Dossiê: Memórias e Mortes de Imperadores Romanos (I a.C. – VI d.C.)
"O insigne pai do orbe está vivo ou morreu?" A morte do Imperador Justiniano (565), segundo o Panegírico de Justino II de Coripo (566 - 568).
"Is the Orb's Distinguished Father Alive or Dead?" The Death of Emperor Justinian (565), According to the Panegyric of Justin II of Corippus (566 - 568).
"O insigne pai do orbe está vivo ou morreu?" A morte do Imperador Justiniano (565), segundo o Panegírico de Justino II de Coripo (566 - 568).
História (São Paulo), vol. 39, e2020054, 2020
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho
Recepção: 12 Dezembro 2019
Aprovação: 28 Abril 2020
Financiamento
Fonte: CNPq
Número do contrato: 304085/2017-0
Descrição completa: A pesquisa que resultou neste artigo foi financiada pelo CNPq (Proc. nº 304085/2017-0 - Bolsa de Produtividade e Pesquisa - nível ID).
Resumo: A Antiguidade Tardia foi marcada por intensas e importantes transformações, tanto nos antigos territórios romanos ocidentais como no Império Romano do Oriente. Dos vários imperadores que atingiram o sólio imperial romano oriental, Justiniano foi, de fato, o que maior projeção alcançou na história do mediterrâneo ao longo do século VI. Promotor de várias iniciativas e reformulações administrativas, a ele imputamos o último grande esforço de desenvolvimento da hegemonia sobre o mediterrâneo ocidental desde Constantinopla e que tentou recuperar o prestígio e a grandeza da autoridade imperial, denominada pela historiografia como aRenouatio Imperii. Marcado por vitórias e fracassos, o reinado de Justiniano (527 - 565) é considerado como o ponto de inflexão de um Império Romano do Oriente que começará a perder a sua força e o seu brilho. Apesar disso, sua importância e o seu legado aparecem de forma destacada no Panegírico dedicado ao seu sucessor, Justino II (565 - 578), redigido por Flávio Cresconio Coripo, no qual a morte de Justiniano e as suas exéquias são descritas como um autêntico ritual dedicado aoimperator sacratissimus. Neste estudo analisaremos os detalhes e os significados políticos, sociais e culturais apresentados por Coripo do funeral de Justiniano.
Palavras-chave: Antiguidade Tardia, Império Romano do Oriente, Justiniano, Panegírico a Justino II, funeral imperial.
Abstract: The Late Antiquity was marked by important and intense transformations, both the ancient occidental roman territories, as well as the Eastern Roman Empire. From the several emperors that overtook the massive Eastern Roman Empire, Justinian I was, indeed, the one that obtained a larger projection in the history of the late Mediterranean throughout the 6th century. Originator of several civil initiatives and reformulations, to him we attributed the last grand effort of developing a hegemony over the occidental Mediterranean since Constantinople and tried to regain the prestige and greatness of the imperial authority, named by historiography as Renouatio Imperii. Measured by failures and victories, the reign of Justinian I (527-565) is considered as the inflection point of an Eastern Roman Empire that began to lose its spark and strength. Nevertheless, its importance and legacy appeared prominently in the Panegyric dedicated to its successor Justin II (565-578), redacted by Flavius Cresconius Corippus, on which the death of Justinian I and its funerals are described as an authentic ritual dedicated to the imperator sacratissimus. On this study, we will analyze its political details and significance, both cultural and social presented by Corippus at Justinian´s funeral.
Keywords: Late Antiquity, Eastern Roman Empire, Justinian, Panegyric to Justin II, Imperial funeral.
A conexão entre a ideologia imperial e a morte dos imperadores
O estudo da História envolve uma gama significativa de objetos e de temas dos mais variados matizes por vezes já abordados ou, quem sabe, completamente inéditos. Seja qual for a natureza do enfoque oferecido, concordamos com a afirmação há muito feita por Fernando Gascó sobre a importância de se revisitar temas que a priori parecem “esgotados” do ponto de vista historiográfico, mas que sempre merecem um novo olhar, uma nova análise e uma nova investigação (GASCÓ, 1981, p. 179)1. Por outro lado, o falecido historiador da Universidad de Sevilla asseverava nos primórdios da década de 1980 a necessidade de se oferecer um enfoque associado a história do pensamento político voltado a compreensão da intencionalidade da documentação e dos autores daquela:
É habitual vermos estudos sobre a sobrevivência, de idade em idade, de certas ideias, porém não é tão frequente acharmos trabalhos sobre a função ideológica que cumprem nos distintos autores que a elas recorrem (...) (GASCÓ, 1981, p. 179)2.
De fato, na perspectiva de Gascó, salta à vista a relação existente entre a manutenção e a sobrevivência das ideias, enquadrada na perspectiva das continuidades e entendida como função ideológica, estabelecendo uma ponte entre o passado e o presente histórico que também está carregado de transformações, mudanças e rupturas. Logo, estamos nos referindo aos reflexos no pensamento das ações e iniciativas práticas que visavam, sobretudo, a busca pela legitimidade do poder, do consenso universal e da concórdia entre os grupos sociopolíticos mais destacados do mundo greco-romano como nos indica Maria José Hidalgo:
Precisamente estes debates sobre a melhor forma de transmitir o poder da Basileia são reflexos e reações que se produzem a nível político-ideológico com uma projeção na ação política concreta e obviamente relacionados com as mudanças desenvolvidas na organização econômica e nos novos sistemas de organização do trabalho nos diversos ramos da produção e, também, no ordenamento social (...) (HIDALGO DE LA VEGA, 1995, p. 120).
Nesse sentido, a afirmação feita por Peter Brown há alguns anos sobre as formas de poder no ambiente socioeconômico e político tardo-antigo serve como princípio para compreendermos a interação entre a legitimidade alcançada pela figura imperial e pelos grupos aristocráticos que projetavam tanto no cerimonial imperial como nas relações de patrocínio e de dependência o pragmatismo de sua superioridade sobre o conjunto da sociedade tardo-antiga:
No mundo romano dos séculos III e IV, as antigas formas de poder e dependência estavam sendo intensamente transformadas e rearticuladas: precisamos pensar, por um lado, na elaboração da cerimônia imperial e, por outro, aproximar e tornar mais explícito os elos do patrocínio na cidade e no campo (…) (BROWN, 1989, p. 176).
Outros exemplos dessa dinâmica socioeconômica, política e cultural tardo-antiga podem ser vistos na recente análise feita por Jean-Michel Carrié (2017, p. 186-189) segundo a qual encontramos, desde o século IV, uma paulatina mudança na percepção sobre as formas de trabalho dos grupos sociais menos favorecidos e dos mais abastados. O historiador francês oferece-nos um destaque especial ao otium cum dignitate3 incluído no conjunto das virtudes políticas greco-romanas. Entendido como parte da ideologia dominante dos grupos sociopolíticos e culturais mais destacados nas épocas helenística e tardia, o otium continuou tendo um significativo valor político-cultural, embora tenha sofrido uma importante alteração com a valorização do pensamento cristão. De fato os autores cristãos, em particular Ambrósio de Milão, ofereceram uma reformulação do conceito de otium valorizando, a partir de então “a utilidade social dos produtores, a responsabilidade dos poderosos em relação aos fracos (...), a justiça nas relações econômicas, a solidariedade e a reciprocidade” (CARRIÉ, 2017, p. 187).
Por certo que o cristianismo incorporou e transformou várias virtudes e conceitos greco-romanos associando-os ao discurso cristão de valorização da espiritualidade, da caridade e de proteção aos mais necessitados (RAPP, 2005, p. 169-171), embora tenha preservado os esquemas helenísticos de hierarquização social entre os humildes e os poderosos (MARCONE, 2008, p. 354-361; EVANS-GRUBBS, 2009, p. 208). Nesse sentido, as afirmações feitas por Maria José Hidalgo, Jean-Michel Carrié e Peter Brown nos mostram a manutenção discursiva e pragmática da superioridade dos grupos aristocráticos no conjunto da sociedade romana helenística e tardia, mesmo com o advento e a assunção do cristianismo no espaço do poder imperial romano. Por outro lado, as novas ideias relacionadas às formas de vida comunitária (TEJA, 1999, p. 149) ou as múltiplas maneiras de se interpretar o dogma e os ritos cristãos (GADDIS, 2009, p. 514-516) faziam parte dos debates e das querelas que envolviam as transformações no mundo tardo-antigo nos âmbitos sociocultural e religioso.
Esta mudança sociocultural e religiosa, ocorrida tanto do ponto de vista teórico como em termos práticos, também atingiu a forma de se compreender a morte e os rituais que a envolviam (RAPP, 2012, p. 267). Além disso, o desenvolvimento de um cerimonial fúnebre cristão, em especial a partir do século IV, tinha como objetivo principal a preservação da memória do indivíduo, fosse ele humilde ou aristocrata (BROWN, 2015, p. 34-41). Ora, quando direcionamos nossa análise ao estudo da morte dos imperadores romanos da Antiguidade Tardia encontramo-nos diante de descrições aristocráticas feitas em documentos que valorizavam a importância da figura imperial que estava diretamente associada ao mundo aristocrático sendo, nestes casos, um tanto tendenciosas. Por isso torna-se fundamental que tenhamos uma atenção redobrada ao analisarmos tais documentos oficiais, como nos recorda Ramon Teja ao dizer que:
As artes plásticas, os panegíricos, a maior parte das fontes literárias nos oferecem a imagem que o próprio imperador queria transmitir ao exterior ou aquela que estava em voga entre os círculos de intelectuais. Estamos menos informados sobre o que pensava do imperador a grande massa dos súditos, à margem das manifestações coletivas de júbilo ou de luto diante de acontecimentos concretos (…) (TEJA, 1999, p. 68).
Seguindo a proposição feita por Gascó e vinculando-a aos cuidados hermenêuticos apontados por Teja, podemos analisar a conexão entre a descrição dos rituais fúnebres cristãos - enquadrados nas manifestações coletivas de luto - e a simultânea elaboração da legitimidade do poder do herdeiro ou do sucessor a condição imperial ancorada, sobretudo, na construção de uma memória que facultava a manutenção do status quo dos grupos aristocráticos e dos detentores do poder imperial. O caso da morte dos imperadores, que eram os epígonos políticos da sociedade romana na Antiguidade Tardia, ganhava assim uma significativa projeção se direcionarmos nossa atenção ao estudo das questões vinculadas a sucessão imperial que se apresentava, de fato, como um momento político delicado e tenso, especialmente se recordarmos que em muitos casos a escolha do futuro imperador e sucessor político nem sempre estava selada ou mesmo contava com o reconhecimento tanto dos grupos aristocráticos e senatoriais como do próprio segmento militar responsáveis, em primeira instancia, pela eleição, aclamação e sustentação do novo princeps. Dinâmica esta apresentada por Michael McCormick nos seguintes termos: “O Imperador, favorecido pela vontade divina, seguia sendo eleito comandante em chefe, bem fosse do exército, bem do synkletos (senado de Constantinopla) ou dos cidadãos…” (McCORMICK, 1994, p. 291).
Sobre a legitimidade da ascensão ao poder: de Justiniano a Justino II
Dos vários momentos políticos e sucessórios complexos na história do Império Romano do Oriente, destacamos aqui o da elevação de Justino II (565 - 578) (MARTINDALE, 1992, III A, p. 754-756) ao sólio imperial dada a peculiaridade que envolveu a sua “escolha” logo após a morte de seu antecessor e tio, Justiniano (527 - 565). Vale recordarmos que Justiniano foi, de fato, o último grande imperador romano oriental que exerceu sua dominação e hegemonia sobre o Mediterrâneo (CAMERON, 1998, p. 118-120; FRIGHETTO, 2012, p. 155-156) (Figura 1), ação que ao lado de toda a sua política de restauração e revisão jurídica - da qual se destacava o Digesto/Pandectae (533) e o Código de Justiniano (534) (PROCÓPIO DE CESAREIA, Dos Edifícios, I, 1; CAMERON, 2008, p. 63) - bem como de reordenamento e embelezamento urbano que teve nas diversas edificações feitas em Constantinopla o seu melhor exemplo (AGATIAS, História, Proêmio, 1), denominamos como a renouatio imperii, apontada por Gasparri e La Rocca desta maneira:
Toda a obra de Justiniano, sucessor de seu tio Justino I em 527 no trono de Constantinopla, foi de fato dominada pelo projeto da restauratio imperii, da plena reafirmação da autoridade imperial no seu contexto geográfico e político tradicional, o Mediterrâneo (...) (GASPARRI; LA ROCCA, 2013, p. 129).
Ora, suceder a um imperador da magnitude de Justiniano era uma tarefa muito difícil, embora se reconheça que na fase final de seu governo tanto a sua grandeza como a do Império Romano do Oriente apresentassem contradições e fracassos próprios de uma empreitada gigantesca que drenava um sem fim de recursos humanos e econômicos (MAAS, 2005, p. 8). Averil Cameron nos resume bem a atuação de Justiniano e o juízo feito sobre o imperador com estas palavras:
Assim, os acontecimentos e as medidas políticas durante este reinado, bem como as suas repercussões, foram sumamente contraditórias da mesma forma que o veredito de seus contemporâneos. Justiniano foi considerado ao mesmo tempo um imperador grandioso e forte e um reformador perigoso, inclusive pelo mesmo autor (...) (CAMERON, 1998, p. 138).
Além disso, devemos acrescentar um problema que impactava diretamente no processo sucessório: ao que parece Justiniano, acossado pela idade avançada (AGÁTIAS, História, V, 14, 1; MENANDRO, História, 5, 1) e por algumas tentativas de conspiração contra a sua vida4 (MALALAS, Crônica, XVIII, 141, a.562), deixou em aberto a indicação de seu sucessor, atitude que complicava ainda mais o panorama político interno romano-oriental, ademais das pressões externas de Lombardos, Avaros, Eslavos e Sassânidas que acossavam os limites territoriais imperiais. As incertezas políticas com a morte de Justiniano foram assim descritas por Evágrio Escolástico em sua História Eclesiástica:
Mas Justino, que era seu sobrinho e recebera a guarda do palácio, que a língua romana chama de curopalatus, vestiu a púrpura depois dele; ninguém sabia da morte de Justiniano ou da proclamação de Justino, exceto a sua comitiva, o que aconteceu no Hipódromo para realizar e experimentar o que era costume para a realeza (...) (EVÁGRIO ESCOLÁSTICO, História Eclesiástica, V, 1).
Escrita em finais do século VI (RAPP, 2005, p. 391), a obra de Evágrio apresenta alguns interessantes elementos para compreendermos o processo político que culminou com a eleição e aclamação de Justino II como novo imperador romano-oriental. Destacam-se na História Eclesiástica a condição de parentesco de Justino II com relação a Justiniano, dando a entender que foi esta que propiciou a indicação do primeiro para assumir o cargo de curopalatus (MALALAS, Crônica, XVIII, 129, a.560; 146, a.563), que seria o chefe da segurança do imperador5. Por outro lado, verificamos que a mesma atitude de favorecimento familiar foi realizada entre Justino I (518 - 527) e seu sobrinho Justiniano, denotando uma reincidência da concessão, por parte do imperador reinante, de cargos e funções aos seus parentes mais próximos que acabavam projetando-os ao poder imperial (CAMERON, 2008, p. 65), conforme apontou Procópio de Cesareia em suas Histórias (PROCÓPIO DE CESAREIA, História das Guerras - Guerra Persa, I, 13, 1). Mas se no caso da eleição de Justiniano encontramos, efetivamente, a sua elevação a condição de César por parte de seu antecessor, tal dinâmica inexiste na descrição oferecida por Evágrio com respeito à sucessão entre Justiniano e Justino II sugerindo, assim, uma “tomada forçada” do poder imperial amparado em seu grupo de apoio junto da guarda do palácio e dos elementos mais próximos ao entourage do imperador morto que contava, entre outros, com Tibério, comes excubitorum6 (MARTINDALE, 1992, III B 2ª, p. 1324) que sempre protegeu Justino II em suas demandas, o quaestor7Anastácio (MARTINDALE, 1992, III A, p. 64-66) e o líder senatorial Calinico (WHITBY, 2008, p. 86; MARTINDALE, 1992, III A, p. 260-261). Com efeito, seguindo o raciocínio de Evágrio, as atitudes tomadas por Justino II na sequência de sua eleição e aclamação servem como indicativo de que havia, de fato, uma disputa entre grupos políticos rivais pela ascensão ao poder imperial indicada pelo autor da História Eclesiástica da seguinte forma:
Assim Justino (II), depois de receber Justino (filho de Germano) com uma demonstração superficial de grande bondade, gradualmente inventou acusações contra ele, removeu seus apoiadores e o impediu de ter acesso a ele mesmo (pois, por ordens de Justino (II), ele permaneceu em sua casa), acabando por exilá-lo para a grande cidade de Alexandre (Alexandria). Nela, ele (Justino, filho de Germano) foi cruelmente morto durante uma noite, enquanto ainda estava deitado na cama, recolhendo essa recompensa por sua devoção ao império e por seus feitos corajosos em guerras. E o próprio imperador e sua consorte, Sophia, não continham a sua ira e cheios de raiva, olhavam para sua cabeça decepada e a chutavam com os pés (...) (EVÁGRIO ESCOLÁSTICO, História Eclesiástica, V, 2).
Se levarmos em consideração as informações legadas por Evágrio, os dois Justinos aparecem como adversários e concorrentes apesar de serem parentes. Dos primos, destacava-se Justino, filho de Germano (CIL, XIII, 10032, 9; MALALAS, Crônica, XVIII, 87, a.540; MENANDRO, História, 5, 1; MARTINDALE, 1992, III A, p. 750-754; RAVEGNANI, 2006, p. 91), por sua condição de magister militum na região da Cólquide e da Armênia8, bem como na área danubiana onde obteve significativas vitórias militares sobre os Avaros (AGÁTIAS, História, IV, 22, 7). É muito provável que este Justino contasse com o favor e a simpatia das forças legionárias sob seu comando apresentando-se, dessa forma, como ameaça ao poder de Justino II. Isso explicaria seu afastamento tanto do mando militar balcânico como também a imposição do exílio a Alexandria, alijando-o de todos os seus possíveis apoiadores. A sua eliminação9, bem como a de outros dois importantes senadores, Addaeus e Aetherius (MALALAS, Crônica, XVIII, 131, a.560; EVÁGRIO ESCOLÁSTICO, História Eclesiástica, V, 3; MARTINDALE, 1992, III A, p. 14-15; 21-22), que o teriam apoiado, podem ser entendidas como medidas realizadas por Justino II para retirar possíveis ameaças de seu caminho (WHITBY, 2008, p. 87). Mas, além disso, para consolidar de maneira inequívoca o seu poder, Justino II deveria contar com importantes veículos de propaganda política que legitimariam a sua ascensão ao poder e o coligariam com seu antecessor, o grande imperador Justiniano. Acima de tudo, era essencial que se divulgasse que Justiniano havia escolhido Justino II como seu sucessor, tarefa esta que foi dada a um dos mais destacados pensadores e políticos daquele momento: referimo-nos a Flavio Cresconio Coripo.
Um poema legitimador do poder imperial: o Panegírico de Justino II escrito por Coripo
Apesar de se tratar de um personagem com certo destaque político e funcional, pois provavelmente ocupava algum cargo no corpo administrativo e institucional imperial romano oriental durante boa parte do século VI, contamos com poucas informações biográficas de Coripo (CAMERON, 1976, p. 1; MARTINDALE, 1992, III A, p. 354-355). Efetivamente, tanto as indicações relativas ao seu nascimento e a sua morte, como qual seria a sua pátria natal são apontadas como hipóteses se seguirmos as parcas informações legadas pelo próprio autor em seus três escritos: A João10, o Panegírico em honra de Anastásio e o Panegírico a Justino II11.
É importante notar que os panegíricos12 escritos e declamados por Coripo encontram dificuldades quanto a sua caracterização como tais. De acordo com os especialistas, ficavam a meio caminho de um panegírico formal, sendo, na opinião de Ana Ramírez Tirado “o resultado da combinação de uma série de elementos” (RAMÍREZ TIRADO, 2000, p. 244). Recentemente Chiara Moreschini apresentou tanto o A João como o Panegírico a Justino com estas características:
Mais uma vez, as fronteiras entre épico e panegírico parecem se misturar: enquanto o seu primeiro poema, A João, pode ser definitivamente considerado um poema épico combinado com elementos elogiadores, o Panegírico a Justino II representa o ápice do desenvolvimento do panegírico poético no sentido cristão. (MORESCHINI, 2016, p. 199)
Dessa forma, preferimos apresenta-los como poemas, seguindo a sugestão apresentada por Averil Cameron que definiu o Panegírico a Justino II como “nem estritamente épico nem panegírico, o poema de Coripo não pode ser facilmente classificado em termos literários” (CAMERON, 1975, p. 132-133; CAMERON, 1976, p. 2). Parece inquestionável que nos encontramos diante de discursos laudatórios mais acordes, por um lado, aos preceitos cristãos defendidos pela ideologia imperial desde o século IV e, por outro, vinculados à épica e a epopeia que os aproximam dos escritos laudatórios em hexâmetros feitos tanto por Claudiano13 (CAMERON, 1975, p. 146; CAMERON, 1976, p. 8-10; CAMERON, 2001, p. 13) como por Sidônio Apolinário14 (CAMERON, 1975, p. 156, nota 141; ZARINI, 2012, p. 1). Ou seja, podemos dizer que encontramos indícios de uma readequação no formato e no estilo panegirístico (RAMIREZ TIRADO, 2000, p. 246), um sinal a mais, no âmbito político-cultural, de uma Antiguidade Tardia em pleno movimento.
Movimento que também pode ser imputado ao próprio Coripo, seja no que concerne a sua cronologia de vida, seja com relação ao seu local de origem. Sobre a primeira, ao concluir o poema em honra do questor e chefe da chancelaria imperial, Anastásio, Coripo nos oferece um primeiro sinal de sua idade já avançada ao clamar a Anastásio “compadece-te de minha extenuada velhice e cura minhas feridas com tua habitual compaixão” (CORIPO, Panegírico a Anastásio, 50-51). Informação complementada no prefácio do poema ao imperador Justino II ao dizer “estende tua mão, compassivo, ao ancião extenuado” (CORIPO, Panegírico a Justino II, Prefácio, 37-38), levando-nos a sugerir que o nosso autor nasceu no começo do século VI já que os termos latinos por ele utilizados - senectae e senio dextram - nos levam a pensar na divisão latina das idades do homem apresentada por Isidoro de Sevilha na qual a sexta e última idade é a da senilidade, balizada a partir dos setenta anos de vida:
A sexta idade é a senilidade que já não tem limite: depois de transcorridas as cinco etapas precedentes (infância; puberdade; adolescência; maturidade), tudo quanto falta de vida se considera senilidade. Não obstante, a última parte da senilidade se chama ancianidade, por ser o final (...) (ISIDORO DE SEVILHA, Etimologias, XI, 2, 7-8).
Logo, levando em consideração que o poema dedicado a Justino II foi elaborado entre 566 e 568 (CAMERON, 1976, p. 1-2; ZARINI, 2003, p. 141; ZARINI, 2012, p. 2), podemos dizer que o terminus post quem do nascimento de Coripo estaria estabelecido entre os anos de 495 - 500, aproximadamente (ZARINI, 2003, p. 141). Mas é no A João, escrito por volta do ano de 550, que encontramos indícios do lugar de origem de Coripo e, também, algo sobre a sua formação. Neste poema Coripo apresenta um grande conhecimento da geografia e da etnologia da África Proconsular, sendo estes indícios de sua pertença ao ambiente africano. Além disso, ao iniciar A João, há uma declaração efetiva de que leu este poema diante dos “próceres de Cartago”, aumentando ainda mais a possibilidade de que fosse oriundo daquela importante cidade ou de suas cercanias (ZARINI, 2003, p. 141). Outro detalhe que pode reforçar a sua pertença ao ambiente africano aparece no códice Matritensis 10029 no qual Coripo é apresentado como gramaticus15, informação que nos faz recordar que em Cartago encontraríamos uma das mais importantes escolas provinciais de gramática do Mediterrâneo ocidental (GOMEZ DE ASO, 2016, p. 9). Assim, podemos dizer que em meados do século VI Coripo destacava-se nos espaços sociopolíticos e culturais da província da África romano-oriental. Seus serviços, seu talento e as suas amizades acabaram por levá-lo à corte de Constantinopla (CAMERON, 1980, p. 537-539), onde Coripo ficou subordinado ao questor Anastácio a quem, de fato, nosso autor expressava uma alta consideração e estima:
“Tu és a frondosa árvore que bebe da augusta fonte; a desbordante fonte é nosso senhor e comum benfeitor (...). Permita-me beber desta fonte: tu me ofereces o alimento e a agradável fonte a água. Nestas deliciosas paragens serei com gosto alimentado e, saciado, me protegerá vossa sombra, o mais ilustre chefe da guarda imperial, orgulho dos nobres, árbitro do orbe, que reges sob os auspícios do imperador as leis e o direito, garante da justiça, pai dos necessitados (...) desdenhas da avareza e te repugna o ouro amarelo, questor Anastácio (...). Embora tu olhes pelo mundo em geral, os desgraçados africanos em especial a ti dirigem seu olhar e seus rostos. África te expressa a sua gratidão ao desfrutar já de vossa proteção e se alegra de que seus cidadãos se refiram com frequência a grande ajuda que lhes presta Anastácio...” (CORIPO, Panegírico em honra de Anastácio, 18-41).
Para além dos sinais apresentados nesta passagem que reforçam a possível e provável relação de Coripo com a África, encontramos um inequívoco vínculo de aproximação e de fidelidade entre nosso autor e o novo imperador, Justino II (CORIPO, Panegírico em honra de Anastácio, 32 - 37) , que foi renovado ao longo do prefácio do Panegírico a Justino II e apontado de uma forma direta com as seguintes palavras: “Eu, ao que assim me cura, se alguma fiabilidade têm os servos, expresso constantemente minha gratidão e lhe ofereço como pagamento meu poema” (CORIPO, Panegírico a Justino II, Prefácio, 46-48). Parece-nos indubitável que Coripo fez este poema laudatório por participar do grupo mais próximo do novo imperador e que o levou ao sólio imperial, ideia que também é apresentada por Averil Cameron desta maneira:
Certamente a versão de Coripo da ascensão de Justino é levemente tendenciosa, pois seu objetivo era agradar não apenas seus eminentes patronos, mas também o próprio imperador. Assim também com sua alusão a um dos principais escândalos políticos desses anos, a execução de dois homens proeminentes por ‘conspiração’. Mas qualquer que seja a razão inicial para a escrita, a obra finalizada assemelha-se, na técnica, a uma obra de arte oficial; apresenta seu assunto sob certa luz e nos mostra desse modo a maneira oficialmente aceita de ver as coisas (...) (CAMERON, 1975, p. 159).
Ora, a visão “levemente tendenciosa” de Coripo sobre a ascensão de Justino II incluía, também, a morte de seu antecessor, Justiniano, como parte da construção ideológica que reforçava a relação “quase hereditária” e familiar entre sobrinho e tio que servia como base e cimento de toda a sua legitimidade que, como observamos, pode ter sido contestada em algum momento entre a morte de Justiniano e a imediata aclamação/eleição de Justino II, fatos ocorridos em 565, e a redação do Panegírico a Justino II realizada entre 566 e 568. Talvez, por este motivo, encontremos uma versão apresentada por Coripo um pouco distinta daquela que foi descrita por Evágrio Escolástico em finais do século VI e que informava que Justiniano havia indicado Justino II como seu herdeiro e sucessor:
Segundo a hierarquia eras chamado curopalates, mas por uma disposição do imperador havia sido nomeado Cesar. E embora ostentasse o poder o ancião ainda robusto, sob teu controle estavam os interesses do imperio que governavas com tua influente decisão. Nada realizou Justiniano sem tua colaboração (...) (CORIPO, Panegírico a Justino II, I, 138-142).
De outra parte, Coripo, de maneira sutil, acabou por indicar que Justino II foi, de fato, apoiado pela guarda imperial por ele comandada e por integrantes do entourage palaciano que promoveram a sua ascensão, informações que coincidem com aquelas que foram apontadas por Evágrio Escolástico, dando a entender que existia, de fato, uma disputa interna entre dois grupos políticos pelo poder imperial:
Os guardas que protegem o palácio imperial são os primeiros em desejar, na entrada dos soberanos, um próspero reinado e rodeiam todos os acessos com soldados armados para que nenhum inimigo se atreva a aproximar-se da augusta morada com más intenções: tão grande foi a lealdade e a precaução dos soldados e a solícita astúcia dos fieis senadores (...) (CORIPO, Panegírico a Justino II, I, 204-209).
Pelas descrições oferecidas tanto por Coripo como por Evágrio, parece-nos inquestionável afirmar que alçamento de Justino II ao poder imperial somente foi possível graças a sua presença junto ao palácio imperial e por encontrar-se em Constantinopla no momento da morte de Justiniano. Um acontecimento transcendental que foi reforçado por Coripo como uma passagem do poder divino daquele que faleceu, Justiniano, àquele que assumiu seu lugar entre os homens, Justino II. Para tanto, Coripo lançou mão da visão onírica na qual a Virgem Maria apareceu em sonho ao novo imperador e disse-lhe claramente:
Tu mereces o manto imperial, o mais nobre dos monarcas, principe que em todos suscita ao mesmo tempo medo e amor, querido por Deus poderoso, divina descendência (...). Levanta-te, valoroso príncipe! Espera-te o dia, Justino; tu és o seguinte herdeiro, a ti te adornou o Pai Todo poderoso com honra divina, a ti te confirmou teu tio como soberano da sagrada corte (...) (CORIPO, Panegírico a Justino II, I, 40-50).
Ou seja, de acordo com a lógica apresentada por Coripo, Justino II aparece representado como o imperador que foi escolhido tanto por seu antecessor, Justiniano, como por Deus sendo, nesse sentido, um servo e amigo de Cristo, o Filochristos Basileus (CAMERON, 1975, p. 132; 135; MAAS, 1992, p. 13), sendo a sua imagem e semelhança, Imago Christi (CAMERON, 1975, p. 151; 161-162; 164; ALCHERMES, 2005, p. 369). Uma imagem que fica consolidada nas palavras de Coripo:
Deus está no coração dos monarcas. Isto é o que Deus soberano ordena aos soberanos. Cristo concedeu toda a autoridade aos senhores da terra. Aquele é Todo-poderoso, estes são a imagem do Todo-poderoso (...) (CORIPO, Panegírico a Justino II, II, 425-428).
O funeral imperial como glorificação do passado, do presente e do futuro
Esta construção ideológica, que elevava o novo imperador a condição de Filochristos Basileus amparada, sobretudo, na tradição cristã iniciada por Eusébio de Cesareia (MORESCHINI, 2016, p. 182) ao descrever Constantino como “o amado de Deus” (EUSÉBIO DE CESAREIA, Vida de Constantino, IV, 71, 2), complementava-se com a cerimonia de exéquias do imperador morto, o funus imperatorum. Segundo as observações feitas tanto por Simon Price (1987, p. 59-61) como por Javier Arce (1997, p. 117-119), o funus imperatorum continha uma série de ritos e de práticas que envolviam desde os ornamentos que cercavam o espaço do velório onde o defunto era colocado, o féretro, as vestimentas com as quais o morto seria velado, além de algumas ações que se destacavam na cerimônia, como os lamentos pela morte do imperador, o cortejo e o local de sepultamento do cadáver. Ritual que fazia parte de uma preparação sociológica e psicológica voltada a exaltação pública do imperador morto que tinha como principal objetivo congregar o conjunto social para que fossem prestadas honras àquele que partiu e, simultaneamente, glorificar o novo imperador.
Coripo inicia a composição de seu “mosaico literário” da morte de Justiniano com a proclamação feita por Calinico, tesoureiro imperial e praepositus sacri cubiculi nomeado pelo falecido imperador, na qual encontramos a descrição da conclamatio ou a comoção generalizada provocada por uma notícia tão triste:
Que vens anunciar-me, amigos? Por que estão tão tristes? (...) Nesse momento o palácio rompeu em grandes soluços. Calinico acalmou os gemidos com um dedo sobre seus lábios e fez silêncio com a destra (...): ‘O Império Romano, em vida de teu pai, foi engrandecido com vossos conselhos e desvelos: é coisa sabida pelo povo e nós o reconhecemos com ele (...). Agora teu próprio pai, gozoso e cheio de vida se encaminhou ao império celestial mediante uma morte afortunada (...) (CORIPO, Panegírico a Justino II, I, 121-123; 130-133; 143-145).
Seguindo a observação de Calinico, feita através do discurso elaborado por Coripo, verificamos que a morte do velho imperador é entendida como o final de uma etapa, aquilo que Hartog (2014, p. 28) definiu como a “conclusão da rota” terrena, iniciando-se a partir de então outra viagem rumo a eternidade. Tanto neste mundo como no eterno, Justiniano deveria aparecer como o Imperator Totius Mundi, assemelhando-se a Constantino que mesmo após a sua morte “governou” entre os homens durante certo tempo:
Este bem-aventurado foi o único mortal que reinou após a sua morte; a rotina cotidiana seguiu desenvolvendo-se como se ele continuasse vivo; desde que o mundo é mundo, apenas ele exclusivamente recebeu este dom de Deus. Como ele foi entre todos os imperadores o único que honrou a Deus soberano universal e o seu filho Cristo em toda a sorte de ações, com toda a razão foi o único que obteve privilégios semelhantes e o Deus que está acima de tudo o criado teve por bem que seu elemento mortal seguisse tendo autoridade imperial entre os homens (...) (EUSÉBIO DE CESAREIA, Vida de Constantino, IV, 67, 3).
Nesta viagem ao encontro com Deus, Justiniano deveria estar devidamente trajado, tal qual um imperador vivo e triunfante. Coripo oferece-nos, com detalhe, uma descrição da rica túnica feita a mando da nova imperatriz, Sofia, que indubitavelmente apresentava-se como uma peça com forte conteúdo ideológico favorável ao imperador Justino II (CAMERON, 1975, p. 133). Tratava-se de um manto purpúreo coberto de pedras preciosas e bordado em ouro com as cenas mais destacadas da vida de Justiniano. As palavras de Coripo são, por isso, muito vívidas e interessantes:
Ofereceu-lhe, ademais, uma túnica recoberta de valiosa púrpura, onde se representou, resplandecente de pedras preciosas e bordada com ouro, a série completa das façanhas de Justiniano. Ali o bordador com fina agulha e arte excepcional havia dado vida, seguindo uma ordem, as falanges de bárbaros com o pescoço curvado, aos reis aniquilados e aos povos submetidos (...). E havia representado no centro do palácio a Justiniano vencedor, pisando no feroz pescoço do tirano vândalo (...) (CORIPO, Panegírico a Justino II, I, 275-285).
De fato, podemos imaginar a riqueza e os detalhes do manto fúnebre de Justiniano e o seu impacto junto daqueles que o viram, na medida em que o falecido imperador estava representado em seu fulgor máximo, como um conquistador vitorioso sobre todo o orbe que recebeu o apoio e o amparo divinos. Mas o que chama a nossa atenção é que a descrição oferecida por Coripo aproxima-se muito do alto relevo apresentado pelo díptico Barberini (CAMERON, 1975, p. 144) (Figura 2), peça esculpida em marfim e que faz parte do acervo do museu do Louvre na qual encontramos a figura do imperador vitorioso, possivelmente o próprio Justiniano. As “falanges de bárbaros com o pescoço curvado” aparecem na parte inferior, oferecendo os tesouros conquistados nas vitórias alcançadas por Justiniano, sempre apoiado por Deus que é representado na parte superior do díptico. No centro está o imperador, vencedor e que subjuga o bárbaro que está atrás do cavalo, certamente uma alegoria do rei vândalo Gelimer derrotado e levado em triunfo a Constantinopla no ano de 534, tendo no seu lado direito a figura de Belisario, líder da vitoriosa campanha contra os vândalos.
Outra possível representação utilizada como base para pensarmos nos detalhes colocados no manto fúnebre de Justiniano é a da famosa Calqué (ALCHERMES, 2005, p. 349), ou o que seria o vestíbulo do palácio imperial construído por Justiniano que foi descrito por Procópio de Cesareia no seu escrito sobre os edifícios:
Não muito longe do mercado se acha a residência do imperador e o palácio é, em certo modo, novo quase por inteiro e, como mencionei, foi construído pelo imperador Justiniano: é difícil descreve-lo com palavras, mas bastará com que as gerações futuras saibam que todo ele foi obra do imperador. Como dizem, conhecemos o leão por sua garra, assim também os que leiam este escrito conhecerão a importância deste palácio por seu vestíbulo. O vestíbulo em questão é o que chamam Calqué (...) (PROCOPIO DE CESAREIA, Dos Edifícios, I, 10).
Apesar da grandiosidade do palácio imperial, com várias arcadas e um teto em formato de abóbada, o que capturava a atenção de Procópio na sua descrição do vestíbulo era o extraordinário brilho e a luminosidade dos mosaicos que o adornavam e que apresentavam os combates e as vitórias alcançadas por Justiniano. Destas, como nos indica Procópio, se destacavam os triunfos militares alcançados sobre os bárbaros do ocidente, em particular os vândalos e os godos, que motivavam a alegria tanto de Justiniano como de sua esposa, a imperatriz Teodora:
Mostrarei agora quais são as características destas pinturas. Em cada uma delas está a guerra e o combate. Inúmeras cidades são conquistadas, umas na Itália outras na África. O imperador Justiniano obtém vitórias com a colaboração de seu general Belisario que está junto ao imperador com todo o exército intacto, entregando-lhe despojos, reis, reinos e tudo aquilo que se estima como extraordinário entre os homens. O imperador e a imperatriz Teodora se encontram no centro, parecem alegrar-se e celebram as vitórias sobre o rei dos vândalos e o rei dos godos que chegam como cativos submetidos a servidão (...) (PROCÓPIO DE CESAREIA, Dos Edifícios, I, 10).
Para o nosso azar os mosaicos do vestíbulo do grande palácio reconstruído por Justiniano estão muito fragmentados, mas a sua descrição pelo olhar de Procópio nos leva a pensar tanto nos detalhes existentes no Díptico Barberini como, também, da própria imagem oferecida por Coripo do manto fúnebre de Justiniano que contava com tais motivos. Seja como for, parece-nos certo afirmar que a qualidade do tecido do manto e a riqueza com a qual foi adornado - com pedras preciosas e figuras bordadas a ouro - bem como as cenas de vitórias alcançadas sobre os bárbaros tinham a intenção de realçar aos que vislumbrassem o corpo do falecido imperador a força e a grandeza do poder imperial reconhecido em Justiniano e que continuariam com seu sucessor, Justino II. De fato, esta passagem do poder terreno ao celeste, representada pela morte de Justiniano, trazia em si a própria ideia da renouatio imperial, pois na lógica apresentada por Coripo o novo imperador, Justino II, inauguraria uma nova era de maior glória e grandeza que a anteriormente existente com o velho e falecido imperador. Nesse sentido, vale recordar aqui uma máxima apresentada por Arnaldo Momigliano e que pode ser aplicada a relação entre o antigo e o recente, já que “o novo não pode esquecer-se do velho” (MOMIGLIANO, 1970, p. 94-95), reforçando o argumento ideológico de que o poder imperial jamais caducaria, visto que a sua renovação era constante e eterna, fosse na terra, fosse no céu.
Após a conclamatio entre os integrantes do palácio imperial e a preparação do corpo do falecido imperador, um pouco menos elaborada que a de Constantino (EUSÉBIO DE CESAREIA, Vida de Constantino, IV, 66, 1-2), Coripo nos oferece com brilho e intensidade o restante das exéquias oferecidas por Justino II e Sofia a Justiniano. O corpo, recoberto pelo magnífico manto anteriormente descrito, foi colocado em um ataúde incrustrado de pedras preciosas “que ganhou em épocas remotas a supremacia romana” (CORIPO, Panegírico a Justino II, III, 16-17) e estava depositado sobre um elevado catafalco posicionado no vestíbulo do grande palácio de Constantinopla. Espalhada pelo palácio havia, segundo Coripo, uma imponente decoração que remontava a uma tradição iniciada com a morte de Constantino: “Havia mil vasos de ouro, mil adornos nas colunas, mil vasos de prata com círios que enchiam os salões, dispostos cada um em seu lugar, seguindo um costume ancestral” (CORIPO, Panegírico a Justino II, III, 10-13). Além disso, conforme a mesma tradição, perfumes e aromas das mais variadas procedências eram dispostos pelo espaço onde se realizava as exéquias, certamente para ocultar quaisquer odores exalados pelo corpo do falecido imperador: “Queimam incenso de Sabá e derramam sobre páteras ali colocadas mel aromático e bálsamos de perfumada essência. Se dispõem uma variedade de outras especiarias e extraordinários unguentos para conservar o sagrado corpo até a eternidade” (CORIPO, Panegírico a Justino II, III, 23-27).
A cena retratada por Coripo fica completa com a participação da população de Constantinopla, desde os mais abastados aos mais humildes, na parte da cerimônia fúnebre dedicada à adoração do corpo do imperador morto e no cortejo realizado até o lugar do seu sepultamento. Uma multidão acorreu para participar do funeral do imperator totius mundi, ficando tanto no interior como no exterior do palácio. Os detalhes oferecidos por Coripo nos oferecem uma ideia da quantidade de pessoas que se deslocaram até o grande palácio para prestarem as últimas homenagens a Justiniano: “Diante da porta estava a comitiva; por todos os lugares do palácio e ao largo dos pórticos se encontrava o senado mesclado com o povo e dentro choravam os servidores (...). Pessoas de um e outro sexo e de todas as idades acudiram ao funeral...” (CORIPO, Panegírico a Justino II, III, 7-10; 40-41). Justino II e Sofia encontravam-se entre os que participavam daquele ato público de admiração e respeito ao falecido imperador, cabendo ao novo imperador dar o sinal para que começasse o traslado do féretro:
Sem mais demora, ordena com um sinal majestoso levantar o féretro; a multidão avançou, saindo de todos os lugares do palácio e o entristecido cortejo acendeu círios fúnebres (...). Muitos queimavam piedoso incenso na passagem do cortejo; o povo aflito corria para contemplá-lo (...) (CORIPO, Panegírico a Justino II, III, 35-39; 55-57).
O cortejo dirigiu-se até a basílica dos Santos Apóstolos para que nela “fossem colocados os ilustres restos no sagrado sepulcro que ele, levado por sua devoção, mandou erigir de ouro puro” (CORIPO, Panegírico de Justino II, III, 60-62). Tratava-se do mesmo templo que fora iniciado por Constantino (EUSÉBIO DE CESAREIA, Vida de Constantino, IV, 70) e concluído por Constancio II, com a intenção de “honrar o nome dos Apóstolos, ordenando que ali se situassem as tumbas para ele e os imperadores que lhe sucederam, e não apenas para os monarcas, mas, também, para suas esposas igualmente; este costume se conserva até hoje. Por certo, também enterrou ali o corpo de seu pai Constantino...” (PROCÓPIO DE CESAREIA, Dos Edifícios, I, 4). Mas, de acordo com Procópio, a basílica encontrava-se derruída em meados do século VI momento em que Justiniano promoveu a sua restauração (RAPP, 2012, p. 272), embelezando-a de uma maneira extraordinária:
Havia em Constantinopla um templo muito antigo dedicado a todos os apóstolos, que já estava muito prejudicado pela passagem do tempo e infundia a suspeita de que já não se manteria em pé. O imperador Justiniano o derrubou por inteiro e, com seu esforço, não apenas pode restaurá-lo como também deixa-lo muito valioso por sua grandiosidade e riqueza (...) (PROCÓPIO DE CESAREIA, Dos Edifícios, I, 4).
Assim, podemos dizer que Justiniano, ao restaurar a basílica dos Santos Apóstolos em Constantinopla, consolidou a tradição de sepultamentos dos imperadores romanos do oriente iniciada com Constantino e mantida por Justino II, seu sucessor no trono imperial. Por certo que em todo o funus imperatorum dedicado a Justiniano encontramos mensagens ideológicas de reforço do poder imperial que têm uma relação direta com a tradição dos funerais imperiais anteriores, em particular desde Constantino e do fortalecimento do Cristianismo no âmbito sociopolítico e institucional do mundo tardo-antigo. Ao fim e ao cabo, sabemos que o Império Romano do Oriente da segunda metade do século VI distava, de forma significativa na perspectiva político-militar, de seus congêneres dos séculos IV e V, sendo estes momentos que marcavam a morte de um imperador e a sua sucessão os mais propícios para que se recuperasse a noção teleológica de ressurgimento e de renovação de um Império “novo” e mais glorioso que o anterior. Nesse sentido, a alegoria da Fênix foi recuperada por Coripo como forma de acentuar o renascimento do poder imperial entre a morte de Justiniano e a eleição e aclamação de Justino II:
Como quando a ave Fênix renova seus membros que ela abandonou, ao renascer de suas próprias cinzas (...): assim, o esplendor do império, ao renascer o santo jota, se alçou de sua própria morte para renovar sua velhice e o imperador Justiniano vive no principe Justino de nome erguido (...) (CORIPO, Panegírico a Justino II, I, 349-356).
Conclusão: a morte como expressão da eternidade do Império
Renascimento e renovação, movimentos apontados por Coripo que expressam a ideia de continuidade e de aprimoramento do poder imperial detido por Justino II que, nesse sentido, seria mais perfeito que o de seu antecessor. Acima de tudo, a morte de Justiniano, descrita por Coripo, é apresentada como uma forma de redenção e de revisão de seu reinado marcado por vários problemas internos, desde a revolta Niká em 532, passando pela grande peste bubônica que assolou as províncias orientais no ano de 542 e chegando ao Concílio II de Constantinopla e a querela envolvendo a heresia dos três capítulos que acentuou a fratura entre católicos e monofisitas. Além destes, a ação hegemônica sobre o Mediterrâneo acentuou os problemas externos que passaram a assolar o Império Romano do Oriente, como a pressão dos bárbaros - Lombardos; Eslavos; Avaros; Sassânidas - que gerou uma efetiva redução das vitórias militares romanas orientais que marcaram o final de sua vida. A propaganda e a ideologia imperiais necessitavam, por isso, apagar os últimos momentos de fraqueza e de debilidade daquele que fora em vida o imperator totius mundi, projetando na eternidade a imagem vitoriosa do passado que associava Justiniano a um verdadeiro demoliens barbaros, vencedor e defensor da civilização romana.
Sabemos que tal imagem representava uma ilusão prática, porém do ponto de vista teórico a morte de Justiniano apresentada por Coripo revelava a construção de um discurso aristocrático e imperial que projetava a memória de um passado glorioso como esperança de um futuro maior, mais estrepitoso e triunfante. Justiniano foi Magnus, ou Mega, e com a sua desaparição lançava-se sobre seu sucessor, Justino II, toda a expectativa de que o seu reinado seria tão grande e espetacular quanto o de seu tio. Indubitavelmente esta mensagem fazia parte de todo o processo de legitimação do poder de Justino II, maculado por uma eleição e aclamação questionáveis, mas que acima de tudo necessitava reforçar o próprio poder da instituição imperial romana oriental. Por isso o novo imperador devia ser colocado ao lado do falecido imperador, como se fosse um “filho” que continuaria e renovaria a obra iniciada por seu pai que passara, em glória e grandeza, ao plano da eternidade. Dessa forma, Justino II prosseguiria a trajetória de um império eterno, tanto na terra quanto no céu, que se renovava tal qual a Fênix.
Por esse motivo a morte de Justiniano tinha que ser um acontecimento ímpar e o seu funeral equiparado aos dos grandes imperadores do passado, como Constantino e Constancio II. Evidente que nos referimos ao funus imperatorum já marcado pela tradição cristã onde o sepultamento numa basílica como a dos Santos Apóstolos substituía, de forma total, as antigas tradições pagãs de cremação dos imperadores mortos durante o Principado ou no século III. Coripo nos descreve um funeral cristianizado, voltado a glorificação de um Imperium Christianissimus que mantinha o seu glamour, embora se encontrasse ferido e assolado por múltiplas ameaças e dificuldades em todas as áreas de sua hegemonia política. Pressões que acabaram por levar o Império Romano do Oriente a abandonar o seu projeto mediterrânico e se concentrar na defesa dos territórios balcânicos e orientais. Estes foram, de fato, os passos iniciais de uma mudança estrutural forte e imparável: a Antiguidade Tardia começava, paulatinamente, a fenecer e o Império Romano do Oriente cedia seu espaço a um Império mais grego, mais oriental, aquele que costumamos denominar como bizantino.
Referências
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Notas
Autor notes
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