Resumo : Este artigo analisa a batalha do cinematógrafo da Central do Brasil, isto é, o conjunto de artigos publicados na imprensa carioca entre março e abril de 1908 que atacaram ou defenderam a gestão de Aarão Reis junto à Companhia da Estrada de Ferro Central do Brasil por ter permitido a instalação de um cinematógrafo na estação Central do Brasil. As questões que irão estruturar nossa investigação são: a) que concepções a respeito do consumo cinematográfico foram acionadas ao longo desse debate?; b) como essas concepções revelam expectativas em relação à burocracia estatal e ao controle do tempo destinado ao lazer das classes populares? Como metodologia de pesquisa, adotamos o paradigma indiciário, tal qual pensado por Carlo Ginzburg.
Palavras-chave: cinema, consumo, Primeira República, Rio de Janeiro.
Abstract: This article analyzes the battle of the cinematographer of Central do Brasil, that is, the set of articles published in Rio de Janeiro’s press between March and April of 1908 that attacked or defended the management of Aarão Reis in Companhia da Estrada de Ferro Central do Brasil for having allowed the installation of a cinematographer at Central Station, in Rio de Janeiro. The questions that will structure our investigation are: a) what conceptions regarding the cinematographic consumption were triggered during this debate?; b) how do these conceptions reveal expectations regarding the state bureaucracy and the control of leisure time of the popular classes? As a research methodology, we adopted the indiciary paradigm, thought by Carlo Ginzburg.
Keywords: cinema, consumption, First Republic. Rio de Janeiro.
Artigos livres
A batalha do cinematógrafo da Central do Brasil: consumo cinematográfico, imprensa e burocracia no Rio de Janeiro da Belle Époque
The battle of the cinematographer at Central do Brasil: cinematographic consumption, press and bureaucracy in Rio de Janeiro’s Belle Époque
Recepção: 15 Outubro 2018
Aprovação: 30 Junho 2019
A Páscoa de 1908 deveria ter marcado a consagração do engenheiro Aarão Reis junto à administração da Estrada de Ferro Central do Brasil. Tendo derrotado adversários políticos no ano anterior, querido pelos funcionários e responsável pela comemoração dos cinquenta anos da companhia, Reis preparava uma grande festa à sua altura, com direito a números circenses, música, shows e fogos de artifício.
No espírito da celebração, o então diretor atendeu a um pedido da associação dos funcionários de sua companhia e cedeu um espaço inutilizado na estação Central do Brasil para a instalação provisória de um cinematógrafo, que deveria funcionar durante as festividades até um mês após o encerramento destas, isto é, até o fim de abril de 1908.
Visto por Reis e pelos funcionários como corriqueiro, tal ato não passou despercebido por alguns jornais da época, que dispararam ataques pessoais e à gestão de Aarão Reis. Engajando-se em uma batalha editorial ao longo de algumas semanas, entre março e abril de 1908, algumas publicações e articulistas posicionaram-se a favor e contra a presença de um cinematógrafo em uma repartição que simbolizava (ou deveria simbolizar, ao menos) o progresso da nação brasileira na virada entre os séculos XIX e XX.
Tendo passado por uma grande reforma urbana no início do século XX, empreendida pelo prefeito Pereira Passos, o Rio de Janeiro era apresentado como a capital moderna do novo regime republicano, marcado por um espaço urbano altamente hierarquizado, do qual as classes populares eram cada vez mais repelidas e suas manifestações perseguidas pelas forças policiais e administrativas (SEVCENKO, 1983).
Inserindo-se nesse novo espaço urbano e no projeto de nação moderna, as exibições cinematográficas - que ocorriam desde fins do século anterior - ganharam um impulso com a inauguração da primeira sala destinada exclusivamente à atividade, em agosto de 1907; no caso, o Cinematographo Parisiense, de propriedade do empresário Giácomo Staffa, localizado na avenida Central (ARAÚJO, 1985). Rapidamente, as salas de cinema expandiram-se pela cidade, alcançando em pouco tempo as áreas centrais, os bairros da Zona Sul carioca e também aqueles atendidos pela estrada de ferro Central do Brasil no subúrbio carioca.
Sendo um hábito recentíssimo à época da polêmica a ser analisada, o ato de ir ao cinema despertava a curiosidade de sujeitos de todas as classes sociais, embora o acesso a ele se mostrasse um pouco restrito em termos de público. Impelidos pela novidade, os funcionários da Central do Brasil - em sua maioria oriundos dos estratos populares e médios baixos - pretendiam inserir suas comemorações no ideal do progresso difundido no período e, para tanto, pensaram na possibilidade da projeção de filmes em sua companhia.
Este artigo pretende analisar os termos em que se deu a “batalha” do cinematógrafo da Central do Brasil. Mais precisamente, quais publicações colocaram-se a favor e contra Aarão Reis e os funcionários da companhia, e quais os argumentos utilizados por ambos os lados, além da dinâmica em que ocorreu o debate, para isso observando as continuidades e as mudanças nas linhas de argumentação dos jornais e das revistas.
Guimarães (2014, p. 106) localizou, no final do século XIX, o início da veiculação de fait divers pelos periódicos brasileiros, inseridos em uma lógica de espetacularização do espaço urbano, de fragmentação da realidade partilhada pelos diferentes grupos sociais e de fruição de diferentes meios de comunicação por parte dos leitores-espectadores.
Diante do exposto, as questões que irão estruturar nossa investigação são: a) que concepções a respeito do consumo cinematográfico foram acionadas ao longo desse debate?; b) como essas concepções revelam expectativas em relação à burocracia estatal e ao controle do tempo destinado ao lazer das classes populares?
A hipótese principal a ser defendida é a de que, no decorrer do debate, houve um choque entre dois valores1. De um lado, um desejo por racionalidade na conduta de agentes públicos inflava a ira dos articulistas contra o cinematógrafo; de outro, o apelo à caridade por parte dos defensores dos funcionários e do diretor Aarão Reis justificava a presença da diversão no espaço da estação Central do Brasil. Tais valores não devem ser concebidos de modo absoluto ou abstrato. Ao contrário, devem ser vistos em disputa pelos seus significados nas relações entre os sujeitos e os grupos distintos na conformação de um senso comum (BERGER; LUCKMANN, 1996).
Em paralelo, nossa hipótese secundária é a de que os jornalistas podem ser percebidos, nesse caso, como empreendedores morais (BECKER, 2008) do consumo cinematográfico, uma vez que a imprensa gozava à época de prestígio e os debates arregimentados pelos jornais e revistas eram capazes de produzir efeitos estruturantes na cena pública da Belle Époque carioca e de pautar a conduta de autoridades públicas nos âmbitos federal e municipal (SEVCENKO, 1983; VELLOSO, 1988). Completando essa hipótese, a “batalha” do cinematógrafo da Central configurou-se como uma cruzada moral (BECKER, 2008) travada pela imprensa da época, no sentido de tentar impor regras sobre o que seria considerado digno ou não perante a burocracia.
Antes de passarmos à análise, apresentamos as fontes selecionadas. Trata-se de 34 documentos entre artigos, fotos, anúncios e charges recolhidos de 10 publicações diárias ou semanais que circulavam pelo Rio de Janeiro em 1908. Essas fontes encontram-se guardadas pela Biblioteca Nacional em formato físico ou disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Suas linhas editoriais serão apresentadas à medida que forem mencionadas neste texto.
Ainda precisamos esclarecer alguns pontos quanto à metodologia adotada por esta pesquisa. Após um levantamento inicial, escolhemos a metodologia do paradigma indiciário, tal como pensada por Carlo Ginzburg (2007), ao considerarmos a heterogeneidade das fontes e a possibilidade de se reunir materiais diversos através da análise dos sinais deixados nas fontes para tentar acessar processos sociais de maior alcance histórico ou, nas palavras do autor, “se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios - que permitem decifrá-la” (GINZBURG, 2007, p. 177).
Ginzburg parte do pressuposto de que “cada sociedade observa a necessidade de distinguir os seus componentes, mas os modos de enfrentar essa necessidade variam conforme os tempos e os lugares” (GINZBURG, 2007, p. 171). Assim, é possível inferir que o tratamento das fontes encontradas nos periódicos cariocas nos permitiria acessar uma realidade mais complexa, isto é, os meios de circulação de repertórios através do consumo cinematográfico e a afirmação ou contestação de hierarquias sociais.
Ponderando que o paradigma indiciário “pode se converter num instrumento para dissolver as névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem uma estrutura social como a do capitalismo maduro” (GINZBURG, 2007, p. 177), acreditamos ser possível ter um acesso mínimo aos processos de recepção e de consumo cinematográfico através dos inúmeros vestígios deixados na imprensa do período abordado.
Precisamos também destacar que o esforço deste artigo se insere no reposicionamento da escrita historiográfica em relação à presença do cinema no Rio de Janeiro, tal como apontado por Bernardet (2004, p. 26). O foco na constituição do público ajuda-nos a relacionar alguns aspectos do ritual da ida ao cinema e da presença das salas de cinema no espaço urbano - que se encontrava em um momento de afirmação - com alguns traços estruturantes da cena pública que emergiu após as reformas empreendidas pelo prefeito Pereira Passos.
Na edição de 14/3/1908, do jornal O Século, foi publicada uma nota a respeito das comemorações dos cinquenta anos da companhia da Estrada de Ferro Central do Brasil, com uma alusão ao cinematógrafo que estava sendo ali instalado para os festejos. Esse jornal era editado por Jayme Pombo Brício Filho, que também havia sido até há pouco tempo (final de 1905)2 deputado federal pela bancada de Pernambuco, que fazia oposição ao governo e tinha como pauta a moralização das contas públicas e dos costumes3.
Sobre o público-alvo do jornal, apesar de não haver a tiragem do mesmo, outros dados nos permitem fazer algumas considerações a seu respeito. A redação do jornal localizava-se na avenida Central, um fator de distinção perante outras publicações voltadas às classes populares. Os editoriais e as colunas de O Século apresentavam um vocabulário rebuscado típico de publicações voltadas aos estratos superiores, uma vez que exigiam um maior nível de letramento para a sua fruição. Além disso, suas edições - normalmente de quatro páginas - apresentavam duas páginas de anúncios de seguros, galerias de arte, cafés situados em áreas centrais, chapelarias, charutarias, floriculturas, delicatessens, clubes de jóias e outros artigos de luxo como relógios Patek-Felippe, o que nos remete ao consumo das classes superiores e médias.
Apesar de não ser possível fazer uma avaliação quantitativa quanto à circulação do jornal, era voltado prioritariamente ao público da então Capital Federal, mas há indícios no próprio jornal de que circulava por outras praças como cidades do interior do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais das regiões Sudeste, Sul e Nordeste, e até mesmo pelo exterior, uma vez que havia um preço estipulado de assinatura anual do jornal para quem residisse fora do Brasil. Circulou entre 20/8/1906 e 20/3/19164, apresentando uma sobrevida em relação a outras publicações do período que se mostraram menos eficazes em ocupar os debates públicos e tiveram uma existência bem mais reduzida, embora não tivesse o mesmo impacto, tradição e longevidade de outras publicações como O Correio da Manhã e O Paiz.
A circulação do jornal era diária, não havendo edição somente aos domingos. Em sua primeira edição, de 20/8/1906, apresentava-se como um periódico “com a pertinaz intenção de debater no campo dos principios, com o alto plano de mourejar ao serviço da justiça e da verdade, com o salutar designio de gastar sommas de esforços no sentido das transformações aconselhadas pelo patriotismo”5. Colocava-se também como um jornal republicano “com o seguro proposito de promover guerra contra tudo quanto está influindo para desconjurar a armadura do edifício erigido a 15 de Novembro de 89”6. Ainda tinha como meta fiscalizar a atuação do governo e do Poder Legislativo. O editor do jornal o descreve como uma “imprensa digna, alevantada, honesta, rodeada do respeito geral, impoluta, moralisada e boa, refratária a qualquer movimento de mercantilismo (...)”7.
Assim, fica evidenciado que o jornal, fundado no ano seguinte à saída de Brício Filho da Câmara dos Deputados, possuía uma linha editorial de defesa do regime republicano e de reforma da política e dos costumes, em consonância com a atuação política de seu editor, que perpassaria a sua atuação na cena pública em diversos momentos. A título de exemplo, em toda edição, havia o editorial do jornal em sua capa com um tema do dia e, nas primeiras edições, esses já versavam sobre educação superior, críticas à gestão financeira por parte do governo federal, aos partidos políticos e à política externa, o que indicava o caráter de intervenção pretendido pelo periódico. Levando-se em consideração as referências a respostas por parte de outros jornalistas, de gestores públicos, de autoridades policiais e judiciárias, dentre outros, aos editoriais e demais artigos do jornal ao longo de sua existência, pode-se inferir seu razoável impacto perante os debates empreendidos durante a Primeira República, mesmo que sem o alcance de outras publicações de maior circulação e de público mais expressivo.
O jornal O Século articulou a campanha contra a gestão Aarão Filho e mais especificamente contra o cinematógrafo presente na Central do Brasil durante todo o mês seguinte à primeira nota publicada8. Em 16/3/1908, o primeiro artigo atacando abertamente ambos foi publicado pelo jornal. Reproduzimos na íntegra o seu conteúdo:
Cinematographo official?
Na Central
GRANDE ESCANDALO
O DR. AARÃO REIS
A noticia da armação de um cinematographo no saguão da Estação Central, da Estrada de Ferro Central do Brazil, dada em breves termos, na edição de sabbado, como permittia a hora adeantada em que as informações foram colhidas pela nossa activa reportagem, causou a mais viva impressão, provocando commentarios desfavoraveis á administração da principal das nossas ferrovias.
Realmente tudo seria licito esperar da direcção do dr. Aarão Reis, menos obliteração do criterio a ponto de dar o seu assentimento a uma sessão de diversões em uma repartição publica, mormente da ordem e responsabilidade daquella que motiva as presentes linhas.
Que um particular, por motivo de augmento da renda, ceda parte do espaço occupado por seu negocio, para o estabelecimento deste ou daquelle divertimento, é coisa que se comprehende e se explica.
Assim mesmo alguns há que se recusam a fazel-o, pela natureza do serviço que exploram, como acontece conosco que, solicitados para o aluguel de uma ou mais portas, temos recusado, para não prejudicar o regular funccionamento do jornal com o qual vamos procurando servir á nação.
Mas que um departamento da administração, aqui mesmo, no coração do paiz, na capital da Republica, no centro da cidade, aos olhos de todos, subverta as boas normas, chegando a atirar pela janela a seriedade, entrando pelo caminho do ridiculo, fazendo correr ás fitas cinematographicas, com a entrada paga e com os competentes pregões de “chega rapaziada”, “vae começar agora mesmo”, “vistas recebidas da Casa Pathé”, francamente isso seria para reclamar o concurso da musica de Offenbach, si não fosse deprimente, o attestado de nossa desmoralização, o documento da desordem na esphera da administração e a prova do desrespeito para com as mais comesinhas regras da compustura administrativa.
O pretexto para a concessão não podia ser melhor: - em beneficio da Associação Auxiliar dos Empregados da Estrada. Mesmo admittindo que todo o producto da diversão seja em favor da sociedade, o grotesco do consentimento de um tal genero de espectaculos, naquelle local, é para levantar protestos. Isso na hypothese de toda a renda do cinematographo ser applicada em auxilio da associação, póde bem ser que o concessionario, como condição para lograr a permissão de ali desenrolar as fitas, tenha proposto ceder um tanto das sommas arrecadadas em favor da instituição.
No interior do edificio da estação da Central já estão aboletados quatro engraxates e fala-se que a advocacia administrativa pretende obter licença para o estabelecimento de bilhares em uma de suas dependencias.
Tudo isso é tão extranho, tudo isso é tão censuravel, que aqui deixamos estas linhas, chamando a attenção do governo. Até agora o ministro da viação e o presidente da Republica podiam allegar que estavam na ignorancia do facto. Desvendada, porém, a situação, como acabamos de fazer, queremos ver si emprestam sua solidariedade a essas scenas de operetas geradoras de ridiculo e de commentarios desfavoraveis. Esperemos9.
O título do artigo apela para a ironia no uso do adjetivo “official”, visando a desqualificação da atitude de Aarão Reis. Em seguida, deixa claro o motivo da condenação: ter uma sala em uma repartição pública destinada a uma diversão, o que, na ótica do autor, configuraria um desvio de função. Além disso, a visão do cinema como um lazer frívolo e indigno da atenção de pessoas sérias também é explicitada no artigo, tendo em vista a ridicularização do gesto do engenheiro diretor da Central do Brasil. A comparação entre a exibição no cinematógrafo da Central com outras já em funcionamento no Rio de Janeiro (como pode se desprender do uso das expressões “chega rapaziada”, “vae começar agora mesmo” e “vistas recebidas da Casa Pathé”) acentua a ironia do texto contra os responsáveis pelo ato.
Ao narrar algumas mudanças com o advento das salas de cinema nas áreas centrais, Carvalho (2014, p. 67-78) debruçou-se sobre o registro de cronistas como Arthur Azevedo, Olavo Bilac e Figueiredo Pimentel a respeito do novo hábito de frequentar essas salas e, por conseguinte, do impacto nas sensibilidades dos cariocas em relação ao novo lazer. A autora aponta as reações ambivalentes por parte desses cronistas, alguns mais entusiasmados, outros mais céticos e desconfiados, embora quase todos afirmem a nova diversão dentro do horizonte de expectativas da elite (e, acrescentaríamos, dos setores médios emergentes).
Tal horizonte foi ampliado ao se considerar que o lazer cinematográfico inseriu-se nos rastros de outra diversão mais elitizada que, contudo, enfrentava uma crise à época: o teatro. Moraes (2014, p. 189-242) considerou que ambas as formas de lazer intercambiavam artistas, realizadores e até mesmo financiadores e empresários que as exploravam no mercado de entretenimento carioca e paulistano, ponderando que elas estavam imersas nos novos cenários urbanos onde a presença das classes populares e de suas culturas deveriam ser rechaçadas.
A isso, acrescenta-se que tal fato ocorreu na Capital da República, que deveria ser um modelo civilizatório não apenas para as outras cidades brasileiras, uma vez que era propagada como a vitrine da nação por parte da elite republicana (sendo esta visão também encampada pelos setores médios). O artigo também aponta para o problema de gestão, visto que faltaria espaço na própria estação central e pessoal da companhia para dar conta de suas atribuições principais. Finalmente, há o contraponto de que a renda do cinematógrafo seria destinada integralmente ao fundo da Associação Auxiliar dos Empregados da Estrada, reafirmando, porém, que tal fato não era suficiente para justificar o gesto do engenheiro. Na verdade, uma antecipação de algumas críticas que receberia por atacar a iniciativa de Aarão Reis.
Sobre o Estado brasileiro a partir de meados do século XIX, Chalhoub ponderou que houve a disseminação de uma “ideologia da ‘administração competente’ e da gestão ‘técnica’ da coisa pública, algo que permitiu aos governantes ocultar, ou ao menos dissimular, desde então, o sentido classista de suas decisões políticas” (CHALHOUB, 2011, p. 8). Segundo o autor, tal ideologia foi encampada pelo projeto de ordem da Primeira República por ocasião da reforma urbana do Rio de Janeiro e que teve como uma de suas consequências a expulsão das camadas populares das áreas nobres centrais.
Essa ideologia da gestão técnica - isto é, parte do conteúdo da ideia de racionalidade acionada no caso concreto - pode ser considerada a base do ataque de O Século ao cinematógrafo da Central, na medida em que os principais argumentos dos detratores remetem-se ao funcionamento da companhia e a uma suposta imagem de boa gestão e de eficiência do serviço público a ser zelada perante os cidadãos.
A respeito da dissociação entre essa imagem de eficiência pregada pelos articulistas e o consumo cinematográfico, é interessante atentar para o aspecto demarcador de fronteiras sociais acionado pelo consumo (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004). Ao considerar o cinematógrafo indigno de ocupar um espaço de uma repartição pública, podemos perceber nisso um indício da falta de legitimidade que o ato de ir ao cinema possuía para alguns sujeitos no início do século XX. E, simultaneamente, que nem todos deveriam perder tempo com este tipo de diversão.
Isso não significa afirmar que esse ato era simplesmente desconsiderado pelos diversos grupos sociais, mas que ele era visto com desconfiança por alguns sujeitos vinculados sobretudo aos estratos médios, a partir de uma ótica moralizante e reformista dos costumes, na mesma linha do editor de O Século.
Assim, a cruzada moral demonstra a sua finalidade: impedir que atos frívolos e inúteis se façam presentes na gestão da coisa pública que, na visão dos jornalistas, precisa responder a padrões de eficiência no atendimento das demandas. Adicionalmente, esse primeiro artigo de O Século começa a revelar algumas visões sobre o controle do tempo de lazer das camadas populares. Voltaremos mais tarde a este ponto.
Neste momento, é necessário destacar uma reflexão de Bernardet (2004) que, embora tenha apontado importantes ideias sobre a construção do público no cinema silencioso, mostra-se equivocado ao lidar com os dados estruturantes do então novo cenário urbano do Rio de Janeiro. Bernardet critica a historiografia clássica do cinema brasileiro e recupera indiretamente Derrida para, em seguida, sentenciar que “o contexto é infinito e não tem estrutura, por isso não existe” (2004, p. 111). Com isso, o autor rejeita a relação de alguns dados dessas reformas urbanas dos grandes centros e o cinema no Brasil do modo que foram apresentados por essa historiografia clássica do campo.
A análise da cruzada moral empreendida pelos jornalistas de O Século é capaz de nos revelar o oposto. Isto é, alguns traços estruturantes incidem no consumo cinematográfico de modo a condicionar o horizonte de expectativas do público10, mesmo que seja preciso o cuidado de não fazer afirmações que relacionem esses fatores de modo imediato. Desse modo, nossa preocupação reside nas formas de elaborar essas conexões e não simplesmente de descartar esses traços. Embora compreendamos que a crítica de Bernardet se refira a autores que enfatizavam a produção em detrimento da exibição e da distribuição, tal ressalva se faz necessária para demonstrar que é possível a reelaboração de alguns elementos contextuais no âmbito da historiografia sobre cinema, principalmente no caso de esta se debruçar sobre o consumo.
Em sua cruzada pautada justamente pelos traços estruturantes já enumerados, o jornal continuaria seu ataque nos dias seguintes. No artigo veiculado pela edição do dia seguinte à da denúncia, enumerou uma série de serviços oferecidos pela Associação dos funcionários - tais como engraxates, café, livraria, cigarreiro etc - o que ocorreria em detrimento da própria administração da companhia, visto que, de acordo com o jornal, esses funcionários deveriam estar atendendo o público da ferrovia11.
Valendo-nos da ideia de Herzfeld de analisar as raízes simbólicas da burocracia “nos modos pelos quais pessoas comuns lidam e concebem relações diplomáticas”12 (HERZFELD, 1992, p. 8), a campanha empreendida pelo jornal mostrou-se interessante para perceber como a ideia de racionalidade foi articulada. Nesse momento, a campanha apareceu dissociada do domínio do prazer representado pelo tempo do lazer e, sobretudo, do lazer concebido e destinado às classes populares.
O ataque de O Século à gestão de Aarão Reis ganhou fôlego a partir da conquista de um aliado. Em 19/3/1908, o jornal Correio da Manhã encampou o tom da condenação à presença de um cinematógrafo na Central do Brasil, sendo ainda mais agressivo contra o diretor da companhia e afirmando que “foi preciso positivamente ao Dr. Aarão Reis ter endoidecido, perdendo, portanto, a consciência dos seus actos”13. É preciso recordar que, ao pretender inserir-se em uma escala nacional, a linha editorial do jornal se pautava pela oposição à política tal como praticada na Primeira República, adotando um tom liberal e legalista em seus artigos e editoriais e sua inserção na polêmica sobre o cinematógrafo da Central do Brasil alinhava-se a este tipo de intervenção que o jornal pretendia.
O Correio da Manhã rebaixou sua postura e contestou sua qualificação para o cargo, na medida em que “em tempo nem em logar algum ter-se-á talvez visto coisa egual, um agente do Correio, na roça, e o conferente de uma Mesa Reudas, no Alto Pará, seriam naturalmente mais ponderados em decidir”14. Não sem antes destacar que “a mais rudimentar noção da compostura, que é preciso haver, nas coisas como nos homens, teriam impedido o director da Estrada de Ferro de practicar um acto que só deixa de ser ridiculo para passar á categoria de desabrida loucura”15.
Nesse ponto, surge o apelo a uma racionalidade que se pretende universal, que paira acima dos sujeitos concretos e que se propõe dissociada dos subjetivismos particulares de administradores públicos, enquadrada na ideologia da gestão técnica. Porém, como nos recorda Herzfeld, “apesar dos apelos da burocracia a uma racionalidade universal, seus significados são culturalmente específicos e sua operação é controlada pelos modos através dos quais seus operadores e clientes interpretam suas ações” (HERZFELD, 1992, p. 47, grifo nosso).
Essa racionalidade pretensamente universal mobilizada pelo artigo revela um lugar de classe (média) que reivindica uma suposta normalização dos serviços da companhia e, para que isso aconteça, a interdição do cinematógrafo no espaço da estação Central. É possível notar nesse desejo pela conduta racional por parte dos agentes públicos a autopercepção por parte dos sujeitos ligados aos setores médios de que constituíam uma minoria da população, sendo a racionalidade acionada no caso concreto como uma forma de marcar socialmente sua diferença diante de outros grupos sociais e, ainda, como um contrapeso à falta de expressão política desse grupo, uma vez que se mostrava dependente de seus laços com as elites locais e nacional para afirmar seu lugar de classe.
É importante frisar que esse artigo do Correio da Manhã foi replicado na edição do mesmo dia do jornal O Século, uma forma de demarcação pública do apoio que recebia por sua campanha. Resumidamente, o artigo publicado no Correio da Manhã encampou o conteúdo do ataque de O Século à gestão de Aarão Reis no tocante à sua visão de eficiência na gestão pública, atuando seu autor em conjunto como empreendedor moral na tentativa de impor regras à ação da burocracia estatal.
Becker sublinhou que as cruzadas morais “são em geral dominadas por aqueles situados nos níveis superiores da estrutura social” (2008, p. 155). No caso analisado, precisamos considerar que o dono do jornal responsável pelo ataque tinha uma carreira política, como já mencionamos anteriormente. Além disso, jornalistas, cronistas e chargistas podem ser situados como representantes dos estratos médios da população (LUSTOSA, 1993, p. 16). A isso, acrescenta-se a legitimidade que o meio impresso possuía na cena pública no início do século XX como propagador de ideias ao longo dos debates políticos, econômicos, sociais e de costumes do período.
Os profissionais atuantes na imprensa carioca pertenciam aos mesmos substratos médios em expansão desde meados do século XIX com a ampliação do comércio entre áreas urbanizadas no Império (NEEDELL, 1993, p. 20) e com o crescimento de uma burocracia estatal que demandava profissionais com conhecimentos técnicos adquiridos em escolas civis e militares, liceus e faculdades, sendo esse fato ainda mais ampliado com o advento do regime republicano (CASTRO, 1995; CARVALHO, 1990).
A campanha promovida por O Século contra o cinematógrafo e contra Aarão Reis também ganhou opositores. No mesmo dia do artigo publicado no Correio da Manhã, o jornal Correio da Noite publicou o primeiro artigo veiculado na imprensa carioca defendendo o gesto do diretor da Central do Brasil16 e atacando vários argumentos da cruzada moral empreendida pelos jornais concorrentes. Atribuindo a cruzada d’O Século a uma perseguição de cunho político contra Aarão Reis, acusou-a de ser financiada pelo então Ministro da Indústria Miguel Calmon17, por conta de uma intervenção de Reis junto ao presidente Afonso Pena contra a perseguição daquele aos engenheiros Vieira Souto e Paulo de Frontin.
O artigo do Correio da Noite ressaltou que toda a renda seria revertida para as atividades de caridade da Associação dos funcionários, ressaltando que “o fim caridoso com que foi consentida a installação dessa diversão basta para justificar o acto do Dr. Aarão Reis, tanto mais quanto esse acto não se oppõe a nenhum principio da moral administrativa, nem virá perturbar a ordem e a regularidade de serviços”18.
O artigo ainda compara o cinematógrafo a outro lazer popular da época, o botequim: “ora, entre assistirmos a um individuo embebedar-se num botequim, dentro de uma dependencia da estrada de ferro e o desenrolar de uma fita cinematographica, só o Correio da Manhã póde preferir o primeiro espectaculo”19.
Era partilhado pelo senso comum dos setores médios e superiores que o tempo livre destinado ao lazer deveria ser aproveitado somente por essas classes, a ponto de ser previsto no Código Penal e aplicado com certo rigor pela polícia o artigo sobre o crime de vadiagem, que recaía sobretudo sobre indivíduos pertencentes aos estratos populares.
Inserido em um projeto de Estado marcado pela “racionalização e autonomia de suas instituições” (CUNHA, 2002, p. 25), o controle do tempo destinado ao lazer desses estratos em uma nova cidade hierarquizada como o Rio de Janeiro da Belle Époque era pautado por rondas constantes da polícia de costumes e práticas de identificação e encarceramento de sujeitos tidos por “vagabundos”, normalmente detidos em bares, feiras, cafés-concertos e outros lugares frequentados pelas classes populares, tal como analisado por Cunha (2002). Havia uma delegacia voltada somente para essa atividade (2ª Delegacia Auxiliar do Rio de Janeiro), constituindo, desse modo, em mais uma prática de constrangimento à circulação desses sujeitos, sobretudo pelas áreas nobres da cidade.
Especificamente sobre o bar, Chalhoub (2012) o descreveu como a principal forma de lazer das classes populares no Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX e que, em um momento de grande repressão às culturas populares, de grande desemprego e de pouca renda disponível a essas classes, revelou-se um espaço de luta pela sobrevivência desses sujeitos, dentro da perspectiva do autor de destacar “a importância das rivalidades étnicas e nacionais enquanto expressões das tensões provenientes da concorrência da força de trabalho” (CHALHOUB 2012, p. 59).
Assumindo um tom reformista dos costumes populares, o artigo no Correio da Noite ratifica o estigma contra o botequim presente em várias crônicas jornalísticas da época e na abordagem policial (CHALHOUB, 2012). Considera-o um hábito a ser banido do cotidiano popular para, em seguida, eleger o cinema como uma forma de lazer que deveria ser destinada às classes populares pelo fato de esse poder servir à pedagogia, à veiculação de informações e à propaganda de novos costumes.
Mais uma vez, o tempo livre das classes populares é mostrado como objeto de tutela por parte dos sujeitos ligados às camadas médias da sociedade carioca. Policiais e jornalistas assumiram papéis ativos e complementares nesse controle, os primeiros se valendo de uma racionalidade pautada pela indiferença no enquadramento desses sujeitos, e, os últimos, da legitimidade do meio impresso e do seu lugar de autoridade na tentativa de reformar costumes considerados arcaicos/primitivos. Assim, as classes médias posicionavam-se como instrumento de reorganização das práticas, das demandas e do tempo livre das classes populares e, nesse processo, atribuíam-se lugar de autoridade para dar cabo de suas cruzadas morais.
Ainda, o artigo publicado no Correio da Noite referendou parte dos argumentos aventados pela carta pública de um membro do Conselho de Administração da Associação dos funcionários publicada no jornal O Século do dia anterior20. Nela, Martiniano Duarte Pereira da Silva destacou que foi realizada uma tentativa de armar um barracão na Praça da República para as exibições cinematográficas, mas o preço do aluguel tornou essa alternativa inviável, tendo em vista justamente o caráter filantrópico da associação.
No entanto, O Século não recuou de sua cruzada moral. Após os ataques iniciais, publicou a incursão de um repórter na montagem do cinematógrafo na Central do Brasil. Sem se identificar como repórter, e se passando por um simples “curioso”21, o autor do artigo, publicado em 20/3/1908, volta a ironizar o cinematógrafo, ao sinalizar que se preparava para uma “opportunidade de ver o grande melhoramento que ali se está fazendo para gaudio dos amantes da cinematographia, a mania mais generalisada do nosso povo”22. Compara também a gentileza do funcionário que cuidava da instalação do cinema à “urbanidade de um emprezario de casa de diversões”23.
O funcionário entrevistado elogia Aarão Reis a ponto de dizer que este merecia uma estátua pelos seus feitos e pelo seu sentimento de caridade perante os funcionários. Em seguida, relata que as melhorias visavam fazer a companhia da Estrada de Ferro entrar na concorrência da Exposição Nacional de 1908, que se realizaria alguns meses depois.
Quanto a isso, o falso “curioso” indaga a respeito do funcionamento da estação e, mais precisamente, se a instalação do cinematógrafo não comprometeria alguns serviços, fazendo perguntas como: “Mas isso não prejudica o serviço da estrada, o local que vão occupar as barraquinhas não era o da descarga dos trens de Santa Cruz (…)?”24; “E os trens expressos? onde desembarcam e embarcam agora os passageiros?”25.
Ao fim da entrevista, o autor acrescenta a informação de que a autorização para o funcionamento do cinematógrafo da Central foi referendada por um ato adminitrativo publicado em agosto do ano anterior, e passa a condenar também o então Ministro da Indústria Miguel Calmon que, curiosamente, foi apontado como a eminência parda da campanha contra Aarão Reis pelo Correio da Noite.
Esse tom de reclamação em relação aos serviços da companhia continuaria nas edições seguintes, tais como os relatos da paralisação de um trem por quase quarenta minutos na estação Lauro Müller e de graves acidentes nas linhas férreas no artigo publicado em 25/3/1908, em O Século.
Entretanto, além da defesa inicial do Correio da Noite, o cinematógrafo da Central começou a ganhar também ilustres defensores. Dois famosos articulistas do jornal O Paiz saíram em defesa do gesto de Aarão Reis. Tendo sido fundado como um jornal para disseminar as campanhas abolicionista e republicana no final da monarquia, O Paiz consagrou-se como uma das publicações mais importantes durante a Primeira República, reunindo em suas linhas intelectuais ativos no período que o utilizavam como plataforma para suas ideias e textos.
Na edição de 23/3/1908, a escritora Júlia Lopes de Almeida publicou o artigo A força dos fracos, parabenizando a Associação dos funcionários da companhia pelos preparativos dos festejos em comemoração aos seus cinquenta anos e ressaltando o sentimento de caridade em seus atos, sem mencionar diretamente o cinematógrafo nem seus detratores26.
Por sua vez, o dramaturgo e jornalista Arthur Azevedo publicou um artigo na sua coluna Palestra, em 25/3/1908, sendo muito incisivo na defesa do cinematógrafo, ao destacar que “a censura não procede. 1º. pelo beneficio que d’ali resulta a associação; 2o. porque um botequim não é mais nobre que um cinematographo, 3º. pelo caracter provisorio da concessão, 4º. pelo assumpto das fitas do cinematographo, que serão, exclusivamente, vistas da nossa principal estrada de ferro em todo o seu percurso”27.
Retomando o aspecto pedagógico e de propaganda do cinema, já aventado no artigo publicado alguns dias antes pelo Correio da Noite, Azevedo ainda detectou a oportunidade de a população conhecer aspectos pouco divulgados dos trechos cobertos pela estrada de ferro: “parece-me haver certa vantagem em mostrar á população um thesouro que lhe pertence e muita gente não conhece. Trata-se, no final das contas, da propaganda da própria estrada, e não será para admirar que essa exhibição determine um pequeno augmento de renda”28 (grifo nosso). É interessante observar que, por se tratar da disseminação massiva de imagens em movimento, o cinematógrafo propiciava aos espectadores a experiência inédita até aquele momento de apreciar paisagens desconhecidas e distantes do seu cotidiano, não apenas de diferentes partes do Brasil, como também do exterior, a ponto de os filmes “naturais” de viagens - uma das bases do que futuramente se consagraria como documentário - configurarem um gênero que ganhou bastante popularidade no período.
Ainda o autor recordou o aspecto filantrópico da associação e ressaltou a importância do trabalho de caridade feito por ela para seus beneficiados “a quem nada falta nos momentos dificeis. Ella faz o que é humanamente possivel fazer para conservar-lhes a saude, prolongar-lhes a vida e tornar-lhes supportavel a existencia”29.
A caridade como valor aparece em todos os artigos que defenderam a iniciativa do cinematógrafo na Central por parte de Aarão Reis e da Associação dos funcionários. Sendo uma forma de relação com o outro pautada por um sentimento religioso e também por uma visão romântica do culto ao “eu”, esta foi acionada no debate de modo a recusar a indiferença com que a burocracia, via de regra, tratava seus administrados e até mesmo empregados. Campbell (2001, p. 23) assinalou como um aspecto pietista/sentimental ajudou a conformar uma ética romântica, que teve como uma de suas consequências o desenvolvimento do consumidor moderno.
A respeito da ligação entre o romantismo e o consumo moderno, Campbell (2001) desenvolveu a tese de que o último teve como uma de suas principais bases uma ética tal qual experimentada pelo romantismo. Na hipótese formulada pelo autor, “talvez houvesse uma ‘ética romântica’ operando a promoção do ‘espírito do consumismo’, exatamente como Weber postulou que uma ética ‘puritana’ promovera o espírito do capitalismo?” (CAMPBELL, 2001, p. 15). A caridade pode ser inicialmente compreendida aqui como a valoração dessa ética romântica em se tratando do consumo cinematográfico. Em outras palavras, como uma das manifestações dessa ética romântica na apreciação de um lazer a ser destinado às classes populares.
Seguindo a linha de Herzfeld em caracterizar a indiferença como “a rejeição de uma humanidade em comum”30 (1992, p. 1), podemos avaliar que, no caso concreto, os cronistas elogiaram a atitude de Aarão Reis justamente por escapar do horizonte de expectativas das ações burocráticas, percebidas como dotadas de uma racionalidade responsável por desumanizar as relações entre os diversos grupos sociais. Desse modo, a caridade opera como chave de leitura de mundo que se volta contra uma racionalidade pretendida universal, mas que, na visão dos defensores do cinematógrafo, seria responsável por reduzir os sujeitos ao domínio do trabalho e das demandas da gestão pública. Em suma: que os relegava à indiferença.
Também é possível ler o valor da caridade dentro de um apelo maior à consciência, um traço típico da cultura dos setores médios de acordo com Gay (2002, p. 40). Inclusive, podemos identificar no apelo à consciência um ponto em comum entre a caridade e a ética romântica, na medida em que a última se valia desse apelo na construção de si, ao passo que a caridade o projetava na relação com o outro, na projeção do self no mundo objetivamente partilhado.
Desse modo, a caridade como valor seria responsável por revelar uma ambiguidade por parte dos cronistas. No interior da mesma cultura pública pautada pelo “self made man”, pelo individualismo e pelo arrivismo do cosmopolitismo agressivo descrito por Sevcenko (1983, p. 30), abria-se um espaço na luta pela ampliação de direitos a minorias sociais e étnicas que desembocaria em ações políticas nas décadas seguintes e que começava a se delinear justamente nesse momento de forte hierarquização do espaço urbano.
Alguns dias depois, o jornal O Paiz voltou a tratar do cinematógrafo da Central, porém, dessa vez, criticando o incômodo causado por este e adotando um tom semelhante ao do jornal O Século. Sendo um artigo apócrifo, relata os perigos oferecidos pela estação para os passageiros que iriam a São Paulo, a ponto de estes serem “obrigados a fazer testamento antes de entrar para a plataforma daquelle trem”31. O artigo destaca o fracasso de público do cinematógrafo, por conta de sua baixa frequência e também da exposição promovida pela companhia, visto que “não é justo pensar que o grosso do publico se interesse por ver como era construida a primeira locomotiva que funccionou no trecho Rio-Queimados, e outros objectos de valor unicamente para os technicos”32. Por fim, conclui taxativamente que “tudo isso é muito incommodo e deve acabar o quanto antes. Uma estação de estrada de ferro não póde ser confundida com uma feira permanente”33 (grifos nossos), mais uma vez apelando à distinção em relação às classes populares.
Em mais um ataque, um artigo publicado no mesmo dia pelo jornal O Século refere-se a esse último publicado n’O Paiz para narrar sua ida a uma sessão do cinematógrafo da Central. O artigo começa destacando a questão do preço das entradas: “compramos o nosso bilhete pela importancia de mil reis, porque o preço de duzentos reis, annunciado pelo dr. Aarão Reis, ficou só em promessa”34.
A conformação do público de cinema no Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX já foi abordada por Lapera (2018, p. 26-27), que o situou na elite e nos estratos médios da população carioca. Em se tratando do público, um aspecto relevante é o valor das entradas. Após consultarmos algumas edições do Jornal do Brasil ao longo do primeiro semestre de 1908, verificamos que o preço médio dos ingressos variou entre 1000 réis para a primeira classe e 500 réis para a segunda classe nos cinemas das áreas centrais. A título de comparação, um exemplar da Fon-fon: semanario alegre, politico, critico e espusiante, revista ilustrada com mais de 30 páginas, e cujo público-alvo era a elite e os diferentes estratos médios da população, custava 400 réis à mesma época.
Mesmo o preço do ingresso no cinematógrafo da Central sendo de mil réis, as crônicas apontam para a frequência de sujeitos das classes populares. No entanto, é preciso atentar para alguns aspectos: o cinematógrafo da Central foi montado exclusivamente para as comemorações da companhia, então não haveria a constituição de um hábito de consumo por parte desses sujeitos populares, sendo apenas um momento excepcional.
Além disso, a localização desse cinematógrafo facilitaria a afluência de um público mais ligado às classes populares justamente pelo fato de estas utilizarem a linha férrea em seus deslocamentos pelo Rio de Janeiro, e de a vigilância policial - que impunha constrangimentos a essas classes - concentrar-se nas áreas valorizadas pela reforma urbana (SEVCENKO, 1983, p. 34), o que não era o caso das imediações da Estação Central.
Por fim, as últimas notícias ressaltam a frequência cada vez mais escassa ao cinematógrafo da Central, que pode ser interpretada tanto pelo viés do esgotamento da novidade quanto pelo lado de o público potencial encontrar-se cada vez mais retraído, retornando ao ponto de o preço do ingresso ser um dos fatores que dificultavam a ida ao cinema por parte dos sujeitos das classes populares35.
Retomando o artigo de O Século, este reitera que os funcionários da companhia trabalham no cinematógrafo, em detrimento da qualidade dos serviços na estrada de ferro: “na bilheteria, na fiscalização, nos diversos logares e até lá dentro, é o pessoal da estrada que trabalha. Naturalmente não faz falta ao serviço”36.
Mas o núcleo da crítica desse artigo encontra-se no conteúdo das fitas exibidas ao longo da sessão de cinema. Atacando o argumento de que as fitas somente divulgariam as paisagens do caminho da linha férrea da Central do Brasil, o autor destacou que somente duas fitas se atinham a isso, apesar de tal fato ter sido “annunciado pelo director da Estrada e nos programmas officiaes distribuidos figurava essa condição bem expressa, bem clara”37.
O autor insinua que uma das fitas parecia fazer alusão à fama de “namorador do dr. Miguel Calmon”38, mas sem dar muita importância a ela. Outra fita desperta a ira do cronista, visto que “só em um paiz desmoralizado, onde as instituições caem aos pedaços, onde imperam os máos costumes, onde a moral definha, podia [esta fita] ser exhibida em uma repartição do governo”39. De acordo com ele, a fita narra as peripécias de um garoto que espalha pó de mico em uma cerimônia de casamento, o que quase fez com que a noiva ficasse despida perante a plateia e a sua semi-nudez seria por si só um fato escandaloso, um sintoma da “época de degenerescencia e corrupção de costumes que estamos atravessando”40.
Havia à época um embate entre uma visão sobre a regenerescência nos costumes representada pela grande reforma urbana pela qual havia passado o Rio de Janeiro e outra da decadência de um mundo tradicional que desaparecia com a nova cidade. Sevcenko descreveu o fenômeno como “a dissolução das formas tradicionais de solidariedade social” (SEVCENKO, 1983, p. 39) e, por outro lado, relações sociais “mediadas em condições de quase exclusividade pelos padrões econômicos em mercantis” (SEVCENKO, 1983, p. 39), dentro do que qualificou como cosmopolitismo agressivo.
Nesse panorama, a presença de cenas em fitas consideradas eróticas ou pornográficas era vista como um tabu ao controle da exibição do corpo, sobretudo a de algumas partes do corpo feminino, um elemento caro a uma cultura de classe média em formação (GAY, 2002, p. 67). Nesse sentido, a intervenção do autor reveste-se de uma autoridade conferida pelo jornal para condenar a seminudez do corpo feminino em um filme exibido em uma repartição pública.
Completando a indignação exposta no artigo, o autor se indaga: “Onde foi isso? Em Moçambique? No Congo? Em Loanda? Não. Na capital da Republica dos Estados Unidos do Brazil, em uma dependencia da estação principal da Estrada de Ferro Central do Brazil!!!”41. Remetendo a descrição da cena à noção de barbárie, é importante considerar quais são os referentes relacionados a ela. Em todos os exemplos, cidades e países africanos são apontados como lugares onde a barbárie imperaria e como imagens das quais o Rio de Janeiro (e, metonimicamente, o Brasil) deveria urgentemente repelir e se afastar, de acordo com a visão do articulista.
A relação entre barbárie e África foi se conformando no imaginário de uma elite local a partir de meados do século XIX, à medida que os debates sobre a abolição da escravatura ressoavam na cena pública (AZEVEDO, 2004). Segundo Azevedo, essa ligação confundia-se com a inferioridade racial que essa elite relacionava à população negra. Nessa imagem, “o negro não se relacionava socialmente, era um degradado por natureza, cujos sentimentos oscilavam da indiferença e apatia à mais cruel violência. Preenchia deste modo a figura do criminoso em potencial” (AZEVEDO, 2004, p. 69).
O outro referente dessa imagem remetia ao ideal de branqueamento propagado por acadêmicos, intelectuais e jornalistas na construção de um saber que se pretendia científico (SCHWARCZ, 2005) e na disseminação de um senso comum pelos meios de comunicação impressos e visuais. Também pode ser apontada uma identificação entre esse ideal de branqueamento e o projeto civilizatório almejado pela Primeira República, e que teve repercussão por décadas e deixou diversas marcas pela cultura massiva. A título de exemplo, recuperamos o estudo de Isabel Lustosa sobre Mendes Fradique e sua atuação na imprensa. A autora analisou sua aversão aos elementos de uma cultura popular negra (samba, maxixe, jazz) e, principalmente, a possibilidade de esses serem integrados à imagem da nação brasileira, tal como começou a acontecer a partir dos anos 1920 (LUSTOSA, 1993, p. 191-197).
Tais fatos podem ser lidos como um vestígio da ressonância tanto do ideal de branqueamento quanto da ligação entre barbárie, África e cultura popular negra propagada na imprensa durante a primeira metade do século XX. Também podem ser compreendidos dentro do debate sobre como a racionalidade pretendida pelos articulistas de O Século na gestão pública se contrapunha a esses elementos relacionados à barbárie.
Em outro artigo, publicado em 18/4/1908, O Século voltou a atacar o conteúdo das fitas exibidas no cinematógrafo da Central. Dessa vez, a repreensão aconteceu por conta de este funcionar durante a Semana Santa e, ao contrário dos outros cinemas do Rio de Janeiro, continuar com sua programação normal e não projetar fitas de cunho religioso que remetessem à Paixão de Cristo, percebida pelo autor como um sacrilégio e um escárnio de Aarão Reis e de Miguel Calmon contra o sentimento religioso da população42.
Carvalho (1990) apontou a importância dos símbolos e rituais religiosos cristãos para o projeto da então nascente república. Mesmo com a separação oficial entre Igreja e Estado desde 1891, vários símbolos da Primeira República (tais como a imagem de Tiradentes e o brasão da República) não apenas incorporaram esses referentes cristãos, como se mesclavam a eles na propagação do ideal e da ordem republicanos. A crítica do artigo em O Século vai ao encontro desse projeto de ordem ao argumentar pela preservação do sentimento religioso e, consequentemente, da força simbólica representada pela Páscoa.
Inserindo-se nas críticas veiculadas pela imprensa à gestão de Aarão Reis, a revista humorística e erótica O Rio-Nú - célebre por abordar assuntos do cotidiano e da política nacional valendo-se de um humor ácido, ambíguo, picante e, em alguns casos, chocantes para os padrões morais da época43 - publicou, em sua edição de 1/4/1908, uma carta satírica que misturava francês e português de modo irônico a atacar o cinematógrafo da Central:
Lettres d’un Mussiú
Á Mr. Le Docteur Aarão Reis
Illustre engénhére!
Je faltérie au muite des plus sagrade de tôudes les dévoris, ne vous envoyande minhes effusives, sincéres, félicitations, pour votre bom-succésse... pardon! - pour le grand succésse du Jubilé de la Central. (...)
Mais le verdadère clou, le grand succésse, le succésse-mater - est, incontestablement, le Cinematographe Estradère... je digue de l’Estrade de Ferre.
Oh! ferre!... Jamais de la vide j’ai viste tante ace!...
Les fites sont splendides!... Contude, elles, répresentande uniquement les bonites, les chics aspéctes de l’importante Ferro-Via.
Em minhe fraque opinion, j’ache que - une variacion en les fites, les tournerie ainde plus de mais suggestives et réalistes.
Pour exemple:
Une fite representande um trein de bagage, passande por cime d’une donzelle... gravide.
Une autre fite:
L’Expresse Pauliste, em sue chégade... á l’Estacion de “Macacos”. Récepcion enthousiastique, bande de musique, fógues de bengale, guarde-chuve etc etc. (…)
Vôtre sincère admirateur,
FRANCISQUE ATHANAZE44.
Atendo-se ao referente cinematográfico, a sarcástica carta a Aarão Reis utiliza um sensacionalismo caro à cultura massiva em sua crítica ao diretor da Central do Brasil. Enne (2007) pontuou que, ao invés de ser percebido a partir de um traço estigmatizador da comunicação popular, o sensacionalismo deveria ser entendido como um processo projetado ao longo da modernidade, com diversas matrizes e ressonâncias no campo da cultura. Adicionamos que ele também pode ser percebido como uma forma de comunicação entre diversos grupos sociais num determinado momento e não somente como um elemento caro às camadas populares (Lapera, 2019, p. 63-69).
Ao descrever a cena grotesca do atropelamento de uma mulher grávida por um trem ou a chegada do trem que vinha de São Paulo para o Rio, o cronista de O Rio-Nú filiou-se à cruzada moral empreendida por O Século e ajudou a ressoar suas críticas à gestão de Reis junto à companhia. Tal interpretação é validada pelo cumprimento mordaz ao diretor no início da carta e ao uso irônico da expressão “cinematographe estradère”, indo na linha crítica do jornal ao apontar a ilegitimidade de um cinematógrafo em um espaço destinado ao transporte público, revelando assim a dimensão conservadora que o sensacionalismo e o humor poderiam assumir em suas reivindicações perante a cena pública.
A cruzada moral d’O Século, encampada por outros setores da imprensa carioca, acabou se mostrando infrutífera. Os festejos dos cinquenta anos da Central do Brasil ocorreram com as sessões do cinematógrafo, a exposição sobre as atividades da companhia e outras atrações com sucesso de público e com aval oficial. A sessão inaugural do cinematógrafo da Central tinha na plateia o presidente da República Afonso Pena e o Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, Miguel Calmon45, o que demonstra o prestígio do engenheiro Aarão Reis junto às autoridades e o apoio destas à sua gestão. Tal apoio foi veiculado por meio de uma foto publicada na revista O Malho, que reproduzimos abaixo (Figura 1):
Além disso, o cinematógrafo da Central ficou montado até o fim de abril de 1908 - conforme havia sido previsto no ato administrativo que o havia autorizado - e exibiu as fitas escolhidas pelos funcionários da estação Central do Brasil, sem que as reclamações da imprensa tivessem qualquer efeito no seu andamento ou na sua programação. Com isso, abriu a possibilidade para instalações posteriores de cinematógrafos na estação Central, tal como a divulgada pelo jornal A Época em sua edição de 4/10/1912.
A campanha também não surtiu efeito na trajetória profissional de Aarão Reis. Além de ter permanecido no cargo por mais dois anos após o episódio46, ainda recordava em entrevistas concedidas à imprensa a campanha efetuada contra ele por conta de sua autorização para o funcionamento do cinematógrafo como um feito que deveria ser comemorado por conta do progresso que simbolizava e também como uma expressão de seu apoio e de sua popularidade junto aos funcionários da companhia47.
Ironicamente, poucos anos depois, outro órgão público regulamentou um cinematógrafo em suas dependências. O regulamento do decreto 9.262, de 27/12/191148, que moldava a organização administrativa da Brigada Policial do Distrito Federal, previa em seus artigos 924 a 934 o funcionamento de uma sala de cinema para policiais e seus familiares em seu quartel central, exibindo filmes destinados à instrução e à recreação de seus frequentadores e reproduzindo a hierarquia da Brigada na ocupação da sala49. O mesmo regulamento afirmava que cabia aos próprios policiais designados pela Brigada cuidar da administração do cinematógrafo, o que releva a legitimidade alcançada pelo meio em um curto intervalo de tempo.
Todavia, mesmo sem produzir resultados concretos, a batalha do cinematógrafo da Central do Brasil revelou alguns aspectos importantes à compreensão das expectativas de alguns sujeitos perante o consumo cinematográfico e a burocracia. Podemos perceber no embate entre os valores da racionalidade e da caridade dois componentes de uma cultura de classe média em formação entrando em choque: de um lado, representado pela lei; de outro, pela experiência estética, em um movimento já analisado por Schorske (1981, p. 232) e que, no caso em questão, mostrou-se acessível às classes populares.
Em ambos os lados do debate, a necessidade do controle do tempo livre destinado ao lazer das classes populares mostrou-se presente, uma vez, que pelos indícios nas notícias coletadas, sujeitos das classes populares frequentaram a Estação Central e o cinematógrafo ali montado temporariamente. Mesmo que as classes populares não tenham se afirmado como o principal público de cinema, o episódio mostrou-se relevante para avaliar algumas ideias da elite e dos setores médios em relação à presença dessas classes no espaço urbano e aos seus momentos de lazer.
De um lado, a racionalidade demonstrou seu aspecto classista na reivindicação por parte dos jornalistas, na medida em que essa relacionava-se à posição dos mesmos nos estratos médios, que viam nas regras a serem seguidas pela burocracia uma afirmação do seu lugar de classe e no tempo livre das camadas populares uma ameaça à ordem e aos imperativos do trabalho e da produção capitalista.
De outro, a caridade revelou-se um fator de instabilidade na coerência pretendida por esses sujeitos das classes médias. Embora essa situasse o lazer das classes populares dentro de uma ótica reformista de seus costumes50, legitimava parcialmente o fato de essas classes poderem usufruir do novo cenário urbano e abria espaço para reivindicações que seriam ampliadas nas décadas seguintes no tocante aos direitos sociais e políticos dessas classes.
Em suma, afirmamos que ambos os valores foram articulados a partir de uma lógica de higienização do domínio do popular, na qual suas práticas precisariam passar por muitas adequações e silenciamentos, em nome de uma modernidade a ser alcançada. Inclusive, é possível sublinhar que essa higienização do popular mostra-se uma das permanências ao longo da história republicana brasileira, mesmo que com algumas mudanças nas linhas de atuação do Estado brasileiro perante as classes populares.
Tal debate revelou algumas ambiguidades nos valores e nas práticas desses sujeitos ligados aos setores médios. Isso ajuda a compreender que uma cultura localizada histórica e espacialmente encontra-se longe do consenso e de uma coerência interna. Pelo contrário, acompanhar o desenlace da batalha do cinematógrafo da Central foi fundamental para perceber os padrões, mas também as descontinuidades que permitiriam as mudanças sociais que viriam a ocorrer nas décadas seguintes e o início de uma série de descontentamentos que fariam os sujeitos concretos engajarem-se ativamente nessas transformações.
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