RESUMO: O conceito de paixão refere-se a uma forte inclinação para a realização de uma atividade que as pessoas gostam, que acham importante e na qual investem tempo e energia. O Modelo Dualístico da Paixão explora esse conceito nas dimensões harmoniosa e obsessiva e suas implicações na motivação e parâmetros associados à realização de comportamentos. Visando o apoio à modificação comportamental orientada para a prática de exercício, instrumentos adequados e com qualidade para avaliar a paixão são determinantes. O objetivo do presente estudo foi analisar a validade e a fiabilidade da Passion Scale em praticantes de exercício físico no contexto do ginásio e health clubs. A amostra foi constituída por 203 participantes (sexo feminino = 109; sexo masculino = 94), com idades compreendidas entre 18 e 68 (M = 29.24; DP = 9.76) anos. Os resultados deste estudo indicam que o modelo de medida original de 16 itens da Passion Scale apresentou um ajustamento aceitável aos dados. Há exceção da paixão obsessiva com o hábito, todos os fatores da escala apresentaram associações positivas com a intenção e hábito. Os dados deste estudo sugerem que o modelo de medida da Passion Scale (16 itens/três fatores) adaptado ao contexto do exercício se ajusta aos dados na amostra em estudo e é uma ferramenta viável para o estudo de fatores envolvidos à adesão continuada na prática.
Palavras chave: Paixão, harmoniosa, obsessiva, validação, passion scale.
RESUMEN: El concepto de pasión se refiere a una fuerte inclinación a realizar una actividad que las personas disfrutan, que encuentran importante y en la que invierten tiempo y energía. El Modelo Dualístico de la Pasión explora este concepto en las dimensiones armoniosa y obsesiva y sus implicaciones en la motivación y parámetros asociados a la realización de conductas. Para apoyar la modificación conductual orientada a la práctica del ejercicio, son cruciales instrumentos adecuados y de calidad para evaluar la pasión. El objetivo principal del presente estudio fue analizar la validez y confiabilidad de la Escala de la Pasión en practicantes de ejercicio físico en el contexto del gimnasio y clubes de salud. La muestra estuvo compuesta por 203 participantes (sexo femenino = 109; sexo masculino = 94), con edades comprendidas entre 18 y 68 (M = 29.24; DT = 9.76) años. Los resultados de este estudio indican que el modelo de medición original de la Escala de Pasión de 16 ítems presentó un ajuste aceptable a los datos. Con la excepción de la pasión obsesiva por el hábito, todos los factores de la escala mostraron asociaciones positivas con la intención y el hábito. Los datos de este estudio sugieren que el modelo de medición Passion Scale (16 ítems/tres factores) adaptado al contexto del ejercicio se ajusta a los datos de la muestra del estudio y es una herramienta viable para el estudio de los factores involucrados en la adherencia continua en la práctica.
Palabras clave: Pasión, armoniosa, obsesiva, validación, escala de pasión..
ABSTRACT: The concept of passion refers to a strong inclination to carry out an activity that people enjoy, that they find important and in which they invest time and energy. The Dualistic Model of Passion explores this concept in the harmonious and obsessive dimensions and its implications for motivation and parameters associated with the performance of behaviors. To support behavioral modification oriented towards the practice of exercise, adequate and quality instruments to assess passion are crucial. The main objective of the present study was to analyze the validity and reliability of the Passion Scale in practitioners of physical exercise in the context of the gym and health clubs. The sample consisted of 203 participants (female sex = 109; male sex = 94), aged between 18 and 68 (M = 29.24; SD = 9.76) years. The results of this study indicate that the original 16-item Passion Scale measurement model presented an acceptable fit to the data. Except for the association between obsessive passion on habit, all factors on the scale showed positive associations with intention and habit. The data from this study suggest that the Passion Scale measurement model (16 items/three factors) adapted to the exercise context fits the data in the study sample and is a viable tool for the study of factors involved in continued adherence in practice.
Keywords: Passion, harmonious, obsessive, validation, passion scale..
Artículo Original
Validação da Passion Scale para a população portuguesa praticante de exercício físico
Validación de la Escala de Pasión para la población portuguesa que practica ejercicio físico
Validation of the Passion Scale for the Portuguese population practicing exercise
Received: 05 May 2021
Accepted: 28 March 2022
O conceito de paixão refere-se a uma forte inclinação para a realização de uma atividade que as pessoas gostam, que acham importante e na qual investem tempo e energia (Vallerand, 2015). Assim sendo, a paixão pode ser definida como a energia que sustenta o empenho e a persistência do praticante de exercício físico numa determinada atividade fitness, sendo esta energia a base da sua motivação. No contexto do exercício físico, podemos falar da paixão como um motivador necessário para criar intenções e hábitos da prática bem como adesão ao longo do tempo.
Praticantes de exercício físico apaixonados caracterizam-se pela alegria, divertimento, tempo e energia que despendem na sua atividade. Considerando o papel que o esforço e o compromisso com objetivos desempenham no alcance de metas, em função das suas competências, os indivíduos com paixão por uma atividade, quer seja harmoniosa, quer seja obsessiva, estão altamente comprometidos e envolvidos na busca de objetivos e dedicam uma considerável quantidade de energia a essa busca. Deste modo, a paixão por uma atividade fitness pode contribuir para a realização de objetivos, considerando-a assim como promotora de adesão continuada. O envolvimento regular no exercício físico representa um dos mais importantes tipos de comportamento promotores da saúde. De facto, para ser idealmente saudável, é preciso ser ativo (ACSM, 2021; Biddle, 2016) e se exercitar regularmente. No entanto, poucos conseguem fazê-lo com assiduidade, o que tem resultado na atual epidemia de obesidade, bem como em outros problemas de saúde (Bull et al., 2020).
Ao analisar o conceito de paixão, Vallerand (2012) define a natureza dualista desse conceito de forma clara, indicando que a paixão traz à tona o melhor e o pior do ser humano. Tendo em conta as perspetivas apresentadas anteriormente, uma nova abordagem da paixão tem emergidos nos últimos anos, focando sobre a sua natureza dualista. Assim, parecem existir duas formas diferentes de paixão por um objeto ou atividade: uma que implica uma dimensão experiencial ativa levando a alguns resultados positivos, e outra paixão com uma dimensão mais passiva, ou seja, menos positiva e pode até levar a resultados negativos. O Modelo Dualístico da Paixão (DMP: Vallerand et al., 2003) compreende que a paixão é orientada para a realização de uma atividade específica ou determinado comportamento, mas que seja significativo ou de valor para a pessoa. A paixão está relacionada a uma construção motivacional, ou seja, existe um impulso ou uma inclinação para se aproximar do comportamento que desperta uma sensação de paixão (Vallerand et al., 2003). Dessa forma, por valorizar muito uma atividade ou comportamento e considerá-lo significativo, uma pessoa pode vir a organizar a sua vida em torno desse objeto e/ou atividade (Vallerand, 2010). Esta motivação perante o comportamento através da perspetiva do DMP organiza-se em dois fatores: paixão harmoniosa e paixão obsessiva.
A paixão harmoniosa está associada a uma internalização autónoma, que surge quando o praticante de exercício físico aceita livremente a prática de uma atividade ou modalidade fitness e que considera importante, sem quaisquer contingências, e provem das tendências intrínsecas e integradoras (Vallerand et al., 2003). Normalmente o praticante de exercício físico que sente este tipo de paixão, relata que desfruta de uma variedade de experiências positivas enquanto pratica o seu desporto ou atividade, estando este em harmonia com outros aspetos da sua vida, pois têm grande controlo sobre a prática do mesmo. Esta flexibilidade facilita uma melhor concentração no desporto e a vivência de emoções positivas, dedicação e fluidez quando o pratica; faz, ainda, com que o praticante de exercício físico se envolva no exercício somente se forem esperados retornos positivos (Vallerand, 2015).
A paixão obsessiva está associada a uma internalização controladora, com origem na pressão intra e/ou interpessoal advinda de algumas contingências, como sentimentos de aceitação social e autoestima, que estão associados à atividade ou porque a sensação de excitação proveniente do envolvimento na atividade é incontrolável (Rodrigues et al., 2021; Teixeira et al., 2021). Os praticantes de exercício físico que vivenciam uma paixão deste tipo, embora gostem do comportamento, sentem-se obrigados a praticá-lo, por uma força interna que os controla, em busca destes sentimentos de aceitação social ou de aumento da autoestima, ou seja, não veem a sua vida sem o exercício físico ou atividades de fitness e podem tornar-se emocionalmente dependentes da sua prática. Esta ligação impede o praticante de exercício físico de se concentrar totalmente na atividade que pratica o que pode levar a que este não vivencie sentimentos positivos com ele, podendo mesmo facilitar a experiência de sentimentos negativos quando o faz; esta ligação torna-se rígida não só porque ocorre na ausência de emoções positivas, mas também porque implica importantes custos pessoais, como relações assoladas ou falhas a compromissos de trabalho. A pressão interna para praticar futebol faz com que seja muito difícil para o praticante de exercício físico abandonar totalmente pensamentos sobre a atividade que pratica; deste modo, vai desenvolver pensamentos excessivos sobre o futebol e demonstra sentimentos negativos de dependência psicológica quando impedido de o praticar.
Orientado por uma paixão harmoniosa, um indivíduo poderá decidir não se envolver em uma determinada atividade em um determinado dia, se necessário, sem sofrer com a abstinência. Eventualmente, eles podem até encerrar seu relacionamento com a atividade, se concluir que esta se tornou um fator negativo permanente em sua vida. Assim, o envolvimento comportamental na atividade apaixonante pode ser visto como flexível (Vallerand, 2008, 2012). A persistência comportamental é um segundo resultado que diferencia a paixão harmoniosa e a paixão obsessiva. Porque a atividade apaixonada é cara para aqueles que estão associados e dela participam (na verdade, é parte integrante de sua identidade), eles tendem a dedicar tempo e energia consideráveis a essas atividades e a perseverar nelas por longos períodos de tempo. Não é incomum manter atividades apaixonadas durante toda a vida (Vallerand et al., 2003).
Na prática de exercício físico Bureau et al. (2019), num estudo relacionando a paixão com indicadores de aptidão física e adesão ao exercício, revelaram diferenças significativas entre grupos de indivíduos com paixão obsessiva, harmoniosa e não apaixonada (i.e., baixos níveis de paixão obsessiva e harmoniosa), em relação ao tempo de prática, ao risco de dependência do exercício e à perceção da intensidade ao exercício. Indivíduos com paixão obsessiva gastaram mais tempo em exercícios vigorosos e estão em maior risco de dependência ao exercício; em termos de risco de dependência ao exercício, indivíduos com uma paixão harmoniosa alta apresentam menos risco de dependência comparativamente a indivíduos com níveis de paixão obsessiva alta. Os indicadores de aptidão física (i.e., composição corporal, VO2max, força resistente) não revelaram diferenças significativas entre os grupos de paixão (paixão obsessiva ou harmoniosa), mas foram encontradas diferenças significativas na composição corporal e força resistente para o grupo de “indivíduos não apaixonados”, indicando níveis mais elevados de composição corporal e menos força resistente do que os outros dois grupos apaixonados (paixão obsessiva ou harmoniosa).
O DMP foi consolidado com forte apoio de estudos empíricos, onde a criação da Passion Scale foi essencial (Vallerand et al., 2003). A escala original é um instrumento que avalia a paixão harmoniosa e obsessiva ao qual os indivíduos respondem a 14 itens (7 por fator) usando uma escala de 7 pontos ancorado entre 1 (discordo totalmente) e 7 (concordo plenamente). Como p apoio do uso deste instrumento em vários contextos, a paixão harmoniosa demonstrou promover resultados mais adaptativos comparativamente à paixão obsessiva em termos de resultados cognitivos, afetivos, comportamentais, interpessoais e de desempenho, e em uma variedade de atividades, e com várias populações que vão desde crianças a idosos (Vallerand, 2008) e populações de desporto adaptado (Rodrigues et al., 2021; Teixeira et al., 2021). No estudo realizado por Vallerand et al. (2003), 84% dos participantes reportaram ter pelo menos um nível moderado de paixão por uma determinada atividade em suas vidas. As atividades mais apaixonantes variavam entre a prática de atividade física, prática desportiva, ler ou ouvir música.
Esta escala foi aplicada em diferentes contextos tais como na educação física (e.g., Carbonneau et al., 2008) ou no desporto adaptado (Rodrigues et al., 2021; Teixeira et al., 2021). Mais recentemente, uma pequena revisão do conteúdo de um item foi feito, e foi transformado numa escala de 6 itens por fator (Vallerand, 2010), e quatro itens únicos de critério criados para avaliar se determinado envolvimento pode ser considerado uma paixão (Marsh et al., 2013; Vallerand, 2015). Referem-se à definição de paixão, considerando o quanto as pessoas tendem a gostar ou amar a atividade, a importância dada, a energia e o tempo gasto, o quanto a atividade está relacionada à sua identidade e se o indivíduo percebe a atividade como uma paixão (Vallerand, 2015).
A limitação mais importante da Passion Scale é a sua aplicabilidade no contexto do exercício físico. De facto, até à data a versão de 16 itens ainda não foi validada para este contexto. Acrescido, tomando em consideração os fatores essenciais de tradução e validação de escalas que são a base para a construção de instrumentos validos e fiáveis (Cid et al., 2022), esta escala ainda não foi traduzida nem validada para a população portuguesa. Por último, apenas um pequeno número de estudos têm analisados as associações entre a paixão e a prática de exercício físico. (e.g., Carbonneau et al., 2010; Halvari et al., 2009; Parastatidou et al., 2012), o que releva a importância da sua validação neste contexto.
Quando se trata da medição de constructos motivacionais, Ntoumanis e Biddle (1999) afirmaram que a pesquisa deve ser realizada dentro de culturas e contextos específicos. Portanto, escalas validadas num contexto ou para uma cultura em específico não devem ser utilizadas em outros antes da sua validação. Vallerand (2015) explica a necessidade de usar escalas validadas para medir construtos inerentes à estrutura teórica do DMP. Importantes limitações metodológicas associadas à não adaptação e validação de questionários pode comprometer os resultados apresentados em vários estudos (Cid et al., 2022).
O objetivo do presente estudo consistiu em validar a Passion Scale (Marsh et al., 2013) numa população praticante de exercício físico em contexto de ginásio. Considerou-se uma população praticante de exercício físico, dado ser uma amostra em que a avaliação da paixão é escassa e em Portugal inexistente. No entanto, parece ser parece ser de todo fundamental, dado que a paixão tem vindo a ser estuada em outros contextos de atividade física, tais como no desporto adaptado (Cid et al., 2019; Rodrigues et al., 2021; Teixeira et al., 2021). Pretendeu-se que este instrumento possa ser aplicado em futuros trabalhos longitudinais ou experimentais para a criação de condições motivacionais que possam promover a adesão continuada. Além disso, este estudo pretende possibilitar a realização de pesquisas mais rigorosas com esta medida no domínio da atividade física. É especulado que a tradução e adaptação da Passion Scale para o contexto em questão venha apresentar validade e fiabilidade, semelhante à escala original (Marsh et al., 2013).
Como segundo objetivo e tomando em consideração os pressupostos teóricos e empíricos de estudos anteriores (Cid et al., 2019; Rodrigues et al., 2021; Teixeira et al., 2021) serão analisadas as correlações entre as dimensões da paixão, considerando a intenção e o hábito como mediadores da relação entre a paixão e a frequência. Especificamente e tomando em consideração a literatura, i) a paixão harmoniosa estará positivamente associada com a intenção em continuar a prática e com o hábito; ii) a paixão obsessiva estará positivamente associada com a intenção em continuar da prática e com o hábito; v) a intenção terá uma correlação com a frequência mais significativa comparativamente à associação entre o hábito e a frequência.
Este estudo teve um desenho transversal, na medida em que só foram recolhidos dados num único momento para a validação do instrumento. De forma voluntária, estão envolvidos neste estudo 203 participantes (sexo feminino = 109; sexo masculino = 94), com idades compreendidas entre 18 e 68 (M = 29.24; DP = 9.76) anos. Todos os participantes envolvidos são praticantes de exercício físico em contexto de ginásio, com uma experiência de prática entre os 1 e 40 (M = 4.82; DP = 5.96) anos e uma frequência semanal de treino média de 3.65 (DP = 1.51) vezes, cuja duração da sessão de treino varia entre 30 e 180 (M = 67.29; DP = 24.13) minutos. Verifica-se que a atividade de fitness mais praticada pelos participantes é sala de exercício (63,5%), seguido das aulas de grupo (25,6%) e por último as sessões de treino personalizadas (10,8%). Para a participação no estudo, foram considerados os seguintes critérios de inclusão: a) ter idade mínima de 18 anos; b) praticar exercício físico em contexto de ginásio há pelo menos 3 meses; c) praticar exercício físico pelo menos 1 vez por semana; d) participar voluntariamente no estudo.
Em relação à tradução e adaptação da Passion Scale (Marsh et al., 2013) do inglês para a língua portuguesa e no contexto do exercício físico, foram seguidos os procedimentos recomendados por Brislin (1980), nomeadamente: (a) Tradução preliminar do questionário; (b) submissão a um primeiro painel de avaliação, em que a versão inicial em português foi revisada por especialistas de diferentes áreas de conhecimento científico (i.e., doutorados em ciências do desporto; especialistas em validação de instrumentos); (c) submissão a um segundo painel de avaliação, independente do primeiro painel; (d) Aplicação do questionário a 30-40 estudantes universitários para avaliar o conteúdo das afirmações e compreensão das mesmas; e (e) Revisão contínua do questionário, de acordo com comentários e sugestões de eventuais participantes sobre questões de interpretação da língua portuguesa.
Todo o processo de recolha dos dados esteve de acordo com a Declaração de Helsínquia. Este estudo foi analisado e aprovado pela Comissão de Ética do Instituto Politécnico de Leiria, com o parecer número 35/2021. Seguidamente, diversos gestores de operadores fitness (n = 12) foram contactados de forma intencional e por conveniência. Os objetivos do estudo foram explicados aos gestores ou diretores técnicos dos ginásios e aprovação foi garantida, dando a autorização aos investigadores de abordarem os praticantes nos operadores de fitness para participarem voluntariamente no estudo. Na fase seguinte, potenciais participantes para este estudo foram abordados individualmente na área da receção, previamente ao treino destes. Foi explicado a todos os participantes os objetivos do estudo e foi-lhes assegurado o anonimato. Todos os participantes que se disponibilizaram a participar voluntariamente neste estudo assinaram um consentimento informado previamente ao preenchimento dos questionários.
Um questionário sociodemográfico e contextual foi aplicado a cada praticante, com perguntas que incluíam o sexo, a idade, a frequência de exercício físico semanal e a experiência da prática. Foi especificamente solicitado aos participantes que indicassem suas perceções sobre a frequência semanal relativamente à semana anterior. Este procedimento é válido na medição da prática de exercício físico (Milton et al., 2011).
Foi usada a versão portuguesa da Passion Scale obtida através dos procedimentos anteriormente descritos como instrumento de avaliação da paixão harmoniosa e da paixão obsessiva, bem como do critério da paixão. Este questionário é composto por 16 itens, dos quais 6 orientados para a medição da paixão harmoniosa (exemplo item: “Esta atividade está em harmonia com outras atividades da minha vida”) e da paixão obsessiva (exemplo de item: “Eu tenho uma sensação quase obsessiva em relação a esta atividade”) e 4 itens que avaliam o critério da paixão (exemplo de item: “Esta atividade é uma paixão para mim”). Os participantes avaliaram cada afirmação numa escala de 7 pontos variando entre 1 (Discordo totalmente) e 7 (Concordo totalmente).
A versão portuguesa do Self-Report Behavioral Automaticity Index (Rodrigues et al., 2021) de quatro itens foi usada para medir o hábito da prática de exercício físico em contexto de ginásio. A afirmação “Exercício físico é algo que…” precedeu os itens (exemplo de item: “Faço automaticamente”) em que os praticantes avaliaram a veracidade de cada afirmação para eles numa escala de 7 pontos variando entre 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo totalmente).
Para a medição da intenção, foi usada a versão portuguesa validada por Rodrigues et al. (2020) como instrumento de avaliação do nível de intenção de continuar na prática. O questionário é composto por 3 itens (exemplo de item: “Eu quero continuar a praticar exercício físico nos próximos 6 meses tal como pratico atualmente ou de forma muito semelhante”). Os participantes indicaram o seu nível de concordância com cada um dos três itens usando uma escala de 5 pontos, variando entre 1 (Não, de certeza absoluta) e 5 (Sim, de certeza absoluta).
O tamanho da amostra foi calculado tendo por base o número de parâmetros a serem estimados, cruzando com o número de participantes por cada parâmetro (Hair et al., 2019). É recomendado um rácio mínimo de 5:1, ou seja, cinco sujeitos para cada parâmetro a ser estimado (Hair et al., 2019). Tomando em consideração oito parâmetros a serem estimados no modelo (dezasseis regressões e dezasseis erros associados a cada item, bem como três covariâncias entre os fatores), multiplicando por cinco, o total de amostra mínima necessária será de 175 sujeitos. Neste estudo a amostra ultrapassa esse valor mínimo, indicando assim, estarem reunidas as condições para uma análise fatorial confirmatória. O modelo de medida da versão portuguesa da Passion Scale foi testado no software estatístico Mplus 7.4 (Múthen & Múthen, 2010) usando o estimador Robust Maximum Likelihood (MLR), uma vez que fornece testes de ajuste do modelo e erros padrão que são robustos contra a não normalidade dos dados. A avaliação da Passion Scale foi realizada em duas fases. Na primeira fase, o modelo de medida de três fatores de dezasseis itens foi testado na amostra em estudo. Na segunda fase, para investigar a estrutura fatorial, a especificação do modelo de medida foi examinada para pesos fatoriais e consistência interna. A avaliação da qualidade de ajustamento do modelo de medida foi verificada através dos seguintes índices incrementais e absolutos: Comparative Fit Index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI), Standard Root Mean Residual (SRMR), and Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) e o respetivo intervalo de confiança a 90% (IC90%). Para estes índices, valores de CFI e TLI ≥ .90 e valores de SRMR e RMSEA ≤ .08 foram consideradas aceitáveis (Hair et al., 2019). O teste qui-quadrado e os graus de liberdade foram reportados para ilustração e para fins de transparência, mas não examinados, pois o teste do qui-quadrado é influenciado quer pela complexidade do modelo quer pelo tamanho da amostra (Hair et al., 2019). Para a avaliação dos pesos fatoriais estandardizados considerou-se um valor igual ou superior a .50, de forma que os itens explicassem pelo menos 25% da variância do fator latente (Hair et al., 2019). Para a consistência interna, coeficientes de Fiabilidade Compósita (FC) acima de .70 foram considerados como adequados (Raykov et al., 2015). A Variância Média Extraída (VEM) foi usada para investigar a validade convergente (Fornell & Larcker, 1981) e usado como critério para a validade convergente. Os construtos são identificados como distintos quando o quadrado de cada correlação é inferior aos valores de VEM. Valores de VEM > .50 são considerados como aceitáveis para a validade convergente. Posteriormente foi realizado um path analysis, em função das recomendações propostas por Hair et al. (2019) através do programa estatístico Mplus 7.4 com o recurso ao estimador MLR. Este tipo de modelo não requer uma avaliação dos índices de ajustamento devido ao modelo ser saturado à priori (Hair et al., 2019). A significância dos coeficientes estandardizados foi medida através do intervalo de confiança (IC) a 95%, sendo os efeitos diretos e indiretos considerandos significativos quando o IC não englobasse o valor de 0 (William & McKinnon, 2008).
Os índices de ajustamento do modelo de medida da Passion Scale, bem como do SRBAI e da Intenção estão apresentados na Tabela 1. O modelo de medida apresentou um ajustamento aceitável aos dados em cada um dos modelos de medida. Especificamente, todos os critérios foram atendidos, uma vez que CFI e TLI foram superiores a .90 (exceto o TLI na Passion Scale que esteve bem próximo; TLI = .89), e SRMR e RMSEA abaixo de 0.08. Olhando para os pesos fatoriais exibidos na Tabela 2, todos apresentaram valores superiores a .50, explicando pelo menos 25% da variância do fator latente, bem como valores de fiabilidade compósitos adequado.


Com base nos resultados da análise fatorial do modelo de medida, a validade convergente e discriminante, a fiabilidade compósita, bem como as correlações foram examinados usando o modelo de medida com os 16 itens de três fatores correlacionados. A validade convergente foi alcançada dado que os valores de VEM foram acima do valor recomendado, como visto na Tabela 3. De acordo com o quadrado das correlações e as pontuações AVE na Tabela 3, todos os fatores demonstraram validade discriminante adequada. Cada fator da Passion Scale, bem como do hábito e da intenção demonstraram valores aceitáveis de consistência interna (FC > .70). Relativamente à análise das correlações, a paixão harmoniosa e o critério da paixão apresentaram correlações positivas e significativas com todas as variáveis em estudo (p < .01). No entanto, a paixão obsessiva apesar de apresentar correlações positivas e significativas com o hábito e a frequência, não apresentou uma correlação significativa com a intenção (p > .05).

Relativamente aos coeficientes obtidos no path analysis, os resultados deste estudo forneceram suporte adicional na associação entre as dimensões da paixão e indicadores de adesão ao exercício físico. Em termos gerais: a) a paixão harmoniosa e o critério da paixão estavam positivamente associados com a intenção e o hábito; b) a paixão obsessiva apresentou uma associação positiva com a intenção, mas negativa com o hábito; c) a intenção e o hábito apresentaram associações positivas e significativas com a frequência (para mais detalhes ver Figura 1).

O objetivo do presente estudo foi analisar a validade e a fiabilidade da Passion Scale em praticantes de exercício físico no contexto do ginásio e health clubs. Especificamente, pretendeu-se examinar o modelo de medida de três fatores da Passion Scale, uma medida que avalia a perceção que os indivíduos têm sobre a paixão que sentem para a prática de exercício físico. As evidências deste estudo apoiam as hipóteses propostas: i) o modelo de medida original de 16 itens da Passion Scale apresentou um ajustamento aceitável aos dados; e ii) as associações entre as dimensões da paixão e os indicadores de adesão ao exercício físico (i.e., intenção, hábito, frequência). Os dados deste estudo sugerem que o modelo de medida da Passion Scale (dezasseis itens/ três fatores) adaptado ao contexto do exercício se ajusta aos dados na amostra em estudo. Estes resultados apoiam as evidências de Marsh et al. (2013) bem como estudos empíricos em comportamentos relacionados com a saúde (Rodrigues et al., 2020). Todos os dezasseis itens da Passion Scale saturam significativamente o fator predefinido. Além disso, foram encontrados coeficientes de fiabilidade compósita adequados, bem como validade convergente e discriminante aceitáveis.
O modelo de path analysis evidenciou associações significativas entre as dimensões da paixão, hábito, intenção e frequência. Essas associações apoiam evidências prévias (Bureau et al., 2019; Rodrigues et al., 2021) entre as variáveis analisadas. Especificamente, as evidências atuais suportam que a paixão harmoniosa apresenta associações positivas e significativas com a intenção (Carbonneau et al., 2010; Halvari et al., 2009; Kovacsik et al., 2019) e o hábito, neste caso relacionadas à frequência com que um praticante vai ao ginásio. Não obstante, os resultados suportam a distinção entre a paixão harmoniosa e a paixão obsessiva, bem como o critério da paixão, uma vez que a paixão não é um fator unidimensional, mas sim uma manifestação multidimensional (Vallerand, 2015). Assim, a realização do exercício físico parece depender de como um indivíduo se sente apaixonado (Rodrigues et al., 2020; Vallerand et al., 2003) e, portanto, as associações encontradas entre as dimensões da paixão, intenção, o hábito e a frequência neste estudo apoiam esses pressupostos. Em geral, o path analysis fornece mais evidências da medição da paixão e da associação com diversos indicadores sociocognitivos determinantes da prática de exercício físico (Halvari et al., 2009; Kovacsik et al., 2019; Vallerand, 2015).
Embora os resultados atuais exibam a validade e a fiabilidade da Passion Scale, este trabalho apresenta algumas limitações que devem ser discutidas. Como consequência apresentamos sugestões para estudos futuro. Em primeiro lugar, devido a dimensão da amostra, não foi possível realizar análise de invariância em função de características sociodemográficas (e.g., sexo, idade) ou amostras (e.g., calibração e validação). Nesse sentido, estudos futuros devem recolher mais dados de forma a poder dar resposta a esta limitação. Em segundo lugar, as associações significativas entre as dimensões da paixão, a intenção e o hábito, bem como a frequência semanal, foram avaliadas com recurso a instrumentos de autorrelato e com dados transversais. De facto, este estudo apresenta um carácter exploratório, sendo necessários mais estudos utilizando dados observáveis, como por exemplo a adesão e persistência ou até mesmo uma outra análise de possíveis determinantes da paixão. Finalmente, a paixão foi avaliada apenas num período, considerando os praticantes de exercício com meses de experiência. Assim, estudos futuros devem considerar indivíduos com menos experiência e avaliar a paixão ao longo do tempo, de forma a observarem possíveis variações, pois estes indivíduos tendem a adquirir mais experiência e a paixão pode sofrer alterações das dimensões de acordo com o DMP. Desta forma é expectável que indivíduos com maior experiência em exercício físico relatem maior paixão harmoniosa e menor paixão obsessiva (Vallerand, 2015).
Assim, a validação da Passion Scale em praticantes de exercício físico ajudará futuros investigadores a examinar a multidimensionalidade da paixão e sua distinção na experiência de exercício e como poderão determinar a adesão ao exercício físico. Em termos práticos, os profissionais ligados ao setor do fitness são aconselhados a usar o instrumento atual para avaliar a perceção dos praticantes de exercício físico da forma como se sentem apaixonados pela atividade, como uma forma de entender qual o tipo de atividade física que se pode tornar mais habitual e aumentar a frequência. Por fim, medir a paixão com antecedência pode dar aos profissionais do setor do fitness as ferramentas necessárias para informar os técnicos de exercício físico sobre como aumentar a frequência semanal dos praticantes de exercícios para desenvolver maiores níveis habituais e intencionais de prática de atividade física, contribuindo para redução da inatividade física. Acrescido, estes dados podem evitar resultados perniciosos no bem-estar e saúde de quem manifesta níveis elevados de paixão obsessiva e, como resultado, merece intervenção dos técnicos profissionais de terem comportamentos que coloquem em risco a saúde do praticante de exercício físico (e.g., alimentação rígida, doping, suplementos, exercícios perigosos).
Os resultados apoiam a estrutura fatorial e a fiabilidade da Passion Scale e sua adaptação ao contexto do exercício físico. Esta escala apresentou-se como um instrumento válido para avaliar as dimensões da paixão de acordo com o DMP no contexto do fitness. Os dados deste estudo fornecem suporte para a utilização da Passion Scale em praticantes de exercício físico, agregando evidências da estrutura fatorial dessa medida. Como implicações práticas, é expectável que as evidências apresentadas promovam mais estudos sobre o desenvolvimento da paixão em praticantes de exercício físico, na medida em que a paixão parece ser um determinante significativo do hábito, da intenção e da frequência.



