Estudios y debates pedagógicos
Educação para o uso das mídias sociais: o cancelamento digital em foco
Education for the use of social media: the digital cancellation in focus
Educación para el uso de redes sociales: la cancelación digital en foco
Educação para o uso das mídias sociais: o cancelamento digital em foco
Revista de estudios y experiencias en educación, vol. 22, núm. 48, pp. 294-309, 2023
Universidad Católica de la Santísima Concepción. Facultad de Educación
Recepção: 24 Junho 2022
Revised document received: 13 Outubro 2022
Aprovação: 06 Dezembro 2022
Resumo: O presente estudo tem em seu escopo desenvolver uma abordagem sobre a educação para as mídias sociais analisando principalmente o fenômeno do cancelamento digital enquanto problema que ocorre no espaço virtual que possui consequências na dimensão social escolar. O estudo visa responder ao seguinte questionamento: Como a educação para o uso das mídias sociais pode contribuir para a desconstrução da cultura do cancelamento? Para responder a indagação, utilizou-se como aportes teóricos Freire (2015), Sibilia (2008), Bauman (2013), Chomsky (2003, 2014 e 2020) entre outros que corroboram para a discussão sobre o ciberespaço e o uso das mídias, além de uma análise documental da BNCC a partir das competências digitais. A parte empírica consiste no desenvolvimento de um seminário com estudantes do curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, de uma universidade do centro-oeste brasileiro, sobre a cultura do cancelamento a partir do contexto escolar. A pesquisa demonstrou que ainda se trata de um tema pouco abordado e que carece de discussão no âmbito da formação docente para a realização e efetivação no contexto da educação básica.
Palavras-Chave: Educação, cancelamento digital, mídias sociais.
Abstract: The present study has as its scope the development of an approach to education for social media, analyzing mainly the phenomenon of digital cancellation as a problem that occurs in the virtual space and has consequences in the school social dimension. The study aims to answer the following question: How can education for the use of social media contribute to the deconstruction of the culture of cancellation? To answer the question, we used as theoretical contributions Freire (2015), Sibilia (2008), Bauman (2013), Chomsky (2003, 2014, and 2020), among others, that corroborate the discussion on cyberspace and the use of media, in addition to a documentary analysis about BNCC based on digital competences. The empirical part consists of the development of a seminar with students from the Post-Graduate Course Stricto Sensu in Education at a university in the Brazilian Midwest, on the culture of cancellation in the school context. The research showed that this is still a subject that has been little discussed and needs to be discussed in the context of teacher training for its realization and effectiveness in the context of basic education.
Keywords: Education, digital cancellation, social media.
Resumen: El presente estudio tiene en su alcance desarrollar un enfoque sobre la educación para las redes sociales, analizando principalmente el fenómeno de la cancelación digital como un problema que se presenta en el espacio virtual y que tiene consecuencias en la dimensión social escolar. El estudio tiene como objetivo responder a la siguiente pregunta: ¿Cómo puede la educación para el uso de las redes sociales contribuir a la deconstrucción de la cultura de la cancelación? Para responder a la pregunta utilizamos como aportes teóricos Freire (2015), Sibilia (2008), Bauman (2013), Chomsky (2003, 2014 y 2020) entre otros que corroboran la discusión sobre el ciberespacio y el uso de los medios, además de un análisis documental da BNCC basado en competencias digitales. La parte empírica consiste en el desarrollo de un seminario con estudiantes del Curso de Posgrado Stricto Sensu en Educación, de una universidad del Medio Oeste brasileño, sobre la cultura de la cancelación del contexto escolar. La investigación mostró que este es aún un tema poco discutido y que necesita ser en profundidad en el contexto de la formación docente para la realización y efectividad en el contexto de la educación básica.
Keywords: Educación, cancelación digital, redes sociales.
1. Introdução
As redes sociais têm se tornado, cada vez mais, além de um espaço para “encontrar” pessoas e compartilhar experiências e amizades, um local de discussões sociais, políticas, religiosas, dentre outros temas. Nessa crescente, questões como fake news e a influência digital tomam uma proporção ainda maior e nesta seara o cancelamento digital ganha proporções inimagináveis há alguns anos atrás. A discussão acerca do cancelamento digital é como tentar montar um quebra cabeça, onde é preciso muita atenção ao analisar as partes para conseguir preencher todos os espaços das respectivas peças específicas que nos auxiliam a compreender a totalidade e a complexidade sobre o termo e seu significado mais amplo. Nesse sentido, o cancelamento digital pode ser entendido como um fenômeno que ocorre no ciberespaço e tem como finalidade a não aceitação de práticas e opiniões consideradas à opinião do cancelador.
2. Educação e cultura digital: uma análise a partir da BNCC
O documento conhecido como BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é essencial para escolas e educadores de todo o Brasil. A BNCC é um documento referência, de uso obrigatório, que norteia os currículos e propostas de sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, este define o que é essencial para as aprendizagens em cada etapa da educação básica e busca garantir equidade e igualdade entre instituições de ensino privadas e públicas.
A BNCC ressalta características, objetivos e deliberações quando apresenta a seguinte fundamentação
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN) (BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018, p. 7).
Nesse sentido, a complementação do documento da BNCC, que finalizou em 2018, visa uma nova organização curricular, mais flexível, que oferte diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes, os itinerários formativos no Ensino Médio, com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional. O objetivo dessa mudança é garantir uma educação de qualidade e que esta esteja próxima à realidade dos estudantes atuais, que exigem que os processos de ensino e aprendizagem sejam mais dinâmicos, o ensinar não se restringe ao conhecimento dos conteúdos específicos dos componentes curriculares, isso é apenas um dos aspectos desse processo, é necessário incentivar a autonomia dos estudantes, fazer com que eles percebam seu papel como protagonistas do processo, encorajando iniciativas criativas e com comunicações não controladoras.
Diante das novas possibilidades englobadas na BNCC, há uma desvinculação da exclusividade do ensinar e modifica o papel do professor como detentor do conhecimento. Para esse novo papel, de professor, surge o educador. O educador busca uma postura reflexiva, investigativa e crítica de seus estudantes.
O percurso formativo apresentado através das orientações do referido documento, contudo, deve ser precedido de uma reflexão crítica, incluindo a formação de docentes capazes de promover no estudante a compreensão do mundo ao seu redor e os desafios vinculados aos processos de aprendizagem preconizados pela BNCC, ressignificando constantemente esta política pública. Tarlau e Moeller (2020), ao investigarem a influência de fundações privadas nos processos de construção dessa política pública indicam que o uso de termo como “eficiência” escolar, bastante associado ao mundo empresarial, pode estar mostrando uma intenção de reconstruir uma educação pública semelhante aos dos princípios norteadores da iniciativa privada, ou seja, uma gestão pautava em avaliações externas, avaliação docente por meritocracia, aulas roteirizadas, entre outros. A vinculação do desenvolvimento de habilidades e competências preconizados no texto final da BNCC, que abarca uma compreensão daquilo que se espera que os estudantes desenvolvam na prática escolar, também pode ser problematizada.
Aliado a essa perspectiva, Freire (2015) demonstra que a ação do educador perpassa o ensino de conceitos puramente memorístico, pois percebe-se que, faz parte das atribuições do educador educar para:
O mérito da paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. Daí a impossibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor de frases e de ideias inertes do que um desafiador (Freire, 2015, p. 30).
Complementando o pensamento de Freire, com relação ao papel do educador, traz-se a ideia de que o professor, que entende o ato de ensinar como uma ação de mudança metodológica, que coloca o estudante como corresponsável pelo seu processo de ensino e de aprendizagem, promove nos estudantes autonomia e incumbência pela construção de conhecimento. O professor passa da posição de detentor do conhecimento para mediador.
Quando se trata das mudanças metodológicas, do estudante ativo e do professor mediador é indispensável pensar, na atualidade, o ensino e as práticas pedagógicas com o uso de tecnologia. Os estudantes atuais, em sua maioria, permeados pela tecnologia, têm mais possibilidades de se conectar em todo e a qualquer momento. O uso das tecnologias propicia mecanismos motivadores à aprendizagem (Kohls-Santos, 2021). Em conformidade com o uso de tecnologias, a BNCC evidencia sua perspectiva na seguinte competência geral da educação básica:
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimento, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva (BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018, p. 9).
Corroborando com essa concepção de utilização das tecnologias digitais em sala de aula, pode-se verificar a seguinte habilidade da área de Linguagens e Códigos, associada à Competência Específica 7:
(EM13LGG702) avaliar o impacto das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) na formação do sujeito e em suas práticas sociais, para fazer uso crítico dessa mídia em práticas de seleção, compreensão e produção de discursos em ambiente digital (BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018, p. 497).
A aplicação da BNCC dinamiza as práticas pedagógicas dos professores contemporâneos e possibilita a diversificação de metodologias utilizadas no processo de ensino aprendizagem. A aprendizagem passa a ser pautada por um novo fazer pedagógico que almeja atender a demanda do estudante atual, tal como sinalizam Santos e Giraffa (2017)
Assim, a escola, por ser em essência um espaço de interação, pode também ser um espaço de inovação, de experimentação de novos caminhos e possibilidades. No entanto, não é preciso se desfazer de tudo que a “escola tradicional” propõe, mas é preciso agregar ao currículo atividades que instiguem os alunos à pesquisa e a busca pelo conhecimento (Santos e Giraffa, 2017, p. 46).
Diante do cenário educativo que a nova BNCC preconiza, é possível perceber que o professor mediará momentos de aprendizagens mais significativos aos jovens, mas esses precisam ser conduzidos de modo a fomentar a discussão, a criticidade, a curiosidade epistêmica e a criatividade do estudante, que precisa se desenvolver integralmente. Tal contexto, demanda uma capacitação do profissional de educação, que em sua maioria, não teve formação adequada para conduzir a conjuntura que o processo educativo atual exige, especialmente em relação à linguagem digital. Destaca-se, ainda nesse contexto, uma predisposição evidenciada na BNCC sobre a aprendizagem digital e, consequentemente, uma cultura para o letramento digital capaz de se instrumentalizar os processos pedagógicos capazes de aprimorar o ensino e a aprendizagem.
Com as amplas possibilidades que o novo panorama educativo permeia, é importante compreender uma outra possível consequência dessa exposição digital que o professor vivencia, principalmente, no atual contexto de pandemia, em que as atividades presenciais foram reorganizadas para atividades remotas a fim de conter a propagação do vírus da COVID-19. As aulas gravadas e a transmissão de aulas em tempo real, proporcionam que o conhecimento possa ser acessado por diferentes pessoas em momentos distintos, o aprendizado com o uso de ferramentas tecnológicas, a qualidade de vida com redução de deslocamentos e novos desafios e novas experiências. Estes são aspectos positivos dessa nova realidade do professor. Inevitavelmente, alguns aspectos negativos também emergem dessa realidade, entre elas, pouca participação e interação dos estudantes, escassa socialização, falta de equipamentos, softwares e internet de boa qualidade e a possibilidade de o profissional ser cancelado digitalmente.
Como o conteúdo das aulas circulará nas redes, é possível que haja um recorte de determinada fala do professor durante uma aula, que se faça uma montagem ou até mesmo que se construa algo que não foi expresso pelo professor naquele momento pedagógico. Nesses eventuais casos, o conteúdo maldoso poderia provocar um cancelamento digital desse profissional. Causaria uma situação negativa à figura desse indivíduo perante a escola e a sociedade como um todo.
Para pensarmos sobre a dimensão do cancelamento digital, é importante percebermos o quanto a tecnologia, e com esta as redes sociais, estão presentes no cotidiano a partir do cenário global acerca da utilização da internet.
Segundo dados do relatório de Visão Geral Global Digital 2021 feita pelo We Are Social1 em parceria com a ferramenta Hootsuite tendo como referência o mês de janeiro/2021, em relação à análise sobre a internet e uso das redes sociais, o Brasil ocupa rankings bastante significativos. Entre os dados coletados, observa-se a relação entre o uso da internet e as mídias sociais quando comparados às estimativas da população mundial conforme podem ser observadas na Figura 1.
Os dados evidenciam que entre a estimativa de 7,83 bilhões de pessoas no mundo, 66,6% delas, o equivalente a 5,22 bilhões, possuem dispositivos móveis. Do total da população mundial, 4,66 bilhões são usuários da internet, sendo ativos de mídias sociais o equivalem a 4,20 bilhões; e tais números são expressivos quando comparados aos da população mundial e também ao próprio tempo de utilização da internet, como pode ser evidenciado na Figura 2.
Em relação ao tempo diário gasto usando a internet por país, a média global entre os usuários de internet é de 6h:54min e o Brasil ocupa a segunda colocação, acima da média de tempo, e totalizando 10h:08mim, indicando que o brasileiro passa mais tempo na internet do que a média da população mundial, ficando tão somente 48 minutos atrás do primeiro colocado que é a Filipinas, que gasta 10h:56min na internet.
A respeito do tempo diário gasto utilizando somente as redes sociais, podem ser analisados os dados da Figura 3.
Observa-se que a tendência de tempo gasto na internet por país se mantém com relação ao tempo gasto somente com as mídias sociais. Filipinas ocupa a primeira colocação com 4h:15min e o Brasil ocupa a terceira colocação, com 3h:42min. Ao falar de mídias sociais é importante esclarecer que as mais utilizadas são, respectivamente: Facebook, YouTube, WhatsApp, Messenger, Instagram, TikToker, Twitter e outros.
Nesse contexto de grande utilização da internet e das mídias sociais, é importante compreender como a educação para os usos das tecnologias pode contribuir para uma ciberdemocracia e a desconstrução da chamada cultura de cancelamento digital. A cultura do cancelamento, no ano de 2019, foi eleita pelo dicionário Macquarie como o termo no ano com a seguinte definição:
Nome às atitudes dentro de uma comunidade que exigem ou provocam a retirada do apoio de uma figura pública, como o cancelamento de um papel de ator, a proibição de tocar uma música de um artista, remoção da mídia social, etc., geralmente em resposta a uma acusação de ação ou comentário socialmente inaceitável (Dicionário Macquarie, 2019).
Ainda sobre a cultura do cancelamento ou cancelamento digital os autores Hee et al. (2021, p. 70) sinalizam que “nas redes sociais, a Cultura do Cancelamento tem relação com a dificuldade de estabelecer diálogo e cooperação entre indivíduos que possuem perspectivas ou pensamentos divergentes, o que fomenta um comportamento intolerante e até hostil”. E complementam que o “Cancelamento Digital é uma forma de julgamento e sentenciamento moderno e coletivo, pautado normalmente em entendimentos precipitados ou falsos conhecidos como Fake News” (Hee et al., 2021, p. 71).
No contexto de uma sociedade onde há grande influências das mídias de massa, cancelar uma pessoa significa, não concordar com suas atitudes e buscar promover alguma punição. Para alcançar êxito nessa função, é importante compreender o papel do chamado hater. Segundo Amaral e Coimbra (2015) o termo:
[...] é utilizado para categorizar o sujeito que fala mal dos outros através dos espaços de interação e conversação na internet. Os haters sempre existiram, antes de se popularizarem na internet, eles surgiam em reuniões públicas, como por exemplo, comícios eleitorais, manifestos feministas, religiosos, etc. Os haters são pessoas que violam as regras de gentileza e de comportamento civil para chamar a atenção. Por isso, o termo hater é tão pejorativo, pois se refere às pessoas que expressam ódio nos espaços de interação e conversação. São sujeitos que não estão abertos ao debate/diálogo construtivo, eles fazem apenas críticas negativas ao Outro, não respeitando a opinião divergente. O hater quer ser temido e ouvido, e com o surgimento dos sites de redes sociais, ele ganhou voz e visibilidade, devido às características da rede, como vimos anteriormente (Amaral e Coimbra, 2015, p. 300).
Diante do texto supracitado, pode-se inferir que as características assumidas pelos haters estão vinculadas ao comportamento público de não concordância e ao mesmo tempo de ataque àqueles que manifestam posicionamentos contrários.
3. A construção do ciberespaço e da cultura digital a partir da abordagem do pensamento contemporâneo
Com o auxílio das mídias digitais, as potencialidades para a espetacularização das subjetividades tornam-se cada vez mais intensas. Nessa perspectiva, há o desenvolvimento da cibercultura, que para Lévy (1999) é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração.
Em uma outra perspectiva, a antropóloga e comunicóloga Sibilia (2008) na obra O show do eu: a intimidade como espetáculo parte da análise sobre como a intimidade, o espaço que antes vinculava-se à vida privada, tornou-se um espetáculo e onde foi possível inserir neste espaço público os aspectos cotidianos da vida privada. Nesse contexto de grande exposição, há uma centralização do eu e de todos os aspectos que contribuem para acentuar a individualidade e também sua espetacularização.
O processo de tornar público, um show, os aspectos comuns e incomuns da vida individual têm sido bastantes evidenciados nas redes sociais e também noticiados pelas mídias de massa. O espetáculo, contudo, precisa de um público e, consequentemente, implica numa performance sobre a constituição dessa própria subjetividade.
O que significa tudo isso? Haveria uma espécie de falsidade, uma deplorável falta de autenticidade nas construções subjetivas contemporâneas? Teria se generalizado o uso de máscaras que ocultam alguma verdade fundamental, algo mais real que estaria por trás dessa imagem bem construída e literalmente narrada, porém fatalmente falsa ou fictícia? (...) a resposta a todas essas questões encerra uma complexidade que excede um simples sim ou não, porque as relações entre verdade e mentira, ficção e realidade, essência e aparência, verdadeiro e falso- que nunca foram simples- também se complicaram. Para sair desse impasse, convém contextualizar o problema e observá-lo por uma perspectiva histórica, a fim de apreciar as transformações que estão em andamento (Sibilia, 2008, p. 52).
A partir do fragmento supracitado, é possível inferir que a complexidade desse fenômeno não se vincula a um único motivo e, menos ainda, é recente na contextualização histórica literária.
As chamadas novas formas de expressão e comunicação que são propagadas através das mídias de massa, sobretudo a partir do uso das redes sociais, transitam, na grande maioria das vezes, entre a confusão sobre sua própria natureza. Sibilia nos questiona se tais manifestações devem ser consideradas vidas ou obras. Em ambos os casos, não é possível negar o aspecto da temporalidade e finitude humana ao tentar perseguir ideias e padrões, na grande maioria das vezes, impossíveis de serem conquistados e onde aquilo que está sendo exposto simboliza mais uma vontade do que a própria realização de um desejo.
Ocorre, no entanto, que a fabricação da autoimagem no mundo virtual, é desconstruída na mesma velocidade com que conseguiu ganhar seu público. Basta um descuido, um posicionamento diferente ou mesmo não agradar mais para que a massa que também participa desses processos de interação se desvincule do espetáculo formado.
Sibilia (2008) também considera que “sob essa rutilante e nova luz, certas formas aparentemente anacrônicas de expressão e comunicação tradicionais parecem voltar à tona com uma roupagem renovada” (p. 14), como, por exemplo, é o caso da escrita em diário, cartas ou mesmo a criação de um romance, porém agora projetadas para as mídias sociais de modo a ampliar a participação e a comunicação.
Segundo Chomsky (2014) na obra Mídia: propaganda política e manipulação evidenciam-se as relações existentes das propagandas em aproximar-se dos interesses dos grandes grupos econômicos. Nesse sentido, as propagandas afirmam-se como veículos de transmissão e, em algumas situações, de ataques hostis. Cabe destacar o papel da democracia de telespectadores que nas palavras do autor.
[...] Na década de 1920 e no início da década de 1930, Harold Lasswell, fundador do atual campo das comunicações e um dos principais cientistas políticos americanos, explicava que não deveríamos sucumbir aos “dogmas democráticos que defendem que os homens são os melhores juízes de seus próprios interesses”. Porque não são. Nós somos os melhores juízes do interesse da população. Por essa razão, partindo simplesmente da moral vigente, precisamos nos certificar de que eles não tenham a possibilidade de agir com base em seus juízos equivocados. Naquilo que hoje em dia é chamado de Estado totalitário ou Estado militar, é fácil. Basta manter um porrete acima das cabeças deles, e se eles saírem da linha você lhes esmaga a cabeça. Mas como a sociedade tem se tornado mais livre e democrática, perdemos esse poder. Consequentemente, precisamos recorrer às técnicas da propaganda política. A lógica é cristalina. A propaganda política está para uma democracia assim como o porrete está para um Estado totalitário. Esta é uma atitude inteligente e vantajosa porque, uma vez mais, os interesses comuns escapam ao rebanho desorientado: ele não consegue decifrá-los (Chomsky, 2014, p. 10).
Infere-se que a perda do poder da atividade política está vinculada às demandas de uma percepção seletiva dos fenômenos políticos, e a identificação social advinda dessas representações performáticas são midiatizadas por meio das propagandas. A existência de processos democráticos, contrário ao Estado totalitário, contudo, não anula a interferência da influência sobre a capacidade de compreender o que se projeta na vida cotidiana e social, ou seja, embora a condição totalitária não seja mais a realidade existente em algumas democracias, não necessariamente estão elas orientadas para uma compreensão da realidade como um todo a fim de compreendê-la através das técnicas de manipulação utilizadas nas propagandas.
Nesse contexto, há de se pensar o uso das redes sociais sob a égide da liberdade de expressão, a proposta do pensamento de Chomsky e Herman (2003) implica um olhar específico sobre a mídia de massa e sua função simbólica que tem um papel determinado a partir daquilo que deseja a classe dominante, ou seja, a manutenção da estrutura de classes. Nas palavras dos autores tais mídias,
[...] serve como um sistema para comunicar mensagens e símbolos à população em geral. A função dessas mensagens e símbolos é divertir, entreter, informar e incutir nas pessoas os valores, credos e códigos de comportamento que as integrarão às estruturas institucionais da sociedade maior. O cumprimento desse papel, em um mundo de má distribuição de renda e de importantes conflitos de interesse de classes, requer uma propaganda sistemática (Chomsky e Herman 2003, p. 61).
Ainda sobre o caráter celetista do olhar midiático, a dimensão que se alcança na propagação do discurso assume em muitos casos a aprovação social da liberdade de expressão, no entanto, mesmo com o simulacro do discurso, evidencia-se no horizonte a possibilidade de uma reprovação, por ofender algum grupo, ideias, hábitos, crenças e comportamentos. Nesse sentido, cuida-se para que tais pontos de vista não se restrinjam a um único indivíduo, mas que se evidencie um olhar atento sobre as reais implicações sociais, econômicas que orientam o olhar sobre determinada realidade.
Nesse contexto, o manifesto assinado por diversos intelectuais entre eles Chomsky intitulado A later on justice and open debate amplia as possibilidades da reflexão sobre os usos da liberdade de expressão diante de um novo conjunto de relações morais no novo contexto geopolítico. Evidenciando em seu escopo a livre troca de informações e a garantia do direito da liberdade de expressão nos mais diversos veículos midiáticos. A censura atribuída a alguns jornalistas e a demissão de professores, escritores e da comunidade que expressa pareceres contrários aos modelos governamentais são explicitados no manifesto como exemplos de perseguição e de hostilidade e da ameaça de represália por meio dos partidários do governante ou por meio dos próprios órgãos fiscalizadores de censura evidenciando assim, o cerceamento do debate e do pluralismo de ideias que são valores fundamentais nas sociedades democráticas. Os autores do manifesto assim atestam:
Essa atmosfera sufocante acabará por prejudicar as causas mais vitais de nosso tempo. A restrição do debate, seja por um governo repressivo ou por uma sociedade intolerante, invariavelmente fere os que não têm poder e torna todos menos capazes de participar da democracia (Chomsky et al., 2020).
Os autores evidenciam a necessidade de combater os ataques à liberdade de expressão como sendo ataques que causam danos sérios ao modelo democrático e à participação política, inferindo, assim, a possibilidade do contraditório e do desenvolvimento de caminhos possíveis para o fortalecimento das instituições culturais.
A obra Sobre Educação e Juventude, é parte de um diálogo entre o pesquisador Riccardo Mazzeo e sociólogo Zygmunt Bauman, e discute sobre a relação entre a juventude e a educação nos contextos da sociedade líquida de mercado.
A terminologia da modernidade líquida refere-se ao contexto em que as relações que compõem a sociedade e o mundo se encontram em um estado semelhante ao estado liquefeito da matéria, flexíveis e voláteis, onde não há o predomínio da conexão necessária para manter as partes do sólido unidas, conforme podem ser observadas do trecho a seguir
Um aspecto paira sobre os cidadãos do mundo líquido-moderno e todos os seus esforços e criações: o espectro da superfluidez. A modernidade líquida é uma civilização do excesso, da redundância, do desejo e do descarte (...). Na verdade, usar o verbo torna-se não é inteiramente correto, já que os seres humanos têm sido escolhedores desde o momento em que viraram humanos. Mas se pode dizer que em nenhuma outra época a necessidade de fazer escolhas foi tão profunda, nem o ato de escolher se tornou tão dolorosamente embaraçador, conduzido sob condições de dolorosa, mas incurável incerteza, de uma constante ameaça de ficar para trás e ser excluído do jogo, impedido de voltar a ele pela incapacidade de atender às novas demandas (Bauman, 2013, p. 23).
Inseridas nesse contexto, a cultura líquido-moderna vincula-se não mais a uma cultura de aprendizagens e ressignificação de saberes historicamente construídos. Ao contrário, esta nova cultura tem como características o desengajamento, o esquecimento, e a descontinuidade, sendo estas voltadas, especificamente, para o mercado de consumo.
O setor mais almejado pelos mercados, a partir dessa cultura destituída de solidez e fragmentada ainda mais pela capilaridade do liberalismo, é a juventude. Esse grupo social se apresenta com grandes potencialidades de exploração para o mercado de consumo, e também como “rebanho desorientado”, nas palavras de Chomsky (2014). É importante destacar que o corpo jovem é o mais requisitado devido a seu potencial de despertar o interesse para aquisição de bens e serviços e também de servirem-se das redes sociais, tanto enquanto usuários quanto como consumidores em potencial, para o despertar de desejos frente às novidades constantemente propagandeadas. Por outro lado, é importante ressaltar que nem sempre o jovem tem as oportunidades e condições de consumo daquilo que ele mesmo apresenta, e isso ocorre em virtude da falta de oportunidades de estudo, mercado de trabalho e condições de vida satisfatórias.
Inseridos nessa sociedade de consumidores, é crescente a quantidade dos chamados desqualificados, ou seja, jovens que não podem usufruir ou mesmo atingir os padrões esperados pelo mercado. Acrescenta-se a este cenário, também, os significativos descompassos existentes entre as políticas públicas educacionais e as fragmentações e o abandono da escola pública frente ao avanço da educação oferecida pela iniciativa privada.
Os espaços de sociabilidade e a construção das amizades ou outros laços sociais instantâneos, são percebidos como relações de descarte e onde, mais uma vez, percebe-se que há uma influência bastante significativa das relações de mercado para as relações de construção de vínculos afetivos cotidianos. Nesse sentido, reconfiguram-se as relações estabelecidas histórica e socialmente dos papéis sociais que, mais uma vez, parecem ser forjados pela ausência entre a criação de vínculos duradouros e sólidos frente à pretensão de que a juventude, por estar em constante evidência, é uma fase que nunca passará.
Assim como as relações sociais se reconfiguram, assim também deve ocorrer com os processos educativos destes jovens, pois, tal como afirmam Santos et al. (2017), a formação para o uso das tecnologias digitais (TDs) em contextos educativos é o que auxilia a desmistificar o medo da tecnologia e o receio de o professor mostrar-se inseguro na frente dos alunos. A esse respeito Santos (2020) também aponta que o professor se mostrar aprendiz é uma maneira de se aproximar aos alunos, pois estes se veem como participes em um contexto de aprendizagem mútua, e este parece ser o vínculo mais perceptível com a pedagogia freireana, dado que, para Paulo Freire, quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
4. Percurso metodológico
Esta pesquisa faz parte do conjunto de atividades realizadas ao longo do primeiro semestre de 2021, no contexto da disciplina de Educação, Tecnologia e Comunicação, em um programa de pós-graduação stricto sensu em Educação de uma universidade do Distrito Federal, ocasião em que foi discutido sobre o tema “Cancelamento Digital”. A pesquisa foi aplicada anteriormente à exposição do conteúdo conceitual envolvido na temática de Cancelamento Digital buscando relacionar o tema com o fazer docente.
Destaca-se que esta pesquisa está inserida no contexto de um projeto maior sobre contextos emergentes e permanência estudantil, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa mediante o Nº do CAAE: 19886619.0.0000.0029, aprovado em 11 de fevereiro de 2020 mediante parecer número 3.831.497.
A pesquisa é caracterizada por uma abordagem qualitativa que, segundo Poupart (2014, p. 131) tem sido usada para explorar determinadas questões, que, dificilmente, o pesquisador que recorre a métodos quantitativos consegue resolver. Sendo que a geração de dados foi realizada por meio da observação participante e conforme Brandão
[...] a pesquisa participante vai procurar auxiliar a população envolvida a identificar por si mesma os seus problemas, a realizar a análise crítica destes e a buscar as soluções adequadas. Deste modo, a seleção dos problemas a serem estudados emerge da população envolvida, que os discute com especialistas apropriados, não emergindo apenas da simples decisão dos pesquisadores (Brandão, 1999, p. 52).
Com base na definição de Brandão (1999), o pensamento sobre a pesquisa participante exigiu uma prática ativa com os sujeitos de pesquisa, a proposta de produção de material e questionário acerca da possibilidade de o docente ser ou não cancelando a partir de sua prática, possibilitou uma identificação do problema apresentado.
Nesse sentido, a proposta metodológica deste estudo partiu de uma ação que provocou reação e um despertar para o levantamento de necessidade de ampliação da temática que levasse em consideração a discussão tanto no âmbito do stricto senso, quanto de sua ampliação para a educação básica, como é o caso da BNCC e a vasta temática da cultura digital. Analisando as situações locais que devem ser solucionadas e repensadas a partir de uma realidade de forma não verticalizada, mas dialógica pensada conjuntamente com os diversos sujeitos envolvidos no processo pedagógica e escolar.
5. Experiência empírica a partir dos dados gerados com estudantes da pós-graduação stricto sensu
O seminário foi estruturado em dois grandes eixos onde, no primeiro momento, desenvolveu-se a discussão teórica e, no segundo momento, procurou-se identificar de forma colaborativa e cooperativa a ampliação acerca das temáticas apresentadas.
Para a introdução de uma sondagem sobre o cancelamento digital e sua relação entre o exercício docente e a aplicação direta com as competências no contexto escolar, perguntouse aos estudantes participantes da pesquisa, isto é, aos dezoito estudantes da turma de Educação, Tecnologia e Comunicação e de forma diagnóstica e objetiva, a partir de questionário online, se o professor pode sofrer com a cultura do cancelamento.
Entre as respostas coletadas, verificou-se que aproximadamente 16,7% dos mestrandos e doutorandos acreditavam que o professor não poderia sofrer com a cultura do cancelamento. Portanto, aproximadamente 83,3% apontaram que o professor pode sofrer com a cultura do cancelamento, conforme gráfico abaixo.
Observou-se que mesmo a maioria dos respondentes da pesquisa tendo optado por sim, o professor pode sofrer com o cancelamento digital, as análises coletivas observadas a partir do conjunto de interações entre os estudantes, não consideravam as novas competências, habilidades e eixos temáticos permeadas pela BNCC, o novo fazer pedagógico que o professor passa a ministrar e a possibilidade de exposição negativa que o educador pode ter nas redes, acarretando, assim, o cancelamento digital. Inicialmente observou-se que, na compreensão dos estudantes, não existia uma conexão direta entre o cancelamento digital e a aproximação da temática com os documentos orientadores da BNCC.
Após a aplicação do questionário, os estudantes tiveram contato com a definição de Cancelamento Digital, e foram apresentados alguns casos desse novo tipo de exclusão digital, foi feito uma retrospectiva do contexto do ano de 2019 e mencionados alguns acontecimentos mundiais que marcaram o ano pela hostilidade de ações coletivas e individuais. Falou-se dos haters e da cibercultura e apresentou-se como o novo fazer pedagógico do professor poderia acarretar o cancelamento do educador.
Devido ao caráter da pesquisa ser qualitativo, desenvolveu-se o instrumento de coleta, notas analíticas, contendo a percepção e participação das investigadoras. Elas produziram anotações e reflexões ao longo da mediação do seminário, visando favorecer o melhor entendimento do que se observava no momento de interpretar os dados.
Essas reflexões podem ser evidenciadas a partir da fala do participante (P1), que afirmou “esse tema me fez lembrar muito da fala de Voltaire que afirma que podemos não concordar com uma única palavra do que alguém vai dizer, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la”. Importante destacar que a exposição acerca do cancelamento digital levou em consideração não apenas o contexto da cibercultura, mas também seus reflexos no cotidiano de intimidação frente ao posicionamento contrário, sobretudo, quando relacionado ao cotidiano escolar, onde a pluralidade de pensamentos é uma condição inerente ao das aprendizagens significativas.
Uma segunda participante (P2), mencionou que “Eu sou cancelada do Facebook direto, por conta de questões políticas, e direto alguém me bloqueia”. A fala do P2 evidencia sobre como o espaço das redes sociais são forjados por relações menos duradouras e de menor-respeito à pluralidade de opinião e criação de vínculos afetivos. Tais teorias corroboram o que Bauman (2013) explicita em sua teoria acerca da modernidade líquida e sobre como a falta destes vínculos reconfigurem relações mais fragilizadas e, consequentemente, mais suscetíveis aos ataques externos, tais como facilmente se observa na ação dos haters.
O participante (P3) também relatou que o cancelamento pode ser estendido ao espaço de mídias como WhatsApp em uma situação específica onde a pessoa foi removida “falar de cancelamento, principalmente em um grupo de WhatsApp. Vocês nunca sentiram isso? Nossa, quase morri, quando colocaram fulana, tchau! Isso também é um cancelamento”. Outro participante (P4) mencionou que é importante discutir estes conteúdos, pois, em suas palavras:
São discussões que, muitas vezes, ficam de fora do contexto escolar, do contexto universitário, e eles ficam lá no grupo de amigos, no grupo da família, mas essas discussões não vêm para o contexto educativo, e elas precisam estar no contexto educativo justamente pra que a gente possa criar essa consciência e essa criticidade no uso das redes sociais. E, além dessa criticidade, a responsabilidade. Não é porque está disponível, porque foi compartilhado, que eu posso simplesmente me apoderar, por assim dizer, de algo que foi compartilhado por alguém, fazer um uso diferente e não assumir a responsabilidade por quem compartilhou primeiro foi o outro (P4).
A fala de P4 levanta uma importante discussão a que este estudo se propõe a refletir, ou seja, da importância de ampliar os horizontes das temáticas de uma educação para as mídias que contribua para a uma ciberdemocracia e o uso crítico das ferramentas disponíveis para ampliar os conhecimentos dentro e fora do contexto escolar. A esse respeito Hee et al. (2021) sinalizam sobre a importância do desenvolvimento de pensamento e consciência crítica, principalmente desde a educação básica, a fim de conscientizar os sujeitos de que toda a ação tem consequências, porém, na internet, as informações se propagam rapidamente e deixam “rastros” difíceis de se apagar.
Outra atividade prática realizada durante o seminário consistiu na aplicação de um jogo formulado a partir do PowerPoint, que abarcava questões apresentadas ao longo da apresentação acerca do cancelamento digital. O objetivo foi utilizar um jogo de tabuleiro online em uma aplicação de mídia, onde os estudantes foram convidados a participar a partir de perguntas orientadoras sobre os assuntos refletidos durante a aula. Teve a intenção de instigar todos os presentes na participação e envolvimento sobre as temáticas com uma educação para as mídias não necessariamente pensando em um espaço de competição, mas de colaboração para engajar a todos que participam do espaço em rede.
6. Considerações finais
A discussão, estudo e ações acerca do cancelamento digital é realmente como tentar montar um quebra cabeça; demanda atenção, análise e compreensão individual e coletiva, a fim de entender a totalidade e a complexidade sobre o termo e seu significado mais amplo.
Sobre o cancelamento digital, é importante percebermos que a relação entre tecnologias, mídias sociais, internet e professor, e sua prática docente, estão interligados no cenário atual e no futuro educacional, em nível global. Os desafios que se acentuam na temática sobre a cultura do cancelamento ainda são muitos, no entanto, a prática reflexiva, os documentos normativos e o desenvolvimento pedagógico, especialmente na formação docente, são caminhos que devem ser tratados para uma educação digital que, ao mesmo tempo, promova a cidadania global, ética e reflexiva como também ações de uso consciente das mídias.
O estudo sinaliza que a reflexão crítica sobre a cibercultura e o uso consciente das mídias sociais ainda precisam ser aprimorados em ambientes escolares. A BNCC aponta caminhos que precisam ser problematizados e mais compreendidos para promover uma educação digital no âmbito da educação básica, e cabe aos docentes desenvolver alternativas e práticas pedagógicas que se configuram no contexto da formação como saídas estratégicas que demarquem o uso consciente das redes, considerando o diálogo e tendo como finalidade evitar práticas como o cancelamento e a atividade dos haters.
Nesse sentido, é importante compreender que o processo formativo, tanto de estudantes, como de professores, necessita atentar para temáticas emergentes, levando em consideração o contexto digital ao qual milhões de brasileiros estão imersos para que seja possível uma formação voltada para a criticidade, valorização e respeito ao outro, também, em espaços proporcionados pelas mídias digitais. Este seria um caminho inicial para a ampliação das discussões acerca da cultura digital, que traz consigo aspectos positivos e muitos desafios, para sua efetivação no contexto da educação básica, em particular, visando promover uma educação dialógica, emancipatória e transformadora, como propõe o educador brasileiro Paulo Freire.
Referências
Amaral, A. R., y Coimbra, M. P. (2015). Expressões de ódio nos sites de redes sociais: o universo dos haters no caso eu não mereço ser estuprada. Contemporânea. UFBA. Online, 13, 294-310.
Bauman, Z. (2013). Sobre educação e juventude: conversas com Ricardo Mazzeo. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
BRASIL. Ministério da Educação. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília.
Brandão, C. R. (1999). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense.
Chomsky, N. (2014). Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Martins Fontes.
Chomsky, N. et al. (2020). A later on justice and open debate. Revista Harper´s Magazine. https://harpers.org/A-LETTER-ON-JUSTICE-AND-OPEN-DEBATE/.
Chomsky, N., y Herman, E. (2003). A manipulação do público: política e poder econômico no uso da mídia. São Paulo: Futura.
Dicionário Macquarie (2019). Cultura do Cancelamento. https://www.macquariedictionary.com.au/resources/view/word/of/the/year/2019.
Freire, P. (2015). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e terra. Coleção Leitura, 25ª edição.
Hee, A. C. R., Souza Junior, L., y Kohls-Santos, P. (2021). O desenvolvimento do pensamento crítico e a cultura do cancelamento. In P. Kohls-Santos, D. Costa y R.A. Furtado (Orgs.). Educação, tecnologia e comunicação: reflexões teóricas e possibilidades práticas (pp. 66-92). Brasília: JRG. https://doi.org/10.29327/533267.
Kohls-Santos, P. (2021). Educação, Tecnologia e Comunicação e os Espaços Formativos em Tempos de Cultura Digital. In P. Kohls-Santos, D. Costa y R.A. Furtado (Orgs.). Educação, tecnologia e comunicação: reflexões teóricas e possibilidades práticas (pp. 24-35). Brasília: JRG . https://doi.org/10.29327/533267.
Lévy, P. (1999). Cibercultura. São Paulo: Ed. 34.
Poupart, J. (2014). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 4. ed. Petrópolis: Vozes.
Santos, P. K., y Giraffa, L. M. M. (2017). Trajetórias: personalização da aprendizagem em cursos a distância. Curitiba: CRV. https://doi.org/10.24824/978854441783.6.
Santos, P. K. (2020). Permanência na Educação Superior: desafios e perspectivas. Brasília: Cátedra UNESCO e Juventude, Educação e Sociedade. https://socialeducation.files.wordpress.com/2020/05/kohls-permanencia-na-educacao-superior_-web.pdf.
Santos, P. K., Schwanke, C., y Machado, K. G. W. (2017). Tecnologias digitais na educação: possibilidades para o desenvolvimento da educação para a cidadania global. Educação Por Escrito, 8, (1), 129-145. https://doi.org/10.15448/2179-8435.2017.1.27674.
Sibilia, P. (2008). O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Tarlau, R., y Moeller, K. (2020). O Consenso por Filantropia: Como uma fundação privada estabeleceu a BNCC no Brasil. Currículo sem Fronteiras. Rio de Janeiro, 20 (2), 553-603. http://dx.doi.org/10.35786/1645-1384.v20.n2.11.
Notas
Autor notes
*Correspondencia: Luzinete Pereira de Sousa. Correo electrónico: luzinete.sousa@a.ucb.br.