Investigación
A relação professor-estudante e sua influência nos processos de ensino e aprendizagem
The teacher-student relationship and its influence in the teaching and learning process
La relación profesor-estudiante y su influencia en el proceso de enseñanza y aprendizaje
A relação professor-estudante e sua influência nos processos de ensino e aprendizagem
Revista de estudios y experiencias en educación, vol. 20, núm. 42, pp. 137-149, 2021
Universidad Católica de la Santísima Concepción. Facultad de Educación
Recepção: 12 Maio 2020
Revised document received: 02 Setembro 2020
Aprovação: 03 Setembro 2020
Resumo: Este artigo busca compreender a influência da relação professor-estudante nos processos de ensino e aprendizagem em Ciências e Matemática. Apoia-se no paradigma fenomenológico da pesquisa qualitativa, caracterizando-se como um estudo de caso. Foi aplicado um questionário a 11 professores de Ciências e Matemática e o método de análise adotado foi a Análise Textual Discursiva. Enquanto resultados, obteve-se três categorias finais, sendo elas: i) a comunicação é elemento que interfere na relação professor-estudante, beneficiando ou prejudicando a aprendizagem; ii) a afetividade influencia a relação entre professor-estudante; iii) o comprometimento docente influencia na relação com o estudante. As categorias abordam reflexões sobre a relação professor-estudante, como a necessidade de comunicação, a importância do envolvimento emocional e a importância do comprometimento docente nos processos de ensino e aprendizagem.
Palavras-Chave: Relação professor-estudante, prática docente, ensino e aprendizagem.
Abstract: This article seeks to understand the influence of the teacher-student relationship on the teaching and learning processes in Science and Mathematics. It is based on the phenomenological paradigm of qualitative research, characterized as a case study. A questionnaire was applied to 11 Science and Mathematics teachers and the method of analysis adopted was the Discursive Textual Analysis. As results, three final categories were obtained: i) communication is an element that interferes in the teacher-student relationship, benefiting or impairing learning; ii) affectivity influences the teacher-student relationship; iii) the teaching commitment influences the relationship with the student. The categories address reflections on the teacher-student relationship, such as the need for communication, the importance of emotional involvement and the importance of teacher commitment in the teaching and learning processes.
Keywords: Teacher-student relationship, teaching practice, teaching and learning.
Resumen: Este artículo busca comprender la influencia de la relación profesor-alumno en los procesos de enseñanza y aprendizaje en Ciencias y Matemáticas. Se basa en el paradigma fenomenológico de la investigación cualitativa, caracterizado como un estudio de caso. Se aplicó un cuestionario a 11 profesores de Ciencias y Matemáticas y el método de análisis adoptado fue el Análisis Textual Discursivo. Como resultados se obtuvieron tres categorías finales: i) la comunicación es un elemento que interfiere en la relación maestro-alumno, beneficiando o perjudicando el aprendizaje; ii) la afectividad influye en la relación profesor-alumno; iii) el compromiso docente influye en la relación con el alumno. Las categorías abordan reflexiones sobre la relación profesor-alumno, como la necesidad de comunicación, la importancia de la implicación emocional y la importancia del compromiso del profesor en los procesos de enseñanza y aprendizaje.
Palabras clave: Relación profesor-alumno, práctica docente, enseñanza y aprendizaje.
1. Introdução
Na sociedade moderna, o avanço da tecnologia possibilita uma mudança constante e acelerada nas relações interpessoais. Atualmente, a sociedade vive em uma modernidade líquida (Bauman, 2001), que está sempre em uma dinâmica transformação, tal qual um líquido no meio, assumindo diferentes formas em diferentes contextos.
Por outro lado, embora a dinâmica líquida da sociedade atual, entende-se que o ser humano não é um bem, um objeto a ser consumido, uma vez que necessita criar vínculos com seus iguais. De acordo com Freire et al. (2010): “[...] apesar deste contexto de descompromisso, em que tudo é descartável, o ser humano ainda busca relacionar-se. O medo e a solidão, características indissociáveis do ‘líquido mundo moderno’, provocam a necessidade de se ‘ter alguém’ [...]” (p. 2).
A escola, que também se insere nessa sociedade líquida, têm o importante papel de propor um espaço de relação que auxilie nos processos de ensino-aprendizagem (Tunes, Tacca e Bartholo, 2005). Segundo os autores “A despeito de desempenharem funções inerentes a papéis que lhes são reservados, e tidos como esperados, na instituição escolar estão em processo contínuo de criação intersubjetiva de significados que, por sua vez, podem gerar novas possibilidades de relação”(p. 690).
Assim, nesta pesquisa, questionou-se como a relação entre professor e estudante é capaz de interferir nos processos de ensino e aprendizagem e objetivou-se, a partir disso, compreender a influência da relação professor-estudante nos processos de ensino e aprendizagem, com vista a estabelecer uma articulação entre a relação interpessoal, a relação professor-estudante e o afeto.
2. Contextualização teórica
2.1. As Relações interpessoais e suas contribuições sociais
Para compreender a influência da relação entre professor estudante, buscou-se definir o que são relações interpessoais. A palavra relação, segundo o dicionário online Priberan (2019), refere-se ao vínculo ou enlaces entre pessoas ou entidades.
Quando existe conflito no relacionamento interpessoal, “há problemas de Relações Humanas” (Minicucci, 2019, p. 25). Desta forma, compreende-se que a relação vai além do vínculo, pois envolve o comportamento humano e suas relações intra e interpessoais.
A criação de relação é uma consequência do desenvolvimento humano, pois, a partir de vínculos criados socialmente, constrói-se a personalidade do sujeito. Conforme Nery (2014, p. 14):
Nossa personalidade é a resultante dos vínculos que estabelecemos, do conjunto de papéis que exercemos, dos papéis que estão contidos ou reprimidos, da nossa modalidade vincular e das nossas predisposições hereditárias. A personalidade está relacionada à cultura, ao contexto e ao momento em que vivemos. Assim, só existimos nas relações. Existir é coexistir.
Para que exista relação interpessoal, o comportamento humano ao qual os sujeitos envolvidos estão inseridos deve estar de acordo com o seu contexto sociocultural, respeitando as diferenças. Prette e Prette (2001) aprofundam a definição de relação interpessoal apresentando três características e diferenciando-as entre: habilidades sociais, desempenho social e competência social. Para os autores (p. 31):
O desempenho social refere-se à emissão de um comportamento ou sequência de comportamentos em uma situação social qualquer. Já o termo habilidades sociais refere-se à existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações interpessoais. A competência social tem sentido avaliativo que remete aos efeitos do desempenho social nas situações vividas pelo indivíduo.
Assim, a relação interpessoal apresenta diferentes níveis de entendimento. Requer do sujeito uma adaptação comportamental à situação que esteja vivendo para que então tenha competência e êxito nas suas relações. Às adaptações comportamentais os autores chamam de habilidades sociais.
Entre os diversos comportamentos que ocorrem nas relações interpessoais, para que haja uma boa relação humana, faz se necessário que os sujeitos saibam ouvir e que tenham capacidade de compreensão. A compreensão não requer que o sujeito anule as suas verdades e seus valores, mas sim, ouça o outro respeitando suas crenças.
Para Prette e Prette (2001, p. 33) “Os encontros sociais não se dão no vazio. Eles se dão em determinados contextos e situações específicos e são regidos por normas da cultura mais ampla ou da subcultura”. Dessa maneira, percebe-se que as relações têm forte vínculo com o contexto em que se insere.
De acordo com Minicucci (2019, p. 31) “A compreensão dos outros (um dos aspectos mais importantes nas Relações Humanas) é a aptidão para sentir o que os outros pensam e sentem.” Para o autor essa aptidão é denominada empatia, ou seja, a capacidade do sujeito de se colocar no lugar do outro considerando, dessa forma, a empatia como uma sensibilidade social.
2.2. A relação interpessoal entre professor e estudante
A escola é um espaço na qual as relações interpessoais ocorrem constantemente, sejam elas entre professor e estudante, professor e professor ou entre estudante e estudante. A relação interpessoal entre professor-estudante é a que se abordará neste artigo.
Não existe escola sem professor e estudante, sendo esses os protagonistas desse espaço. Para Silva e Navarro (2012) a relação interpessoal professor-estudante é uma das interações que dá sentido ao processo educativo, uma vez que é no coletivo que os sujeitos constroem seus conhecimentos. Ainda para as autoras (p. 97):
O ensino é essencialmente social, pois envolve necessariamente relações com outras pessoas, e por isso, o professor não deve preocupar-se somente com conhecimento, adquirindo-o apenas por meio da absorção de informações, mas também pelo processo de construção da cidadania. Dessa forma o aprender se torna mais interessante quando o aluno se sente competente, pelas atitudes e métodos adotados pelo docente em sala de aula.
Dentro dessa relação interpessoal, entre professor-estudante, destaca-se que o afeto é uma das habilidades que deve estar envolvida. A palavra afeto geralmente remete à algum sentimento positivo, porém, neste caso, afeto é considerado tudo que afeta algo, seja de forma positiva ou não.
A metapsicologia é uma teoria freudiana que aborda noções sobre inconsciente, consciente, pulsão, fantasia, entre outros. Vieira (2001) levanta a hipótese de que se não existe uma definição de afeto em Freud, uma vez que o afeto estaria ao nível da metapsicologia. O autor diz que (p. 47):
O afeto é definido, uma única vez, nos artigos metapsicológicos de 1915 e esta definição torna uma aparência fenomênica. O afeto, tal como situado nos primeiros escritos freudianos, pode ser concebido como uma entidade muitíssimo vasta, abrigando conceitos que se individualizarão mais tarde, como pulsão por exemplo. Assim, para Vieira (2001), há a possibilidade de o afeto ter sido representado no nível metapsicológico. Já Nery (2014) aponta que a “teoria freudiana é eminentemente relacionada à afetividade, pois afirma o comportamento como resultados das buscas das tensões psicobiológicas”. Na dissertação de Rangel (2015), na qual foi realizado um estudo aprofundado sobre o termo, a autora diz que (p. 7) “o conceito de afeto desempenha um papel central em praticamente todos os modelos formulados para especificar e descrever os fenômenos psicológicos na teoria psicanalítica freudiana. Apesar disso, não há uma definição uniforme do mesmo.
Wallon (1968), ao explicar como desenvolve-se a afetividade na criança, diz que as influências afetivas se misturam entre o social e o orgânico. Assim, para o autor (p. 148) “as emoções consistem essencialmente em sistemas de atitudes que correspondem, cada uma, a uma determinada espécie de situação.”, ou seja, a criança reage com gestos, sorrisos, estímulos físicos a partir de uma situação (boa ou não).
Em vista disso, uma determinada situação desencadeia um gesto, gerando uma emoção (positiva ou negativa) associada àquele gesto. Wallon, defende que as emoções são exteriorização da afetividade. Para Wallon (1968, p. 152):
As emoções que são a exteriorização da afetividade, provocam, assim, transformações que tendem, por outro lado, a reduzi-las. Nelas se baseiam as experiências gregárias, que são uma forma primitiva de comunhão e de comunidade. As relações que tornam possíveis afinam os seus meios de expressão e fazem deles instrumentos de sociabilidade cada vez mais especializados.
Na relação interpessoal professor-estudante, a afetividade, quando carregada de emoções positivas (paixão, simpatia, dedicação, afeição), é um elemento necessário para que o estudante obtenha êxito no aprendizado. Para ensinar e aprender, a relação entre professor e estudante deve ser carregada de bons sentimentos.
De acordo com Freire (2006), para ensinar, professores devem querer bem seus educandos. O autor enfatiza que os professores devem ter gosto e coragem ao querer bem, por outro lado isso não significa criar esse laço de forma igual com todos. Para Freire os professores não podem se assustar em expressar sua afetividade. Conforme o autor (p. 141):
Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações com os alunos, no trato dos objetos cognoscíveis que devo ensinar. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade.
Freire ainda diz que os professores não devem confundir a avaliação dos estudantes conforme o grau de afetividade que mantém com eles. De fato, há professores que por vezes preocupam-se somente com a afetividade, desconsiderando o comprometimento sério e responsável por parte das avaliações. Um professor afetivo também deve dizer não, impor limites e criar um ambiente de respeito. Para Silva e Aranha (2005, p. 376) “a relação entre professor e estudante deve ser vista por um olhar bidirecional”. Assim, o professor deixa de ser o foco da relação, onde ele é o único responsável pelos resultados atingidos pelo estudante no processo de aprendizagem.
O estudante também exerce influência nos processos de ensino e aprendizagem e é por este influenciado. O olhar bidirecional é importante nesta relação pois o que o estudante faz agora, exerce influência sobre a ação do professor (Silva e Aranha, 2005). Nesta relação, o professor tem a função de profissional-cidadão, devendo exercer a consciência crítica e ter domínio do saber que socializa na escola, pois o seu modo agir, pensar e sentir influenciará o comportamento dos estudantes (Silva e Aranha, 2005).
3. Procedimento metodológico
Esta pesquisa abordou a seguinte questão: como a relação entre professor e estudante interfere nos processos de ensino e aprendizagem? Para responder a esse questionamento, optou-se por uma pesquisa de abordagem qualitativa, por meio de um estudo de caso, pois buscou-se compreender em detalhes os significados e características das situações apresentadas pelos professores em suas vivências (Bogdan e Biklen, 1994). Para Devechi e Trevisan (2010), “As pesquisas qualitativas aparecem para dar conta do lado não perceptível e não captável apenas por equações, médias e estatísticas”(p. 150). De acordo com os autores, na pesquisa qualitativa a participação dos sujeitos deve ser ativa.
Como instrumento de coleta, elaboramos um questionário estruturado e aberto com duas perguntas, que foram aplicadas à 11 professores de diversas áreas do ensino de Ciências e Matemática, entre elas Ciências Biológicas, Física, Matemática e Química. Para manter o anonimato dos participantes da pesquisa, estes foram designados por P1, P2, P3..., significando Professor 1, Professor 2, Professor 3, e assim sucessivamente. As perguntas realizadas aos professores foram “Como a relação professor-estudante pode influenciar na prática docente de professores de Ciências e Matemática?” e “Quais as principais dificuldades que você percebe na relação professor-estudantes na prática docente?”.
Para responder às perguntas, os professores foram convidados a refletir sobre a sua prática docente e se utilizar de situações observadas ao longo de suas trajetórias e experiências. Também se solicitou que os sujeitos da pesquisa narrassem uma situação que mostrasse a relação professor-estudante na sua prática docente.
A partir destes questionamentos, aplicou-se o método de Análise Textual Discursiva [ATD], proposta por Moraes e Galiazzi (2011), cujo objetivo é, por meio de um processo denominado auto-organizado, construir novas compreensões a respeito do fenômeno estudado. As etapas desse processo ocorrem em sequência, começando pela obtenção de unidades de sentido, por meio da etapa de Unitarização, no qual realizamos um exercício de síntese e abstração do corpus obtido pelas respostas dos participantes. Ao aproximarmos as unidades por semelhança, damos origem às categorias a partir de seus sentidos, em uma etapa chamada de Categorização. Segundo Sousa e Galiazzi (2017, p. 524):
O processo de unitarização da ATD leva à categorização, reunião de unidades base deste processo. Essas unidades são reunidas por semelhança em função de seus aspectos importantes e resultarão na elaboração das categorias. Ambos processos - unitarizar e categorizar - levam a uma impregnação textual do pesquisador e possibilitam a elaboração de unidades intuitivas, influência da fenomenologia, e da auto-organização. São a unitarização e a categorização que levam o pesquisador à escrita.
As categorias emergem a partir da leitura e organização de elementos similares, permitindo a produção de um metatexto, que consiste em um “processo de elaboração textual articulada das categorias de análise, em um movimento de afastamento do processo categorial inicial” (Sousa e Galiazzi, 2017, p. 255) permitindo chegar em conclusões e possíveis respostas ao questionamento desta investigação Além disso, a produção do metatexto é a expressão de autoria do pesquisador (Moraes e Galiazzi, 2011).
A validade do método da ATD requer validade e pertinência durante todo o caminho analítico (Moraes e Galiazzi, 2011). Uma categoria, para ser considerada válida, precisa destacar as principais características das unidades no seu processo de descrição, além de levar “... em consideração o contexto e os objetivos da pesquisa, o que atribui pertinência à categoria” (Sousa e Galiazzi, 2017, p. 256). Além disso, uma categoria válida exige teoria, pois precisa ter capacidade descritiva para a argumentação dos dados na análise (Moraes e Galiazzi, 2011).
4. Resultados e discussão
A partir das reflexões propostas aos professores sobre a influência da relação professor-estudante para os processos de ensino e aprendizagem, foram obtidas um total de 22 respostas. A etapa de unitarização resultou em 118 unidades de sentido, que foram agrupadas em 38 categorias iniciais.
Dessas categorias, emergiram oito categorias intermediárias, que foram reagrupadas em 3 categorias finais. As categorias finais obtidas foram: A comunicação interfere na relação professor-estudante, beneficiando ou prejudicando a aprendizagem; A relação professor-estudante é afetada pelo envolvimento emocional; O comprometimento docente influencia na relação com o estudante. As narrativas dos professores serão destacadas em itálico para diferenciar das citações diretas presentes na discussão. A seguir serão mostrados os resultados obtidos a partir da elaboração do metatexto e posterior discussão.
Categoria 1. A comunicação é elemento que interfere na relação professor-estudante, beneficiando ou prejudicando a aprendizagem
Nesta categoria, apresentam-se os resultados obtidos referente a importância da comunicação na relação professor e estudante.
A relação entre professor e estudante deve ser estreita, para que haja troca de conhecimento por meio da comunicação, permitindo assim uma relação bem estabelecida. Segundo Freire (1992), a prática educativa exige diálogo entre o professor e o estudante.
O P8 traz que “O conhecimento mútuo e o diálogo são as bases fundamentais dessa relação”. Segundo Matos (2017), a relação entre professor e estudante apresenta duas vias, pois o professor fala e o estudante também, já que tanto educando quanto educador tem conhecimentos prévios e ambos podem aprender nessa relação. Ainda, para que o diálogo seja bem realizado, é necessário que o professor e o estudante se respeitem mutuamente e com humildade, para que ambos possam ouvir e debater respeitosamente opiniões contrárias.
Para que haja conhecimento mútuo entre dois indivíduos, é indispensável que exista uma boa comunicação, seja ela verbal ou não verbal. Para Guerrero e Floyd (2006) ao utilizar elementos de comunicação não-verbal, como gestos, postura e contato visual, pode ser suficiente para repor o envolvimento na tarefa, permitindo assim uma boa relação, que trará benefícios aos processos de ensino e aprendizagem.
Percebe-se uma relação íntima entre a capacidade de comunicação e a afetividade encontrada na relação, conforme o P5, que afirma: “Afetividade e sensibilidade permitem que o professor perceba quando o estudante tem algum problema e se disponha a dialogar com ele para ajudá-lo”. Isso significa que uma relação, quando estreita, permite ao professor perceber possíveis problemas com seus estudantes e propor um diálogo, buscando ajudá-lo. O mesmo P5 completa: “Um professor que consegue perceber os sujeitos em toda sua complexidade tem mais chances de adotar uma postura empática e respeitosa com todos os estudantes, evitando situações de exclusão”, complementando a ideia de que um professor capaz de perceber o sujeito em sua complexidade é capaz de ter uma comunicação respeitosa, que acaba aproximando ambos para uma boa relação. Para Freire (1994, p. 115):
E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. [...] Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação.
O jeito como essa relação acontece depende de cada professor. Há professores que relacionam a comunicação apenas à um âmbito profissional, não devendo haver uma representação de amizade, conforme o P11 quando afirma: “Penso que a relação entre professor estudante precisa ser intermediada entre um distanciamento não grande para permitir um diálogo na sala de aula, porém sem a representação de amizade”.
Ao se tratar de diálogo, é necessário tomar cuidado para que ele não se converta num bate-papo (Freire, 1994), pois professor e estudante não devem conversar sobre assuntos aleatórios e dispersos. O professor deve sempre instigar o estudante a pensar e criticar o objeto de estudo, questionando e expondo seu pensamento. Assim, percebe-se que a comunicação por meio do diálogo é importante na relação, mas que esta relação deve ser estritamente profissional.
Além disso, havendo uma comunicação bem estabelecida em sala de aula, os processos de ensino e aprendizagem é facilitado, pois tanto professor quanto estudante se sentem motivados, conforme a resposta do P11: “Por parte do professor, quando existe uma boa comunicação [...], ele sente-se motivado a ir à sala de aula e fazer um bom trabalho com os estudantes, os quais sentem-se motivados a aprender o conteúdo a ser abordado”.
Ao mesmo tempo que o diálogo permite uma aproximação entre o professor e o estudante, uma má comunicação resulta em consequências para a sala de aula que não permitem um bom andamento das aulas, dificultando assim os processos de ensino e aprendizagem.
Os professores entrevistados também levantam essas questões, como na fala do P8: “Percebo como principal dificuldade o diálogo em si, muitas vezes o professor não dá prioridade em conhecer e conversar com seu aluno e de certa forma o aluno também não cria o interesse de conhecer mais sobre o professor [...] acarretando diversos problemas no dia-a-dia da sala de aula”.
Em vista disso, percebe-se que uma relação cujo diálogo ocorre inadequadamente, distancia os sujeitos, o que pode levar a problemas em sala de aula. O P10 afirma que “Existem diversas dificuldades na relação entre professores e estudantes [...], uma delas, é a comunicação. Quando o professor entende a realidade dos estudantes, e estabelece uma boa relação com os mesmos, facilita os processos de ensino e aprendizagem, portanto quando não tem uma boa relação [...] torna-se insustentável e desagradável para ambos, e uma aula que era para ser prazerosa torna-se uma tortura”.
Ou seja, dificuldades na comunicação entre professor e estudante cria desentendimento em sala de aula, tornando uma aula, antes prazerosa, em algo desinteressante, e afastando mais ainda a relação entre ambos.
Categoria 2. Afetividade influencia a relação entre professor-estudante
Na categoria presente, descreveu-se como a afetividade interfere na relação professor-estudante. Assim, assumiu-se as ideias de Henri Wallon sobre afetividade, uma vez que para o autor, esta compreende a manifestação das emoções (positivas ou negativas), conforme fundamentado na seção 2.2.
A afetividade pode gerar impactos positivos na relação entre o professor e o estudante, conforme a fala do P2 “A relação harmoniosa entre estudante e aluno interfere no desenvolvimento da aula, pois o aluno precisa se sentir confiante, confortável e valorizado para poder ter acesso ao professor”.
É possível verificar que, de acordo com a resposta do professor, para que ocorra uma boa relação, deve haver um bom envolvimento afetivo, fazendo com que o estudante se sinta valorizado, resultando em uma melhor qualidade nos processos de ensino e aprendizagem. Para Vygotsky (2003): “As relações emocionais exercem uma influência essencial e absoluta em todas as formas de nosso comportamento e em todos os momentos do processo educativo” (p. 121).
O P1 traz uma fala semelhante, quando afirma que “A prática docente de sucesso está diretamente relacionada a relação que o professor e o aluno têm. Um professor que se relaciona bem com seus estudantes, costuma ter mais sucesso na sua prática em sala de aula, pois possibilita um diálogo franco, aberto e eficaz”.
Assim, percebe-se que o envolvimento afetivo entre professor e estudante influencia na prática docente de uma forma positiva, corroborando Vygotsky que assegura que a preocupação do professor não deve se ater ao fato de que seus estudantes se apropriem do conteúdo, mas que o sintam, pois são estas reações emocionais que devem produzir a base do ato educativo. E, ainda para o autor, “se quisermos que os alunos recordem melhor ou exercitem mais seu pensamento, devemos fazer com que as atividades sejam emocionalmente estimuladas.” (Vygotsky, 2003, p. 121).
Paulo Freire diz que os professores devem “querer bem aos educandos”. Para o autor (2006, p. 141).
Esta abertura ao querer bem não significa, na verdade, que, porque professor, me obrigo a querer bem a todos os alunos de maneira igual. Significa, de fato, que a afetividade não me assusta, que não tenho medo de expressá-la. Significa esta abertura ao querer bem a maneira que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano.
Em contrapartida, os professores percebem que uma relação ruim com o estudante acaba por não o envolver em aula, causando problemas aos estudantes, que apresentam dificuldades em aprender, e ao professor, com consequências negativas em seu ensino.
A fala do P1 demonstra que “Quando um professor não tem uma boa relação com o grupo de alunos é praticamente impossível que tenham uma aprendizagem qualificada, prejudicando a prática docente daquele que não consegue estabelecer bons vínculos com seus alunos [...]. As principais dificuldades entre professores e estudantes é a relação de respeito às diferenças e limitações de cada um”. Freire (2006, p. 141) diz que que o professor deve entender que há diferenças entre “seriedade docente e afetividade”. Assim um professor não será melhor por ser severo ou distante.
Os autores Abreu e Masetto (1990), explicam que o modo de agir do professor em sala de aula, além de sua personalidade, é o que colabora para uma aprendizagem adequada dos estudantes. Assim, se o envolvimento afetivo é prejudicado, isso se reflete na aprendizagem.
Neste mesmo raciocínio, o P10 contribui, dizendo que “Se essa relação (professor-estudante) não é bem estabelecida, o professor sente-se desmotivado a ministrar uma boa aula, e acaba por vez prejudicando os estudantes também. [...] portanto quando não tem uma boa relação, ou por parte do professor, ou dos alunos, acontece que esta relação se torna insustentável e desagradável para ambos, e uma aula que era para ser prazerosa torna-se uma tortura”.
Assim, evidencia-se neste trabalho que a ausência de envolvimento afetivo causa prejuízos para o estudante e para a prática docente. Por outro lado, há professores que consideram que não deve haver nenhum tipo de envolvimento afetivo com os estudantes, conforme o P3: “a relação entre professor e estudante deve ser pautada a neutralidade e na ética, sem qualquer tipo de envolvimento emocional”. Porém, Paulo Freire menciona que o professor pode sim ter envolvimento afetivo com os estudantes, sem comprometer a avaliação deles. Para o autor (2006, p. 141):
O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno maior ou menor bem querer que eu tenha por ele.
Corroborando com Freire, Siqueira (2003) alerta para que os professores não permitam que os seus sentimentos interfiram no cumprimento ético de seu dever como educador.
Categoria 3. O comprometimento docente influencia na relação com o estudante
Nesta categoria, percebeu-se o quanto o comprometimento profissional com a prática docente pode interferir, de forma positiva ou negativa, na relação com os estudantes, bem como no desempenho deles.
Assim, P5 afirma que “Pode ser difícil arrumar tempo para realizar cursos de aperfeiçoamento, mas se o professor tem a pretensão de auxiliar seus alunos a aprender a aprender, ele mesmo deve aprender a fazer isso”, explicitando a necessidade de o professor buscar aperfeiçoamento profissional, que demonstra o comprometimento com os estudantes e seu trabalho, além de qualifica-lo diante da demanda da educação.
A partir disso, percebe-se que prática docente requer que o professor se mantenha sempre atualizado, ou seja, o professor deve estar sempre em um constante processo de estudo e aprendizado, bem como seus estudantes. Paulo Freire (2006, p. 29) diz que: “Enquanto ensino continuo procurando, reprocurando”. O aperfeiçoamento permite a ressignificação de conceitos que já estavam consolidados na concepção do professor, mas que foram atualizados e devem ser considerados em sua prática.
O estudo possibilita ao sujeito conhecer novos conceitos, ter pensamento crítico e refletir. Desta forma quando o professor estuda e se atualiza, passa a repensar sobre sua atuação docente, podendo assim, reinventar suas práticas pedagógicas com mais segurança, buscando fazer sempre o melhor para os educandos. Para Freire (2006, p. 39):
Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda.
Ainda nesta categoria, identificou-se nas respostas dos participantes que os professores muitas vezes são desorganizados e descomprometidos com seu trabalho. Para o P1: “Percebo que as principais dificuldades entre professores e estudantes é a [...] falta de exemplo de organização, comprometimento com seu trabalho.” Conforme Vasconcelos (2012, p. 79):
O professor não pode perder de vista que é sua a responsabilidade da “aula” e que, portanto, ele deve cuidar dos muitos aspectos que a envolvem: Sua preparação, sua organização (prévia e no momento da execução) e sua condição em espaço democrático, envolvente e dialogado, incluindo aí a utilização (e imprescindível previsão) dos recursos materiais necessários (e disponíveis) para o seu bom desenvolvimento.
De acordo com a autora, é responsabilidade e atribuição do professor organizar, planejar e ministrar suas aulas de acordo com a realidade ao qual os estudantes estão inseridos. Para o estudante, que está em processo de formação, o professor serve de exemplo, tanto de profissional, como de pessoa. Assim, a prática docente exerce forte influência no educando, sendo responsabilidade do professor o exemplo de profissional que ele deseja demonstrar.
5. Conclusões
Com o objetivo de compreender como a relação entre professor e estudante interfere nos processos de ensino e aprendizagem, percebeu-se que a comunicação entre ambas as partes permite a aproximação e, consequentemente, melhor relação entre professor e estudante, refletindo diretamente nos processos de ensino e aprendizagem. Além disso, o afeto entre as partes e o comprometimento do docente também são citadas como elementos que interferem em ambos. Porém, mesmo o papel da comunicação, o envolvimento afetivo e o comprometimento na atuação docente serem importantes, nem sempre isso é efetivo na prática do professor, podendo assim, prejudicar os processos de ensino e aprendizagem.
O afeto, como discutido, pode ser interpretado como a externalização das emoções construídas na relação entre os sujeitos. Ele é elemento importante na relação pois permite a criação de vínculos, essenciais para que haja respeito e colaboração em sala de aula. Esta relação é facilitada quando ocorre a comunicação entre ambas as partes, de forma clara e sem ruídos, permitindo a aproximação de ambos e a consolidação dos vínculos desenvolvidos durante os processos de ensino e aprendizagem. Assim, percebe-se uma intersecção entre a comunicação e o envolvimento afetivo, visto que um exerce influência no outro, podendo levar a resultados positivos ou negativos.
O comprometimento do professor com suas aulas e seus estudantes também foi um elemento destacado na relação entre o professor e estudante. O comprometimento na relação reflete na atuação docente, bem como no desempenho dos estudantes. Assim, o comprometimento pode ser capaz de permitir a aproximação necessária para que ocorra o diálogo, facilitando para que ocorram os vínculos. Assim, é possível associar o comprometimento do professor com seus estudantes com a comunicação entre eles, pois essa permite a aproximação de ambos, facilitando a criação de vínculos afetivos. Assim, o professor pode se sentir estimulado e motivado, comprometendo-se com suas aulas.
Por fim, concluiu-se que, embora numa sociedade líquida, conforme sugerido por Bauman (2001), onde as relações afetivas (muitas vezes) não constituem solidez, a relação professor-estudante não comunga com esta teoria. A relação professor-estudante, conforme identificada neste trabalho, quando cria vínculos por meio de uma boa comunicação, acaba por constituir uma base sólida na relação, que reflete tanto no comprometimento docente como na motivação dos estudantes. Dessa forma, é possível desenvolver um ambiente de ensino e aprendizado onde tanto o professor, como os estudantes, é considerado em sala de aula, bem como o contexto em que se inserem. Isso nos permite idealizar um contexto de sala de aula com base no respeito mútuo, por meio do envolvimento afetivo, argumentação, por meio da comunicação, e interesse nas aulas, por meio do comprometimento.
Referencias
Abreu, M. C., y Masetto, M. T. (1990). O professor universitário em aula. São Paulo: Editores Associados.
Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar.
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Autor notes
*Correspondencia: Marcelo Prado Amaral-Rosa. Correo electrónico: marcelo.pradorosa@gmail.com