implementar estudos de simulação computacional de eventos discretos é apresentada por Law (2003) em 7 passos: formular o problema; coletar informações e construir o modelo conceitual; verificar o modelo; programar o modelo; validar o modelo programado; conduzir e analisar os experimentos; e, então, documentar e apresentar os resultados. O autor enfatiza a importância do modelo conceitual, que deve conter informações bem detalhadas de cada subsistema e ser entendível pelo tomador de decisão do sistema e acrescenta a redução do tempo de programação e do custo do projeto como benefícios em usar um simulador comercial para a programação do modelo.

Posto que um sistema é uma coleção de elementos que se inter-relacionam ao trabalhar conjuntamente no atingimento de uma meta desejada, deve-se ainda definir os elementos que o compõem (Harrell et al. 2011). Segundo esses autores, os elementos são atividades, recursos e controles, utilizados ao processar entidades. Atividades são caracterizadas pelos autores como tarefas que consomem tempo e recursos e podem representar o processamento de uma entidade, como atividades de atendimento, corte ou inspeção; a movimentação de uma entidade, como o transporte em empilhadeiras ou em elevadores; ou ainda o ajuste de recursos, manutenção e reparo, como atividades de setup. Os autores definem recursos como os meios através dos quais são realizadas atividades, podendo ser classificados como: humanos ou animados, a exemplo de operadores e equipe de manutenção; inanimadas, como equipamentos, máquinas, ferramentas; ou intangíveis, referentes a informações, energia elétrica. Por fim, Harrell et al. 2011 esclarecem que os controles objetivam o estabelecimento de ordem ao sistema, determinando como, quando e onde se realizam as atividades.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa realizada tem cunho teórico e objetivo analítico e utilizou uma abordagem qualitativa, para delimitar a situação problemática de pesquisa, e quantitativa ao utilizar um estudo de simulação para a obtenção dos resultados (GIL, 2010; Santos, 2007). Os procedimentos da pesquisa se basearam nas etapas para a construção de um modelo de simulação (Law, 2003; Chwif e Medina, 2010; Harrell et al. 2011): (i) formulação do problema; (ii) modelo conceitual; (iii) modelo computacional; (iv) condução de experimentações; (v) sistematização dos resultados. As etapas i a iv são apresentadas na seção Procedimentos Metodológicos e a etapa v na seção Resultados e Discussão.

Formulação do problema

O problema tratado no estudo de simulação foi definido a partir da sistematização de situações descritas no livro “Não é óbvio?: A teoria das restrições (TOC) em uma história do mundo dos negócios” (Goldratt, 2011). O foco do livro e o do presente trabalho é a loja de Boca Raton (LBR). Na obra, o autor apresenta, de forma romanceada, a otimização da cadeia de suprimentos da rede “Hannah’s Shop”, uma rede de varejo de cama, mesa e banho, que atende à nove regiões estadunidenses, cada uma delas com dez lojas. A leitura estruturada da obra permitiu sistematizar dois momentos de tempo relevantes para este estudo:

Essas situações delimitam o modelo abstrato utilizado e fornecem parâmetros para a construção dos modelos conceituais e computacionais, bem como para a sua avaliação. Além dessas, o livro narra intervenções relacionadas à cadeia de suprimentos fornecedora da LBR (Hannah’s Shop), que foram omitidas por não terem sido investigada na simulação realizada.

Elaboração do modelo conceitual

Os modelos conceituais para a situação inicial e para a situação após TOC foram definidos em função de um conjunto de elementos (Law, 2003; Chwif e Medina, 2010; Harrel, C. et al., 2011): entidades, recursos, atividades realizadas, parâmetros do modelo de simulação e variáveis analisadas. As entidades e os recursos fixos são apresentados na forma de um modelo conceitual na Figura 1, sendo os demais elementos a seguir são descritos.

As entidades entrantes no modelo são SKUs e pedidos. Os SKUs são enviados pelo Depósito Regional e recebidos, e armazenados, no Depósito da LBR, sendo, sempre que demandados, desmembrados em entidades denominadas Itens que são enviados às prateleiras da loja para serem consumidos.

Modelo Conceitual
Figura 1
Modelo Conceitual

Os pedidos representam os clientes, que demandam o consumo unitário de itens. Os recursos fixos utilizados foram filas comuns (DR, Depósito da LBR, Pedidos atendidos e Rupturas de Pedidos), filas do tipo Prateleiras (cinco, uma por departamento da LBR), processadores do tipo combiner (cinco, que representam os Caixas que combinam Pedidos e Itens). Não foram utilizados recursos móveis. As atividades desenvolvidas pelo sistema foram o recebimento e a estocagem de SKUs, o abastecimento das Prateleiras, o recebimento de pedidos e a saída dos pedidos com demanda atendida, ou com ruptura.Os principais parâmetros adotados no modelo computacional (controles), foram: tipos de SKU/itens disponibilizados para venda pela LBR (TipoSKU/itens), quantidade de itens por SKU (QSKU), markup dos itens (Mup, margem de lucro %), custo e preço de venda por item (em $ unidades monetárias), taxa de demanda dos Pedidos (TxPedidos), frequência de reabastecimento (FReabast) e tamanho do estoque inicial (Einicial); ver Quadro 2.

Quadro 2
Parâmetros adotados nos modelos de simulação
Parâmetro Cenário inicial Cenário após TOC
TipoSKU/itens 200 tipos 200 tipos
QSKU 10 itens 10 itens
Mup 100% 100%
Custo por unidade $1 $1
Preço venda por unidade $2 $2
TxPedidos Exponencial(100un) Exponencial(100un)
FReabast 3 dias 1 dia
Entidades entrantes SKUs Itens
Einicial 4 meses 20 dias

Alguns parâmetros não descritos objetivamente na obra foram definidos pelos pesquisadores. Estabeleceu-se uma representatividade percentual para cada item no total de Pedidos do dia, para representar a diferença de demanda entre os itens, mantendo a homogeneidade entre os departamentos. O reabastecimento dos SKUs (ordem de solicitação dos Pedidos ao DR) foi definido com base nas quantidades vendidas durante o período entre as reposições. Enquanto que a FReabast diária de itens é definida na obra apenas para o cenário após TOC, tendo sido necessário definir um ajuste para o cenário inicial. Assunções que não representam prejuízo aos resultados obtidos, uma vez que, a análise e a experimentação conduzidas consideram resultados relativos, entre a situação inicial e após TOC.

Foram definidas como variáveis a serem analisadas: o total de itens vendidos no período de simulação, o total de pedidos que chegaram à loja, o número de rupturas (medido em itens e em %) e a média de itens em estoque. A partir delas, foram calculadas para ambos os cenários estudados as medidas de performance da TOC: lucro médio da loja no período, custo total do inventário, o retorno sobre o investimento e o giro de estoque.

Elaboração do modelo computacional

O modelo computacional de simulação foi construído com o auxílio do software FlexSim®, de forma a representar as características estabelecidas no modelo conceitual em um ambiente virtual, envolvendo a sua programação, verificação e validação.

A Figura 2 apresenta uma imagem instantânea do modelo computacional utilizado, no qual se pode observar a disposição dos recursos fixos. Os componentes, a lógica de funcionamento e os controles utilizados na programação do modelo são descritas a seguir.

Modelo Computacional
Figura 2
Modelo Computacional
Fonte: Elaborado pelos autores com o auxílio do software FlexSim®.

Foram utilizadas duas fontes de produtos (SKU ou itens) e uma de pedidos. A primeira fonte de produtos é responsável pelo abastecimento no tempo t=0, sendo que cada um dos 200 tipos de SKU/itens é identificado por um label e uma cor. A proporção do mix de cada tipo de SKU segue uma sequência que se repete a cada 40 tipos de produtos, sendo 25 SKUs do tipo 1, 15 do tipo 2, 12 do tipo 3, 10 do tipo 4, 7 do tipo 5, 5 do tipo 6, 2 dos tipos 7-10 e 1 dos tipos 11-40, e assim sucessivamente. No cenário inicial essa fonte insere no Depósito da LBR uma quantidade equivalente a quatro meses de estoque (560 SKUs), garantindo que todos os produtos estivessem disponíveis já no momento inicial. No cenário após TOC essa fonte insere no Depósito da LBR itens que equivalem a 20 vezes a média diária de vendas identificada no cenário inicial. A segunda fonte de produtos insere produtos de acordo com a lógica e as taxas estabelecidas, respeitando as suas quantidades de venda: a cada 3 dias no cenário inicial e itens a cada 1 dia no cenário após TOC.

A fonte de Pedidos insere em média 100 pedidos por dia exponencialmente distribuídos identificados através de um label com o mesmo número do item ao qual o pedido se refere. A demanda de pedidos de cada item segue uma sequência que se repete a cada 40 tipos de produtos, sendo 5% de pedidos do tipo 1, 3% do tipo 2; 2,5% do tipo 3; 2% do tipo 4; 1,5% do tipo 5; 1% do tipo 6; 0,5% dos tipos 7 e 8; 0,25% dos tipos 9-10; 0,2% dos tipos 11-18; 0,15% dos tipos 19 e 20; 0,1% dos tipos 21-34; 0,08% do tipo 35; 0,05% do tipo 36; 0,02% dos tipos 37 e 39; e 0,01% do tipo 40; e assim sucessivamente.

O Depósito Regional (DR) foi representado por uma fila com capacidade de 10.000 SKUs, que quando demandados pelo Depósito da LBR são convertidos em itens, por um separator (1 SKU em 10 itens), procedimento que não foi utilizado no cenário após TOC no qual as chegadas devem ser de itens. O Depósito da LBR (fila com capacidade igual a 2800 unidades) recebe, acumula e destina produtos itens aos seus respectivos departamentos.

Cada uma das cinco prateleiras demanda do Depósito da LBR a reposição de itens (lógica puxada), utiliza uma estratégia de estocagem dedicada e tem capacidade de acumular 560 unidades, sendo no máximo 14 unidades de um único tipo de item (de 1 a 40 no departamento 1, de 41 a 80 no departamento 2, e assim sucessivamente). Controle que foi estabelecido para impedir que todos as posições fossem preenchidas por um dado tipo de item o que poderia causar rupturas, mesmo quando eles estavam disponíveis no DL. Os caixas puxam os itens demandados em cada pedido e os envia para a fila de pedidos atendidos (vendas), sendo que caso o mesmo não esteja disponível é enviado para a fila de rupturas.

A lógica utilizada para o reabastecimento de SKUs/itens na LBR é comandada pela fonte geradora de produtos, sendo a reposição é baseada nos Pedidos atendidos durante o período (quantidades vendidas desde a reposição anterior). No cenário após TOC, a reposição de itens ocorre diariamente, permitindo à loja reabastecer todos os tipos de itens vendidos no dia anterior. Já no cenário inicial, como a reposição é de SKUs (1 para 10 itens) uma restrição teve de ser adicionada à programação desses eventos. O modelo verifica se a quantidade de itens vendida no período é igual ou maior a 10 itens, para que se justifique a reposição de 1 SKU. No caso verdadeiro, a quantidade vendida de cada tipo e item é dividida por 10 e o resultado arredondado é encaminhado à fonte geradora de produtos. No caso contrário, o modelo acumula a sua contagem para o próximo evento de reposição.

Vale destacar que as medidas implementadas no cenário após TOC buscam reproduzir o mecanismo Tambor-Pulmão-Corda (TPC) para o gerenciamento de gargalos, no qual: o tambor é a demanda de mercado; o pulmão são os estoques (20 vezes a quantidade vendida de itens); e corda é a lógica de reposição diária implementada, que controla a liberação de materiais de acordo com a capacidade do tambor.

A verificação e validação do modelo computacional foram realizadas em relação ao cenário inicial. A verificação consistiu na confirmação de que o modelo realiza todas as atividades preconizadas para o modelo conceitual, envolvendo a correta distribuição dos itens nas prateleiras, a adequada associação entre os pedidos e itens, a apropriada identificação das rupturas e a lógica programada. Já a validação envolveu a comparação com a narrativa do sistema descrita no livro, e em especial da afirmação que na situação inicial as rupturas da loja estavam entre 1/4 e 1/3 dos pedidos (25% e 33% dos itens), sendo a maioria entre os itens mais vendidos. Foi necessário testar 37 diferentes ajustes do modelo computacional, em função de não haver informações suficientes para caracterizar o sistema na narrativa da obra, considerando: variações na lógica de reposição (baseada em rupturas ou em vendas), na frequência de reabastecimento (de 3 a 12 dias) e nas capacidades das filas.

Ao final, o modelo validado para o cenário inicial teve uma ruptura média de 28,63%, sendo considerada uma lógica de reposições baseadas nas vendas realizadas, a frequência de reabastecimento de 3 dias, a capacidade do Depósito da LBR de 2800 itens de 560 itens cada para as prateleiras (total de 2800 itens). Nesse processo, foram utilizadas 4 replicações, consideradas suficientes assumido um erro admissível ser de 300 rupturas/ano e o erro o intervalo de confiança (a=5%) ter sido de 152 rupturas/ano.

Condução e análise de experimentos

O tempo de simulação utilizado na verificação, validação e experimentação do modelo foi de 240 dias, equivalente a um ano de dias trabalhados, ao qual foi acrescido um tempo de warm-up de 100 dias, totalizando 340 dias.

A obra investigada descreve de forma romanceada que, entre as situações inicial e após TOC, a aplicação dos conceitos de TOC à LBR produziu um conjunto de resultados nas medidas de performance. A viabilidade da obtenção desses resultados, e a sua magnitude, foi avaliada pela comparação entre modelos de simulação computacional para os cenários inicial e após TOC. Comparação se deu pela verificação de seis assertivas descritas na seção 3.1:

· Assertiva 1: Rupturas inferiores a 10% na situação após TOC;

· Assertiva 2: Aumento das vendas de 20% a 30%;

· Assertiva 3: Estoque na situação após TOC deve ser igual a 20 vezes a média diária das vendas da situação inicial, o que corresponde a 1/4 do estoque inicial;

· Assertiva 4: Aumento de 5 vezes no giro anual de estoque (de 6 vezes para 30 vezes);

· Assertiva 5: Aumento de 2,9 vezes no lucro líquido (LL) médio (de 6% para 17,4%);

· Assertiva 6: Aumento de 10 vezes no Retorno sobre o Investimento (RSI).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados para as variáveis definidas no modelo conceitual e os indicadores da TOC para o cenário inicial são apresentados na Tabela 1, considerando um intervalo de confiança de 95% para os valores médios e seus limites inferior (LI) e superior (LS). Dentre as medidas operacionais da TOC o ganho é estimado pelo indicador LLiq ($), o inventário em processo é mensurado por Eim período (un) e a despesa operacional por DOp ($).

Tabela 1
Resultados para as Variáveis e os Indicadores no cenário inicial
Variáveis e Indicadores Replicações LI Média LS
1 2 3 4
TiV (un) 16.985 17.126 17.117 17.296 16.929 17.131 17.334
TiD (un) 23.812 23.995 24.125 24.085 23.783 24.004 24.226
TiR (un) 6.827 6.869 7.008 6.789 6.721 6.873 7.025
% Ruptura 28,67% 28,63% 29,05% 28,19% 28,26% 28,63% 29,00%
TmP DR (dias) 17,91 20,28 17,58 19,13 16,80 18,70 20,70
Em DR (SKUs) 136 158,90 135,39 150,75 127 145 164
Ti Dptos (un) 423,25 437,12 397,76 455,91 435,00 427,00 420,00
Ti DL (un) 2.872 2.847 2.897 2.854 2.844 2.869 2.893
Eim período (un) 3.295,9 3.284,3 3.295,3 3.310,3 3.279,0 3.296,0 3.313,0
CEm ($) 3.295,9 3.284,3 3.295,3 3.310,3 3.279,0 3.296,0 3.313,0
RBruta ($) 33.970,0 34.252,0 34.234,0 34.592,0 33.858,0 34.262,0 34.668,0
GE (vezes ao ano) 10,31 10,43 10,39 10,45 10,33 10,40 10,46
CProd ($) 16.985 17.126 17.117 17.296 16.929 17.131 17.334
ROp ($) 16.985,0 17.126,0 17.117 17.296 16.929 17.131 17.334
LLiq ($) 2.038,2 2.055,1 2.054,0 2.075,5 2.031,5 2.055,7 2.080,1
DOp ($) 14.946,8 15.070,9 15.063,0 15.220,4 14.897,5 15.075,3 15.253,9
ROI (%) 62% 63% 62% 63% 62% 62% 63%
Nota (1) variáveis [total de itens vendidos (TiV), total de itens demandados (TiD), número total de rupturas de itens (TiR), percentual de rupturas (% Ruptura), tempo médio de permanência no depósito regional (TmP DR), estoque médio no depósito regional (Em DR), total de itens médios nos departamentos (Tim Dptos), total de itens no depósito da loja (Ti DL), estoque médio de itens no período simulado (Eim)] | (2) indicadores [custo do estoque médio (CEm), receita bruta (RBruta), giro de estoque (GE), custo dos produtos (CProd), receita operacional (ROp), lucro líquido (LLiq), despesa operacional (DOp), retorno sobre o investimento (ROI)].

Para o cálculo dos indicadores foram consideradas as definições dadas na seção anteriores e, dado que na situação inicial o LLiq médio da loja era de 6%, para o cálculo de DOp foi realizado sabendo-se que LLiq= RBruta- CProd(vendidos)- DOp.

Os valores de pedidos, vendas e rupturas resultantes do cenário inicial subsidiaram a estimação da venda diária média para cada um dos duzentos tipos de itens (equivalente ao valor de 20 vezes a média diária de venda arredondado), que foram utilizadas como referência inicial no cenário após TOC, como definido no modelo conceitual e narrado pelo autor. A Tabela 2 exemplifica esses valores para os primeiros e últimos cinco tipos de itens.

Tabela 2
Resultados de vendas e rupturas ao término da simulação no cenário inicial
SKU/ Itens TiV (un) TiR (un) TiV (un) Vendas diárias (un) Rupturas diárias (un) Venda diária média (Vdm, un) 20*Vdm
(un) Arred. (un)
1 1166 0 1166 3 0 4,86 97,2 97
2 761 0 761 6 0 3,17 63,4 63
3 579 0 579 1 0 2,41 48,3 48
4 470 0 470 1 0 1,96 39,2 39
5 366 36 330 1 3 1,38 27,5 28
...
195 22 12 10 0 0 0,04 0,8 1
196 10 0 10 0 0 0,04 0,8 1
197 4 0 4 0 0 0,02 0,3 1
198 2 0 2 0 0 0,01 0,2 1
199 4 0 4 0 0 0,02 0,3 1
200 1 0 1 1 0 0,00 0,1 1

Similarmente, para o cenário após TOC a Tabela 3 apresenta as variáveis e indicadores, considerando um intervalo de confiança de 95% para os valores médios e seus limites inferior (LI) e superior (LS). Dado na narrativa da obra não haver sido relatada alteração em termos da DOp, para o cenário após TOC foi utilizada o mesmo valor do cenário inicial ($15.075,28), tendo o LLiq médio sido estimado a partir deste valor.

Como pode-se observar na Tabela 3, o TiV e o TiD assumiram valores muito próximos em função de o TiR ter sido baixo, além disto, o TmP DR e o Em DR caíram a zero, pois todos os itens demandados pela loja são enviados pelo DR e recebidos no DL, o que não ocorreu no cenário inicial por falta de espaço no DL. No cenário inicial, a fila de espera no DR (Em DR=145 SKUs, equivalente a 1450 itens) acumula produtos (TmP DR=18,7 dias) já ordenados pela loja, mas ainda não puderam ingressar no DL.

Tabela 3
Resultados para as Variáveis e os Indicadores no cenário após TOC
Variáveis e Indicadores Replicações LI Média LS
1 2 3 4
TiV (un) 23.579 23.614 23.695 23.656 23.556 23.636 23.716
TiD (un) 23.911 23.949 24.063 24.033 23.876 23.989 24.102
TiR (un) 332 335 368 377 317 353 389
% Ruptura 1,39% 1,40% 1,53% 1,57% 1,33% 1,47% 1,61%
TmP DR (dias) 0 0 0 0 0 0 0
Em DR (itens) 0 0 0 0 0 0 0
Ti Dptos (un) 473,79 474,04 473,72 474,00 584,29 584,25 584,21
Ti DL (un) 1.114,32 1.114,71 1.114,52 1.114,35 1.003,79 1.004,18 1.004,57
Eim período (un) 1.588,11 1.588,75 1.588,24 1.588,35 1.588,08 1588,43 1588,78
CEm ($) 1.588,11 1.588,75 1.588,24 1.588,35 1588,08 1.588,43 1.588,78
RBruta ($) 47.158 47.228 47.390 47.312 47.112 47.270 47.432
GE (vezes ao ano) 29,69 29,73 29,84 29,79 29,67 29,76 29,85
CProd ($) 23.579 23.614 23.695 23.656 23.556 23.636 23.716
ROp ($) 23.579 23.614 23.695 23.656 23.556 23.636 23.716
LLiq ($) 8.503,7 8.538,7 8.619,7 8.580,7 8.480,7 8.560,7 8.640,7
DOp ($) 14.946,8 15.070,9 15.063,0 15.220,4 14.897,5 15.075,3 15.253,9
ROI (%) 535% 537% 543% 540% 534% 539% 544%

Questão que não é objetivamente indicada no livro, mas que explica um alto número de rupturas de itens, o que só foi possível compreender com a modelagem realizada. Essa é uma importante constatação para lojas de varejo nas quais é comum que o espaço de retaguarda para estoque seja limitado, ou seja, a manutenção de estoque excessivo para os itens não demandados pode aumentar as rupturas por limitar o recebimento e armazenamento no depósito de itens de maior giro.

Além disso, a maior frequência de abastecimento apenas para os itens demandados possibilitou o aumento do Ti Dptos (de 427 para 584,25) o que representa uma maior disponibilidade de itens para o atendimento dos pedidos e a redução do Ti DL (de 2.869 para 1.004,18), mesmo tendo havido a redução do Eim (de 3296 para 1588,43).

Os resultados obtidos para os cenários inicial e após TOC permitiram a sua comparação em termos dos indicadores de desempenho da TOC, como indicado na Tabela 4, na qual o lucro líquido médio indicado em percentual foi calculado pela divisão entre o lucro líquido em unidades monetárias e a receita bruta obtida. Como pode ser observado, após a implantação dos princípios da TOC, houve um importante aumento na venda de itens e uma grande diminuição nas rupturas e no estoque médio de itens, além de ter havido expressiva variação positiva nos indicadores de desempenho propostos pela TOC. Resultados obtidos mesmo tendo sido mantida idêntica a taxa de chegada de pedidos, para ambos os cenários.

Tabela 4
Comparação dos resultados entre os cenários inicial e após TOC
Variáveis e Indicadores Cenário inicial Cenário após TOC Variação
Total de itens vendidos (un) 17.131 23.636 +38,0%
Rupturas (%) 28,63% 1,47% -94,9%
Estoque de itens médio (un) 3.296 1.588,43 -51,8%
Giro de estoque (vezes ao ano) 10,40 29,76 +2,86 vezes
Lucro líquido médio (%) 6,0% 18,1% +3,02 vezes
Retorno sobre o Investimento 62% 539% +8,64 vezes

Apesar de a narrativa romanceada utilizados pelo autor facilitarem a compreensão dos conceitos, após a leitura da obra pode restar alguma desconfiança quanto à efetiva existência da relação entre as ações gerenciais adotadas pelos personagens e os resultados indicados pelo autor, ou seja, entre o que é ficção e o que é real. A seguir essa questão é discutida com base nos resultados da Tabela 4 e nas seis Assertivas sistematizadas na seção 3.4.

A Assertiva 1 (Rupturas inferiores a 10% na situação final) foi verificada, dado esta variável ser do tipo menor é melhor e o valor do percentual de rupturas no cenário após TOC ter sido de 1,47%, o que é muito inferior ao descrito no livro. A Assertiva 2 (Aumento das vendas entre 20 e 30%) também foi verificada, mesmo considerando que a taxa de pedidos não tenha se alterado entre os cenários, uma vez que, houve um aumento de 38% nas vendas, percentual que é superior ao narrado na obra. A Assertiva 3 (Estoque na situação após TOC deve ser igual a 20 vezes a média diária das vendas da situação inicial, o que corresponde a 1/4 (25%) do estoque inicial) foi parcialmente verificada, apesar de a redução no tamanho do estoque ter sido expressiva, igual a 51,8%. A Assertiva 4 (Aumento de 5 vezes no giro de estoque, de 6 vezes ao ano para 30 vezes ao ano, entre o cenário inicial e após TOC) foi parcialmente verificada em função do aumento no giro do estoque ter sido de 2,86 vezes, o que está relacionada ao atendimento parcial da Assertiva 3, apesar disso esse resultado é consistente àquele relatado (2,8 vezes) por Schragenheim (2013, p. 310). A Assertiva 5 (Aumento de 2,9 vezes no lucro líquido médio, de 6% para 17,4%, entre o cenário inicial e após TOC) foi verificada dado o aumento de 3,02 vezes no lucro líquido o que equivale a 18,1% no cenário após TOC. A Assertiva 6 (Aumento de Retorno 10 vezes no Retorno sobre o Investimento (RSI), entre o cenário e após TOC) foi parcialmente verificada, dado ter havido um aumento de 8,64 vezes, o que pode ter sido influenciado pelo aumento das vendas (Assertiva 1) e pelo tamanho do estoque (Assertiva 3), uma vez que, a despesa operacional foi mantida constante e o RSI é calculado pela divisão entre o lucro líquido e o valor de inventário.

Sumarizando, a maioria das Assertivas foi verificada, apesar de algumas terem sido verificadas apenas parcialmente, o que se refere à intensidade do efeito esperado e não a sua efetiva constatação; diferença de magnitude que pode ser creditada às escolhas metodológicas realizadas. Constatação que admite indagar sobre se a convicção do autor, em apresentar na obra investigada números tão precisos, não tenha sido derivada de resultados obtidos em uma situação real ou, até mesmo, da utilização de modelos de simulação.

Vale ressaltar que a comparação realizada, entre um dado cenário inicial e um dado cenário após TOC, permite supor que as melhorias verificadas decorrem das ações gerencias implantadas. Resultados que confirmam que a adoção dos princípios de TOC pode produzir os efeitos descritos na obra investigada e, também, que melhorias similares podem ser obtidas em casos nos quais a situação inicial não seja exatamente àquela utilizada.

Além disso, um maior giro do estoque reduz a necessidade de espaço de armazenamento e aumenta o ROI o que, segundo Goldratt (2011), incrementa a eficiência e habilita uma rápida expansão da cadeia de suprimentos. Vale destacar que na obra estudada é descrito que, uma vez alcançada a situação após TOC, ainda seria possível gerar um impacto exponencial nos indicadores estudados, caso fosse aumentado o número de produtos oferecidos, o que aumentaria a fidelização dos clientes e o número médio de produtos comprados.

Nessa situação, a redução de rupturas aumentaria a satisfação dos clientes, que comprariam mais; o reabastecimento mais rápido permite ajustar o mix de produtos à demanda real; e a diminuição dos estoques melhora o display da loja e permite aumento no portfólio dos produtos, podendo aumentar ainda mais as vendas. Afirmações, não estudadas neste texto e que seriam de difícil comprovação em modelos de simulação, dado não haver informações no livro quantificando o acréscimo de produtos oferecidos, o aumento esperado para as vendas e para o número médio de produtos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo de cunho teórico avaliou a aplicação dos conceitos de Teoria das Restrições na loja de varejo descrita no livro “Não é óbvio?” em ambiente de simulação computacional. Os resultados obtidos comprovaram que as ações gerenciais descritas na obra se sustentam, quando testadas em um modelo de simulação, e que a implantação de princípios da TOC na cadeia de suprimentos do varejo é capaz de produzir a redução de 94,9% no percentual de rupturas, o aumento de 2,86 vezes no giro de estoque, o incremento de 3,02 vezes no lucro líquido e o acréscimo de 8,64 vezes no retorno sobre o investimento.

A sistematização dos eventos narrados e a construção de um modelo computacional de simulação, verificado e validado, para o sistema descrito na obra permitiram comprovar os benefícios decorrentes da utilização do processo de focalização para o gerenciamento de restrições, implementado com o auxílio do mecanismo Tambor-Pulmão-Corda.

Esses resultados têm relevantes implicações teóricas e práticas. Práticas ao comprovar uma forma de superar principal dilema do varejo, em relação a manter altos níveis de estoque a um custo elevado ou arcar com muitas rupturas. Teóricas ao comprovar que a aplicação da TOC em cadeias de suprimentos produz os resultados descritos na obra, o que reforça a consistência da TOC quando aplicada ao varejo. Tal constatação contribui para dirimir possíveis dúvidas quanto a real possibilidade de obter os resultados descritos na obra, dado o estilo de narrativa utilizado ter sido um romance de negócios.

A abrangência de livros romanceados é maior que a de artigos científicos, tanto em termos de público alvo quanto na divulgação de suas ideias centrais, porém, assume especial importância o desenvolvimento de trabalhos com maior rigor científico à construção teórica neles descrita. Considerando a intensão de generalização presente nas obras do autor, sugere-se que a comprovação dos efeitos positivos da TOC também possa ser realizada em cenários iniciais com condições distintas, que sejam estudadas diferentes políticas de reposição de estoque, bem como ampliada a análise pela inclusão de outros elos da uma cadeia de varejo.

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