Debate
O Brasil e a independência da Polônia em 1918
Brazil and the Independence of Poland in 1918
O Brasil e a independência da Polônia em 1918
Revista del CESLA, núm. 20, pp. 151-164, 2017
Uniwersytet Warszawski

Recepção: 01 Julho 2017
Aprovação: 30 Setembro 2017
Publicado: 30 Dezembro 2017
Resumo: O Brasil foi o primeiro país da América Latina a reconhecer a independência da Polônia, o que foi um grande sucesso da comunidade polônica brasileira, e sobretudo de Kazimierz Warchałowski. A sua energia, obstinação e devotamento conduziram a efeitos em que poucos anteriormente acreditavam. Isso foi o coroamento dos quinze anos da sua estada no Brasil, durante os quais conheceu preeminentes políticos brasileiros, entre os quais Rui Barbosa e os presidentes do Brasil Venceslau Brás e Nilo Peçanha. O envolvimento deles na causa da Polônia era também o sinal das crescentes aspirações do Brasil a desempenhar um papel mais importante na arena internacional. A I Guerra Mundial trouxe para a Polônia a independência, e para o Brasil, um lugar à mesa da Conferência da Paz em Versalhes. Todos os postulados do Brasil foram aceitos. Graças ao envolvimento na guerra, ampliou-se o significado internacional do Brasil.
Palavras-chave: Brasil, independência da Polônia, comunidade polônica brasileira, relações diplomáticas, história.
Abstract: Brazil was the first country in Latin America that after World War I recognized Poland’s independence. This was a great success for the Brazilian Polonia, especially for Kazimierz Warchałowski. His energy, obstinacy and dedication led to effects in which few previously had believed. This meant the completion of the fifteen years of his stay in Brazil. He had known during this period preeminent Brazilian politicians, such as Rui Barbosa, the presidents Venceslau Brás and Nilo Peçanha. Their engagement in the Polish cause was also a sign of Brazil’s growing aspirations to play a more important role in the international arena. World War I brought Independence to Poland and, to Brazil, a place at the Peace Conference table in Versailles. All Brazilian postulates were accepted there. Thanks to the involvement in the war Brazil saw a growth in its international significance.
Keywords: Brazil, Poland’s Independence, Brazilian Polish community, diplomatic relations, history.
A luta pela independência da Polônia, empreendida por sucessivas gerações de poloneses, provocou reações de simpatia em diversas sociedades, inclusive na brasileira. No século XIX, a chamada questão polonesa era perfeitamente conhecida pelas elites brasileiras da época. Durante um espetáculo apresentado em Paris em apoio aos participantes do Levante de Novembro (de 1831), o imperador do Brasil Dom Pedro I exclamou: Vive la Pologne! Seu sucessor Dom Pedro II, por sua vez, concordou em ingressar como membro de uma associação patriótica polonesa com sede em Rappersville, na Suíça. Em 1907, na II Conferência Internacional da Paz em Haia, na Holanda, o representante do Brasil − Rui Barbosa, um eminente jurista e político, em seus inflamados discursos, por diversas vezes pronunciou-se pela restituição da independência à Polônia (Cf.: Malczewski, Siuda-Ambroziak, 2013: 7-9).
Neste ponto vale a pena lembrar que antes da I Guerra Mundial residia no Brasil uma significativa aglomeração de imigrantes poloneses, que se concentravam nos três estados meridionais, ou seja, no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. A esmagadora maioria dessa colônia polonesa, estimada em 120 mil, era constituída de imigrantes oriundos das camadas camponesas e plebeias de baixa instrução, o que se refletia no seu pequeno envolvimento na questão da independência polonesa[2].
No que diz respeito à participação do Brasil na I Guerra Mundial, inicialmente o país adotou uma posição de neutralidade. Para as autoridades brasileiras, entrar em conflito com a Alemanha era desvantajoso por diversas razões. A diáspora alemã no Brasil era muito numerosa e tinha uma forte representação política. No governo do presidente Venceslau Brás o cargo de ministro das relações exteriores era ocupado por Lauro Müller − um brasileiro de ascendência alemã. Ele acreditava que, preservando a neutralidade, o Brasil poderia tirar vantagens de ambos os lados. No entanto, o Brasil passou a ser pressionado pela Inglaterra para entrar na guerra do lado dos aliados. A posição dos aliados, especialmente da França, era também apoiada pelos círculos intelectuais. E assim, depois que no dia 5 de abril de 1917 o cargueiro brasileiro “Paraná” foi afundado por um submarino alemão, o governo brasileiro rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha. Dois meses depois, no dia 1º de junho, o Brasil revogou a sua declaração de neutralidade, e a armada brasileira começou a apreender os navios alemães estacionados no litoral brasileiro. O Brasil posicionou-se definitivamente ao lado dos Estados aliados no dia 26 de outubro de 1917, após ter declarado guerra à Alemanha. A sua participação nas ações armadas teve um caráter mais simbólico: dois cruzadores patrulhavam as águas do Atlântico Sul no litoral da África e foi enviada à França a Missão Médica Brasileira, juntamente com um grupo de oficiais (Malinowski, 2013: 92-97).
Após a eclosão do conflito europeu, envolveram-se nas questões da independência da Polônia também indivíduos do ambiente polônico. Tenho em mente aqui um pequeno grupo de intelectuais e de operários civicamente conscientizados. Da mesma forma que a sociedade polonesa no país de origem, eles estavam divididos nas chamadas orientações. Uma parte deles via o caminho à independência nos Estados centrais, isto é, a Austro-Hungria e a Alemanha, e uma outra parte, na Rússia, bem como nos seus aliados − a França e a Inglaterra.
Entre os principais entusiastas do primeiro bloco, isto é, dos partidários dos Estados centrais, estavam as pessoas ligadas com o Dr. Simão Kossobudzki, as quais formavam um grupo de convicções esquerdistas, que propagavam posturas laicas e anticlericais. Desde 1912 esse grupo publicava o semanário Niwa (Seara), e posteriormente o Ogniwo (Elo). Em março de 1913 os seus membros fundaram em Curitiba o Comitê de Defesa Nacional, que apoiava na Polônia a Comissão dos Partidos Confederados pela Independência, bem como a cotização em favor do Tesouro Militar Polonês. Essa corrente era também apoiada pelo mais antigo jornal polônico no Brasil, o Gazeta Polska w Brazylii (Jornal Polonês no Brasil), que desde 1912 era publicado pelos padres verbistas. Quando eclodiu a guerra, os “ativistas” anunciaram o seu acesso ao Comitê Nacional Central, com sede em Cracóvia.
O líder dessa corrente política era Józef Piłsudski, que personificava a ação armada, à qual se atribuíam grandes esperanças. Por isso, nos primeiros meses da guerra, alguns representantes desse grupo empreenderam a tentativa de viajar do Brasil à Europa. No final, conseguiram fazer isso apenas algumas pessoas; de portos brasileiros partiram: Juliusz Bagniewski, Roman Pleszewski, Eugeniusy Radliński (que reforçaram as fileiras das Legiões Polonesas); do porto em Buenos Aires: Aleksander Świrski, Władysław Wyrozębski e Wieńczysław Piotrowski (que na França juntaram-se à chamada Legião dos Baioneses)[3]. Naquele período juntaram-se ao campo ativista algumas sociedades de Curitiba e do interior. A orientação favorável às Legiões foi apoiada, por exemplo, pela publicação quinzenal Kolonista polski (O colono polonês), editada e redigida pelo Pe. Antoni Cuber em Ijuí, pela Liga Polonesa de Porto Alegre (Sprawozdanie półroczne z czynności rady Ligi Polskiej…, 1916: 2-3) surgida em 1906, pelo Tygodnik Związkowy (Semanário da União) editado pelo professor Franciszek Hanas em Guarani das Missões (Rio Grande do Sul), bem como pela publicação satírica publicada em Curitiba por Witold Żongołłowicz Człowiek leśny (O homem do mato). Ao agrupamento acima juntou-se o antigo colaborador de Warchałowski, professor da Sociedade das Escolas Pupulares, Konrad Jeziorowski, bem como Michał Sekuła e os imigrantes de antes da guerra Józef Czaki e Juliusz Szymański. Esse agrupamento instituiu em 1916 a União das Organizações Polonesas pela Independência, tendo Szymon Kossobudzki como seu presidente. O agrupamento partidário das Legiões proclamava os seus pontos de vista no semanário Ogniwo (O Elo), que em 1916 se transformou em Pobudka (Toque de Alvorada) e a seguir − a partir de meados de 1918 − começou a ser publicado como Świt (Alvorecer). Para “os objetivos de propaganda do movimento pela independência, pela defesa das ações e da honra das Legiões no exterior” − como escrevia Wierzbowski (1934: 288) – contavam também com a Gazeta Polska w Brazylii (Jornal Polonês no Brasil), propriedade do Pe. Trzebiatowski.
A esse grupo dos “germanófilos”, como eram ironicamente chamados os partidários dos Estados centrais, opunha-se o grupo concentrado em torno de Casimiro Warchałowski e o jornal por ele editado desde 1904 − o Polak w Brazylii (O Polonês no Brasil). Essa facção consolidou-se definitivamente nos primeiros meses de 1915. Seus membros eram partidários da cooperação com a Rússia, e também com os seus aliados: a França e a Inglaterra. Eles acreditavam que a cooperação com a Rússia contribuiria para a união de todas as terras polonesas e, em consequência, para a independência da Polônia.
O nível das emoções nas polêmicas entre essas orientações atingiu uma escala incomum. O Polak w Brazylii era acusado de servir ao tzar, de ser financiado pela Rússia e de servir aos seus interesses etc. Em apoio dessas teses Warchałowski era acusado de ter sido outrora um funcionário russo, o que aliás ele nunca negou (Pro domo sua, 1915: 2). Os partidários de Warchałowski também não mediam palavras, utilizando-se por vezes de argumentos pouco refinados:
O filho do Sr. Warchałowski, Jerzy, agrediu na Rua Aquidaban o Sr. Albin Tomczak, redator da Gazeta Polska. Igualmente o Sr. K. Warchałowski, em razão de um poema ofensivo publicado em Gazeta Polska, atacou e surrou atrás da igreja paroquial o proprietário do jornal, o Pe. Stanisław Trzebiatowski, que após a Missa estava justamente voltando para casa (Wierzbowski, 1934: 289).
O objetivo dos ataques dos partidários de Warchałowski era principalmente a Gazeta Polska w Brazylii. Os partidários da corrente das Legiões no Brasil eram acusados de desinformar e enganar a colônia polonesa, mandando acreditar num “poderoso movimento revolucionário da Polônia, na conquista de Varsóvia, num Governo Nacional polonês e em ficções semelhantes” (Łgarze i fanfaroni, 1915: 2)[4]. Esse era o pretexto pelo qual − como escrevia o Polak w Brazylii − eles arrancavam “os últimos tostões do bolso polonês para a legião galiciana sob comando russo, da qual se sabe que já há muito tempo passou ao serviço austríaco e cujo comando supremo se utiliza desse dinheiro para a propaganda da aliança polono-austríaca” (Pro domo sua, 1915: 2).
Em face da derrota da Rússia nas frentes de guerra, o Polak w Brazylii começou a enfatizar cada vez mais o significado da França na guerra que se travava. Acreditava-se que a vitória dos Estados da Entente, sob o comando da França, significaria a “libertação da Polônia”. “Ao perecer, a Polônia salvou a Primeira República. A Terceira República − escrevia Jerzy Kurnatowski − ao vencer, ressuscitará a Polônia!” (Francja i Polska, 1915: 1-2). Essa concepção, diante do caos na Rússia após a derrubada do Império, tornava-se cada vez mais real. Via-se isso melhor ainda da perspectiva brasileira, principalmente quando o Brasil − depois que a marinha alemã afundou um navio cargueiro seu − rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha e se juntou à guerra. Nessa situação Warchałowski convocou os compatriotas para uma assembleia em Curitiba para − como se escreveu − “leal e categoricamente definir a nossa relação com a nação brasileira e a posição que a colônia polonesa assumirá em caso de guerra” (Warchałowski, 1917: 3). A assembleia, que se realizou no dia 29 de abril na sede da Sociedade da Escola Popular, escolheu um comitê (representando os participantes)[5] e aprovou uma resolução que foi entregue ao presidente do Estado do Paraná − Dr. Affonso Camargo[6]. A resolução expressava a solidariedade com a nação brasileira e o irrestrito apoio ao Brasil diante do conflito que se avizinhava (Wiec polski, 1917, maio: 2-3).
Enquanto preeminentes representantes da coletividade polonesa no Sul do Brasil estavam envolvidos na luta interna provocada pela orientação político-militar ou com a coleta de recursos, um pequeno grupo de poloneses estabelecidos no Rio de Janeiro empreendeu uma ação diplomático-propagandística em prol da independência da Polônia. A coletividade polonesa no Rio de Janeiro nunca foi numerosa. Antes da I Guerra Mundial não passava de 500 pessoas. Para pessoas que lutavam pela vida num país estrangeiro, tornava-se difícil encontrar tempo para a ação social. Os líderes da Sociedade Beneficente e Cultural Polonesa, fundada por Jadwiga Jahołkowska, escreviam a esse respeito a Ignacy Paderewski, que em 1911 havia vindo ao Rio com uma série de concertos:
A manutenção de uma Sociedade Polonesa no Rio de Janeiro é um peso grande demais para a pequena colônia que aqui constituímos e, se agora ela já é a terceira tentativa seguida de levantar o Estandarte Polonês no Rio de Janeiro, não podemos nos livrar do terrível receio de que esse fato pode se nada mais do que o terceiro anúncio do gemido de dor que nós, pobres náufragos, vamos emitir se também nesta terceira vez tivermos de soltar das nossas mãos essa bandeira que com tanto orgulho e amor carregamos (Arquivo de Ignacy J. Paderewski, 1911: 50-51).
Tanto maior a admiração que deve despertar o fato de que os representantes deste pequeno grupo de poloneses, com o seu então presidente Jakub Kosiński, no dia 3 de outubro de 1916, quando entregaram a Rui Barbosa, conselheiro jurídico do governo da República Brasileira, um memorial com o pedido de apoio à causa da independência da Polônia. No ano seguinte a ação da colônia polonesa no Rio de Janeiro não apenas não cessa, mas até se intensifica. Serviu de impulso para isso um decreto do presidente da França Raymond Poincaré do dia 4 de junho de 1917 instituindo “um exército polonês autônomo permanecendo sob as ordens do comando comum francês e lutando sob o estandarte polonês” (Dmowski, 1988: 29; Pasta de S. Laudański, 1923: 195). Alguns dias depois, por iniciativa de Edward Płużański, foi elaborado o estatuto do Comitê Nacional Polonês, que foi aprovado no dia 8 de julho de 1917 durante um comício da coletividade polonesa no Rio de Janeiro. Para seu presidente foi escolhido Jakub Kosiński, o cargo de vice-presidente foi ocupado por Witold Zaręba, e o de secretário − por Wacław Teodorkowski (Sprawozdanie Komitetu Narodowego…, 1918: 6; Grabowski, 1939: 153; Komitet Narodowy Polski w Brazylii, 1917). No dia 16 de setembro a diretoria do Comitê Nacional Polonês saudou solenemente no Rio de Janeiro o tenente Henryk Abczyński, delegado da Missão Militar Franco-Polonesa[7], que tinha vindo ao Brasil com o objetivo de recrutar voluntários para o Exército Polonês que se formava sob o comando do general Józef Haller[8]. A missão de Abczyński, da mesma forma que as ações do Comitê Nacional Polonês, e posteriormente as de Warchałowski, eram apoiadas pelo ministro plenipotenciário da França no Rio de Janeiro, Paul Claudel. Infelizmente, a ação de recrutamento para o Exército Polonês na França, apesar de ter sido apoiada pelo Comitê Nacional Polonês, não foi bem-sucedida. Viajaram à França apenas 12 voluntários: 10 do Rio de Janeiro (7 em outubro e 3 em dezembro de 1917) e 2 de São Paulo (em fevereiro de 1918) (Sprawozdanie Komitetu Narodowego Polskiego…, 1918: 8).
Após a vinda de Abczyński a Curitiba − a pedido do conhecido escritor Wacław Gąsiorowski − envolveu-se na ação de recrutamento o Sr. Warchałowski (Documentos de J. e K. Warchałowski (1917). Por iniciativa sua, no dia 14 de outubro de 1917 realizou-se em Curitiba uma assembleia durante a qual foi feito um apelo ao ingresso no Exército Polonês na França (Wiec Polski w Kurytybie, 1917: 3-4)[9]. Infelizmente, a coletividade polonesa desavinda e dividida não apoiou esse projeto. Viam de forma crítica a missão de Abczyński sobretudo os partidários de Piłsudski. “Sim, a França necessita de pessoas, então para consegui-las está disposta a anunciar a formação de um exército judeu, tártaro etc.” − escrevia já em agosto de 1917 Kazimierz Ryziński no Pubudka (1917, agosto 10: 2-3)[10]. Dois meses depois o Pobudka escrevia: “Perguntemos o que é a missão do Sr. Abczyński. Recrutamento para o «Exército Polonês»? Não − uma luta contra a Polônia” (Grajmy w otwarte karty, 1917: 3-4). O Gazeta Polska w Brazylii acreditava, por sua vez, que os voluntários poloneses eram necessários à França como “carne de canhão”. O jornal sustentava a posição de que a única forma armada nativa eram as Legiões Polonesas (Komedia werbunkowa, 1917: 1).
No dia 26 de outubro de 1917 o Brasil declarou guerra à Alemanha e juntou-se às lutas ao lado dos Estados aliados. Alguns dias depois, a 13 de novembro de 1917, o ministro das relações exteriores do Brasil, Nilo Peçanha, em resposta a uma proposta de paz do papa Bento XV, sinalizou a possibilidade de reconhecer a independência da Polônia (“reconhecer (...) restituída a liberdade à Polônia”; Resposta do Brasil…, 1921). Uma expressão da situação política modificada no mundo foi também o memorial − assinado por Warchałowski e Kosiński − apresentado no dia 22 de novembro ao ministro das relações exteriores do Brasil. Nesse documento o governo brasileiro era informado a respeito da declaração do Governo Provisório russo de 29 de março de 1917 sobre a causa da independência da Polônia, da declaração do presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, sobre a necessidade um Estado polonês independente, bem como da posição favorável da Entente à causa da independência da Polônia. Os autores enfatizavam também o fato do surgimento, em Paris, do Comitê Nacional Polonês, cujo representante em território brasileiro era o Comitê Nacional Polonês (AAN, Documentos de J. e K. Warchałowski,1917: 85-88). Além disso, no memorial havia um parágrafo em que se pedia o reconhecimento:
da existência da nossa nacionalidade e a autorização para a instituição de uma organização política que tenha por objetivo servir de intermediária entre os nossos compatriotas emigrados e o governo brasileiro, bem como expedir certificados de nacionalidade aos poloneses (AAN, Documentos de J. e K. Warchałowski, 1917: 85-88).
Durante uma outra assembleia, que se realizou no dia 16 de dezembro de 1917 em Curitiba[11], com a participação do tenente Abczyński, foi instituído um Conselho Nacional de 25 pessoas, que por sua vez constituiu o Comitê Central Polonês, tendo Warchałowski como presidente[12]. Apesar dos distúrbios iniciais − “provocando barulho e algazarra, alguns indivíduos tentavam perturbar as discussões” (Wiec polski, 1917, dezembro 19: 3), após o afastamento deles a reunião transcorreu num ambiente sereno. Encerrou-se à noite no Teatro Guaíra com uma solenidade da qual participaram “representantes de autoridades estaduais, federais, militares e civis, bem como cônsules dos Estados aliados”[13]. Esse foi um passo importante para que o Comitê Central Polonês fosse reconhecido oficialmente como a representação do Comitê Nacional Polonês em Paris. Tanto mais porque o Comitê obteve das autoridades brasileiras a autorização para expedir certificados de nacionalidade polonesa, e por um ato do dia 18 de janeiro de 1918 essas autoridades reconheceram o direito da Polônia à independência e a possuir no Brasil a sua própria representação (AAN, Documentos de J. e K. Warchałowski, 1917, dezembro 6: 82).
Com menor entusiasmo tratavam as autoridades brasileiras a ação de recrutamento dirigida por Abczyński e Warchałowski, o que resultava não somente − como em geral se acredita − de razões econômicas (da colheita em curso) (Ignatowicz, 1979: 146), mas principalmente políticas. O governo brasileiro tratava os poloneses nascidos no Brasil como seus cidadãos. Após a declaração de guerra aos Estados centrais, o Brasil estava se preparando para operações bélicas (estava sendo elaborado um estatuto sobre o recrutamento geral). Eram essas as verdadeiras razões da aversão das autoridades à ação recrutadora. Apesar disso Abczyński e o seu companheiro Warchałowski realizaram duas visitas − no final de 1917 e no início de 1918 − às colônias polonesas no Paraná e no Rio Grande do Sul[14]. “O clero combatia a minha ação dos púlpitos, ameaçando os colonos com os tormentos do purgatório se participassem das reuniões realizadas por mim” − escrevia Abczyński (AAN, Pasta de S. Laudański, 1923: 199). Não foram de muita valia a esse respeito as vantajosas condições financeiras que eram oferecidas aos voluntários poloneses e às suas famílias (AAN, Pasta de J. e K. Warchałowski, 1917), que eram bem mais vantajosas do que as oferecidas aos voluntários poloneses dos Estados Unidos que se alistavam no exército polonês na França. Infelizmente, apesar dos esforços, do campo de recrutamento em Curitiba, fundado na propriedade de Warchałowski no bairro de Bacacheri, partiram para a França pouco mais de 100 voluntários[15].
Os voluntários poloneses viajaram à França em vários grupos. O primeiro, contando 45 voluntários, partiu no dia 22 de janeiro de 1918. Foi conduzido pelo subtenente Jerzy Warchałowski, que em breve foi destinado ao estado-maior do general Haller (Polak w Brazylii, 1918, janeiro 22: 1). Um segundo grupo, contando 7 pessoas, partiu de Curitiba no dia 14 de fevereiro de 1918 (Polak w Brazylii, 1918, fevereiro 15: 3). O terceiro grupo − contando 22 voluntários − foi comandado pelo redator de Gazeta Polska, o tenente Julian Malinowski. Esse grupo partiu de Curitiba em março e chegou a Marselha no dia 17 de julho de 1918 (Polak w Brazylii, 1918, setembro 17: 2-3)[16]. Ludwik Warchałowski, filho de Kazimierz, comandou por sua vez o quarto grupo de voluntários, que partiu do Brasil em maio e desembarcou em Bordeaux em agosto de 1918 (AAN, Documentos de J. e K. Warchałowski, 1918, maio 24: 2; 1918, agosto 27: 3). O quinto e último grupo partiu em julho de 1918 e era composto de 8 pessoas (AAN, Documentos de J. e K. Warchałowski, 1918: 72-78).
Muito importantes no processo de o Brasil reconhecer a independência da Polônia foram as decisões da Conferência que se realizou em Versalhes no dia 3 de junho de 1918 e na qual foi adotada uma resolução que afirmava: “A criação de uma Polônia unida, independente e com acesso ao mar constitui uma das condições para uma paz permanente e justa e para a restituição da legalidade à Europa” (Pajewski. 1978: 321). Em território brasileiro esses propósitos em postos em prática pelo legado francês Claudel; no dia 10 de agosto ele encaminhou a Peçanha uma nota na qual pedia o posicionamento do governo brasileiro em relações às questões mais importantes do ponto de vista da Polônia, por exemplo:
1) que o governo brasileiro reconhece a nacionalidade polonesa;
2) que, com o objetivo de dar a esse reconhecimento uma forma eficaz e prática, reconhece, a exemplo dos Estados Aliados, o Comitê Nacional Polonês e Paris como o órgão oficial da nacionalidade polonesa;
3) que unicamente o Comitê Central Polonês, como representante do Comitê Nacional Polonês em Paris, possui o título para agir e falar no Brasil em nome da Polônia, bem como para a expedição de certificados de nacionalidade[17].
Na resposta do dia 17 de agosto de 1918, encaminhada ao legado francês, o ministro das relações exteriores do Brasil anunciou oficialmente que o Brasil reconhecia a Polônia independente e unida. A nota continha também a afirmação de que “o Governo Federal reconhece assim a nacionalidade polona; reconhece também, com as demais nações aliadas, o Comitê Nacional de Paris, seu órgão legítimo, e dá ao Comitê Central no Brasil eleito pelo voto livre dos polonos a necessária força para falar em seu nome e conceder os certificados de sua nacionalidade” (Arquivo Histórico do Ministério, 1918: 1-2; 1921)[18].
Com isso o Comitê Central Polonês tornou-se o representante oficial da coletividade polonesa no Brasil, bem como do Comitê Central Nacional em Paris. A solenidade da bênção e do hasteamento da bandeira na sede provisória do Comitê Central Polonês no Rio de Janeiro realizou-se no dia 31 de agosto de 1918. Participaram dela muitos políticos brasileiros (juntamente com Peçanha), legados dos Estados aliados (francês, belga, inglês, português, o representante do embaixador dos Estados Unidos, o chargé d’affaires russo), escritores e jornalistas. A bênção da bandeira foi realizada pelo salesiano Pe. Teodor Kólczycki, de Niterói.
Esse ato − dizia Warchałowski − que após o reconhecimento pelo Brasil da nacionalidade polonesa, bem como do direito à representação diante do Governo Brasileiro, permite-nos cobrir com o nosso estandarte, esse símbolo da independência e da soberania, uma nesga desta nobre terra brasileira, nos é duplamente caro e duplamente para nós comovente: significa, com efeito, a ressurreição da nossa Pátria (Niepodległość Polski, 1919: 87).
De iure o governo brasileiro reconheceu o Estado polonês, e concretamente o governo de Ignacy J. Paderewski (16.01-09.12.1919) no dia 15 de abril de 1919. A solene entrega das credenciais pelo primeiro representante da República da Polônia, o legado Ksawery Orłowski, ao presidente dos Estados Unidos do Brasil, Epitácio Pessoa da Silva, realizou-se no dia 17 de maio de 1920.
Ao acreditar o Legado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário Ksawery Orłowski – o Governo da República da Polônia desejou comprovar quanto lhe é importante o estabelecimento das relações oficiais entre ambos os Estados − relações que de facto existem entre os nossos Estados já há mais de meio século. Há 52 anos da Polônia, riscada do mapa político da Europa pela primeira vez partiram os seus filhos para no Brasil buscar um céu mais sereno e uma sorte melhor que aquela que lhes proporcionava o jugo dos invasores. A Polônia não deixou de interessar-se pelos seus filhos forçados à emigração, que com a etiqueta de russos ou alemães trabalharam para o desenvolvimento deste maravilhoso país, tendo encontrado aqui o pão e uma outra Pátria (Mazurek, 2010: 4).
As credenciais do primeiro legado extraordinário e ministro plenipotenciário dos Estados Unidos do Brasil, Rinaldo de Lima e Silva, foram recebidas, por sua vez, pelo Chefe de Estado polonês, Józef Piłsudski, no dia 3 de junho de 1921.
O surgimento de uma Polônia independente foi para a comunidade polônica brasileira um acontecimento significativo. Despertou um entusiasmo incomum entre os emigrados e contribuiu para a intensificação da atividade sociocultural nas colônias polonesas. Ninguém já podia lançar contra o colono as ofensivas palavras “polaco sem bandeira”, o que mais dolorosamente afligia o emigrado da Polônia. A alegria pela recuperação da independência da Pátria distante não fez, porém, com que os imigrantes poloneses se esquecessem do país em que viviam − do Brasil. Em fevereiro de 1925, em Curitiba, capital do estado do Paraná, a coletividade polonesa local financiou − por ocasião do centenário da independência do Brasil − o monumento do “Semeador”, executado por um filho de imigrantes, João Zaco Paraná. A existência de uma numerosa coletividade polonesa no Brasil tem servido de inspiração para a abordagem da temática brasileira para cientistas, viajantes e escritores poloneses. O fruto disso é uma grande massa de trabalhos científicos, reportagens, memórias, contos e romances que descreve não apenas as condições de vida dos colonos poloneses, mas também o exotismo, a beleza e a riqueza da natureza brasileira.
Referências
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Notas
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