EDITORIAL
Editorial
O último número da RAP publicado em 2019 reúne dez artigos que abordam os mais diversos temas (corrupção, orçamento participativo, relações intergovernamentais, agências reguladoras, competências de comissões de orçamento e finanças nas câmaras municipais, escritórios de gestão de projetos, entre outros) e representam autores de diversas nacionalidades, indicando o sucesso da estratégia de internacionalização da revista.
Neste agrupamento de trabalhos, destaco três contribuições que, lidas em conjunto, ajudam a compreender melhor o fenômeno da corrupção, apontando seus efeitos para o tecido social; indicando a falha dos sistemas tradicionais de justiça diante dos desafios advindos da corrupção e reconhecendo o papel de novas instituições, como a internet, na diminuição dos níveis de corrupção governamental.
Cecilia Güemes, da Universidad Autónoma de Madrid, explora os níveis de confiança dos cidadãos e administradores na administração pública dos vários países da região da América Latina, comparando países como Brasil e Chile, caracterizados por um grau de maturidade de instituições burocráticas, com outros de menor grau de desenvolvimento burocrático. O artigo “Wish you were here” confianza en la administración pública en Latinoamérica indica que, a despeito das diferenças entre os países da região em termos de desenvolvimento, eficácia estatal, qualidade, cobertura ou extensão dos serviços públicos, a confiança que os cidadãos compartilham em relação à administração pública é semelhantemente baixa e sempre negativa. A desigualdade marca as relações entre a administração pública e a cidadania, e a corrupção destaca-se como um dos fatores predominantes que balizam a baixa confiança manifestada pelos cidadãos da região. Em outras palavras, a desconfiança seria uma resposta generalizada a um clima de desigualdade social dilacerante e corrupção generalizada que não depende tanto do desempenho da administração pública, mas da sensação de desigualdade de trato.
Lígia Mori Madeira e Leonardo Geliski, em seu artigo O combate a crimes de corrupção pela Justiça Federal da Região Sul do Brasil corroboram as conclusões do primeiro estudo, quando destacam que, embora a grande corrupção (grand corruption) esteja na mídia e no imaginário das pessoas no Brasil, é a pequena corrupção (petty corruption) que toma conta do dia a dia da justiça federal na Região Sul do país. A análise da atuação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) no combate a crimes de corrupção aponta, como constatação, reduzida parcela de grande criminalidade e envolvimento de burocratas de médio e alto escalão e crimes sofisticados e de maior valor financeiro.
João Carlos do Nascimento, Marcelo Alvaro da Silva Macedo, José Ricardo Maia de Siqueira e Alexandre Rabêlo Neto partem do mesmo pressuposto de Cecilia Güemes, o de que em casos endêmicos a corrupção corrói a fé da população acerca dos valores democráticos, uma vez que, no momento em que reduz substancialmente a confiança nos políticos, torna os cidadãos passivos e desenganados de participar no processo democrático competitivo. Os autores buscam, assim, investigar o papel que a difusão da internet acarreta em níveis de corrupção governamental, encontrando indícios de uma relação direta e indireta pela mediação de voz e accountability. Os pesquisadores investigam as relações entre difusão da internet, voz e accountability, dimensão cultural, corrupção e eficácia governamental, mediante análise entre países, em um total de 117 nações no período de 2000 a 2014.
O artigo Corrupção governamental e difusão do acesso à internet: evidências globais reforça a compreensão de que a internet constitui uma importante ferramenta de combate à corrupção, além de evidenciar o papel moderador da dimensão cultural na relação entre voz, accountability e corrupção governamental e, sobretudo, de incorporar a eficácia governamental ao modelo teórico.
Esperamos que estes trabalhos possam contribuir para uma maior compreensão teórica e prática da corrupção, ajudando no seu combate e na recuperação dos níveis de confiança da população nas instituições públicas e democráticas.
Desejo uma boa leitura a todos!