RESUMO: Este artigo objetivou, por meio da análise histórica, relacionar o pensamento de Norbert Wiener e seu modo de compreender a ciência e a ética com o desenvolvimento da cibernética. Integra o escopo desta pesquisa entender a lógica matemática que levou o pesquisador a conceber sua teoria cibernética; relacionar sua abrangência, bem como a problemática, social e científica, que a cibernética impõe ao mundo contemporâneo. O locus temporal desta pesquisa delimita-se, historicamente, entre 1894 e 1964, anos relativos ao nascimento e morte do matemático, respectivamente. Busca-se construir uma história não se atendo somente às obras e documentos de Wiener, os fatos descritos, mas também compreender as relações que se deram por meio dos fatos, suas problematizações e seu contexto histórico. Para tanto, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental baseada nas obras e documentos do matemático que estão disponíveis no MIT. Em síntese, as considerações finais apontam que a cibernética tem como característica fundamental a interdisciplinaridade, decorrente da forma como ele enxergava a ciência, da sua formação e de suas relações profissionais e pessoais. Desse modo, considera-se que a trajetória profissional e pessoal de Wiener foi fundamental para o desenvolvimento da sua Teoria Cibernética.
Palavras-chave:História da MatemáticaHistória da Matemática,Norbert WienerNorbert Wiener,CibernéticaCibernética,Segunda Guerra MundialSegunda Guerra Mundial.
ABSTRACT: This article relates the thinking of Norbert Wiener and his understanding of science and ethics to the development of cybernetics through historical analysis. This research includes understanding the mathematical logic that led the researcher to conceive of his cybernetic theoryand relate its comprehensiveness, as well as the social and scientific problematic that Cybernetics imposes on the contemporary world. The temporal locus of this research is, historically, between 1894 and 1964, years respectively related to the birth and death of the mathematician. The aim is to build a history not only of the Wiener’s works and documents, but also of the relations provided by facts, their problematizations and their historical context. Bibliographical and documentary research was based on the works and documents of the mathematician available at MIT. In summary, final considerations point out that cybernetics has interdisciplinarity as a fundamental characteristic, due to the way in which Wiener saw science, its formation and its professional and personal relations. Thus it is considered that Wiener’s personal and professional path was essencial for the development of his Cybernetic Theory.
Keywords: History of Mathematics, Norbert Wiener, Cybernetics, Second World War.
Artigos Livres
Norbert Wiener: história, ética e teoria
Norbert Wierner: History, Ethics and Theory
Recepção: 01 Fevereiro 2019
Aprovação: 13 Junho 2020
Os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial criaram um mundo de circunstâncias adversas para os praticantes da ciência que se viram envoltos com problemas de natureza desconhecida. O homem “dialoga com as coisas, com os seus semelhantes e, muitas vezes, consigo mesmo, procurando um ajuste intelectual com o contorno - ajuste indispensável para o bem viver. Esse diálogo mantido com a circunstância requer uma linguagem” (HEGENBERG, 1975, p. 1).
A linguagem indispensável para tal diálogo nem sempre é trivial. “Em geral, a natureza não propõe problemas fáceis, dado quase sempre o elevado número das variáveis neles envolvidas” (BICUDO, 2009, p. 32). Os problemas que os cientistas se propõem a resolver, quase sempre, refletem a cultura e a necessidade de uma época. Para Bronowski (1983, p. 20), “cada época exibe um ponto de inflexão, uma nova maneira de ver e afirmar a coerência do mundo”. Assim, o pensamento de cada época se reflete em sua técnica e, com relação à maquinária.
Em qualquer estágio da técnica, desde Dédalo ou Heron de Alexandria, a habilidade do artífice em produzir um trabalho simulacro de um organismo vivo sempre intrigou o povo. Esse desejo de produzir e estudar autômatos sempre foi expresso em termos da técnica viva do tempo. Nos dias da magia, tivemos o conceito bizarro e sinistro do Golem, figura de barro na qual o Rabi de Praga soprou vida com a blasfêmia do Inevitável Nome de Deus. Nos tempos de Newton, o autômato torna-se a caixinha de música, com pequenas efígies piruetando, rigidamente, sobre a tampa. No século dezenove, o autômato é a glorificada máquina a vapor, queimando algum combustível em vez de glicogênio dos músculos humanos. Finalmente, o autômato atual abre as portas por meio de fotocélulas ou aponta canhões para o ponto em que um feixe de radar pega um avião, ou computa a solução de uma equação diferencial (WIENER, 1961, p. 40-41, tradução nossa)1.
Fato notável na história da humanidade e que transformou suas técnicas, a Segunda Guerra Mundial foi um divisor de águas para a prática da ciência, marco de muitas mudanças em vários setores do conhecimento. Pode-se destacar entre essas transformações o desenvolvimento tecnológico que permeou todo o século XX e que, com o término da guerra, alavancou a evolução dos computadores. Constata-se também que foi o desenvolvimento de uma arma inteligente que deu origem à cibernética, cujo sucesso se deve à interdisciplinaridade propiciada pelos problemas complexos apresentados pela Segunda Guerra Mundial.
A Cibernética é uma ciência de característica interdisciplinar, assim como todas as outras que surgiram, ou evoluíram durante a Segunda Guerra, sob o patrocínio militar, tendo como base a pesquisa científica. A sistematização das atividades efetuadas durante a Segunda Guerra Mundial envolveu processos nos quais o comando e o controle foram vitais para as ações planejadas e para o êxito das operações militares.
O termo Cibernética foi cunhado por Norbert Wiener, um importante matemático estadunidense, que ficou conhecido mundialmente pela publicação, em 1948, do livro ‘Cybernetics: or the Control and Communication in the Animal and the Machine’. Essa obra apresenta as ideias cibernéticas de Wiener e de seus colaboradores, dentre os quais se destacam os antropólogos Gregory Bateson e Margaret Mead, o fisiologista Arturo Rosenblueth e o engenheiro Julian Bigelow. As ideias apresentadas por Wiener e colaboradores partem da hipótese de que o modo como os sistemas, sejam eles biológicos, tecnológicos ou sociais, respondem às mensagens advindas do mundo exterior são equivalentes e redutíveis a modelos matemáticos.
Destaca-se que, como aponta Chaves (2016), embora o termo cibernética tenha sido criado em 1947, ele passa a ser utilizado para referenciar o início da década, quando efetivamente o conceito começou a ser construído. O sucesso do livro de Wiener teve uma evidente contribuição para a divulgação das ideias propostas e, assim, novos campos de pesquisa surgiram decorrentes do movimento cibernético, que favoreceu o surgimento de outras ciências, cibernéticas por natureza, como a Ciência Cognitiva, a Inteligência Artificial, a Robótica e a Informática. E embora a Cibernética tenha surgido no início da década de 1940, as ideias originais propostas continuaram a emergir, ocasionando novos conceitos e aplicações.
Assim, ao cunhar o termo Cibernética, Wiener pretendeu abarcar todo o campo da teoria do comando, controle e transmissão de informações, quer seja em máquinas ou em seres vivos. Fica claro, por meio da análise histórico-documental que, para Wiener o foco da cibernética não estaria restrito a eletrotécnica, mas sim à informação, seja ela transmitida por meios elétricos, mecânicos ou nervosos.
Nesse contexto, este artigo pretende traçar, por meio de uma análise histórica, a relação estabelecida pelo matemático Norbert Wiener nas perspectivas da ciência, da ética e da filosofia, que permearam todo o conceito de Cibernética criado por ele. A análise histórica teve como base documental o arquivo MCO22, disponível no Institute Archives and Special Collections, órgão do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Boston nos Estados Unidos da América (EUA), que é composto por uma coletânea da obra de Wiener, incluindo correspondências, livros, artigos e manuscritos, consultado in loco por uma das autoras. Os documentos foram traduzidos para o português e os trechos utilizados como citação direta estão apresentados nos rodapés deste artigo.
A natureza da Cibernética, em sua essência, não reconhece fronteiras entre as ciências, estabelecendo comunicabilidade entre os seus diversos ramos. Por outro lado, de modo geral, a ciência continua em um movimento frenético em direção à especialização, na qual cada cientista conhece apenas um ramo do assunto em questão. A recusa de Wiener em reconhecer qualquer tipo de fronteira nas ciências justifica o caráter interdisciplinar da cibernética. Tal recusa pode ser melhor compreendida ao se observar a formação acadêmica e intelectual de Wiener. Em um momento em que a especialização científica impedia as possibilidades de comunicação entre as diversas áreas, possivelmente devido às diferenças de linguagens entre os cientistas, Wiener propõe uma nova ciência, na qual a premissa para produzir algo consistia nos esforços da equipe para entender a linguagem um do outro. Em vários artigos e livros, Wiener deixa clara sua indignação a esse respeito e, em um deles comenta:
Hoje, existem poucos estudiosos que se podem denominar matemáticos, físicos ou biólogos, sem restrição. Um homem pode ser um topologista ou um acústico ou, ainda, um coleopterólogo. Estará impregnado do jargão de sua área e conhecerá toda a sua literatura e as respectivas ramificações, mas, muito frequentemente, considera o tema vizinho como algo da alçada de seu colega que está três portas adiante no corredor, e julgará qualquer interesse dele em seu campo como uma intromissão injustificável (WIENER, 1961, p. 2, tradução nossa)2.
Essa prática não está estagnada, e, nos tempos atuais são ainda mais evidentes. Wiener e seu parceiro de pesquisas - Rosenblueth - compartilhavam dessa ideia muito antes de suas investigações tomarem o mesmo rumo.
Sonhamos, durante anos, com uma instituição de cientistas independentes, que trabalhassem juntos num desses sertões da ciência, não subordinados a algum alto funcionário executivo, mas associados pelo desejo, de fato, pela necessidade espiritual, de entender a região como um todo, e de emprestar, um ao outro, a força desse entendimento (WIENER, 1961, p. 3, tradução nossa)3.
Para Wiener (1961), há campos de trabalhos científicos que foram explorados por diferentes áreas, tais como: matemática, estatística, eletrotécnica e neurofisiologia. Cada noção recebe de cada uma dessas áreas, denominações diferentes e, em algumas delas, os trabalhos são triplicados, ao passo que, em outras, são postergados pela impossibilidade de encontrar resultados que, talvez, já configurem uma solução clássica em outro campo. São essas regiões fronteiriças da ciência que oferecem as mais ricas oportunidades ao investigador qualificado.
Dr. Rosenblueth insistia que uma exploração apropriada desses espaços em branco do mapa da ciência só poderia ser feita por uma equipe de cientistas, cada especialista em seu próprio campo, mas, cada um dotado de um conhecimento inteiramente razoável e adequado das áreas de seus vizinhos; habituados todos a atuar em conjunto, a conhecer os hábitos intelectuais mútuos e a reconhecer o significado de uma sugestão do colega antes que ela tenha assumido uma plena expressão formal. O matemático não precisa possuir a habilidade de conduzir um experimento fisiológico, mas deve estar capacitado a entender, a criticar e a sugerir (WIENER, 1961, p. 3, tradução nossa)4.
O ponto de vista de Wiener sobre ciência e sua prática encontra plasticidade na sua ciência cibernética “que se coloca entre as disciplinas gerais do espírito, como a lógica, o pensamento filosófico, a metodologia e a matemática” (MOLES, 1973, p. 83).
Chaves (2016) também destaca a questão interdisciplinar na Cibernética e indica que as necessidades surgidas com a Segunda Guerra Mundial promoveram a criação de um ambiente propício para o surgimento de um conhecimento interdisciplinar, que culminou com o surgimento da cibernética. O argumento que ampara tal análise é sustentado pela problemática complexa que se apresentava na época. Tais necessidade uniu matemáticos, físicos, engenheiros, cientistas sociais em grupos muldidisciplinares para pensar soluções para problemas complexos.
Outro ponto a ser considerado refere-se às questões éticas do pensamento de Wiener, concernente às suas produções científicas. Durante várias décadas, a relação da ciência com a guerra tem provocado debates radicais sobre sua natureza e o papel assumido pela comunidade científica, no que diz respeito, justamente, ao seu envolvimento com a guerra. Há uma consciência generalizada de que a matemática é uma das ciências provocadoras desse debate, devido a sua contribuição à indústria bélica e às estratégias de guerra. Em resposta a uma carta de Giorgio de Santillana (1902-1974), professor no MIT, Wiener expõe sua opinião a esse respeito.
Desde que a bomba atômica foi lançada, estou tentado me recuperar de uma crise de consciência como um dos cientistas que, tendo feito trabalho de guerra e tendo visto seu trabalho de guerra integrar-se a um conjunto mais amplo de ações, o qual está sendo usado de maneira que eu não aprovo e sobre o qual eu não tenho, absolutamente, nenhum controle. Eu acho que os presságios para uma terceira guerra mundial são visíveis, e eu não tenho nenhuma intenção de deixar os meus serviços serem usados em tal conflito. Eu considerei seriamente a possibilidade de desistir do meu trabalho de produção científica, porque sei que não há maneira de publicar, sem deixar minhas invenções irem parar em mãos erradas. Quanto à possibilidade de ir para a Itália para uma visita, gostaria de ver se, realmente, temos paz suficiente para considerá-la (WIENER, 1945, tradução nossa)5.
Aqueles que contribuíram para a nova ciência da cibernética se encontravam em uma posição moral pouco confortável, aclamava Wiener (1961). Contribuíram para o início de uma nova ciência, que abarca desenvolvimentos técnicos de grandes possibilidades para o bem e para o mal, e sequer lhes foi concedida a opção de suprimir esses novos desenvolvimentos. Sendo assim, o melhor a se fazer é cuidar para que o público entenda a tendência e o alcance desses trabalhos, limitando os esforços científicos aos campos, tais como psicologia, fisiologia e outros, que não tenham relação direta com a guerra.
Destaca-se que a reflexão ética sobre os avanços da ciência também era preocupação de pesquisadores de várias áreas do conhecimento, no entanto, posicionamentos distintos sobre o enfrentamento da problemática marcavam os debates e provocaram discussões quanto ao alcance e significado. Salles (2007, p.15) diz que a tese desenvolvida por Wiener é a de que “física derivada de concepções filosóficas pode ser útil para suplantar a confusão inerente a períodos pós-quebra de paradigmas. O quadro da Ciência nesses períodos parece exigir um tipo de racionalidade mais aberta, com independência de modelos representacionais”.
Ao contrário de Wiener que alertava para uma conscientização das mais diversas áreas sobre os efeitos benéficos e maléficos dos avanços científicos, os filósofos alemães Hans Jonas e Günther Anders, segundo Chiarello (2017), apesar das diferenças em suas argumentações, defendiam a contenção urgente do progresso tecnocientífico para evitar uma catástrofe na sociedade. Para eles apenas a conscientização não era suficiente.
Com preocupação semelhante à do colega Wiener, Vannevar Bush, diretor chefe do escritório de pesquisa e desenvolvimento norte americano, também se manifesta com relação a pesquisa no pós-guerra. Responsável por mais de 6000 pesquisadores em várias missões militares, Bush publicou em julho de 1945, no American Monthly, um manifesto intitulado “As we may think”, clamando por um novo posicionamento da ciência diante da sociedade atual. No entanto, a preocupação de Bush, não estava centrada tanto nos aspectos éticos, como Wiener, mas sim na necessidade das parcerias científicas e do que ele chama de objetivos dignos para o que os cientistas oferecem de melhor (BUSH, 1945).
Em 1946, Wiener já fazendo uma reflexão sobre a cumplicidade entre o avanço da ciência e o fomento Estatal, critica a participação dos cientistas em movimentos bélicos. E, engrossando um coro de vários cientistas que defendiam a paz, Wiener publica o artigo “Um cientista rebela-se”. O artigo registra o pedido de um cientista sobre um trabalho dele que pudesse colaborar para a construção de um míssil. O matemático responde:
Desde o término da guerra tenho lamentado altamente a grande porcentagem de esforço científico neste país que está sendo dedicado à preparação da próxima calamidade. Por isso, estou muito satisfeito ao descobrir que minha publicação "Extrapolação, interpolação, e filtragem de Séries Temporais Estacionárias" não está mais disponível para aqueles que produzem mísseis controlados. Não posso, naturalmente, fornecer-lhe nenhum conselho a respeito de onde encontrálos. (WIENER; PACH, 1983).
No período de 7 a 10 de janeiro de 1947, aconteceu o simpósio sobre Large Scale Digital Calculating Machinery, no Computation Laboratory, na universidade de Harvard que, comemorou a inauguração de seu novo laboratório. Hodges (2000) afirma que essa conferência reuniu um grande numero de participantes americanos interessados nesse assunto, exceto Wiener, cuja recusa em participar desta conferência marcou, definitivamente, sua dissociação pública de toda a ciência financiada pelos militares. Alan Turing foi o único britânico a participar desse simpósio e, grande parte deste, foi tomado pelas suas discussões.
Para Wiener, a corrida armamentista nuclear delineava uma ciência fora de controle, provocando uma onda de desconfiança e decepção. Embora um tanto fatalista sobre a cumplicidade da ciência na dominação da humanidade, um dos inúmeros esforços de Wiener para amenizar tal situação, foi utilizar o conhecimento como um antídoto contra o potencial destrutivo da tecnologia. Como, por exemplo, o manuscrito de um projeto para redesenhar as cidades americanas que ele acreditava vulneráveis a um ataque atômico, em decorrência de problemas de concentração industrial e congestionamento urbano.
O desenvolvimento desse projeto teve a colaboração de dois colegas do MIT, o historiador de ciência, Giorgio Santillana e, o cientista político, Karl W. Deutsch. O manuscrito desse projeto nunca foi impresso, apesar dos esforços de seus colaboradores. Para Kargon e Molella (2004), o único vestígio desse trabalho foi uma publicação da revista Life6, em 1950, que entrevistou os três autores desse projeto. Apesar desse estudo não aparecer na bibliografia de Wiener, Kargon e Molella (2004) afirmam que foram capazes de rastrear o manuscrito, entre os papeis de Wiener no MIT, intitulado ‘Cities that Survive the Bomb’. O problema de segurança das grandes cidades é ainda maior nos dias atuais, e tema proeminente do governo e da atenção popular.
As relações de Wiener com as instituições científicas e governamentais eram conflituosas. Wiener foi eleito membro da Academia Nacional de Ciências, em 1934 e, em 1941, renunciou a esse cargo. O motivo da renúncia, de acordo com Masani (1990), foi devido às relações pouco amigáveis com vários membros dessa academia. Porém, em 27 de setembro de 1941, escreveu uma carta ao presidente da Academia, Frank B. Jewett (1879-1949), expondo as razões que o levaram à renúncia, cuja versão do conteúdo é transcrita a seguir:
É com grande pesar que soube de sua prolongada enfermidade, e com grande prazer que eu ouço que você, agora, está entrando em forma novamente. Lamento ter de continuar a perturbá-lo sobre assuntos da Academia, em especial após sua carta, muito gentil, que eu apreciei sinceramente. No entanto, sinto que tenho que fazê-lo. A Academia opera em, pelo menos, três regras distintas e, para minha mente, essas regras não são compatíveis umas com as outras. Ela é, no mínimo, uma agência quase oficial do governo dos Estados Unidos, confiada ao conselho do Governo sobre questões científicas. Ele é o patrocinador de certas revistas e fundos para a investigação. É uma sociedade na qual ocorre a autoperpetuação de membros restritos, considerando-se que fazer parte desse seleto rol de membros é uma grande honraria para o beneficiário, entre outras honrarias e prêmios que também são atribuídos a eles. Como uma agência governamental, distingue-se da maioria das outras por possuir pessoas em relação às quais nenhum outro departamento do governo tem algo a dizer, com relação à duração do mandato ou quanto à nomeação. O corpo de oficiais do Exército, da Marinha, e outros serviços relacionados compartilham, a longo prazo, da gestão da Academia; mas as suas nomeações são, praticamente, regulamentadas pelo Congresso. Isto é verdadeiro no poder judiciário. Não conheço outro caso importante, além da Academia, em que o Congresso, após a nomeação de uma organização como uma agência do governo, seja completamente deixada à própria sorte, com a delegação de autoridade contínua e autoperpetuada (no sentido estrito da palavra), exercida por um grupo de homens irresponsáveis. Isso me parece distorcido, pelo fato de que o Congresso tenha incorrido qualquer responsabilidade financeira relativa à Academia, quer em matéria de salários ou de outra forma (MASANI, 1990, p. 356, tradução nossa)7.
Outro ponto, digno de atenção, é referente às máquinas computadoras. Para Wiener (1961), o domínio das máquinas acarreta um dos problemas mais imediatos da humanidade. Dá à raça humana uma nova e eficiente coleção de escravos mecânicos. Por um lado, pode ser ótimo para a humanidade que a máquina a desobrigue do trabalho servil e desagradável, por outro, pode não se-lo. O fruto do desemprego, em decorrência da automação, deixou de ser hipótese para transformar-se em dificuldade real e extremamente importante nos tempos atuais e, essa nova potencialidade é avaliada em termos do dinheiro que poupam, contudo, sem a devida atenção ao trabalhador.
Wiener comenta, no prefácio do livro, ‘God and Golem INC.’, publicado em 1964, que a cibernética quando surgiu não passava de uma ideia, uma conjectura nova, cujas implicações de ordem social e científica ainda permaneciam obscuras. E, passados quinze anos, ou pouco mais, a cibernética já repercutiu na esfera científica, bem como na social, justificando uma obra, como a referida. Grande parte do trabalho de Wiener está relacionada a problemas relativos à comunicação e ao controle da máquina e dos seres vivos, e
[...] sobre as novas técnicas associadas às noções fisiológicas e de Engenharia; e sobre o estudo das consequências dessas técnicas para as conquistas dos propósitos humanos. O conhecimento está intimamente ligado à comunicação, o poder ao controle, e a avaliação dos propósitos humanos à ética e aos aspectos normativos da religião (WIENER, 1964, p. 14-15, tradução nossa)8.
Wiener (1964) distingue três aspectos da cibernética que acarretam questões de ordem filosóficas e religiosas. O primeiro refere-se às máquinas com a capacidade de aprender; o segundo, às máquinas que se reproduzem, e o terceiro à interação entre o homem e a máquina. Embora o aprendizado seja uma propriedade atribuída ao sistema vivo, existe, hoje, o computador que pode ser programado como, por exemplo, para jogar e, ainda, aprender por meio de experiências passadas. Essas máquinas mostraram-se capazes de vencer seu inventor no jogo. “Ela venceu”, escreve o autor e, “ela aprendeu a vencer; e o método de aprendizado não diferia, em princípio, do método utilizado pelo jogador humano que aprende a jogar o jogo de damas” (WIENER, 1964, prefácio, tradução nossa)9.
Essa ideia de construir máquinas que aprendem é muito ampla, tendo se tornado possível construir muitas desse gênero. Wiener (1970) ao falar desse tipo de máquina, exemplifica com máquinas que aprendem a traduzir uma língua e, para ensiná-las, é preciso saber o que constitui um bom jogo.
No caso de uma língua, o ideal é ser compreendida pelos seres humanos: não se pode separar o bom funcionamento de uma máquina dos valores humanos. Teoricamente, poderíamos ter toda uma teoria da linguagem: na prática, ela não existe. É preciso submetermos a ação da máquina à observação de peritos para saber se a tradução esta compreensível ou não (WIENER, 1970, p. 72).
A segunda questão diz respeito às máquinas que têm a capacidade de autoreprodução. A máquina também pode ser um organismo comunicativo, capaz de transformar mensagens recebidas em mensagens emitidas. A mensagem, por sua vez, é uma sequência de quantidades que representam sinais da mensagem. Tais quantidades podem ser correntes ou potenciais elétricos, embora não se limitem a isso. Os sinais podem distribuir-se continuamente ou de modo discreto, ao longo do tempo. Assim, a máquina pode gerar a mensagem e a mensagem pode gerar outra máquina. Escolhido o padrão operacional da máquina a ser reproduzida, a sequência de operações pode ser controlada por uma máquina computadora de alta velocidade. As máquinas informam uma às outras e informam a si mesmas. Para que essas ideias não sejam representações fantasiosas, Wiener (1964) dedica um capítulo do livro, ‘God and Golem INC.’, para expressar essas ideias em linguagem matemática.
Debatendo o assunto da automultiplicação de sistemas, com filósofos e bioquímicos, Wiener comenta que ouviu, com frequência, que:
[...] os dois processos são totalmente distintos! Qualquer analogia entre seres vivos e inanimados deve ser simplesmente superficial. Certamente os detalhes dos processos de reprodução biológica são conhecidos, e nada têm a ver com o processo que você descreve para a multiplicação de máquinas (WIENER, 1964, p. 45, tradução nossa)10.
É claro que o processo de reprodução da matéria viva é diferente, nos seus pormenores, do processo de reprodução das máquinas, mas, “não há procedência em afirmar, categoricamente, que os processos de reprodução em seres vivos e em máquinas nada têm em comum” (WIENER, 1964, p. 47, tradução nossa)11. Wiener não era nem um pouco conservador, e proclamou que, o estudo de um desses sistemas pode lançar luz sobre o estudo do outro, fazendo afirmações que tendem a salientar a existência de analogias na compreensão desses sistemas. Segundo sua ponderação:
Entretanto, se é perigoso proclamar uma analogia sobre evidência insuficiente, é igualmente perigoso rejeitar uma analogia sem dispor de prova de sua inconsequência. Honestidade intelectual não é a mesma coisa que se recusar assumir riscos de ordem intelectual, e não há nenhum mérito ético particular na recusa de considerar aquilo que é novo e emocionalmente perturbador (WIENER, 1964, p. 47, tradução nossa)12.
O terceiro ponto trata da relação entre o homem e a máquina e, para Wiener (1964), essa relação representava um dos grandes problemas futuros da humanidade. Os ciberneticistas, destaque para Wiener, deram um passo importante ao fazer considerações sobre tais relações e refletir sobre as funções a serem, adequadamente, atribuídas a cada um desses dois agentes e suas múltiplas consequências.
Por meio do pensamento criativo de Wiener (1970), o que começou com um método aplicado à computação militar, foi transformado, por ele, na nova visão da era biomáquina, na qual a máquina não deve ser considerada como um objetivo em si, mas, sim, como um meio de satisfazer as necessidades do homem, parte de um sistema humano-mecânico. Assim, as possibilidades dessa relação são inúmeras, abrangendo desde máquinas de previsão, triagem, máquinas que ele denominou de sensíveis, que são as próteses, máquinas de traduzir, máquinas de aprendizado, máquinas de jogo e máquinas de diagnóstico médico.
Uma das maiores fantasias do homem é construir uma máquina capaz de pensar e agir como ele. Nessa fantasia, o homem pode ser substituído por uma máquina, mesmo para funções que exigem sua inteligência. A surpreendente vitória conseguida por um computador, no jogo de damas, contra seu próprio criador, fez com que Norbert Wiener acreditasse que o poder de uma máquina pensante, um robô13, inauguraria uma nova era. Essas expectativas foram, claramente, impulsionadas por um otimismo tecnológico e acarretaram um excitamento nas analogias tecnológicas versus biológicas. Wiener usou, intensamente, as analogias entre o comportamento do novo computador digital e os sistemas humanos: nervoso e mente. É característico da cibernética que métodos matemáticos envolvam campos científicos que, até então, não pareciam praticáveis, como, por exemplo, fisiologia, psicologia e sociologia.
Como matemático Wiener foi um criador, porém, foi quando começou a trabalhar com analogias mecânicas entre organismos, ou sistema nervoso de organismos, com autômatos formal ou mecânico e simulacros, que se assemelhou ao construtor de um Golem14. Para Wiener, a máquina “é o equivalente moderno do Golem do rabino de Praga. O inventor moderno e sua equipe de engenheiros desempenham o papel do rabino, ou a do criador de Adão. Eles estão construindo máquinas a sua própria imagem” (HEIMS, 1980, p. 375, tradução nossa)15.
Com relação à sociologia, Wiener examina questões éticas e sociais provocadas pelo impacto das tecnologias da informação e comunicação, referentes ao período que denominou de ‘idade automática’. Ele examina, atentamente, os caminhos que essas tecnologias poderiam afetar, positivamente e negativamente, os valores fundamentais humanos, tais como: a vida, a saúde, o trabalho, o conhecimento, as habilidades e a criatividade. Para ele, a cibernética estabelece implicações relevantes para o cientista social, pois o modo cibernético de analisar os elementos da sociedade traça padrões de comunicação e controle, os elementos de autorregulação e desestabilização, a liberdade de realização das possibilidades humanas e a inter-relação entre diferentes propósitos. Essa teoria concebe homens e sociedades como sistemas complexos, autorreguladores, interagindo entre si por meios complexos.
Nesse sistema, destaca-se a importância do papel da informação.
Informação é o termo que designa o conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele, e que faz com que nosso ajustamento seja nele percebido. O processo de receber e utilizar informação é o processo de nosso ajuste às contingências do meio ambiente e de nosso efetivo viver nesse meio ambiente. [...] Dessarte, comunicação e controle fazem parte da essência da vida interior do homem, mesmo que pertençam à sua vida em sociedade (WIENER, 1954, p. 17-17).
Hoje, tornou-se possível, com ajuda dos meios modernos da matemática, da cibernética, da teoria da informação, analisar a sociedade como um sistema organizado, de certo modo, dinâmico e que evolui. Zeman (1970), há quase meio século, já dizia ser possível estabelecer exatamente quais são as necessidades da sociedade e as possibilidades de satisfazê-la, além de, verificar a capacidade e a tendência da evolução da prática social e do conhecimento social a partir desses meios modernos.
A fundamentação filosófica de Wiener é marcada por sua crença na inevitabilidade do progresso humano, a qual o levou a refletir sobre os aspectos morais, éticos, conceitos de justiça e sobre fenômenos sociais baseados na comunicação. No livro, ‘O Uso Humano de Seres Humanos’, Wiener revela linques inadequados de comunicação que manipulam o controle da comunicação, lançando mão de mecanismos para influenciar determinadas classes sociais. As tecnologias cibernéticas, ênfase para as tecnologias de comunicação, devem ser abordadas de diferentes pontos de vista, dadas sua abrangência e magnitude na cultura e nas condições humanas.
Frente a tantas reflexões de ordens filosóficas empreendidas por Wiener, sobretudo no que se refere aos aspectos morais e éticos, assim como sua crítica veemente à submissão das pesquisas ao poder dominante, reflete-se sobre o fato de que a própria cibernética se constituiu um dos principais instrumentos de gestão, sobretudo, quando se aborda a perspectiva das redes. Nesse contexto, questiona-se: o que faz com que a cibernética atenda tão bem aos princípios de gestão e de relação de poder estabelecidos na sociedade pós-guerra? Pensa-se que o próprio Wiener dê algumas pistas sobre tal reflexão, quando na obra “O uso humano de seres humanos”, questiona o poder de influência da comunicação sobre algumas classes sociais e remete, de algum modo, ao conceito de recursos humanos para controle e eficiência de gestão.
Algum tempo depois de Wiener, Beer (1979) traz a cibernética para o âmbito da administração, onde a relaciona às questões de organização social, e cuja estratégia objetivava, por meio de uma modelagem, potencializar os elementos informacionais e identificar possíveis problemas nas rotinas empresariais e soluções para corrigí-los. “Como já intuíra o próprio Wiener, esse tipo de abordagem pode ser um instrumento capaz de dotar certas organizações de um grau de eficácia muitíssimo elevado, com grandes repercussões - para o bem ou para o mal - conforme os fins que tais organizações tenham” (SALLES, 2007, p.53).
Outro ponto é o controle de conflitos na sociedade civil, dos quais a grande maioria é resolvida por meio de litígio judicial. Wiener (1954, p.109) descreve esse meio como um verdadeiro jogo em que os litigantes tentam, por métodos que são limitados pelo código legal, aliciar o juiz e o júri para seus parceiros. Num jogo em que o advogado da parte contrária tenta, deliberadamente, introduzir confusão nas mensagens da parte à qual está se opondo. Desse modo, “os problemas da lei podem ser considerados problemas de comunicação e cibernética - vale dizer, problemas de controle sistemático e reiterável de certas situações críticas”.
Os conceitos de justiça que os homens têm mantido ao longo da história são tão variados quanto às religiões do mundo ou as culturas reconhecidas pelos antropólogos. Wiener (1954) acha impossível justificar esses conceitos por meio de qualquer forma que não seja o código moral. Em sua cultura as melhores palavras para expressá-los são as da Revolução Francesa: Liberté, Egalité, Fraternité, e ele as expressa usando suas próprias concepções filosóficas:
[...] a liberdade de cada ser humano desenvolver livremente, em plenitude, as possibilidades humanas que traga em si; a igualdade pela qual o que é justo para A e B continua a ser justo quando as posições de A e B se invertem; e uma boa vontade, entre Homem e Homem, que não conheça outros limites além dos da própria Humanidade (WIENER, 1954, p. 105).
Pode-se dizer que as concepções filosóficas, éticas e morais de Wiener e seu interesse pelas ciências, assim como suas produções científicas, em parte, sofreram influência da educação recebida quando criança. No entanto, estas também foram moldadas por conflitos profissionais do pesquisador, sobretudo, aqueles que lhe ocorrem no período pós-guerra, ao analisar o papel da ciência para o desenvolvimento da indústria bélica. Algumas passagens dos relatos feitos pelo autor sobre sua infância dão pistas sobre as influências recebidas.
Minha disciplina tem sido uma autodisciplina, à imagem da disciplina imposta a mim quando criança por meu pai. A disciplina do estudioso é uma consagração à busca da verdade. Trata-se de uma vontade de submeter-se a tais sacrifícios reais que são exigidos por esta consagração, sejam eles sacrifícios financeiros ou sacrifícios de prestígio, ou mesmo no caso extremo, de segurança pessoal. No entanto, a parte principal desta disciplina é intrínseca e pertence à própria relação com a ciência em si, em vez de uma reação ao ambiente externo no qual a ciência é realizada (WIENER, 1966, p. 358, tradução nossa)16.
Para Wiener, a ciência é um instrumento de poder espiritual e, em particular a matemática, e a busca de sua compreensão, afetou certos aspectos de seu comportamento. Apesar de seu pensamento matemático criativo, originário de impulsos espontâneos, muitas vezes se fundia com suas próprias emoções e delírios. Ele descreve uma dessas ocasiões em que:
[...] meu delírio tomou a forma de uma peculiar mistura de depressão e preocupação relativa a meu desacordo com matemáticos de Harvard e, uma ansiedade sobre o status lógico do meu trabalho matemático. Era impossível, para mim, distinguir entre minha dor e a dificuldade em respirar, o bater da cortina da janela, e certas partes até agora não resolvidas do problema potencial que eu estava trabalhando. Não posso dizer, apenas, que a dor se revelou como uma tensão matemática, ou que a tensão matemática tenha sido simbolizada como dor: os dois estavam muito próximos para fazer uma separação significativa. No entanto, quando refleti sobre esse assunto mais tarde, me dei conta da possibilidade de que qualquer experiência pode agir como um símbolo temporário para uma situação matemática que ainda não tenha sido organizada e esclarecida. Também, pude compreender com maior nitidez que um dos principais motivos que me levaram à matemática foi o desconforto, ou mesmo a dor provocada por um contencioso matemático não resolvido. Eu tornei-me mais e mais consciente da necessidade de reduzir tal contencioso a termos conhecíveis e semipermanentes antes de poder largá-lo e ir adiante em outra coisa (WIENER, 1966, p. 85-86, tradução nossa)17.
Assim, para Wiener, ciência, além de um modo de vida é “descrição de processo no tempo” (HEIMS, 1980, p. 151, tradução nossa)18, pois, toda vez que se altera a compreensão científica de mundo, em decorrência de uma importante inovação científica, é necessário, novamente, enfrentar a questão da natureza da humanidade e do seu bem-estar. Sua preocupação é decorrente de que as possibilidades humanas têm sido amplamente aumentadas pelas tecnologias baseadas na Cibernética. Também abordou assuntos complexos, tais como política nacional e global. Alguns anos após a publicação de seu livro ‘Cibernética e Sociedade: o uso humano de seres humanos’, ele comentou:
Desde a publicação da primeira edição deste livro, participei de duas grandes reuniões com representantes do mundo empresarial e fiquei encantado com a consciência que muitos dos representantes demonstraram dos perigos sociais de nossa nova tecnologia e das obrigações sociais dos responsáveis pela direção de cuidar para que as novas modalidades sejam usadas para beneficio do Homem, para incremento de seu lazer e enriquecimento de sua vida espiritual, em vez de o ser apenas por amor do lucro e pela adoração da máquina como um novo bezerro de ouro. Existem, ainda, muitos perigos pela frente, mas os alicerces de boa vontade aí estão, e eu não me sinto totalmente pessimista como à época da publicação da primeira edição deste livro (WIENER, 1954, p. 159-160).
A intervenção do homem nos processos sociais é orientada pela inteligência humana. Assim, as produções dessa inteligência podem ser empregadas para destruir a humanidade se não forem utilizadas inteligentemente. “Há, contudo, sinais esperançosos no horizonte” (WIENER, 1954, p. 159). O fundamento filosófico de Wiener no campo da ética da informação é profundo, e continua sendo um recurso valioso para a investigação e para a ação prática nos tempos atuais.
A cibernética parte da hipótese de que o modo como os sistemas, sejam eles biológicos, tecnológicos ou sociais, respondem às mensagens ao mundo exterior são equivalentes e redutíveis a modelos matemáticos. A amplitude desse conceito favoreceu o surgimento de outras ciências cibernéticas por natureza, como a Ciência Cognitiva, a Inteligência Artificial, a robótica e a Informática. Todos os estudos gerados nesse período foram produzidos sobre o mesmo molde, com tentáculos tecnológicos e processos constituídos de uma racionalidade algorítmica, nos quais as soluções podem ser planejadas ou mecanizadas.
Refletindo sobre as características da Cibernética e concepções de ciência e ética de seu idealizador, Norbert Wiener, é possível resgatar um acervo rico de temas para discussões e reflexões no mundo atual. Essa breve síntese das concepções que o levaram a construir sua teoria cibernética constata-se que a chamada ‘onda cibernética’ transitou pelas mais variadas áreas do conhecimento, como a genética, a biologia molecular, as engenharias, a física e a fisiologia. Juntas, a cibernética e a teoria da informação lançaram as bases para dois novos campos que impactaram profundamente as ciências e a tecnologia como, por exemplo, a ciência cognitiva e a inteligência artificial.
Pode-se considerar que a característica fundamental da Cibernética é a interdisciplinaridade. Tal ciência só poderia ter sido idealizada por um cientista de formação multidisciplinar e cuja predisposição para o diálogo e interesses em diversas áreas do conhecimento configurariam as bases da cibernética e, mais tarde, da sua teoria da comunicação. Outo ponto que merece destaque é o paralelismo e as analogias que este vasto campo propiciou, cujas ideias surgem do uso intenso das analogias entre máquinas e animais e foram impulsionadas por um desenvolvimento tecnológico descomunal, que acarretou um excitamento nessas analogias. O avanço dessas ideias começara a ver, por exemplo, as analogias entre as máquinas e o sistema nervoso humano e a construir mecanismos que exibiriam alguns dos aspectos do comportamento animal.
Wiener fez considerações sobre a relação homem e a máquina e alertou que esta representaria um dos grandes problemas futuros da humanidade e que as funções a serem, adequadamente, atribuídas a cada um desses dois agentes, Homem e máquina, garantiria a harmonia do mundo e suas múltiplas consequências.
Outro ponto de preocupação manifestado por Wiener refere-se às consequências trazidas para a ciência em função do fomento à pesquisa para fins bélicos. Tais avanços trouxeram-lhe uma reflexão ética bastante profunda sobre o uso da ciência para o bem ou para o mal. Chegando a pensar em abandonar a produção científica, o matemático pondera que uma das saídas que podem mitigar tal relação é tornar a ciência compreensível ao público, de modo que este entenda a extensão dessas pesquisas e que estas, por sua vez, não mantenham uma relação direta com a guerra.
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