Experiencias Pedagógicas
Inovação pedagógica com a Atividade Orientadora de Ensino: uma experiência com a carta argumentativa
Inovação pedagógica com a Atividade Orientadora de Ensino: uma experiência com a carta argumentativa
REXE. Revista de Estudios y Experiencias en Educación, vol. 19, núm. 39, pp. 275-286, 2020
Universidad Católica de la Santísima Concepción
Recepción: 03 Septiembre 2019
Aprobación: 04 Noviembre 2019
Resumen: El relato de esta experiencia detalla el desarrollo de una actividad guía de enseñanza (AGE) dirigida a la producción de una carta argumentativa por parte de los estudiantes de secundaria. Para la apropiación del contenido (elaboración de una carta argumentativa) se organizó una actividad docente apoyada por AGE (Moura, Araújo, Moretti, Panossian y Ribeiro, 2010). El proceso se llevó a cabo de manera intencional y planificada, permitiendo claridad tanto en las intervenciones realizadas por el profesor como en los procesos de evaluación del movimiento de transformación del conocimiento empírico en conocimiento de nueva calidad. La situación desencadenante del aprendizaje fue la Ley n. 645 del 10/03/2008 (2018), sobre la inserción del estudio y la historia y cultura de los afrobrasileños e indígenas. Los elementos de la actividad se establecieron y transpusieron didácticamente a través del AGE: la necesidad (de cumplir con la ley), la motivación, el objetivo, las acciones y las operaciones. Después de leer la ley y revisar los libros que pertenecen al Programa Nacional de Libros de Texto, los estudiantes notaron la necesidad de que los editores cumplan con la ley. Por este motivo, previamente motivado, solicite a los editores aclaraciones y medidas sobre lo previsto en la legislación específica, haciendo de la preparación de una carta con dicho contenido su objetivo central. Para lograr este objetivo, se llevaron a cabo una serie de acciones y operaciones bajo la guía del maestro que acompañó paso a paso el desarrollo de AGE, permitiendo la evaluación del proceso, no solo de su producto (la carta en sí) para verificar si su actividad docente se ha convertido, de hecho, en una actividad de aprendizaje.
Palabras clave: Actividad guía de enseñanza (AGE), carta argumentativa, evaluación, secuencia didáctica.
Resumo: Este trabalho relata o desenvolvimento de uma atividade orientadora de ensino (AOE) voltada à produção de uma carta argumentativa, por estudantes do ensino médio. Para a apropriação do conteúdo (elaboração de uma carta argumentativa) organizou-se uma atividade de ensino amparada na AOE (Moura, Araújo, Moretti, Panossian e Ribeiro, 2010). O processo foi realizado de modo intencional e planejado possibilitando a clareza tanto nas intervenções feitas pelo docente quanto nos processos de avaliação do movimento de transformação de conhecimentos empíricos em conhecimentos de nova qualidade. A situação desencadeadora da aprendizagem foi a Lei n. 645 (2008), sobre a inserção da história e da cultura afro-brasileira e indígena no ensino. Os elementos da atividade foram estabelecidos e transpostos didaticamente por meio da AOE: a necessidade (de cumprir a lei), a motivação, o objetivo, as ações e as operações. Após a leitura da lei e a análise de livros pertencentes ao Programa Nacional do Livro Didático, os estudantes notaram a necessidade de que as editoras cumpram o que está previsto em lei. Para isso, previamente motivados, solicitaram às editoras esclarecimentos e providências acerca do que é previsto na legislação especíica, tornando-se a elaboração de uma carta com tal conteúdo seu objetivo central. Para cumprir esse intento, uma série de ações e operações foram realizadas sob a orientação da docente que acompanhou, passo a passo, o desenvolvimento da AOE, possibili- tando a avaliação do processo, não apenas de seu produto (a carta em si) a im de verificar se sua atividade de ensino transformou-se, de fato, em atividade de aprendizagem.
Palavras-chave: Atividade orientadora de ensino (AOE), carta argumentativa, avaliação, sequência didática.
Abstract: The report of this experience details the development of a teaching guide activity (TGA) intended to produce an argumentative letter by secondary school students. For the appropriation of the content (production of an argumentative letter), a teaching actibity was organized with the support of TGA (Moura, Araújo, Moretti, Panossian and Ribeiro, 2010). The process was carried out in an intentional and planned way, allowing clarity both in the interventions made by the teacher and in the evaluation processes of the movement to transform empirical knowledge into new quality knowledge. The situation that triggered the learning process was Law n. 645 of 10/03/2008 (2018), on the insertion of the study and the history and culture of Afro-Brazilians and indigenous people. The elements of the activity were established and didactically transposed through the TGA: the need (to comply with the law), motivation, objective, actions and operations. After reading the law and reviewing the books that belong to the National Textbook Program, students noted the need for publishers to comply with the law. For this reason, having previously motivated them, they asked the publishers for clarification and action on the provisions of the specific legislation, making the preparation of a letter with such content their central objective. To achieve this objective, a series of actions and operations were carried out under the guidance of the teacher who accompanied the development of AGE step by step. This allowed the evaluation of the process and its product (the charter itself) to verify whether their teaching activity has become a learning activity.
Keywords: Teaching guiding activity (TGA), letter of argument, evaluation, following teaching.
1. INTRODUÇÃO
O ensino da produção de textos escritos e orais ainda é um desaio no Ensino Médio da escola pública, visto que, devido a uma série de fatores sociopolíticos e históricos, os obstáculos próprios do Ensino Fundamental, não foram superados, dentre tantas outras questões que envolvem o desenvolvimento das capacidades de linguagem. Dessa forma, faz-se necessário a proposta de metodologias de intevenção didática, sob um olhar diferente do tradicional.
Este trabalho relata uma experiência pedagógica organizada a partir da Atividade Orientadora de Ensino (AOE) (Moura et al., 2010), na qual colocou-se em atividade um currículo que acompanhou o movimento das necessidades sociais. Nessa experiência pedagógica, avaliou-se, a partir do planejamento e da realização de uma experiência didática de produção de textos, à luz da Teoria da Atividade (Leontiev, 1983), uma série de ações voltadas a colocar aos alunos em atividade de aprendizagem, objetivando a produção escrita de uma carta argumentativa.
Neste relato, após a apresentação da fundamentação teórica, é apresentada a descrição da metodologia, articulada a uma sequência didática, e que, por suas próprias características, está atrelada aos resultados do desenvolvimento da AOE.
2. ANTECEDENTES TEÓRICOS
É muito comum, nos discursos que permeiam o senso comum, encontrar preocupações com a “avaliação”, a “aprendizagem significativa”, a “mediação docente” ou as “metas” e “objetivos” alcançados. Esses vocábulos, porém, nem sempre aparecem carregados de uma relexão acerca de seu propósito dentro do processo de ensino-aprendizagem comprometido com o desenvolvimento humano. Para fugir da tentação de reproduzir mais alguns clichês, amparamos a experiência aqui relatada em alguns conceitos desenvolvidos pela Psicologia Histórico-Cultural, especialmente nos estudos acerca da Atividade (Leontiev, 1983) e na AOE (Moura et al., 2010).
A Psicologia histórico-cultural, devido à sua tradição marxista, parte do pressuposto de que o trabalho é a atividade produtiva, intencional, criativa e organizada do homem, entendida como meio pelo qual os homens adquirem e transmitem conhecimentos para as novas gerações. Nesse sentido, a educação escolar é um processo pelo qual o homem se apropria da cultura historicamente produzida pelo gênero humano por meio da mediação de instrumentos e signos, carregados de cultura, entre os quais se destaca a comunicação. Entretanto, ao contrário do que o senso comum pressupõe, essas interações sociais não se restringem à relação entre sujeitos, mas ao objeto desta relação, o conhecimento. A mediação pressupõe estabelecer uma relação entre sujeito, conhecimento e sujeito. A educação escolar deve, portanto, voltar-se à reelaboração do conhecimento social (cultura material presente nas relações sociais) em conhecimento teórico, por meio da apropriação de novos conhecimentos (Sforni, 2008).
É na apropriação de mediadores culturais que se encontra a essência do desenvolvimento psíquico, visto que as atividades mentais e formas de pensamento se objetivam em conhecimentos sistematizados, sobrepondo a simples técnica pelo seu conceito (apropriar-se de seu significado). Não é fácil, porém, para o docente acompanhar e avaliar tal processo justamente por tratar-se de um processo, de uma atividade em curso, voltada ao movimento e à transformação do indivíduo. Observa-se, com muita frequência, a sedução de se buscarem nos produtos os indícios de que a aprendizagem se efetivou ou de que os conceitos foram apropriados pelos aprendizes. Todavia, o conhecimento para que seja, de fato, apropriado deve passar por duas formas de mediação: uma externa, envolvendo o professor e o aluno, e outra interna, por meio das representações psicológicas do “eu” acerca daquele conceito (Vigotski, 2000).
A complexidade do processo avaliativo encontra-se exatamente na criação de estratégias que possibilitem ao docente um planejamento intencional para desenvolver e acompanhar tal movimento. Na tradição vigotskiana, a forma e o conteúdo do pensamento possível ao homem não se encontram em cada sujeito particular, mas nos instrumentos produzidos e disponíveis ao homem ao longo da história (Vigotski, 2000). É a partir das relações sociais, hostórica e culturalmente situadas, por meio de um processo interpsicológico, que se possibilita a mediação para se formarem as representaões psicológicas (intrapsicológica). Logo, a intencionalidade da ação dondente só pode ser objetivada por meio de um planejamento de ensino orientado na direção de possibilitar a apropriação de um conceito, por meio de ações docentes planejadas que envilvam instrumentos simbólicos (conteúdos) adequados e atenção consciente do aprendiz voltada ao objeto da atividade.
Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). [...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem [...] conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia ocorrer sem a aprendizagem (Vigotski, 2017, pp. 114-115).
Segundo Leontiev (1983), quando está em atividade, o homem se apropria da cultura objetivada em instrumentos (ferramentas e signos) e se humaniza. Assim, atividade externa (oriunda das relações sociais) transforma-se em atividade interna (representações psíquicas) de modo que sujeito e objeto se transformam, num movimento dialético essencial para o desenvolvimento humano. Entre os componentes estruturais da atividade, além da necessidade (sua condição primeira) e do objeto (que orienta a atividade e a diferencia de outra), encontra-se o motivo como diferencial capaz de mover o sujeito a realizar uma atividade, conforme figura 1. Esses motivos devem ser educados para serem formadores de sentido, coincidindo com o objeto, por exemplo, com o conhecimento. Quando o motivo se distingue do objeto (estuda-se pela nota, não pelo conhecimento, por exemplo), ele se torna meramente estímulo, sem formar sentido.
É nesse sentido que a AOE (Moura et al., 2010) mostra-se essencial como plano de ação que coloque em movimento instrumentos (constituídos por outros conhecimentos) e operações (conhecimentos reais) a im de promover as objetivações que permitam ao sujeito (no caso, o estudante) elaborar uma nova síntese, um novo conhecimento, desenvolvendo uma nova qualidade. A mediação capaz de oferecer significação a esse processo é aquela que se utiliza do instrumento capaz de modificar o objeto o sujeito, possibilitando uma nova compreensão da ação e uma nova qualidade ao sujeito.
A atividade entra necessariamente em contato prático com os objetos práticos que resistem ao homem, os quais a rechaçam, a modificam ou enriquecem. Em outras palavras, é na atividade exterior que se opera a abertura do círculo dos processos psíquicos internos como saindo ao encontro do mundo objetivo material que irrompe impiedosamente esse círculo. (Leontiev 1983, p. 74, nossa tradução).
É função da escola o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, como atenção, percepção, raciocínio (Sforni, 2008), por isso o conteúdo escolar deve ser mediador da relação do estudante com o mundo. Ao ser posto em atividade por meio de uma atenção voluntária, o indivíduo se apropria do conceito quando a operação mental parte da compreensão de como fazer o produto. Assim, o processo sobressai-se em relação ao produto, o que, de algum modo, subverte a lógica capitalista.
Davidov (1988), também iliado à psicologia histórico-cultural, defende o conhecimento teórico como objetivo central da atividade de ensino a im de possibilitar a formação de um pensamento teórico e, por conseguinte, do desenvolvimento psíquico, possibilitando a mudança do tipo de pensamento. Enquanto o conhecimento empírico restringe-se a processos de generalização e abstração voltados a denominar ou classificar objetos e fenômenos, é por meio do pensamento teórico que se possibilita o entendimento de suas características substanciais a im de permitir a atividade criativa do homem como algo real, ou seja, um modo de atividade psíquica que lhe permita reproduzir o objeto e seu sistema de relações (Moura et al., 2010).
Desse modo, o processo de educação assume o potencial salutar de transmissão dos resultados do desenvolvimento sócio-histórico da humanidade para as gerações futuras. Todo homem possui aptidão para formar novas aptidões, mas nem sempre têm acesso a essa possibilidade, não por razões biológicas, mas por fatores sociais. Isso porque a forma e o conteúdo do pensamento possível ao homem não estão em cada sujeito particular, mas nos instrumentos produzidos e disponíveis ao homem ao longo da história. Por meio da mediação docente, pode-se promover a interação entre sujeito e objeto, analisando as formas adequadas para apropriação do conheci- mento, considerando o contexto histórico e social para, assim, construir conceitos como instrumentos que permitem realizar atividades mentais para pensar os fenômenos, potencializando a percepção de significados culturais que ultrapassam o que está naturalizado. Com isso, nas atividades de ensino e de aprendizagem, a objetivação do professor corresponde à apropriação pelo estudante, ou seja, relete-se na subjetivação do outro.
Assim, a atividade de ensino e a atividade de estudo são interdependentes (Moura et al., 2010) e devem coincidir para o im de mudar o modo de pensamento, passando de empírico a teórico, de sincrético a sintético. A mediação docente, portanto, envolve promover a interação entre sujeito e objeto analisando as formas mais adequadas para a apropriação do conhecimento, considerando o contexto histórico-cultural. É essa mediação que possibilita a construção de conceitos como instrumentos que permitem realizar atividades mentais para pensar os fenômenos e, assim, potencializa-se a percepção dos signiicados culturais que ultrapassam o que já está naturalizado pelos aprendizes.
A Atividade Orientadora de Ensino, planejada e desenvolvida sobre as bases dos elementos da Atividade (necessidade, motivos, objetivos, ações e operações), sendo mediação conduz ao desenvolvimento do psiquismo dos sujeitos que a realizam (Moura et al., 2010, p. 226).
Nesse viés, na atividade educativa, o conhecimento deve derivar de uma situação-problema que coloque em atividade de estudo/aprendizagem o estudante e em atividade de ensino o professor a im de realmente promover o desenvolvimento humano. Segundo Moura et al. (2010), a situação desencadeadora de aprendizagem pode se pautar tanto em um jogo quanto em uma história virtual de um conceito ou ainda, o que foi o foco desta experiência aqui relatada, a problematização de uma situação emergente do cotidiano. É importante salientar ainda que a solução encontrada para a situação-problema deve ocorrer na coletividade por meio de ações compartilhadas que se voltem à resolução do que foi proposto.
A partir do planejamento da atividade de ensino, mediado pela AOE, a avaliação surge tanto no planejamento quanto na sua realização a im de oferecer condições de averiguar se os estudantes realizaram atividade de aprendizagem. Não se trata, porém, de averiguar resultados encapsulados em produtos, como ocorre em exames quantitativos. “A avaliação ocorre no processo de análise e síntese na relação entre a atividade de ensino do professor e a atividade de aprendizagem do estudante.” (Moura et al., 2010, p. 224). Em relação à avaliação, Moura et al. (2010, p. 216) apontam que,
As ações do professor na organização do ensino devem criar, no estudante, a necessidade do conceito, fazendo coincidir os motivos da atividade com o objeto de estudo. O professor, como aquele que concretiza objetivos sociais objetivados no currículo escolar, organiza o ensino: deine ações, elege instrumentos e avalia o processo de ensino e aprendizagem (grifo nosso).
Portanto, a AOE tem qualidade orientadora à medida que se torna mediadora de um modo de ensino e aprendizagem ocorrido entre sujeitos que se modiicam uns aos outros e a si mesmos quando postos em interação. Assim, professor e estudante, por se constituírem como sujeitos dotados de conhecimentos, afetos e valores distintos, são postos em atividade e praticam ações voltadas a produzir um conhecimento de qualidade nova, em outras palavras, promover o desenvolvimento humano.
3. METODOLOGIA: DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA
O presente relato é um recorte de uma sequência didática para o desenvolvimento de capacidades de linguagem na produção escrita de gêneros textuais da ordem do argumentar e desenvolvimento do conteúdo temático relacionado à literatura de autoria indígena. Nesse sentido, o objeto da aprendizagem foi a produção do gênero Carta Argumentativa para a Editora (CAE). As etapas da atividade foram desenvolvidas no segundo semestre de 2018, durante quatro aulas da disciplina Língua Portuguesa, Literatura e Comunicação Proissional, na 3ª. série do Ensino Médio integrado ao técnico de uma Escola Técnica vinculada ao Centro Paula Souza/SP - Brasil.
Esta pesquisa, de base empírica e abordagem qualitativa, utilizou-se do delineamento, para a obtenção dos dados, da pesquisa-ação, na qual o pesquisador (professor) e os sujeitos da pesquisa (alunos da terceira série do Ensino Médio) vivenciaram um problema de ordem prática (obstáculo na escrita de textos argumentativos, diagnosticado na fase exploratória) e, com base num plano de ação transformador (intervenção didática por meio AOE), buscaram soluções, passando pelo planejamento, ação, análise, desenvolvimento e avaliação do processo (Thiollent, 2011).
A metodologia de ensino que ancora esta experiência está pautada, a princípio, nas Sequências Didáticas (SD), procedimiento estruturado por pesquisadores da Universidade de Genebra (Dolz, Noverraz e Schenewvly, 2004), a im de promover avanços no sistema de produção de linguagem dos alunos. Desenvolvida no âmbito da Engenharia Didática, essa metodología estruturou-se em quatro passos principais.
a) a apresentação da situação comunicativa (com um problema que enseja uma ação de linguagem e permita ao estudante estruturar um projeto de dizer).
b) uma primeira produção de um texto empírico a partir da situação proposta e a avaliação, feita pelo docente, que possibilite marcar a zona de desenvolvimento real e iminente dos alunos.
c) momento, cuja extensão e cujas características são moldáveis às necessidades identificadas pelo docente – consiste na estruturação de módulos de ensino voltados a desenvolver as capacidades de linguagem ainda frágeis. Nesta etapa, é essencial que cada módulo parta de uma necessidade sinalizada pelo docente nas primeiras produções, e tenha um objetivo claro.
d) síntese do processo desenvolvido, com a revisão do texto e sua reescrita a im de materializar os possíveis avanços e mudanças decorrentes do ensino.
Do ponto de vista da atividade de ensino, diante de uma necessidade decorrente de um problema empírico identificado na avaliação das primeiras produções, o docente estabeleceu os objetivos de ensino que motivam a elaboração de dispositivos didáticos capazes de superar a dificuldade inicialmente diagnosticada. Do ponto de vista da atividade de aprendizagem ou de estudo, a necessidade foi produzida a partir da situação criada pelo dispositivo proposto pelo professor: que poderia ter sido uma história virtual, mas que, neste caso, foi uma situação-problema que provocou a busca de instrumentos que possibilitassem objetivar aquilo que satisfaz esta demanda. Desse modo, todos os elementos da atividade encontraram-se em movimento.
Este trabalho apresentou um dos dispositivos didáticos usados durante os módulos de uma sequência: foi neste momento que o espaço para o ensino revelou-se mais apropriado por meio da AOE, formulada por Moura et al. (2010) na esteira da teoria da atividade (Leontiev, 1983). A AOE prevê uma série de processos que, dialeticamente, promovem o desenvolvimento da atividade, tanto no docente (ao planejar e orientar o ensino) quanto no aluno (ao se engajar na resolução de um problema). Desse modo, a atividade pautou-se em algumas etapas:
a) apresentação da situação desencadeadora de ensino;
b) identificação de uma necessidade a partir da discussão coletiva sobre a situação inicialmente exposta;
c) delineamento de um motivo para a ação;
d) ixação de um objetivo;
e) enumeração e desenvolvimento das ações e operações necessárias para a realização da atividade.
Assim, a atividade orientou-se a partir de uma situação-problema extraída da realidade para ser a desencadeadora da atividade: a exigência feita pela Lei n. 645 (2008), sobre a inserção do estudo e da história e da cultura afro-brasileira e indígena.
Na consigna, foram explicitadas as tarefas de análise dos livros didáticos de Língua Portuguesa, da terceira série do Ensino Médio, do PNLD, verificando a presença e/ou ausência de textos literários de autoria indígena; o produção escrita de cartas argumentativas, solicitando a inclusão desses textos nos livros didáticos e direcionadas às editoras Saraiva, FTD, Moderna, Ática, SM e Leya, participantes do programa de distribuição do livro didático do triênio 2018-2020; e envio das cartas via e-mail, após a correção entre os pares e pela professora.
Antes da produção da carta argumentativa, foi feita uma revisão dos conhecimentos sobre os elementos constitutivos do gênero (Canizares, Santos e Manzoni, 2018), principalmente do plano geral do texto, perpassando, resumidamente, por alguns aspectos relacionados às capacidades de ação, discursivas e linguístico-discursivas do gênero carta (Bronckart, 2003).
Nesse gênero,
[...] a capacidade discursiva contempla o plano geral do texto ou layout com o local e a data, identificação do destinatário, vocativo, corpo da carta de resposta resolvendo a reclamação (retomada do problema, evidências de entender o problema, proposta de resolução do problema, oferecimento de desculpas ou outras formas de agrado), despedida, identificação do remetente e assinatura (Canizares et al., 2018, p. 182).
O foco dessa atividade não foi em si a produção da textualidade da carta argumentativa, mas o espaço/momento da educação para a cidadania, respeito à diversidade, desenvolvimento do pensamento crítico e exercício da cidadania ao reletirem sobre o direito que eles têm ao conhecimento.
Devido ao espelhamento entre a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem, é possível acompanhar, em cada etapa, o desenvolvimento do pensamento ao longo do processo, algo que possibilita, de fato, avaliá-lo a im de verificar se os objetivos de ensino estabelecidos inicialmente condizem com o que foi aprendido.
4. RESULTADO DO DENVOLVIMENTO DA AOE
Os resultados da experiência pedagógica corresponderam ao próprio desenvolvimento da AOE, que fora adaptada ao objeto de ensino pretendido pela docente: o ensino da CAE.
A SD iniciou-se pela apresentação do projeto de dizer, na qual foram explicitados os objetivos da AOE e a organização das aulas para percorrer o caminho até a produção do gênero textual CAE.
Os alunos, organizados em grupos de seis, foram desaiados a pesquisar e analisar os livros da 3a série do EM, do PNLD, para observar e diferenciar textos indianistas, indigenistas e de autoria indígena com o intuito de perceber a presença ou ausência desses textos nos livros didáticos.
Os resultados da análise, feita em grupo, fomentaram a identificação da necessidade que deveria ser suprida: cumprir a lei no que tange à exigência de obras de autoria indígena. Diante disso, motivados a buscar esclarecimentos das editoras a respeito da omissão, os alunos engajaram-se na elaboração de cartas, a im de cumprir o objetivo de estabelecer a comunicação com as instituições responsáveis pela produção e impressão dos livros didáticos. Nesse momento, a professora os convidou a fazer uso das suas vozes num outro papel social, mediados por um gênero que ultrapassasse os muros da escola: uma carta argumentativa cujo interlocutor foi uma editora. Esses elementos essenciais da atividade estão esquematizados na Figura 2.
Essas ações foram desenvolvidas em quatro horas-aula, da seguinte maneira:
a) levantamento das informações e discussões sobre a proposta; | 1 hora-aula |
b) revisão em grupos, orientada pela docente, sobre o gênero carta argumentativa: o corpo do texto com apresentação, explicação do contexto da produção do gênero, registro das percepções do grupo e citação de argumentos diversos que justificassem a solicitação da inclusão de textos literários de autoria indígena nos materiais analisados. | 1 hora-aula |
c) leitura das cartas em voz alta para a sala, com espaço para comentários colaborativos dos colegas; | 1 hora-aula |
d) redação da versão final e circulação social da carta produzida, por meio da correspondência eletrônica. | 1 hora-aula |
O início da escrita aconteceu na sala de aula. Os alunos engajaram-se na produção da CAE, organizando as ideias e escolhendo as palavras que seriam utilizadas. Houve intensa troca de ideias entre os membros do grupo, solicitando, por vezes, a intervenção da professora, cuja participação consistiu em, essencialmente, promover reflexões sobre a própria escrita dos alunos.
Orientados pela docente, alguns participantes izeram consultas aos dicionários impressos, disponibilizados na sala de aula, enquanto, outros acessaram o dicionário on-line para o esclarecimento das dúvidas relacionadas, principalmente, à ortografia.
Ao final, uma cópia do e-mail (Figura 3) foi destinada à professora e outra enviada para a editora, uma vez que o processo tinha, desde o início, como pressuposto o desenvolvimento de uma atividade pautada numa necessidade emergente da realidade.
A avaliação do processo, neste caso, não se restringiu à análise dos elementos constitutivos do gênero, como uma avaliação convencional faria. Trata-se de um processo em que se avalia a atividade de ensino por meio de seu espelhamento na aprendizagem do aluno em cada etapa. A saber:
a) Se emergiram da situação desencadeadora de aprendizagem a necessidade, a motivação e o objetivo planejados pelo docente;
b) Se este objetivo possibilitou o desenvolvimento ou coincidiu com o objeto de ensino – a carta argumentativa;
c) Se, na realização das ações e operações, houve uma articulação que levasse ao produto desejado, no caso, o gênero.
Desse modo, ao final do processo, é possível concluir que foi efetivamente promovida a atividade de aprendizagem segundo o planejamento realizado na atividade de ensino.
A partir do exemplo de uma das cartas produzida pelos alunos (Figura 3), pode ser observado que eles se apropriaram das capacidades de linguagem necessárias à produção escrita do gênero carta argumentativa, validando, desta forma, a AOE como uma metodologia didática não tradicional de ensino.
Durante o desenvolvimento das quatro aulas sequenciais, a docente conseguiu organizar a sua prática docente para observar as pistas que apontaram as vantagens da AOE nesse formato, assim como os obstáculos a serem sanados na formulação de outros dispositivos didáticos. Por exemplo, faz necessário levar em consideração, antes e durante a intervenção, que os saberes relacionados à carta argumentativa exigem uma constante atualização.
Salienta-se que, após duas semanas, uma das editoras respondeu a um dos e-mails dos alunos, agradecendo o contato e assumindo que o corpo editorial atenderia à sugestão realizada pelos alunos. Com isso, a atividade pedagógica possibilitou um diálogo entre duas esferas sociais, a escolar e a editorial, entre alunos-cidadãos e os representantes da editora.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por objetivo avaliar, a partir do planejamento e da realização de uma atividade orientadora de ensino, uma série de ações voltadas a confrontar os alunos em atividade de aprendizagem para a produção escrita de uma carta argumentativa.
As aulas se desenvolveram dentro da dinamicidade prevista, observando-se a participação efetiva de todos os alunos e a promoção das habilidades de linguagem na escrita. Frente à necessidade de redigir um texto argumentativo para estabelecer comunicação com a editora, os grupos mobilizaram uma série de conhecimentos sobre o gênero carta argumentativa e literatura de autoria indígena. Abastecidos desses e outros instrumentos, escreveram as cartas direcionadas para editoras responsáveis pelos livros didáticos do Programa Nacional (PNLD).
O relato de experiência aqui apresentado demonstrou ser possível efetuar um processo de avaliação que ocorra durante a realização de uma atividade de ensino à medida que essa se transforme em atividade de aprendizagem pelo estudante. A intencionalidade e o planejamento viabilizados pela AOE possibilitam acompanhar as etapas constitutivas da apropriação de um conhecimento novo por parte dos estudantes. Assim, o docente possui uma ferramenta para orientar sua atividade, possibilitando, inclusive, identificar os momentos de sucesso ou insucesso a im de executar novas operações e ações voltadas a atingir o objetivo ixado.
Portanto, a AOE torna-se mediadora de um modo de ensino e aprendizagem ocorrido entre sujeitos que se modificam uns aos outros e a si mesmos quando postos em interação. Assim, professor e estudante, por se constituírem como sujeitos dotados de conhecimentos, afetos e valores distintos, são postos em atividade e praticam ações voltadas a produzir um conhecimento de qualidade nova, em outras palavras, promover o desenvolvimento humano.
REFERENCIAS
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