Debate

Travessia sem volta. Judeus poloneses refugiados no Brasil, 1939-1945

Crossing with No Return: Polish Jews in Brazil, 1939-1945

Maria Luiza Tucci Carneiro [1]
Universidade de São Paulo, Brasil

Travessia sem volta. Judeus poloneses refugiados no Brasil, 1939-1945

Revista del CESLA, núm. 22, pp. 7-52, 2018

Uniwersytet Warszawski

Recepção: 03 Setembro 2018

Aprovação: 19 Janeiro 2019

Resumo: Este artigo analisa a condição diaspórica dos judeus poloneses que buscaram refúgio no Brasil desde 1939, após a ocupação da Polônia pela Alemanha, até 1950, quando milhares de ex-prisioneiros dos campos de concentração buscavam por suas famílias, seus lares e suas identidades. Muitos traziam no braço a tatuagem recebida em Auschwitz como sinal de que haviam sido marcados para morrer. Dentre estes estavam dezenas de poloneses cujas vidas haviam sido esfaceladas pelas ações genocidas da Alemanha nazista e países colaboracionistas. Sem querer retornar à Polônia, sua terra natal, vislumbravam a Palestina e, posteriormente, o Estado de Israel, como a Terra Prometida onde encontrariam a paz e poderiam reabilitar sua identidade judaica. Outros, optaram por viver em países onde as comunidades judaicas estavam melhor estruturadas, como nos Estados Unidos, Argentina e Brasil. O fato de existir um elo familiar em algum lugar era o suficiente para definir a escolha de uma futura pátria, pois a maioria sentia-se perdida, sem referências. No entanto, os governos brasileiros de Getúlio Vargas (1937-1945) e Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), definiram esta emigração como um fator de risco para a nação e o povo brasileiro, razão pela qual foram promulgadas Circulares, Resoluções, Ordens de Serviço, a maioria em caráter secreto e confidencial, com o objetivo de restringir a entrada dos judeus “indesejáveis”.

Palavras-chave: Alemanha, antissemitismo, emigração, Judeus, nazismo, Polonês.

Abstract: This article analyzes the diasporic condition of Polish Jews who sought refuge in Brazil from 1939, after Germany’s occupation of Poland, until 1950, when thousands of former concentration camp inmates searched for their families, homes and identities. Many bore the tattoos that were stamped on their arms in Auschwitz as a sign of having been marked for death. Among them were dozens of Poles whose lives had been shattered by the genocidal actions of Nazi Germany and collaborationist countries. Not willing to return to Poland, their homeland, they glimpsed Palestine and, later on, the State of Israel, as the Promised Land, a place where they would find peace and rehabilitate their Jewish identity. Others chose to live in countries where Jewish communities were better structured, such as the United States, Argentina and Brazil. The fact of having a family connection somewhere was enough to define their choice of a future homeland, because most felt lost, without any references. However, the Brazilian governments of Getúlio Vargas (1937-1945) and Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), defined this immigration as a risk factor for the nation and for the Brazilian people, which is why Memos, Resolutions, Service Orders, most of them secret and confidential, were promulgated, aimed at restricting the entrance of “undesirable” Jews.

Keywords: Germany, anti-Semitism, emigration, Jews, Nazis, Polish.

Introdução ao tema

O movimento imigratório que abala a Europa nos dias atuais tem sido interpretado como um “colapso humanitário”. Milhares de refugiados têm entrado clandestinamente através da Grécia, Macedônia e Itália, fugindo de conflitos na Síria, Iraque e Afeganistão. Movidos pelo desespero, tentam alcançar à Alemanha, Suécia, França e Inglaterra. Critica-se a passividade de alguns países da União Europeia diante das milhares de mortes no Mediterrâneo, sendo raras as soluções para o acolhimento das centenas de crianças, jovens, adultos e idosos. Muitos morrem em pleno mar, sem conseguir chegar em terra firme, dadas as péssimas condições dos barcos clandestinos que comercializam “promessas de salvamento”. Para as autoridades dos países de destino os refugiados são considerados como “grupo de risco”, pois colocam em perigo a economia, a segurança nacional abalada pelo terrorismo e a composição étnica da população. Desta vez, os refugiados não são judeus, mas fogem das violências perpetradas por regimes ditatoriais, principalmente no caso da Síria.

Tradicionais estereótipos racistas e de discriminação são ainda hoje acionados pelas autoridades que não aprenderam a lidar com as diferenças e a expressar solidariedade, valores tão caros aos Direitos Humanos. Portanto, os estudos sobre a Diáspora Judaica no século XX podem nos ajudar a encontrar novas formas institucionais e ações políticas que ofereçam soluções efetivas para estes “novos atores coletivos transnacionais num mundo globalizado”, como muito bem sugere Bernardo Sorj em seus escritos (Sorj, 2004: 53-54).

Este cenário, ao meu ver, repete cenas e emoções (guardadas as suas dimensões) vivenciadas pelos judeus refugiados do nazismo que, entre 1933-1945, vagaram por países da Europa sem rumo certo, sem expectativas de vida e sem documentos. Estas duas situações - dos refugiados do nazismo e dos refugiados hoje – são preocupantes tendo em vista as lições do passado. São fenômenos semelhantes que guardam suas singularidades considerando os processos de globalização e transnacionalização que interferem nos movimentos de massa neste século XXI, como muito bem definiu Marta Topel em seu artigo “Terra prometida, exílio e diáspora” (Topel, 2015: 331-352).

Para este ensaio optamos por analisar a condição diaspórica[2] dos judeus poloneses que emigraram para o Brasil desde a ocupação da Polônia pela Alemanha em 1939, estendendo-se até 1950, nos primeiros anos do pós-guerra. Neste momento, milhares de ex-prisioneiros dos campos de concentração buscavam por suas famílias, seus lares e suas identidades. Muitos traziam no braço a tatuagem recebida em Auschwitz como sinal de que haviam sido marcados para morrer. Dentre estes estavam dezenas de poloneses cujas vidas haviam sido esfaceladas pelas ações genocidas da Alemanha nazista e países colaboracionistas. Sem querer retornar à Polônia, sua terra natal, vislumbravam a Palestina e, posteriormente, o Estado de Israel, como a Terra Prometida onde encontrariam a paz e poderiam reabilitar sua identidade judaica. Outros, optaram por viver em países onde as comunidades judaicas estavam melhor estruturadas como nos Estados Unidos, Argentina e Brasil. O fato de existir um elo familiar em algum lugar era o suficiente para definir a escolha de uma futura pátria, pois a maioria sentia-se perdida, sem referências. Segundo William Safran, importante estudioso das diásporas, interfere aqui o sentimento de solidariedade que “atravessa as fronteiras dos Estados nacionais nos quais se encontram as diásporas” (Safran, 2005: 36-60).

Aqueles que vieram para o Brasil, participaram da última grande leva da imigração polonesa interpretada como um dos mais importantes fluxos imigratórios da História do Brasil Contemporâneo. Este segmento marcou a Diáspora judaica no século XX por ser composto de refugiados e/ou exilados poloneses que desembarcaram no Brasil entre 1939-1945, passando antes pela Espanha e Portugal, considerados como países de trânsito. Alguns optaram pelo exílio temporário seguindo, após o término da guerra, para os Estados Unidos, França, Argentina, Chile ou Canadá. Após a Guerra, raros quiseram retornar aos seus países de origem, principalmente aqueles que haviam deixado a Alemanha, Polônia, Áustria e Hungria. O trauma e a dor vivenciados por aqueles que perderam seus familiares ou haviam passado por guetos e campos de extermínio, eram mais fortes que o sentimento de pertencimento. Durante décadas viveram uma espécie de “exílio interior”, negando-se a buscar por suas raízes, atitude que está sendo reavivada entre os seus descendentes, filhos e netos que, até então, nada ou pouco sabiam[3].

Grande parte dos poloneses que tentavam ingressar no Brasil fugindo das perseguições nazistas, tinham como ponto de fuga a Polônia ocupada e a Alemanha. Aqueles que conseguiam ingressar no Brasil, estabeleciam-se principalmente nos grandes centros urbanos, distinguindo-se das levas anteriores da imigração polonesa que, desde o final do século XIX até o início do século XX, trouxeram para o Brasil milhares de colonos direcionados para a zona rural por companhias de colonização. Durante o período de entre-guerra este perfil começou a ser alterado devido o alto índice de desemprego, a miséria e a fome, principalmente nos centros urbanos do Leste Europeu. A partir da ascensão do nazismo na Alemanha em 1933 e a proliferação do antissemitismo em vários países europeus, configurou-se um outro momento para a Diáspora judaica: a fuga em massa de judeus, muitos dos quais, apátridas. Eram intelectuais, artistas, cientistas, operários e técnicos cujo legado cultural para os países que os acolheram ainda está por ser avaliado. Para o caso do Brasil, citamos o ator e cenógrafo de teatro Zbigniew Ziembiński, o poeta Julian Tuwim e os pianistas Alexandre Sienkiewicz e Felicja Blumental.

A imigração forçada dos judeus poloneses radicados no Brasil entre 1939-1950 deve ser interpretada no contexto de um amplo movimento diaspórico provocado pelas ações genocidas sustentadas pela Alemanha nazista e países colaboracionistas. Esta dispersão coletiva foi motivada por um conjunto de fatos que provocaram a dispersão de milhares de judeus pela Europa e a fuga para os Estados Unidos, Austrália e alguns países latino-americanos, dentre os quais a Argentina, Chile e o Brasil, onde existiam comunidades de apoio. Para os judeus sobreviventes do Holocausto estes fatos são lembrados como ocorrências traumáticas, enquanto memória coletiva e individual gerando, assim, uma herança histórica-cultural.

A Polônia como perigo político

As levas de judeus refugiados do nazismo radicados no Brasil (1933-1945) diferenciam-se dos movimentos de colonização dos tempos modernos, constituídos, sobretudo, de grupos organizados que, com autorizações diretas dos poderes políticos, visavam objetivos governamentais. Ou então, como aconteceu no século XIX e início do XX, quando famílias inteiras ou indivíduos isolados deixaram suas pátrias em busca de melhores condições de vida. Muitos trocaram seu país de origem pela promessa de um nível de vida mais elevado em uma nova terra onde pudessem se estabelecer. Foi com esse espírito que muitos italianos, alemães, poloneses e russos vieram “fazer a América” no Brasil. Calcula-se que, entre 1825 e 1925, cerca de sessenta milhões de cidadãos deixaram a Europa para se estabelecerem em territórios americanos. Até então, esses indivíduos se locomoviam livremente, ainda que forçados por condições miseráveis de ordem econômica e existencial, ainda que fugindo das manifestações antissemitas que, nas décadas do século XX, proliferavam por vários países da Europa.

Desde 1933, alteravam-se os motivos e os perfis dos judeus que, desesperadamente, procuravam deixar a Europa em direção ao continente americano. Estimulada artificialmente por métodos governamentais adotados pela Alemanha, a diáspora dos refugiados do nazismo antecipou as dimensões de uma tragédia que estava por vir. Nesse contexto, a Conferência de Evian, convocada pelo governo norte-americano e realizada entre 6-15 de julho de 1938, deve ser interpretada como um primeiro sinal de alerta para uma grave situação de anormalidade[4]. A discriminação e o constrangimento praticados contra os grupos minoritários e o desprezo pelos direitos humanos elementares foram considerados por Myron C. Taylor, então presidente daquele encontro e representante dos Estados Unidos, como “contrários aos princípios a que estamos acostumados a considerar como representantes de regras admissíveis de civilização”. A partir desse momento, o problema deixava de ser de interesse puramente privado para se tornar um problema relevante de intervenção governamental, sobretudo por ser de ordem humanitária[5].

No entanto, a mobilização da população judaica na Europa em direção aos países da América – no que diz respeito às políticas emigratórias – era dificultada por um conjunto de fatores a serem aqui considerados: o sistema de cotas adotado pelos Estados Unidos em 1922 e 1924, e pelo Brasil a partir de 1934, como restrição legal que impunha um número de emigrantes por nacionalidades; o procedimento das autoridades encarregadas da emigração, assim como de órgãos diplomáticos competentes (embaixadas, consulados e legações), que, com base em uma legislação restritiva e em valores antissemitas, dificultavam a entrada no Brasil por meio de complicadas formalidades; alteração na composição social dos emigrantes em consequência dos dispositivos legais adotados pelos países ocupados pelos nacional socialistas e, a partir de 1938, pela Itália fascista.

O conceito de refugiado político tornou-se muito mais amplo, implicando, também, no conceito de emigração forçada. Nessa categoria, os refugiados judeus apresentavam-se como um problema particular (e angustiante) do ponto de vista das minorias nacionais. Transformaram-se em uma das questões mais delicadas a serem tratadas pelos conferencistas de Evian, visto que nem todos os países estavam interessados em abrigar esse tipo de indivíduo. A Argentina, desde o momento em que foi convidada para o encontro em Evian, questionou o termo refugiado político, considerando que aqui não se tratava de simples emigrantes. Alegava que não haveria necessidade de nenhuma comissão especial, pois, por norma e costume, a maioria dos países já os recebia oferecendo-lhes a necessária hospitalidade[6]. No entanto, a realidade era outra.

O Brasil, como outros países latino-americanos, havia adotado desde 1934 uma política imigratória que dificultava o processo de acomodação desses milhares de refugiados apátridas. Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), que assumiu o governo brasileiro entre 1930-1945, valia-se de seus próprios medos para justificar um conjunto de atos xenófobos e racistas. Mesmo no pós-guerra, quando o mundo tomou ciência da barbárie cometida nos campos de extermínio nazistas, o presidente eleito Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) manteve circulares normas antissemitas secretas e confidenciais contra a entrada de israelitas, fechando os olhos à ação da Missão Militar Brasileira, que, instalada em Berlim em 1946, acobertava a entrada de nazistas no país (Senkman, 1994: 263-298).

Arnaldo de Souza Paes de Andrade – chefe do Estado-Maior do Exército e homem afinado com o ideário racista e com as práticas repressivas adotadas pelo governo Vargas contra os “subversivos da ordem”, leia-se comunistas – pronunciou-se acerca do projeto étnico-político sustentado pelo regime. Atendendo ao pedido do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Paes de Andrade opinou sobre assuntos de imigração. Naquele momento, o governo polonês tentava conseguir o apoio do Brasil na Repartição Internacional do Trabalho em Genebra, com o objetivo de colocar em discussão na Liga das Nações, entre os problemas básicos internacionais, o tema da emigração. Medidas de emergência deveriam ser acionadas levando em consideração a força alcançada pelo nacional-socialismo na Alemanha, a proliferação do antissemitismo na Europa e o grande número de judeus poloneses que começavam a deixar a Polônia. O governo polonês propunha uma ação conjunta internacional, quer seja do ponto de vista organizacional, quer seja do financeiro, a fim de tornar possível uma ação colonizadora em grande escala. Sua intenção era de atuar junto ao Bureau Internacional do Trabalho com o objetivo de:

a. criar no seio daquela organização células especiais que se ocupassem dos problemas de imigração;

b. elaborar um relatório sobre imigração que deveria apontar os problemas internacionais de colonização, além de sugerir soluções;

c. tentar viabilizar os créditos internacionais, a fim de tornar possível uma ação colonizadora em larga escala;

d. convocar a Comissão Internacional de Peritos a apresentar-lhes os problemas que poderiam produzir resultados concretos[7].

Fundamentando-se em informações fornecidas por Jorge Latour – encarregado dos Negócios do Brasil na Polônia e um dos mais ferrenhos diplomatas antissemitas brasileiros atuantes neste período –, Paes de Andrade respondeu ao Ministério das Relações Exteriores que tais questões expressavam os “interesses imperialistas” da Polônia[8]. Considerava os filhos dos poloneses nascidos no estrangeiro como “indesejáveis” por manterem um espírito continuamente voltado para a pátria de origem. Nessa perspectiva, enquadrava os poloneses no modelo de infiltração dos povos expansionistas, que visavam a criação de núcleos onde era impossível a assimilação do estrangeiro, ou seja: “criavam quistos territoriais dentro de nossa Pátria”. Segundo Paes de Andrade, esse modelo já havia sido tentado pelos japoneses com a diferença de que estes eram indubitavelmente um fator de trabalho e de progresso.

Para o chefe do Estado Maior do Exército, qualquer iniciativa contrária à entrada de poloneses no Brasil não seria novidade, pois, visando melhorar a nossa raça, já havíamos nos posicionado anteriormente contra a imigração de negros americanos e refugiados do Iraque, estes localizados na Guiana Inglesa. Na sua opinião, o Brasil “temia a infiltração d’esses nômades indesejáveis” e, do ponto de vista qualificativo, também temia os poloneses judeus: “[...] homens sem profissão e sem trabalho, provavelmente comunistas”[9]. Para Paes de Andrade, deveríamos negar a entrada aos poloneses judeus, pois estes, além de “[...] serem avessos ao trabalho agrícola, só imigravam para o Brasil para entregarem-se às especulações de um baixo comércio, e após, conseguidas a cidadania brasileira e economias, regressar ao país de origem”. Como exemplo dessa situação, cita o caso dos imigrantes judeus alemães que, depois de se naturalizarem no Brasil, regressaram à Alemanha sob o amparo das leis brasileiras.

Defendendo a sustentação de uma política imigratória seletiva, o chefe do Estado Maior do Exército desaconselhou, em tese, a emigração em massa de poloneses para o Brasil. Segundo Andrade, eles “viriam constituir colônias, encravadas e isoladas em territórios do Sul”. Em tese porque considerava que as diretrizes desse vasto programa já estavam sendo “inteligentemente estudado e orientado” pelo Ministério do Trabalho através do Conselho Nacional de Imigração (CNI). Importante lembrar que o CNI tinha como atribuição: a. determinar as cotas anuais de admissão de estrangeiros; b. propor ao governo as medidas necessárias para promover a assimilação e evitar a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território; c. estudar o problema relativo à seleção dos imigrantes, à antropologia étnica e social, à biologia racial e à eugenia[10].

Ponderando as vantagens e desvantagens acarretadas pela imigração judaica, Hildebrando Accioly, da Secretaria das Relações Exteriores, chegou à conclusão de que tal fluxo não era conveniente, pois modificaria sensivelmente a composição étnica do tipo brasileiro, com predominância, provavelmente, do elemento judaico. Alegava que os judeus eram mais fortes ou mais resistentes à assimilação devido aos séculos de segregação em que haviam vivido na Europa. Aqui as imagens de “raça amaldiçoada” e de “perigo político-social” se completam, justificando a adoção de rígidas medidas restritivas à imigração. Segundo Accioly, caso isso não fosse feito, “os judeus transformariam o Brasil na pátria de Israel, fato que nem na Palestina eles haviam conseguido”[11].

A sugestão era de que o Brasil adotasse uma cota de imigração para os judeus classificados como nacionalidade [sic], “[...] ainda que fossem indivíduos sem pátria, desprovidos de qualquer sentimento de patriotismo”. Essa proposta inspirava-se em outra elaborada anteriormente por Ouro-Preto, chefe dos Serviços Políticos, visto que não era possível impedi-la totalmente, ainda que tal emigração fosse pouco desejável. A prova desta indesejabilidade era apresentada como indiscutível e justificada:

- indiscutível, pois sua legitimidade se confirmava por meio da aprovação da Circular Secreta n. 1.127, resultado do entendimento entre o Ministério do Trabalho, o Ministério das Relações Exteriores e a Presidência da República;

- justificada, pois, segundo Accioly, “os judeus se constituíam em elementos subversivos ou de desagregação social, inassimiláveis, destituídos de quaisquer escrúpulos e que serviam aos desígnios da propaganda comunista”[12].

Para Accioly, os judeus eram perigosos, pois poderiam instigar a revolta dos nacionais contra a concorrência israelita, fazendo existir um sentimento que, a seu ver, ainda não existia entre nós: o antissemitismo [sic]. Pergunto: como explicar as Circulares Secretas adotadas pelo Itamaraty desde 1937? A ideia defendida por Accioly era a de que o Ministério das Relações Exteriores incluísse na nova lei de imigração (ainda em elaboração) uma disposição no sentido de indicar ou decretar uma lei especial para o caso dos judeus. Enquanto Secretário de Estado, Accioly sugeria o seguinte adendo, tendo como base estas hipóteses:

1a. hipótese: “Os judeus nascidos em quaisquer países estrangeiros serão tomados globalmente como uma nacionalidade distinta e, assim, o número de indivíduos de tal nacionalidade admitidos no Brasil, em caráter permanente, não excederá o limite anual de dois por cento (2%) do número de judeus entrados no país, nesse caráter, no período de 1o de janeiro de 1884 a 31 de dezembro de 1933”.

2a. hipótese: Em caso de dificuldades de estabelecimento de cálculo, adotar- se uma cota arbitrária, igual à mínima das outras nacionalidades. Nesse caso, deveria ser acrescentado: “Enquanto se não obtiverem dados definitivos para o cálculo de tal cota, o Conselho de Imigração e Colonização (CIC) poderá fixá-la no máximo em (X) pessoas, das quais oitenta por cento (80%), pelo menos, serão agricultores ou técnicos de indústrias rurais”;

3a hipótese: Redigir uma lei especial, caso não fosse possível semelhante acréscimo à lei de imigração, ou se fosse julgada mais útil ou conveniente[13].

A imigração forçada: elemento propulsor da diáspora

As décadas de 1930-1940 ficaram registradas na memória do século XX como símbolo da decadência dos ideais democráticos e do fortalecimento de um nacionalismo xenófobo e racista. Nesse período, múltiplas portas de entrada na América fecharam-se aos judeus, que, de imigrantes comuns, passaram a ser tratados como membros de uma “raça indesejável: a semita”. Após 1938, a imigração judaica estava praticamente proibida na maioria dos países do continente americano. Mesmo assim, apesar das restrições impostas pela Argentina, Brasil, México, Cuba, Chile e Uruguai, refugiaram-se na América Latina cerca de cem mil judeus, dos quais a maior parte eram alemães e poloneses. Em setembro deste mesmo ano, cerca de cinquenta mil judeus já haviam se refugiado nos países vizinhos da Alemanha, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e na Palestina (Elissar, 1969: 95; Liwerant, 2007).

Uma das características essenciais da nova ordem europeia – nacionalista e totalitária na sua essência – foi a perseguição às minorias transformadas no principal alvo do nacional-socialismo alemão. Desde a ascensão de Adolf Hitler como chanceler do Reich, em janeiro de 1933 o que até então era discriminação transformou-se em perseguição alimentada por um fanatismo curtido ao longo dos séculos. Milhares de judeus iniciaram uma longa marcha (emigração forçada) em direção à vida, deixando atrás de si um vazio impossível de ser computado pela história. Mas, ainda hoje, os países que compactuaram com a política antissemita propagada pelo Terceiro Reich colhem frutos ácidos, amargos. Essa longa marcha deve ser analisada em dois momentos, distintos pelo sentimento e pela causa histórica que impulsionavam os refugiados:

1a. fase: de emigração forçada (1933-1945), caracterizada pela busca de um refúgio (sobrevivência ao terror nazifascista);

2a. fase: de emigração espontânea (1946-1950), delineada pela ideia de retorno (de volta para casa, de retorno à vida).

Até 1938, segundo a Enciclopédia do Holocausto, cerca de 150 mil judeus alemães, em cada quatro, já haviam fugido da Alemanha. A situação agravou-se ainda mais após a anexação da Áustria pela Alemanha, em março de 1938, quando outros 185 mil judeus foram submetidos ao regime nazista. Cada golpe infligido contra a comunidade judaica europeia alterava o movimento migratório que, por sua vez, desequilibrava o cotidiano das missões diplomáticas pressionadas a fazer concessões. Além dos Estados Unidos e da Palestina, os países latino-americanos eram cotados como grandes centros receptores da Diáspora. Dois imensos blocos humanos caminhavam em sentido opostos. Enquanto os nazistas avançavam em direção ao leste procurando ampliar seu espaço geográfico vital, a massa de refugiados políticos (judeus, comunistas, sindicalistas, católicos, intelectuais etc.) caminhava em direção ao Ocidente, idealizado como espaço da salvação.

No final da Segunda Guerra Mundial, esse movimento humano diaspórico entrou em uma segunda fase, avaliada como um imenso êxodo espontâneo delineado pela tentativa de retorno à vida. Muitos tentaram voltar para casa, como aconteceu com os quatrocentos mil judeus poloneses refugiados na Rússia após a invasão alemã. Outros, recém-saídos dos campos de concentração e dos abrigos clandestinos, procuraram os campos de refugiados instalados pelas forças aliadas na Alemanha e na Áustria. Os mais idealistas dirigiram-se para a Palestina, arriscando-se pelas rotas clandestinas demarcadas ao sul da Europa (Barnavi, 1992: 226-279).

Para os participantes da Conferência de Evian, a questão centrava-se em encontrar uma solução prática para o escoamento dos emigrados involuntários da Alemanha e da Áustria, cuja situação se agravara nos últimos dias, com o assassinato do secretário da Embaixada alemã em Paris. Pretendia-se, no prazo de cinco anos, alocar nos países de destino cerca de quinhentos mil emigrantes judeus, não arianos e católicos. Argumentava-se que os países do além-mar (candidatos a países receptores) sempre puderam prosperar graças à emigração de povos europeus que, portando apenas a roupa do corpo, haviam recomeçado sua vida nas Américas. A situação tornava-se ainda mais grave diante da expectativa de que fatos semelhantes estavam sendo vivenciados pelos judeus da Polônia, que totalizavam cerca de 3.5 milhões cidadãos repelidos pelo Reich.

Desde a Conferência de Evian, os poloneses solicitavam que a Comissão os reconhecesse como refugiados políticos, no mesmo grau com que estavam sendo tratados os alemães e os austríacos, o que foi desconsiderado. Em relatório confidencial ao chanceler brasileiro Oswaldo Aranha, Hélio Lobo comentou sobre essa negativa de inclusão dos poloneses, decisão que classificou como “importante, pois evitaria apelos de toda a sorte no momento convulso que atravessamos”. E quanto àqueles que já haviam sido expulsos e que se encontravam nos países vizinhos, a situação era, a seu ver, ainda mais penosa: “só crianças, contavam- se aos milhares”[14].

Alguns meses antes, os Estados Unidos já havia se pronunciado a respeito dessa questão em um memorandum de natureza estritamente confidencial, cuja cópia foi distribuída aos membros do Comitê de Londres. Nesse documento, o governo americano se comprometia a abrigar 27 mil refugiados da Alemanha e da Áustria; o mesmo seria seguido pela Grã-Bretanha e suas colônias, bem como seus domínios; e também pela França. O outro um quarto restante (cerca de 25 mil) caberia aos demais países, dentre os quais da América Latina. A Austrália, com menos de sete milhões de habitantes, se predispôs a acolher quinze mil emigrados no prazo de cinco anos. São Domingos, Cuba e Colômbia apenas manifestaram o desejo de cooperar.

Um apelo especial de Myron Taylor, representante dos Estados Unidos, direcionava-se para “os países com assento na Comissão, uns pelo que são territorialmente, outros pelo que representam colonialmente” [frase grifada pelo Itamaraty no documento original]. A ideia era de que, na próxima reunião marcada para janeiro de 1939, todos os países presentes desde a Conferência de Evian tivessem uma posição definida[15]. Taylor priorizava os sentimentos humanitários tentando sensibilizar os presentes para as cenas de crueldade de que os judeus estavam sendo alvo na Alemanha. Na opinião do governo americano, uma das tarefas mais importantes estava em conseguir negociar com a Alemanha a saída dos emigrados com algum dinheiro, enfatizando que riqueza israelita na Alemanha e na Áustria, em média, estava em torno de dez bilhões, de que o governo nazista vinha se apossando gradativamente.

Tentando dar exemplo de sua sensibilidade diante “das cenas de desumanidade que o mundo testemunhava”, os Estados Unidos informaram que, apesar de não poderem elevar a cota de entrada para mais de 27 mil, pois isso dependia de um ato do Congresso, haviam adotado um programa de emergência: até 31 de de­zembro de 1938 permitiriam a entrada dos refugiados por seis meses, prorrogável por mais outros seis, à espera de que a Comissão de Londres encontrasse uma solução para a questão.

A França, segundo seu representante Henri Bérenger, estava abrigando cerca de 250 mil emigrados com residência temporária ou definitiva, dos quais 45 mil eram alemães acolhidos recentemente. Com o objetivo de impedi-los de cair nas garras dos nazistas, que aguardavam do outro lado da fronteira, o governo francês optara por mantê-los em prisões desativadas, albergues ou hospitais, onde encontrariam melhores condições de vida. “A condição naquele momento era de que a França acolheria quinze mil emigrados israelitas, mas desde que outros países representados na Comissão também o fizessem” [trecho grifado a lápis no original pelo Itamaraty]. Os refugiados, segundo o governo francês, poderiam ser alocados, pouco a pouco, em Madagascar e na Nova Caledônia: não o fariam na Guiana, porque para lá, secularmente, iam os condenados.

A imagem dos refugiados foi, no decorrer das comunicações, assumindo a forma de perigo étnico-político, algo incômodo que nem todos estavam dispostos a acolher de braços abertos. O senador de Guadalupe lembrou o mal causado pelos quinze mil hindus que haviam sido admitidos na ilha. O delegado do Brasil, de forma crítica, comentou em seus registros: “Perseguidos hoje, os semitas alemães serão menos alemães amanhã?” Mas o que realmente definia cada posicionamento (em sua maioria intolerante) eram, realmente, as restrições legais ou secretas sustentadas por cada um dos países integrantes da Comissão. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, inclusive, estava atento ao posicionamento a ser adotado pelo governo argentino, que sustentava algumas regras político-ideológicas similares àquelas adotadas pelo Brasil.

A fuga dos judeus poloneses

A tragédia foi assumindo, dia a dia, status de notícia. Imagens de um êxodo contínuo tomaram conta das páginas da imprensa brasileira e internacional. Em 16 de março de 1938, o jornal O Estado de S. Paulo informava que numerosos judeus poloneses refugiados na Áustria estavam tentando fugir nos trens que se dirigiam para Varsóvia, onde eram recebidos pelas autoridades daquele país, o mesmo não acontecendo com relação aos judeus austríacos que buscavam refúgio na Polônia[16].

As novas investidas contra judeus de diferentes nacionalidades, além de alterar o perfil do êxodo dos refugiados, exigiu que os países receptores reformulassem as regras de suas políticas imigratórias. Judeus tchecos, romenos, poloneses, austríacos e outros tantos párias do Reich procuravam desesperados as organizações de socorro e as associações judaicas internacionais, na tentativa de conseguir visto para emigrar para qualquer lugar. Múltiplas estratégias se prestavam como tábua de salvação, no caso de não conseguirem um visto permanente: visto de turista com passagem de ida e volta, visto diplomático, falso atestado de religião (católico, protestante, ortodoxo), viagem de negócios etc.

Inúmeros foram aqueles que tentaram emigrar para o Brasil valendo-se das cotas por nacionalidades ou de um parente próximo radicado há algum tempo no país que lhes fornecesse uma carta de chamada. Mas nem sempre a prática da lei era igual para todos: privilegiados eram aqueles que conheciam a interferência de político brasileiro ou dispunham de algum capital que se prestasse para comprovar que não faziam parte da ralé. Os projetos de colonização funcionavam como trampolim para aqueles que se apresentavam como agricultores, ainda que nunca tivessem exercido o ofício. Mas não adiantava apenas apre­sentar a comprovação de que era agricultor ou técnico: o importante era não ser judeu.

As solicitações de vistos junto às embaixadas e consulados funcionavam como um verdadeiro termômetro da catástrofe que, dia a dia, atingia novas nacionalidades. Poloneses, franceses, russos, tchecos, austríacos, húngaros e ro­me­nos somavam-se aos alemães, formando uma imensa comunidade sob “liberdade condicional”. O grau de infelicidade dos judeus da Europa – se é que existem medidas para o sofrimento e a degradação humana – aumentava de acordo com o avanço das tropas nazistas em direção ao Leste Europeu[17]. Alemães, austríacos, poloneses e tchecoslovacos destacam-se entre aqueles que primeiro dirigiram seus pedidos de entrada no Brasil.

Desde 1931, o aparelho de Estado brasileiro vinha procurando definir mecanismos inibidores dos movimentos imigratórios e, ao mesmo tempo, dos conflitos político-sociais. Atento à mobilização de uma série de grupos que se organizavam politicamente nos subterrâneos da sociedade, o governo procurou traçar um sistema de regras que impedissem a entrada maciça de estrangeiros no país. Ao avaliar os projetos de colonização, o Estado varguista estava selecionando não apenas o bom imigrante como também controlando o processo de ocupação do território nacional, o acesso à terra, o abastecimento de mão de obra e o fluxo de riqueza no país. Expressivos dessa postura do governo Vargas são as respostas dadas aos telegramas encaminhados pelos cônsules brasileiros sediados em Lisboa e no Porto. Em 1941 esses diplomatas indagavam ao Itamaraty acerca do perfil ideal do imigrante português a ser encaminhado para o Brasil. De acordo com o item III, da Circular n.1499, uma exceção havia sido aberta aos portugueses e aos norte-americanos, ainda que israelitas. No entanto, a preferência era dada aos banqueiros, industriais, comerciantes, artífices, operários, trabalhadores braçais e empregados domésticos. Restrições eram impostas aos estudantes, costureiros, alfaiates, bancários, empregados de escritório, motoristas e comércio e congêneres (desde que não sendo comerciantes de jóias, profissão comumente exercida por israelitas)[18].

Em nome da civilização e do progresso material, a pobreza deveria ser evitada, assim como as doutrinas exóticas e a diversidade étnica. Esse equilíbrio social, racial e político só seria alcançado por meio da intervenção direta do Estado, que, ao redimensionar seu discurso, impôs parâmetros legais de conduta. Não interessava receber ou manter entre nós elementos considerados como provocadores da desagregação social, da heterogeneidade racial e da desordem política. Daí o fortalecimento da Polícia Política, que atuava como braço repressor do Estado em composição com os demais órgãos governamentais cuja retórica contribuía para a sobrevivência de mitos políticos: o mito do trabalhador brasileiro e o mito do complô judaico-comunista internacional (Girardet, 1997; Motta, 1998; Carneiro, 2016).

Políticas imigratórias foram estabelecidas com o objetivo de limitar a entrada de determinados estrangeiros em território nacional. Intelectuais racistas, do cunho de Racismo e nacionalismo, prestaram-se a dar sustentação ao discurso da exclusão que, apesar de ter caracterizado o Estado Novo, estava sendo gestado desde o final do século XIX. A partir de 1937 passou a vigorar – de forma articulada e sistemática – uma verdadeira conexão entre o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o Estado-Maior do Exército, o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Justiça e Negócios Interiores e as Missões Diplomáticas sediadas no exterior (dentre as quais a Legação brasileira em Varsóvia) com o objetivo de cercear a entrada de judeus no Brasil. De imediato, os judeus poloneses emergiam como grupo de risco por sua situação irregular e por ser uma categoria não reconhecida de refugiados políticos. A temática dessa imigração assumiu conotações políticas, sendo tratada pelo governo brasileiro como “um problema de grandes proporções” por atentar contra a soberania nacional[19].

Os poloneses judeus como grupo de risco

A Polônia despontou como objeto de preocupação do governo brasileiro, que, segundo o gen. Arnaldo de Souza Paes de Andrade, chefe do Estado-Maior do Exército, vinha assumindo ares imperialistas, posicionando-se como árbitro na política do velho continente. Essas pretensões teriam sido reafirmadas pelo ministro polonês Belck que, em seus pronunciamentos durante as reuniões em Genebra, reivindicava colônias na América e estava decidido a pleiteá-las formalmente. A gravidade dessa situação, segundo avaliou o gen. Andrade, ampliava- se à medida que os poloneses emigrados da Polônia e esparsos pelo mundo continuavam a ser controlados pelo Ministério dos Negócios Exteriores sediado em Varsóvia, que procurava “mantê-los com o espírito voltado para a pátria de origem”. Segundo avaliação do governo nacionalista brasileiro, esse sentimento reforçava a etnicidade das minorias nacionais radicadas no Brasil transformando-as em “perigosos quistos, alheios à realidade nacional.” Neste momento, o conceito de etnia tornou-se suspeito dada a sua cumplicidade com a ideologia racista. Um alerta era feito com relação aos brasileiros filhos de poloneses que estavam sendo “cuidadosamente recrutados através de cursos realizados na Polônia com a finalidade de lhes despertar o sentimento da mãe-pátria”[20].

A imagem de uma Polônia forte e com tendências imperialistas foi avaliada em fevereiro de 1937 como “uma ameaça que ficava no ar”. Caberia ao Brasil prevenir-se dessa investida com base no direito de conservação e no de defesa que, intimamente ligados aos direitos do Estado, eram garantidos pela Constituição de 1934. Os desígnios da empreitada polonesa poderiam, segundo o chefe do Estado-Maior do Exército, ser constatados pela compra de latifúndios por sociedades constituídas, que visavam a criação de núcleos nos quais era impossível a assimilação do estrangeiro. O inconveniente apontado estava nesse “modo de imigração que criava quistos territoriais inassimiláveis dentro de nossa Pátria”[21].

Em resumo: os “judeus polacos” (fot. 1 y 2), assim como os negros da América do Norte e os refugiados do Iraque, não atendiam ao projeto étnico-político idealizado pelo governo brasileiro, que – conforme anunciou o gen. Paes de Andrade – “visava a melhoria de nossa raça”. A versão oferecida pela Legação brasileira em Varsóvia era de que o governo polonês tinha o interesse em “colocar fora do país grande leva de judeus, sem profissão e sem trabalho, provavelmente comunistas”. Alegava-se, inclusive, que as associações judaicas internacionais estavam constituídas com o objetivo de falsear essa imigração para o Brasil por meio de cartas de chamada. Estas, por si só, deveriam garantir que seu portador entrasse no país com uma direção certa de trabalho, o que, nas palavras do referido general, “não ocorria com os judeus, avessos ao trabalho agrícola”. Fazendo uso de um discurso contraditório (antissemita, em sua essência), o gen. Paes de Andrade – que sustentava a ideia de que no Brasil não existiam preconceitos de raça ou de crença [sic] – acusava os judeus de se entregarem apenas às especulações de um baixo comércio e que, após conseguirem a cidadania brasileira e algumas economias, regressavam ao país de origem. Exemplo desse comportamento, em sua opinião, poderia ser constatado com relação a alguns judeus alemães que haviam regressado à Alemanha sob o amparo de algumas leis e que, sentindo-se perseguidos pelas autoridades nazistas, recorriam à assistência de nossa representação diplomática. Em síntese: era totalmente desaconselhável a emigração de poloneses para o Brasil onde viriam a constituir “colônias encravadas e isoladas em territórios do Sul”[22].

O ofício do gen. Paes de Andrade é um dos mais expressivos exemplos de como oligarquia política do governo Vargas se deixou influenciar pela opinião daqueles que estavam em missão diplomática no exterior e tentavam sugerir rumos para a política imigratória brasileira. Na realidade, estamos diante de um exemplar fenômeno de contaminação, se considerarmos que o antissemitismo, historicamente, encontra seu terreno de eleição no seio da civilização ocidental. (Poliakov, 2000). Basicamente, o general valeu-se de três documentos antissemitas como fonte de inspiração, verdadeiras matrizes ideológicas para o seu parecer. Dois deles procediam de Varsóvia e haviam sido redigidos por brasileiros em missão diplomática com o intuito de convencer o Itamaraty de que os judeus eram indesejáveis. O terceiro documento, de autoria de Dulphe Pinheiro Machado, enfatizava as vantagens acerca do estudo dos problemas relativos à Antropologia Social, a seleção étnica, a biologia racial e a eugenia (Carneiro, Monteito, 2019).

O parecer emitido pelo gen. Paes de Andadre teve por base os seguintes documentos: ofício reservado encaminhado por Jorge Latour a José Carlos de Macedo Soares, ministro das Relações Exteriores, em novembro de 1936; telegrama emitido pela Legação do Brasil em Varsóvia dirigido ao ministro das Relações Exteriores, em outubro de 1937; e ofício de Dulphe Pinheiro Machado, diretor do Departamento Nacional do Povoamento, de março de 1937[23].

A ideia central do ofício de Jorge Latour – cujo assunto foi definido como Política expansionista da Polônia – era de que a Polônia sempre fora (e ainda era) uma nação forte, dado o sólido espírito de unidade assumido e também pela nacionalidade consistente (da máxima resistência à desintegração) de todo polonês. Segundo Latour, o fato da Polônia “assumir ares imperialistas de árbitro na política do Velho Continente” deveria ser levado em consideração pelo governo brasileiro. Latour traça um perfil da Polônia como país agrícola e industrial necessitado de matérias-primas, emigrantista, de alta categoria política e que estava reivindicando igualmente colônias. Daí o Brasil merecer a atenção da Polônia, induzida por seu “expansionismo megalômano”, segundo raciocínio de Jorge Latour. Este, antissemita ferrenho, acusava o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Varsóvia de alimentar nos poloneses um espírito voltado para a pátria de origem, mediante um intenso programa de recrutamento[24].

Um alerta especial foi dado por Latour em relação às colônias, que, a seu ver, vinham passando por uma revisão no plano internacional, nas chancelarias, nos institutos científicos de Direito Internacional e na imprensa europeia, quer especializada, quer diária. E o Brasil, pelo fato de ser um reservatório de riquezas dos mais amplos no mundo, estava sendo cogitado como país imigrantista. Isso posto, Latour sugeria o estudo do assunto em seu conjunto mediante: a) negativa à pretensão formulada pela Legação da Polônia no Rio de Janeiro; b) instruções adequadas para a Legação brasileira na Polônia, o Consulado em Genebra e demais Missões Diplomáticas que, direta ou indiretamente, pudessem observar aquela questão (Carneiro, 2010: 108-110, 113-114, 118, 170-171, 235-248, 416, 419 e 429).

Foi em meio a grande mobilização dos refugiados judeus na Europa que as organizações judaicas internacionais passaram a ser vistas (negativamente) como “organizações perfeitas para burlar a legislação brasileira, providas de recursos e elementos humanos no Brasil, e que burlavam o objetivo da seleção física, civil e étnica”. Pautando-se nessas considerações, a Legação brasileira de Varsóvia clamava por medidas urgentes no sentido de “impedir a contínua leva de judeus sem profissão e nem trabalho, provavelmente muitos comunistas que, declaradamente, aquele governo não deseja na Polônia”[25].

O conceito de nação imperialista enfatizada nesses documentos emerge como decorrência das novas políticas adotadas pelo Estado Novo brasileiro (1937-1945), que, além de ter como alvo o trabalhador nacional, também pretendia interferir no processo de ocupação do território nacional administrando a propriedade da terra interpretada como bem comum. (Gomes, 1999: 66-67). Outros documentos foram encaminhados ao chefe do Estado-Maior como prova da intenção imperialista da Polônia, que se valia do ministro plenipotenciário T. St. Grabowski como seu porta-voz no Brasil. Este teria comunicado ao ministro José Carlos de Macedo Soares, em 14 julho de 1938, que, aproveitando-se da presença dos governadores do estado de São Paulo e do estado de Minas Gerais no Rio de Janeiro, lhes enviara uma proposta de compra de terras devolutas em ambos os estados por meio da Sociedade Internacional de Colonização de Varsóvia[26].

Essa sociedade, segundo Grabowski, dispunha de vultoso capital e sólida organização. Tinha como meta iniciar a elaboração do plano de colonização polonesa e rutena no Brasil por meio da compra (e não de concessão) de terras nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Em sua opinião, seria “desejável uma maior extensão de terras contínuas altas, férteis em boas condições climáticas e em blocos de trinta mil ha”. Pretendia-se instalar nesse espaço imigrantes poloneses e rutenos descritos como “aptos para a agricultura”. Caso existissem terras nessas condições, o ministro polonês solicitava às Secretarias de Agricultura de ambos os estados que lhe encaminhassem “os respectivos preços das terras especificando as qualidades geológicas e geodésicas, mapas e condições de comunicação sob o ponto de vista da distância dos principais centros e estradas”[27].

Essas questões foram interpretadas pelo consultor jurídico do Ministério da Justiça e Negócios Interiores e seu ministro, Agamenon Magalhães como “perigosos”, pois feriam os princípios da inviolabilidade da soberania dos Estados imigratórios. A orientação dada foi de que o Brasil não deveria apoiar a iniciativa polonesa porque isso significaria “concorrer para a realização de um vasto plano imperialista”. A sugestão de Agamenon Magalhães – cuja mentalidade antissemita já foi avaliada em estudos de Maria das Graças de Almeida Ataíde (Ataíde, 2001) –, caso o Brasil não encontrasse uma evasiva digna para negar a ação polonesa, era “concordar em tese com ela, tendo sempre em mente a dignidade de nossa soberania e os dispositivos constitucionais acerca da imigração, principalmente os parágrafos 6 e 7 do art. 121 do nosso estatuto básico”. Por ferir a soberania nacional é que essa questão foi submetida à avaliação do chefe do Estado-Maior do Exército[28].

A ideia do Ministério das Relações Exteriores era apresentar, na próxima reunião da Repartição Internacional do Trabalho em Genebra, a realizar-se em 4 de fevereiro de 1937, uma posição decisiva, fundamentada nos pareceres acima relacionados. Às vésperas da reunião, a orientação encaminhada era de que conviria – de início – que o representante do Brasil (ministro João Carlos Muniz) assumisse “atitude de reserva” abrindo caminho para a recusa de apoio à proposta polonesa, conforme opinião dos vários ministérios e do Estado-Maior do Exército brasileiros[29]. Durante a realização dessa reunião em Genebra, o Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho discutiu a questão emigratória sem permitir a amplitude almejada pelo governo polonês[30].

O governo polonês apegou-se à ideia de que os governos brasileiro e argentino poderiam aprovar uma reunião de técnicos, em Montevidéu, que, sob o patrocínio da Repartição Internacional do Trabalho, iriam discutir o assunto da colonização e da imigração. Desde o início, o ministro das Relações Exteriores do Brasil – levando em consideração a situação mundial – procurou convencer os diplomatas brasileiros de que não conviria a realização desse encontro em terras americanas, visto que certas nações estavam interessadas em “aumentar e encaminhar para o Brasil certas correntes imigratórias que naquele momento não nos convinham”[31].

Estava em gestação, ainda naquela data, a primeira circular secreta contrária à entrada de judeus no Brasil (n. 1.127), que entraria em vigor a partir do dia 7 de junho[32]. Ao consultar José Bonifácio de Andrada e Silva, embaixador do Brasil em Buenos Aires, Hildebrando Accioly, em nome do ministro das Relações Exteriores, não deixou dúvidas sobre a posição antissemita e anticomunista do governo brasileiro, postura que não convinha tornar-se pública. Tanto não convinha que, ao responder a essa consulta, Andrada e Silva – “para prevenir qualquer inconveniente futuro” – comunicou que havia recebido tal correspondência: “um telegrama cifrado pelo mais secreto dos nossos códigos pelo correio aéreo, em envelope frágil, sem número, lacre ou qualquer garantia”[33].

Adotando o slogan melhor prevenir do que sanear, Accioly aconselhava desviar as atenções para Genebra, onde a reunião ganharia caráter técnico e geral. A seu ver, a realização de um evento com enfoque no Brasil certamente nos colocaria em situação internacional desagradável, pois seríamos forçados a desvendar ao estrangeiro nossa política imigratória. Esta poderia, de acordo com as oportunidades e interesses nacionais, ser regulada por acordos bilaterais com as partes interessadas. Confidencialmente, Accioly concluiu que: “Não era demais informar Vossa Excelência de que a Polônia teria grande interesse em encaminhar para o Brasil grande massa de israelitas e que qualquer atitude que fosse o Brasil forçado a tomar nessa Conferência poderia facilmente ser explorada por outras nações interessadas e mesmo pelos comunistas”[34].

Endossando as conclusões apresentadas por Accioly, Mário de Pimentel Brandão, ministro das Relações Exteriores, usando de prudência, transmitiu essas considerações ao embaixador brasileiro em Montevidéu, sugerindo-lhe que “se esforçasse para que a aludida Conferência não se realizasse em Montevidéu nem em qualquer outro lugar do continente americano”[35]. Ampliando seu campo de interferência, Andrada e Silva procurou Carlos Saavedra Lamas, ministro das Relações Exteriores e Culto da Argentina, com o intuito de mostrar-lhe o inconveniente daquela reunião e, ainda mais, naquele momento. Pelo que parece, o embaixador brasileiro foi bem sucedido: Saavedra – que já havia sido procurado por Alejandro G. Unsain, nomeado para a delegação argentina junto à repartição Internacional do Trabalho – afirmou que “se tivesse o propósito de aderir àquela ideia, o abandonaria”. Enfatizou também que a presença de José Carlos de Macedo Soares como presidente da XXIII Conferência Internacional do Trabalho asseguraria o êxito da ação no sentido almejado[36].

Esse assunto sustentou, durante todo o mês de abril a agosto de 1938, uma intensa articulação entre a Presidência da República, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e as missões diplomáticas sediadas em Genebra, Buenos Aires, Lima e Montevidéu, com o propósito de evitar a convocação daquela conferência no continente americano. Com o objetivo de manter na surdina sua posição antissemita diante da Liga das Nações, o Itamaraty procurou saber se o Uruguai participaria da conferência ou se compareceria apenas como simples observador[37]. O Brasil estava ciente de que tanto os Estados Unidos como outros países latino-americanos não estavam dispostos a expandir suas cotas para os refugiados judeus.

Os conselheiros Roberto Mendes Gonçalves e Ildeu Vaz de Mello, respectivamente chefes dos Serviços dos Limites e Actos Internacionais e de Passaportes, foram consultados acerca da Conferência de Colonização e Imigração a ser realizada em Montevidéu. Ambos apoiavam a ideia de que esse encontro técnico deveria acontecer em Genebra, contrariando a sugestão do atual ministro das Finanças do Uruguai, por ocasião de sua visita à Repartição Internacional do Trabalho em 1936. Consideravam que a questão imigratória era de interesse interno de cada país, “cabendo ao povo legislar soberanamente sobre as medidas que mais coadunassem com o seu meio e as suas conveniências”. Qualquer compromisso assumido pelo Brasil em conferências internacionais comprometeriam seu direito de alterar ou revogar sua legislação imigratória. O sistema de cotas por nacionalidade continuava a ser a fórmula adequada para os países da América se preservarem da “invasão dos semitas”[38].

Esse debate persistiu até julho de 1938, quando se realizou em Evian a conferência destinada a encontrar uma solução para a questão dos refugiados do nazismo. A Polônia – sentindo-se invadida pelos milhares de judeus alemães e austríacos em trânsito – voltou a clamar por soluções imediatas. No entanto, não conseguiu se fazer ouvir. Inconformada com a resolução adotada na Conferência de Evian (de que o Comitê Intergovernamental ficaria restrito aos refugiados alemães e austríacos), a Legação da Polônia solicitou ao Brasil que apoiasse o ponto de vista do governo polonês: que a proteção se estendesse aos judeus alemães refugiados naquele país. Enfatizavam o fato de que considerável parte daqueles indivíduos havia encontrado naquele país abrigo e proteção temporários. Assim que tomou ciência desse assunto, o ministro interino Cyro de Freitas Valle solicitou o parecer de Hélio Lobo, nosso representante em Genebra, e do CIC sobre o assunto, opinião abortada pela decisão do Comitê Permanente de Apoio aos Refugiados, que resolveu assimilar ao grupo dos refugiados os 10.500 judeus poloneses expulsos da Alemanha[39].

Ao mesmo tempo, os poloneses radicados principalmente em Santa Catarina, no Paraná e no Rio Grande do Sul sofriam intensas represálias por parte do governo brasileiro, que defendia a tese de que esses núcleos eram “quase impermeáveis à nacionalização”. Em prol do abrasileiramento da República, procurava-se, de todas as formas, identificar e eliminar os signos de erosão da identidade cultural brasileira. A desativação dos sistemas educacionais implantados pelas comunidades alemãs, polonesas e italianas radicadas no Brasil, a proi­bi­ção do uso da língua de origem e a prisão daqueles que foram identificados como judeus/comunistas simbolizaram o suicídio de várias etnias que, por si só, criaram alternativas de resistência.

A tensão entre os poloneses e as autoridades governamentais gerou atritos de todas as naturezas, inclusive policiais. A campanha do ensino foi o ponto de par­tida dos incidentes que se agravaram e se multiplicaram com o fechamento de várias sociedades: União Central dos Poloneses, Representação da Liga Marítima e Colonial e União das Escolas Polonesas, instituições declaradas incompatíveis com o decreto-lei n. 383, de 18 de abril de 1938[40]. Funcionaram como elementos de tensão entre a comunidade polonesa e o Estado varguista: a imposição de novas diretrizes aos estatutos da Associação de Cultura Física Junak, por parte de um grupo de oficiais do Exército, em abril de 1938; a prisão em maio do mesmo ano, de Conrad Sadowsky e sua esposa, instrutores da referida associação, acusados de fazerem propaganda perniciosa entre os membros da colônia polonesa; o inquérito policial e a prolongada detenção de dois funcionários do Consulado Geral da Polônia em Curitiba; a proibição de se festejar a data do aniversário da Constituição polonesa; e, por fim, os incidentes contra o clero católico polonês do Paraná. Entre estes estavam o pároco da Igreja de São Estanislau, em Curitiba, o Reverendo Kupczyk, e o Padre Madej, na localidade de Marechal Mallet (PR). Esses incidentes ocasionaram acirrados ataques da imprensa de Varsóvia à campanha de nacionalização do governo brasileiro[41] (Carneiro, 1993-94: 153-164).

As relações Brasil/Polônia tornaram-se cada vez mais tensas, tendo em vista a postura preconceituosa assumida pelas autoridades brasileiras contra os refugiados poloneses. A interpretação oficial era que, dadas as condições em que se encontrava o território polonês (com cerca de quatro milhões de judeus acossados por constantes perseguições nacionalistas), todos engendravam meios de burlar a lei de emigração brasileira. E, ainda que o polonês fosse um bom agricultor, não convinha permitir que se agrupasse em uma só zona, criando verdadeiros quistos. Desse prisma, justificava-se o não preenchimento das cotas disponíveis, estratégia eficaz de nacionalização do elemento estrangeiro e de preservação do status quo.

O Brasil caminhava exatamente na direção contrária àquela proposta pelo Comitê Intergovernamental, que, em março de 1938, buscava uma solução para a situação vivenciada pelos refugiados poloneses. Nessa data, Hélio Lobo encaminhou a Cyro de Freitas Valle a cópia do discurso de Lorde Winterton, que, na condição de presidente da Comissão de Londres, lembrava aos países-mem­bros do Comitê Intergovernamental que, em 13 de janeiro de 1939 o embaixador da Polônia divulgara um memorando relatando a posição dos judeus expulsos da Alemanha para a Polônia em outubro de 1938. Vale ressaltar que Hélio Lobo, em vários momentos, prestou-se como interlocutor dos projetos britâ­ni­cos a favor da transmigração de refugiados judeus para terras da América. A partir dessa data, uma intensa correspondência circulou entre a Legação da Polônia sediada no Rio de Janeiro, o Ministério das Relações Exteriores e o CIC. O governo da Polônia manifestava-se em prol do apoio aos israelitas expulsos do território alemão em decorrência das medidas tomadas pelo governo do Reich. Calculava-se que, até fins de outubro de 1939, cerca de onze mil judeus munidos formalmente de passaportes poloneses iriam juntar-se aos seis mil israelitas em trânsito pelos diversos pontos da fronteira da Polônia. Contabilizando prováveis levas para os próximos meses, acreditava-se que o número efetivo de emigrantes judeus na Polônia chegaria a trinta mil. No entanto, os refugiados judeus expulsos da Alemanha, embora possuindo formalmente passaportes poloneses, eram considerados pelas autoridades brasileiras como um elemento na maioria nascido no estrangeiro, estabelecido há muitos anos na Alemanha e destituído de qualquer laço cultural, econômico e, muitas ve­zes, até familiar com a Polônia.

O afluxo desse estrangeiro (ainda que de origem polonesa) transformou-se em grave preocupação para o governo da Polônia, que se apresentava como um país superlotado, onde a questão da emigração e, em particular, do refluxo do excedente da população israelita constituía-se em um dos seus problemas econômicos e sociais. Daí a necessidade, segundo a Legação da Polônia no Brasil, de soluções radicais urgentes. Os refugiados judeus vindos dos países vizinhos haviam criado uma situação paradoxal invertendo a ordem dos fatores: a Polônia, que até então havia sido um país clássico de emigração (emissor), havia se transformado em um país de imigração (receptor). Mesmo antes do início da Segunda Guerra Mundial, o surto natural dos poloneses interessados em emigrar havia sido paralisado em decorrência das restrições feitas à emigração judaica em diversos países.

O governo da Polônia – referindo-se às discussões econômicas e sobre o problema da Palestina travado na Liga das Nações nos últimos anos – sublinhava a atualidade da questão da emigração israelita da Polônia. Do seu ponto de vista, esse tema (avaliado como de caráter demográfico e econômico) deveria ser resolvido por uma ação internacional construtiva. Uma acirrada crítica foi tecida à ação internacional, que, até então, se encontrava limitada aos refugiados de uma determinada nacionalidade. Com base nessas considerações, o governo da Polônia reivindicava ao governo brasileiro: a. o direito de emigração para a sua população israelita, com base nos direitos que foram reconhecidos ou que poderiam vir a ser reconhecidos aos judeus originários da Alemanha ou de qualquer outro país da Europa; b. que os refugiados israelitas – cujo único laço com a Polônia era o fato formal de possuírem passaportes poloneses e cuja situação de fato era idêntica à dos refugiados israelitas, titulares de passaportes alemães – fossem englobados na ação proposta pelo Comitê Intergovernamental para os Refugiados da Alemanha.

O governo polonês considerava que a ação do dito Comitê deveria englobar igualmente os refugiados expulsos da Alemanha para a Polônia desde 29 de outubro de 1938 e que estavam “se transformando em um pesado encargo para aquele país superlotado”. Isso posto, o governo polonês solicitava ao Itamaraty que instruísse seu representante no Comitê Intergovernamental a apoiar essas reivindicações junto àquele órgão. Esse pedido colocava em pauta o tema da justiça, que, na esfera da colaboração internacional, deveria se basear no princípio da igualdade de direitos e da equidade. O Ministério das Relações Exteriores respondeu àquela Missão que o assunto seria avaliado pelas autoridades brasileiras competentes, no caso o Conselho de Imigração e Colonização, sendo a resolução comunicada oportunamente. Três dias depois, Oswaldo Aranha encaminhou a referida solicitação ao Conselho de Imigração e Colonização, que informou: “tais instruções já haviam sido dadas ao ministro Hélio Lobo, aprovadas pelo CIC, por proposta do seu presidente”[42].

Em 17 de junho, o Itamaraty respondeu à Legação da Polônia que o governo brasileiro “lamentava não poder dar instruções ao delegado do Brasil no Comitê Intergovernamental de Refugiados Políticos para apoiar as pretensões do governo da Polônia”. Esse lamento foi justificado com base no fato de que o governo brasileiro já havia feito uma proposta ao Comitê “restringindo a entrada no Brasil a israelitas agricultores de nacionalidade alemã”[43]. No entanto, em 9 de agosto de 1939, o Itamaraty ordenou a Pinheiro de Vasconcelos, cônsul geral do Brasil em Londres, que desse visto permanente a vários refugiados judeus poloneses, ordem concretizada alguns meses depois[44]. Tal atitude, se, por um lado, nos comprova que as regras poderiam ser alteradas, desde que houvesse disposição para tal, por outro, não alterava as normas impostas pelas Circulares Secretas. Funcionavam como mera exceção. Tanto não alterava que, em 30 de setembro de 1939, o Conselho de Imigração e Colonização respondeu à missão diplomática brasileira em Bucareste que o governo brasileiro aceitava a proposta da Companhia de Navegação Polonesa “desde que não se tratasse de semitas”. Aquela Legação deveria fiscalizar o visto nos passaportes, que só poderiam ser emitidos após apurada fiscalização com exame de documentos de idoneidade, capacidade moral e física, com preferência aos possuidores de recursos e agricultores[45].

No entanto, a situação vivenciada por aqueles poloneses que conseguiram desembarcar no Brasil também se apresentava como grave. A maioria havia ingressado portando visto de turista, que, além de lhes cercear qualquer possibilidade de emprego, lhes impunha a obrigatoriedade de retorno ao seu país de origem. Situação inadequada (e perigosa) para aqueles que haviam fugido das perseguições nazistas. Em outubro de 1940, a Legação da Polônia solicitou ao Itamaraty a transformação, em caráter emergencial, dos vistos diplomáticos e temporários em permanentes[46]. Entre julho e setembro de 1940, haviam ingressado no país cerca de quinhentos poloneses, refugiados de guerra, a maioria com vistos de turismo, além de outros 53 com vistos diplomáticos Esses eram personalidades polonesas que haviam exercido cargos diplomáticos e oficiais no governo da Polônia e que – segundo um documento intitulado PRÓ-MEMÓRIA – foram obrigados a refugiar-se no Brasil devido aos acontecimentos da guerra. Entre as autoridades polonesas com vistos diplomáticos – além do ex-cônsul em Bagdá, do cônsul geral da Polônia, do ex-ministro plenipotenciário da Polônia em Estocolmo, de vários funcionários do Ministério da Fazenda e de conselheiros do Ministério das Relações Exteriores –, encontramos dois casais de príncipes poloneses: Wladyslaw e Anna Maria Radziwill, acompanhados de suas duas filhas, Monika e Ezbieta, e Olgierd e Matylde Czartoryski, com os filhos Alexander e Konstanty[47].

Outros agravantes somavam-se ao problema dos vistos diplomáticos: os refugiados poloneses, de uma forma geral, achavam-se em uma situação financeira tão precária que mal dispunham dos recursos necessários para pagar o custo da transferência de um visto de turista para um de permanente (um conto de réis)[48]. E a legislação brasileira era omissa no caso de um diplomata querer estabelecer-se como simples particular no território nacional. Seu visto, assim como os de turistas, os impedia de permanecer no Brasil além de seis meses. No entanto, duas palavras-chave aparecem grifadas (em negrito) alertando para a periculosidade daqueles cidadãos: refugiados e poloneses. Labieno Salgado dos Santos alertou o ministro das Relações Exteriores da necessidade urgente de se encontrar uma solução para esse caso, que afetava numerosas pessoas, dentre elas antigos cônsules, diplomatas poloneses e o príncipe Czartoryski, aparentado com a família imperial brasileira. Dessa relação apenas nove pessoas receberam indicação para “um tratamento especial e atenções compatíveis com a sua antiga posição”[49].

Por se tratar de estrangeiros que já se encontravam em território nacional, o Itamaraty solicitou os “bons ofícios” do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, assim como ao Conselho de Imigração e Colonização, órgãos oficiais responsáveis, segundo o Decreto-lei n. 3.175, de 7 de abril de 1941, pela admissão de estrangeiros no território nacional[50]. No entanto, a Divisão de Passaportes do Itamaraty esclareceu que “nada tinha que opor, conquanto que os mesmos sejam de origem étnica ariana”[51]. Nesse momento, a política doméstica cristalizou-se em torno da questão do antissemitismo pautada nas antíteses das raças superiores/inferiores, urbanismo/ruralismo, capitalismo/comunismo. Conforme podemos verificar, a classificação dos refugiados em arianos (puros) e semitas (impuros) prestava-se como indicador do grau de malignidade atribuído aos judeus e aos poloneses, ambos estigmatizados pelas autoridades brasileiras. Na prática, esses conceitos fizeram vítimas, centenas delas. Ao mesmo tempo, demonstram como a linguagem adotada pelos nazistas foi assimilada pelos diplomatas em missão no exterior e pelas autoridades brasileiras[52].

Em 20 de janeiro de 1941, o governo brasileiro negou visto a cerca de 250 pessoas, todas de nacionalidade “puramente polonesa, isto é, não israelitas”. Segundo a Legação da Polônia, entre os homens, muitos eram engenheiros, profissão que “na Polônia são raros os israelitas que a exercem”[53]. Além desses atributos positivos, alegava-se que os interessados “não exerciam ideologias perigosas, eram católicos praticantes e tinham sempre se adaptado aos meios para onde emigram”. Perfil perfeito, mas inadequado ao projeto nacional, que não previa a diversidade cultural. Sob a alegação de que as cotas por nacionalidade estavam esgotadas, o pedido foi indeferido, ou melhor, duplamente recusado, pois, com a Circular n.1.499, de 6 de janeiro de 1941, a imigração tornava-se quase impossível para essas pessoas. Por meio dessa circular, resolvia-se um duplo problema: o da situação vivenciada pelos turistas israelitas, portadores de visto temporário, e dificultava-se a entrada dos judeus poloneses[54].

Fechava-se ainda mais o círculo em torno dos judeus, sem, entretanto, melindrar as relações com os Estados Unidos, país líder da campanha humanitária em prol dos refugiados políticos. O governo brasileiro, a fim de evitar o impacto negativo que essas normas poderiam gerar nos Estados Unidos, abriu exceções aos cidadãos norte-americanos e portugueses, natos ou naturalizados, “mesmo os de origem étnica israelita, quando em viajem em caráter temporário”[55]. Esses avanços e recuos devem ser avaliados como expressão do antissemitismo político gerado para fins hegemônicos da oligarquia política. Segundo Hannah Arendt, esta é uma regra única: “de que o sentimento antijudaico adquire relevância política somente quando pode ser combinado com uma questão política importante” (Arendt 1975: 52).

A Circular n. 1.499 impedia a concessão de vistos “a menos que se tratasse de nacionais de Portugal ou dos Estados Americanos ou de estrangeiros a que se referia a letra c do artigo 25 do decreto n. 3.010 de 20 de agosto de 1930 (leia-se aqui artistas)”[56]. Nem mesmo os passaportes de cidadãos franceses (arianos) poderiam ser visados, possivelmente levando-se em consideração as suspeitas de irregularidades contra a Embaixada Brasileira em Vichy[57]. E, segundo a letra d da Circular n. 1.499 a proibição se estendia também aos israelitas, aos quais não deveria ser concedida nenhuma categoria de visto, nem temporário, nem permanente. Ao ser consultado por Osório Dutra, cônsul geral do Brasil em Lyon, a Secretaria do Itamaraty esclareceu em uma nota manuscrita à margem do ofício: “[...] os judeus estão proibidos – os casos que não se enquadram na Circular n. 1.499 devem ser consultados a esta Secretaria de Estado (rubricado), 24/04/1941” A mesma resposta foi encaminhada por Labieno Salgado dos Santos a Joaquim de Pinto Dias, cônsul geral do Brasil em Lisboa, omitindo a palavra judeus. A mensagem era subliminar: “[...] fica suspensa qualquer concessão de visto, temporário ou permanente, nos passaportes das pessoas a que se refere o telegrama acima citado [n. 45, 20 jul.1940].

Considerações acerca dos judeus poloneses

A ideias antissemitas de Jorge Latour não foram inofensivas: multiplicaram-se em pareceres oficiais que, na prática, transformaram os refugiados judeus em mera categoria. O livro A Emigração Israelita da Polônia para o Brasil, de autoria de Latour, serviu como suporte para o diplomata J. P. de Barros Pimentel emitir suas opiniões sobre os judeus poloneses interessados em se radicar no Brasil em 1936. A ideia de Latour era reunir, em um só documento, argumentos e observações concludentes a respeito da “alta nocividade que representava o imigrante judeu para o nosso país”. Seu objetivo era oferecer, com esse trabalho, uma contribuição considerada como “dever de funcionário e de bom brasileiro”[58].

O documento encontra-se dividido em quatro partes distintas: I. Israel: o insolúvel, o perpétuo problema da Humanidade; II. A questão judaica na Polônia; A grande fraude polonesa. A Terra Santa e a Nova Chanaan; III. A Conservação Nacional, o máximo problema brasileiro. Em seu conjunto, o texto extrapola sua intenção literária para se configurar como um autêntico libelo antissemita dos tempos modernos com reais conotações políticas. Por seu conteúdo, pode ser utilizado como um instrumento a serviço do Estado autoritário varguista que, a partir de 1937, definiu o judeu (ainda que secretamente) como um dos seus principais inimigos políticos e raciais. A imagem do judeu construída por Latour se apoia em uma série de analogias e metáforas expressivas do pensamento antissemita. Ao longo do seu raciocínio – fundamentado em passagens bíblicas e históricas –, Latour argumenta que a questão judaica é insolúvel, visto ser (o judeu) o cisto irredutível no seio dos povos em evolução. Apelando para a imagem da ave de rapina (aquela que rouba e subtrai com violência), apresenta o judeu como ganancioso e usurário, apreciação esta que, do seu ponto de vista, tem se mantido ao longo da História. A esse raciocínio, acrescenta o clássico argumento de que os judeus foram condenados a errar; ausentes do lar bíblico, configuraram a imagem do Judeu Errante. A explicação apresentada para este nomadismo é de que, onde os judeus pousam, eles implantam “a discórdia gerando, para logo, a cinzania, as perturbações, as crises (Carneiro, 2016).

O conceito de povo judeu vem sempre atrelado à ideia de um povo que burla, que “deita cinzas nos olhos do outro” (daí o emprego do termo cinzania), no sentido de que ele engana, ludibria, curtindo o “gosto pelo comércio e o agudo apetite pelo lucro”. Em diferentes passagens, Latour argumenta que os judeus são “um povo que se diz Santo, um “povo vagabundo, possuidor de raras qualidades, mas estigmatizado com taras que o fazem irremediavelmente infeliz, infelicitando, ao mesmo passo, a humanidade inteira”[59].

A Diáspora é apresentada como um “desejo incontido do povo judeu que, historicamente, sempre procurou fortuna em terras menos ingratas que a Judeia”. A intenção de Latour é demonstrar que, desde o período bíblico, o povo judeu nunca teve domicílio fixo. Essa Diáspora (que tradicionalmente existia) apenas se ampliou por todas as províncias romanas, visto que o “hábito de os judeus saírem do seu berço é muito mais antigo do que a coação que sofreram por fazê-lo: daí a vocação pelo êxodo”. Se para Jorge Latour o êxodo era uma vocação, para o pintor Lasar Segall, o mesmo fenômeno era consequência da intolerância secular praticada contra os judeus.

A vida política e unitária de Israel – de acordo com os argumentos históricos que sustentam o raciocínio de Latour – encerrou-se no início da era Cristã, quando os judeus haviam se arruinado com sucessivas lutas intestinas. À mercê dos conquistadores, tentaram se rebelar periodicamente: a revolta dos hebreus contra o jugo romano teria determinado a destruição de Jerusalém por Tito; e o le­vante, no tempo de Adriano (130-135), ensejou a destruição metódica do país por este imperador. Após essa catástrofe, os judeus teriam iniciado sua vida errante formando comunidades distribuídas em todo o âmbito da migração, abrangendo todo o povo hebreu ausente da Terra Santa. Mas a ideia distorce os fatos quando Latour define comunidades como “pequenos estados dentro do Estado”, configurando a imagem de cancro encistado no corpo da Nação.

Sinagoga é apresentada apenas como um centro local, e Jerusalém continuava a ser o centro geral do judaísmo. O Talmud, por sua vez, teria permanecido como o grande catalizador, condensador, cristalizador da constante judaica na variante causada pela dispersão. Mas, em essência, Latour defendia a ideia de que os judeus, unidos por um instinto profundo de fraternidade, agrupam-se em solo alheio constituindo “células da nação judaica” (sinônimo de pequeno Estado). Não que eles fossem forçados a isso, mas porque eles se aproveitavam da sua situação especial. Com base nesses argumentos, Latour constrói seu conceito de fraternidade fechada, de um povo à parte, que prefere a solidão (empregada como sinônimo de exclusivismo).

Os elementos acionados por Latour para compor o perfil do povo judeu que “vive exaltado pelo exílio” são do mais puro conteúdo antissemita. Os judeus são descritos como indivíduos solidários, eminentemente associativos (mas entre eles), animados por um nacionalismo sui generis e que “pensam, não no bem da humanidade, mas na desforra final do povo eleito”. Página por página, a imagem do judeu vai sendo construída com adjetivos que expressam sua índole de homem falso, vingativo, orgulhoso, eternos vencedores, revolucionários. Messianismo, nomadismo, fanatismo e espírito subversivo são componentes, segundo Latour, da psique judaica.

Com base na vocação religiosa do povo de Israel, o autor defende a tese do atrofiamento político e profissional que, por si só, torna o judeu um ser antissocial latente, demagógico, hipócrita etc. Após discorrer longamente sobre os hábitos e costumes dessa raça celerada, o diplomata avalia a religiosidade do judeu que, abalada pelo fanatismo, tornou-o incapacitado para as questões políticas. Daí seu pendor por viver nas Trevas:

O Judeu é, via de regra, um maçom, um amante das organizações secretas, um simulador nato, prosélito das ações e influências ocultas, sempre vicejantes onde não há luz, onde não incide a claridade meridiana. É, em suma, um predisposto para as endemias revolucionárias, para a demagogia – é um antissocial latente. Assim, forra-se a sua moral na hipocrisia e formas derivadas; o que, projetado no campo cívico e político, produz a tendência subversiva, aí se enquadrando folgadamente a sua alma de eterno revoltado[60].

A descrição dos traços dominantes da psique judaica completa-se com a ideia de que, por inclinação, o judeu nutre o amor ao dinheiro e aos valores. Esse predicado (negativo) presta-se a justificar a “bossa commercial” inerente a todos os judeus e que, para Latour, é um “apanágio de todas as raças semitas”. A consequência dessa bossa foi a “atrofia profissional do judeu que se dedicou de preferência às profissões pura ou predominantemente “parasitárias”. Por essa e outras razões, os judeus nunca figuram entre os produtores da riqueza humana – quer como agricultor, quer como grande industrial –, sendo, infalivelmente, identificado como comerciante, banqueiro ou capitalista. Para compor a imagem do judeu parasita, Latour faz uma analogia com a figura da “arraia miúda de Israel que não triunfa nesse âmbito, vive ou vegeta no arteanato ínfimo, no retalhismo e na manufatura doméstica”[61].

Diante do resumo apresentado, o autor conclui que esse perfil justifica “a existência de um antissemitismo endêmico e pandêmico nas regiões do globo e por todo ele, no correr dos séculos”. Não apenas justifica mas também torna compreensível, em sua opinião, o atual estado de coisas na Alemanha, na Polônia e em todos os países vizinhos “onde o mal-estar e a intranquilidade infalível, provenientes da presença israelita, se fazem sentir”. Latour conclui argumentando que cada nação que abriga o judeu cedo ou tarde se arrepende. E que, atualmente e mais uma vez, “todas as nações do mundo vão fechando as suas portas ao judeu”, sendo o Brasil apresentado como o único que recebe, em massa, o elemento israelita. A seu ver, essa situação devia-se ao expediente capcioso das cartas de chamada e respectiva indústria. Conclui seu pensamento citando dois parágrafos da obra Populações Meridionais do Brasil, de Oliveira Vianna, apresentado como um “sociólogo de fina estirpe, dos mais reputados da atual geração de estudiosos dos problemas brasileiros”.

Importante lembrar que essa obra de Oliveira Vianna, Populações Meridionais, deve é considerada como a expressão da ideologia do arianismo e de exaltação às elites. Considerado como o ideólogo das classes dominantes, Vianna tornou-se um intelectual orgânico no governo Vargas, influenciando não apenas com suas ideias, mas também interferindo na prática de uma política imigratória restritiva aos judeus. Chegou a ser consultor jurídico do Ministério do Trabalho, ministro do Tribunal de Contas durante o Estado Novo. Em 1940, Vianna publicou, na Revista de Imigração e Colonização, porta-voz oficial dos órgãos de imigração, o artigo “Os Imigrantes semíticos e mongóis e sua caracterização antropológica”, onde tece uma série de considerações acerca dos turcos-árabes, os judeus e os japoneses, cuja contribuição à formação étnica do povo brasileiro é avaliado do ponto de vista antropológico (Vianna, 1933).


Fot.1 y 2.
Fotografias enviadas por Jorge Latour, da Legação do Brasil em Varsóvia, com o objetivo de apresentar imagens dos judeus indesejáveis. Varsóvia, 1937, AHI/RJ.

As rotas de fuga dos judeus poloneses na Diáspora

Para os poloneses perseguidos pelos nazistas uma opção foi fugir para a Lituânia, país neutro com comunicação aérea e marítima com o Ocidente. Mas, após 15 de junho de 1940, quando a URSS ocupou a Lituânia, esse caminho já não servia mais como rota de fuga. Documentos foram assinados, ainda que sem valor de vistos, por Jan Zwartendijk, cônsul honorário da Holanda em Kaunas (Kovno) capital da Lituânia. Com esses papéis, centenas de refugiados conseguiram obter vistos de trânsito emitidos pelo vice-cônsul do Japão, Chiune Sugihara, ciente de que os soviéticos fechariam todos os consulados até 25 de agos­to, assinou milhares de vistos aos poloneses em fuga, salvando-os do massacre perpetrado pelos nazistas na Lituânia em 1941. Segundo David Markus, um desses judeus refugiados no Brasil em 1951, bastava a apresentação do visto de trânsito à NKVD, polícia política soviética, para conseguir a permissão de saída. Tudo tinha o seu preço:

Comprar no mercado negro os dólares necessários para pagar a viagem com o expresso transiberiano, que levava doze dias de Moscou até o porto de Vladivostok, custou a David um bonito relógio de ouro. [...] De Vladivostok cruzava-se o agita- do Mar do Japão em pequenas embarcações, feito sardinhas em lata, para a cidade portuária japonesa de Tsuruga. De Tsuruga os refugiados se transferiam para Kobe, onde não podiam trabalhar, e o Jewcom, comitê de assistência aos refugiados, constituído de judeus radicados no Japão, dava uma ajuda que, segundo David, se resumia a trinta centavos de dólar por dia que davam para um pão com geleia e ovo. No caso dele, que na época só comia Kasher, o cardápio às vezes permitia uma batata cozida com geleia de morango. Em meados de 1941, quando o prazo dos vistos expirou e a saída do Japão se tornou obrigatória, os refugiados correram para o único lugar que não exigia vistos: a cidade aberta de Xangai[62].

Desde a Guerra do Ópio, em 1841, Xangai mantinha suas portas abertas ao mercado internacional e estava dividida em três setores: o chinês, o internacional (International Settlement) e o francês (Concession Française), sendo este re­si­dencial. Os judeus russos foram os primeiros a se estabelecer na concessão francesa, dedicando-se ao comércio de importação e exportação. Na década de 20 fundaram o Shangai Jewish Club (SJC), que, nos anos de 40, serviu de palco para programas artísticos e divulgação literária em idish, em parceria com os judeus poloneses. Os russos tiveram um importante papel na ajuda aos refugiados do nazismo ao criar, em maio de 1941, o Eastjewcom, Comitê de Assistência aos Refugiados. Após, começaram a chegar os judeus alemães e austríacos, cerca de dezesseis mil refugiados, e a maioria “morava precariamente em galpões improvisados [...] amontoados, convivendo como ratos e baratas”.

Como cidade aberta, Xangai transformou-se em um centro político e cultural, promotor da língua íidiche, servindo de abrigo a importantes intelectuais, artistas de teatro, músicos e jornalistas fugitivos do nazismo. Tornou-se também importante núcleo promotor do sionismo, contando com a Organização Sionista de Xangai (ZOZ - Zionist Organisation Shangai) que, em 1945, possuía 1.815 membros, além da Wizo, Poalei Tzion, Betar, Mizrahi e Brit Noar Tzioni. Em oposição, estava o Bund, principal partido operário judeu da Europa Oriental, que contava com cem ou mais bundistas, segundo testemunho de Boris Markus. Foi nesse clima de reabilitação do iídiche e da identidade judaica que David, irmão de Boris e de Gênia Markus, criou e dirigiu o programa radiofônico nesse idioma, inaugurado em 17 de novembro de uma segunda-feira, às 16h40, com a chamada Notícias judaicas locais.

Essa situação começou a mudar após o ataque a Pearl Harbor. Com a guerra no Pacífico, as áreas internacionais foram cercadas pelas forças de ocupação, que fecharam o cerco aos refugiados. Sob pressão da Alemanha, foi emitida uma proclamação, em 12 de fevereiro de 1943, que obrigava todos os refugiados que tivessem chegado após 1937 a se transferirem para uma área designada dentro de Hongkew. Nesse gueto de 2,5 quilômetros quadrados, viveram confinados “14.245 refugiados, sendo 8.114 da Alemanha, 3.942 da Áustria e 1.248 da Polônia”. Entre eles estava David Markus, que “dividia um quartinho com mais cinco ou seis refugiados nas dependências do Exército da Salvação, mudando-se mais tarde para Tong Shan Road, seu endereço até o final da guerra”.

O massacre aos judeus poloneses

Os massacres à milhares de judeus eram também comentados nos extensos relatórios políticos encaminhados às autoridades governamentais por intermédio de suas respectivas missões diplomáticas. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por sua vez, era mensalmente informado das atrocidades nazistas, visíveis aos olhos dos diplomatas sediados em territórios europeus. Desde março de 1942, uma série de notícias propagadas pelas agências judaicas internacionais tentavam despertar o mundo para a barbárie nazista. A maioria estava cega e surda. Em junho, a imprensa londrina divulgou o massacre de setecentos mil judeus poloneses, que haviam sido fuzilados ou queimados vivos em caminhões.

Nesse mesmo mês de 1942, o porta-voz do Congresso Judaico Mundial nos Estados Unidos declarava pelo rádio que cerca de um milhão de judeus já haviam sido, com certeza, assassinados pelos nazistas. A esse alarme somou-se outro em de novembro: a Agência Judaica na Palestina comunicava oficialmente o assassinato em massa dos judeus poloneses e dos judeus ocidentais deportados para a Polônia. Meses depois, em 28 de abril, os judeus de Varsóvia – por meio do governo polonês no exílio, em Londres – clamavam por socorro: “O gueto está em chamas [...] Que o combate heróico [...] dos condenados à morte do gueto enfim desperte o mundo” (Barnavi, 1992: 234).

Thomas Mann também se fez ouvir, em alemão, na Alemanha, via BBC, ao denunciar que no Gueto de Varsóvia eram empilhados, “em pouco mais de vinte míseras ruas, quinhentos mil judeus da Polônia, da Áustria, da Tchecoslováquia e da Alemanha [...] 65 mil pessoas morreram lá em um ano, no ano passado”. Crítico e inconformado com o silêncio do povo alemão, Thomas Mann questionava, em 27 de setembro de 1942:

E para vocês, alemães, não significa nada? Em Paris, no espaço de poucos dias, foram mobilizados dezesseis mil judeus, embarcados em vagões de gado e levados embora. Para onde? Isso só o condutor da locomotiva sabia, é o que se diz na Suíça. Ele fugiu para lá, porque tinha de levar cada vez mais vagões cheios de judeus, vagões hermeticamente fechados que eram parados no meio do caminho para o extermínio com gás [...]. Há um relato mais detalhado e autêntico sobre a morte de não menos do que onze mil judeus poloneses com gás letal. Eles foram levados a um campo de extermínio específico em Konin, no distrito de Varsóvia, metidos em vagões totalmente vedados e, em cerca de 15 minutos transformados em cadáveres [...]. E vocês, alemães, ainda se espantam, ainda ficam indignados com o fato de o mundo civilizado deliberar sobre o método de educação que poderia transformar em seres humanos as gerações de alemães cujas cabeças foram feitas pelo nacional-socialismo, ou seja, gerações de assassinos deformados e completamente privados de qualquer noção moral? (Mann, 2009:104-107).

Parecia que o mundo estava cego e surdo. Nem mesmo o governo brasileiro se mostrava sensível aos apelos e exemplos de solidariedade que ecoavam dos comitês de ajuda aos refugiados. Nenhum compromisso relevante deveria ser assumido por nossos representantes diplomáticos no exterior, nem mesmo a oferta de um asilo temporário. A correspondência entre estes e o Itamaraty corria sempre na contramão ou pelas marginais em prejuízo do salvamento de milhares de judeus. A inércia, o preconceito e os entraves burocráticos encarregavam-se de oferecer soluções convenientes e adequadas à postura antissemita do Estado brasileiro. Investia-se no fato de que: quanto menores fossem os compromissos assumidos com o Comitê Intergovernamental, menores seriam as responsabilidades a serem assumidas com os judeus diante da humanidade.

Essa postura negativa assumiu explicitamente um caráter político em outubro de 1942. O parecer conclusivo acerca da questão dos refugiados semitas – que se manteve inalterado até o pós-guerra, confirmando a persistência de uma mentalidade antissemita por parte das autoridades brasileiras – percorreu todas as instâncias do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, sendo endossado pela Presidência da República e pelo CIC. A questão, segundo órgãos competentes, foi julgada como assunto essencialmente político (e não técnico), implicando o conceito de segurança nacional. Vale ressaltar que um desses pareceres passou pelas mãos de Pedro Leão Velloso, que, em 1942, respondia pela Secretaria Geral do Itamaraty e substituiria Oswaldo Aranha na Chancelaria, garantindo o continuísmo dessa mentalidade[63].

Essa posição – assumida em 8 de outubro de 1942, ainda que em documentos secretos e confidenciais – definia as fronteiras entre o emocional e o político, apoiada em um saber técnico. Os homens do Itamaraty (em cargos de decisão e não de segundo escalão, como querem fazer crer alguns de seus familiares) valiam-se dos mecanismos de poder oferecidos pelo Estado autoritário para colocar em prática os valores antissemitas que emergiam camuflados de planejamento econômico e tutela ao trabalhador brasileiro. Na trama dos argumentos, alimentava-se o mito da cordialidade brasileira. Em nome da modernidade, fortalecia-se o nacionalismo étnico e o racismo. A (des)razão e a indiferença pelo drama dos refugiados judeus era acobertada pelo conceito de racionalidade e de política imigratória seletiva, elementos modulares do perfil de um Estado que queria se mostrar moderno (Althusser, 1988; Foucault, 1980).

Pairava no ar a crença da efetivação de um possível complô internacional comunista-judaico, o que explica a persistência da censura postal à comunidade israelita entre 1934 e 1945, a vigilância diária empreendida pelo Dops a todas as instituições e associações judaicas sediadas nos grandes centros urbanos brasileiros. Do mesmo modo explicamos a manutenção de circulares secretas impedindo a entrada de judeus no Brasil entre 1937-1948.

A realidade no pós-guerra

O conceito de perigo judaico em trânsito ainda era uma realidade em fevereiro de 1947, quando milhões de deslocados de guerra continuavam a perambular miseravelmente pela Europa em busca de um refúgio. Nessa data, Edgar Fraga de Castro, cônsul geral do Brasil em Paris, consultou o Itamaraty sobre a possibilidade de se conceder vistos de trânsito a cerca de três mil apátridas alemães, russos, poloneses e húngaros, portadores de títulos de viagem e passaporte Nansen. Estes necessitavam de autorização para transitar pelo território brasileiro por estarem munidos de vistos do Paraguai. O Brasil seguiu o mesmo caminho da Argentina: respondeu negativamente[64].

Abril de 1947: o mundo ainda tentava se adaptar às novas siglas e personagens que ocupavam o cenário da Europa em reconstrução. As populações desalojadas que se encontravam acampadas na Alemanha sofriam pressão para que retornassem a seu país de origem devido à iminência de uma crise no sistema que lhes garantia auxílio e manutenção[65]. Até então, o exército americano dividia com a UNRRA as despesas com os refugiados na zona de ocupação americana, situação que era apenas paliativa. A esperança estava na aprovação de futuros projetos de colonização para garantir o acolhimento dessa população depauperada em todos os sentidos.

A situação era de incertezas. A possibilidade de uma crise econômica – decorrente da redução de verbas por parte dos Estados Unidos – favorecia a opinião dos governos russo, polonês e iugoslavo, que defendiam o princípio da repatriação dos refugiados políticos, ainda que compulsória. No entanto, uma grande parte desses refugiados não desejava retornar a seu país de origem, que lhes acenava com condições incertas dadas suas dissidências ideológicas. Estava em questão o direito de emigração fundamentado no princípio da livre determinação individual e escolha de domicílio, concepção defendida pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha[66].

As incertezas tornavam-se ainda mais amplas diante da perspectiva de que a UNRRA encerraria suas atividades em junho sem dar tempo à OIR de criar fundos orçamentários destinados à repatriação e emigração dos refugiados e dos DPs. O general Clay, comandante americano na zona de ocupação, ao anunciar a gravidade da situação, alertara que “a assistência do povo americano através das forças armadas dos Estados Unidos não poderia continuar indefinidamente”. Naquela região encontravam-se cerca de quinhentas mil pessoas: 153 mil poloneses, 53 mil poloneses-ucranianos, 153 mil judeus e 104 baltas (incluindo letões, estonianos e lituanos)[67].

As pressões dos grupos sionistas sobre o Itamaraty ocorreram no período imediato ao pós-guerra. O chanceler Pedro Leão Velloso, que iria chefiar a Delegação brasileira na ONU, recebeu inúmeras moções de apoio e cartas de agradecimentos da comunidade judaica brasileira, atenta ao projeto da Partilha da Palestina. Alguns, mais eufóricos, procuravam encaminhar ao presidente Truman votos de louvores por sua dedicação à causa dos judeus. Truman foi cumprimentado, via Itamaraty, em 3 de outubro de 1945, pela “esquerda democrática do Rio Grande do Sul” por provocar no seio das Nações Unidas a solução para o caso judaico. Dois dias depois, a Nova Organização Sionista do Brasil protestou ao presidente Vargas contra a “desumana negativa do governo britânico em abrir as portas palestinenses à livre imigração judaica como solução única inadiável de Israel”.

Com relação ao tema do Genocídio, a manifestação do governo brasileiro na ONU, em 1947, foi voltada para o umbigo do país. As declarações apresentadas por Gilberto Amado – representante do Brasil no Comitê para Desenvolvimento do Direito Internacional e sua Codificação – não se justificam, ainda que apoiadas na declaração da Grã-Bretanha de que “não havia tempo e nem informações suficientes para discutir o fundo da questão”. Para Gilberto Amado, essa questão não nos dizia respeito, hábil artifício para não nos envolvermos com o problema alheio:

A população do Brasil é formada de raças diferentes que se misturam. Em meu país não há preconceitos; creio mesmo que não há lugar no mundo onde a teoria da igualdade fundamental das raças e das culturas seja mais aceita. O povo brasileiro é um povo homogêneo, formado por raças heterogêneas. O problema do genocídio não nos interessa diretamente, portanto. É um crime difícil de imaginar para o homem comum do Brasil, mas que lhe causa a maior aversão[68].

Essa declaração expressa o perfil camaleônico do governo brasileiro, que, apesar de ter optado por lutar ao lado dos Aliados, sempre se mostrou indeciso entre autoritarismo e democracia, liberdades individuais (direitos humanos) e interesses nacionais. Tanto assim que não relutou em autorizar, entre 1946 e 1948, por intermédio da Missão Militar Brasileira em Berlim, a entrada no país dos alemães nazistas, mas continuou a dificultar a entrada dos judeus sobreviventes do Holocausto por meio de Circulares Secretas e dos DPs- Deslocados de Guerra[69], Assim mesmo, se comparado com a Argentina, o governo Dutra permitiu a entrada de um número maior de judeus do que aqueles admitidos na Argentina entre 1946 e 1947. Segundo Leonardo Senkman, autor de um estudo comparativo entre esses dois países, o Brasil recebeu 1.485 judeus em 1946, enquanto na Argentina entraram legalmente apenas 295; e, em 1947, entraram no Brasil 2.637 judeus, número vantajoso se comparado aos 126 ingressos na Argentina (Senkman, 1994: 263-298).

Apesar dessa vantagem numérica e de Gilberto Amado ter declarado publicamente na ONU que “o Brasil não tem preconceitos”, o governo Dutra (1946-1941) continuou a manter confidencialmente restrições raciais, econômicas e ideológicas como critérios para seleção de imigrantes. Em fevereiro de 1947 os apátridas portadores de títulos de viagem ou passaporte Nansen perderam toda a credibilidade, ainda que a intenção fosse apenas de obter um visto de trânsito para o Brasil. Tendo a Argentina como modelo, a orientação dada pelo Itamaraty ao Consulado Geral do Brasil em Paris foi de negar vistos aos três mil apátridas alemães, poloneses e húngaros que, a caminho do Paraguai, pretendiam transitar pelo Brasil. Persistia, portanto, a crença preconceituosa do perigo semita em trânsito. Antecipando-se ao veredito do Conselho Nacional de Imigração e Colonização, a Secretaria Geral do Itamaraty considerou que, dadas as facilidades existentes para apátridas e pessoas sem nacionalidade definida de obterem títulos de viagem ou salvo-conduto, seria conveniente “desencorajar o reconhecimento do Passaporte Nansen como instrumento válido para desembarque no Brasil”[70].

Em 1 de fevereiro de 1948 o Conselho Nacional de Imigração e Colonização, presidido por Jorge Latour e autorizado pelo presidente da República, instruiu o Itamaraty a preparar a Circular Reservada n. 589. O “veneno da serpente” voltava a incomodar. Ao lermos na íntegra o texto dessas instruções, fica evidente o legado do autoritarismo varguista. Mais uma vez o governo brasileiro fechava suas portas aos judeus, muitos dos quais eram certamente sobreviventes do Holocausto. Importante enfatizar, ainda que óbvio, que muitos desses indivíduos eram velhos e crianças órfãs, desnutridos, doentes e sem qualquer documento de identidade. Consigo traziam apenas dignidade e força de vontade para recomeçar a vida no Brasil. Raramente pensaram em retornar. Criaram novas raízes junto às comunidades de acolhimento, guardando para si seus traumas, suas vivências.

Considerações finais

Hoje, a história dos poloneses refugiados e sobreviventes do Holocausto que optaram por recomeçar sua vida no Brasil, começa a ser resgatada por alguns de seus descendentes e acadêmicos dedicados aos estudos da Diáspora e do Holocausto. Após anos de inércia, alguns poucos resolveram buscar suas raízes e fortalecer sua identidade fragilizada pelo silêncio ou falta de informações por parte de seus pais e avós. Outros, por acaso, descobrem suas raízes judaicas ao buscar documentos comprobatórios para receber a dupla nacionalidade. Em ambos os casos, o impacto da informação histórica provoca uma grande emoção, um misto de sentimentos de revolta, surpresa e choque por tudo que aconteceu aos seus familiares assassinados nos guetos e nos campos de concentração na Polônia. Nesta situação, alguns retornaram, não para ficar; apenas para saber mais. Cito aqui uma frase de Sigmund Freud que nos ajuda a repensar situações como estas: “... o que permaneceu incompreendido retorna: como uma alma penada, não têm repouso até que seja encontrada resolução e libertação” (apudLasch, 1986: 6).

O ato de “pisar” na terra de seus ancestrais, conhecer o local onde eles nasceram, viveram e foram assassinados, tem um forte significado simbólico. É como se contribuísse para fechar este amplo círculo da Diáspora judaica cuja durabilidade no tempo pode aqui ser reavaliada. O retorno temporário ao grupo de origem em busca de uma memória coletiva demarca os territórios da dispersão e também alerta para o perigo dos sentimentos de alienação e desconhecimento em relação memória individual e coletiva. O ato do retorno dos familiares dos sobreviventes do Holocausto aos locais de origem de seus familiares reforça o compromisso que a Humanidade tem de restaurar e preservar, como “Memória do Mundo”, os testemunhos e documentos comprobatórios deste genocídio, único na história da Humanidade e que provocou este segmento da Diáspora judaica no século XX.

O resgate destes vínculos com a história e a terra natal dos sobreviventes do Holocausto extrapola os interesses pessoais por fazer parte de um todo, muito maior do que imaginamos e que ainda está para ser descoberto. O interesse neste resgate de raízes expressa momentos íntimos de vínculos definidores da autoconsciência e da solidariedade em relação ao drama do outro e dos seus próprios, equivalendo a “história de si”. São micro-histórias que detonam exercícios de sobrevivência do eu que, até então estava contraído, retraído. Ao olhar para trás, como muito bem definiu Lash, em sua obra O Mínimo Eu, os descendentes dos sobreviventes do Holocausto reconstituem a sua individualidade “que supõe uma história pessoal”, um “sentido de situação”:

Em uma época carregada de problemas, a vida cotidiana passa a ser um exercício sobrevivência. Vive-se um dia de cada vez. Raramente se olha para trás, por medo de sucumbir a uma debilitante nostalgia; e quando se olha para frente, é para ver como se garantir contra os desastres que todos aguardam. Em tais condições, a individualidade transforma-se numa espécie de bem de luxo, fora de lugar em uma era de iminente austeridade. A individualidade supõe uma história pessoal, amigos, família, um sentido de situação. Sob assédio, o eu se contrai num núcleo defensivo, em guarda diante da adversidade. O equilíbrio emocional exige um eu mínimo, não o eu soberano do passado (Lasch, 1986: 9-10).

Segundo Bernardo Sorj, esta é a oportunidade que temos para complementar com novas informações a história da Diáspora judaica do século XX e as extensões dos dramas dos seus protagonistas que ainda repercutem neste século XXI. Daí a importância de registrarmos os testemunhos dos sobreviventes do Holocausto radicados no Brasil, daí a importância de preservamos os vestígios deste genocídio que criou levas de desenraizados que, ainda hoje, não conseguem lidar com sua história. Por um lado, por falta da consciência histórica dos fatos e, ao mesmo tempo, pela ausência de indícios que os despertem, novamente, para a terra-mãe (Sorj, 2004).

Referências

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Obras e sites de referência

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Chaliand, G., Rageau, J.P. (1991). Atlas des diásporas. Paris: Editions Odile Jacob.

Notas

[2] Sobre o conceito de Diáspora endossamos as concepções teóricas de Challiand, G.: Rageau, J. P. (1991), Atlas des Diásporas, Paris: Editions Odile Jacob; Safran, W. (1991), Diásporas in Modern Societies: Myths of Homeland and Return. Diáspora, 1 (1).
[3] Os testemunhos de sobreviventes poloneses radicados no Brasil entre 1939-1950 estão sendo registrados pela equipe do projeto Vozes do Holocausto e inseridos na Base de Dados Arqshoah- Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo, sob a minha coordenação junto ao Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação do Departamento de História, FFLCH- Universidade de São Paulo. Ver: Carneiro; Mizrahi, (2017-2018).
[4] A Conferência de Evian foi realizada na região francesa de Evian- les-Bains entre 6-15 de julho de 1938, envolvendo representantes de 32 países, organizações humanitárias e judaicas. Convocada por Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, o encontro pretendia encontrar uma solução permanente para o problema vivenciado pelos refugiados, a maioria judeus. Os Estados Unidos esteve representado por Myrion C. Taylon, e o Brasil por Hélio Lobo. A maioria dos países, dentre os quais os Estados Unidos e o Reino Unido, pediu desculpas por não acolher um maior número de refugiados, com exceção da República Dominicana. Resultado positivo: a criação do Comitê Intergovernamental para Refugiados -ICR (Carneiro, 2010).
[5] Discours de Myrion C. Taylor, presidente da Conferência de Evian, 1938, Anexo ao Ofício n. 12, de Hélio Lobo, para Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, p. 3, Genebra, 26 jul. 1938, Ofícios Recebidos, 101.34, Lata 643, Maço 9.769. AHI/RJ.
[6] Emigrados Políticos, La Fuonda, 30 mar.1938, 601.34 (00), Lata 1.100, Maço 21.158, AHI/RJ.
[7] Ofício Secreto n. 13, de Arnaldo de Souza Paes de Andrade, gen. de Divisão, chefe do Estado Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2 fev. 1937, Lata 803, Maço11.232/A; Ofício de Mario de Pimentel Brandão, ministro Interino das Relações Exteriores, para João Carlos Muniz, cônsul geral do Brasil em Genebra, Rio de Janeiro, 26 jan. 1937, Lata 803, Maço 11.232/4; Ofício de T. St. Grabowski, ministro da Polônia, para Mario de Pimentel Brandão, ministro Interino das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, 20 jan. 1937, Lata 803, Maço 11.232.4, AHI/RJ. Ver também: Carneiro, 2010.
[8] Ofício Secreto n. 13, de Arnaldo de Souza Paes de Andrade, op. cit., p. 5.
[9] Ofício Reservado de Jorge Latour, encarregado de Negócios do Brasil em Varsóvia, para José Carlos de Macedo Soares, ministro das Relações Exteriores, Varsóvia, 15 nov.1936, Lata 803 Maço 11.232/A, AHI/RJ.
[10] Idem, p. 6; Ofício de Dulphe Pinheiro Machado, diretor do Departamento Nacional de Povoamento, para Agamemnon Magalhães, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Rio de Janeiro, 20 mar. 1937, Lata 803, Maço 11.232, AHI/RJ.
[11] Ofício Secreto, de Hildebrando Accioly, da Secretaria das Relações Exteriores, para Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, 22 abr. 1938, Lata 741, Maço 10.561, AHI/RJ.
[12] Idem, p. 3.
[13] Projeto de Decreto-lei que Regula a Entrada de Indivíduos de Nacionalidade Judaica, Ministério das Relações Exteriores, 1939, Maço 558 (99), AHI.
[14] No início da Conferência de Evian, os dois representantes da Polônia se retiraram por não terem sido admitidos na Comissão técnica. Relatório Confidencial n. 38, de Hélio Lobo, representante do Brasil no Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho, para Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, Genebra, 8 dez. 1938, 640.16 (99), Lata 630, Maço 9.697, p. 8, 10. AHI/RJ.
[15] Relatório Confidencial n. 38, de Hélio Lobo, representante do Brasil no Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho, para Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, Genebra, 8 dez. 1938, p. 6-7.
[16] Restrições à imigração na Áustria. Viena, 31 (UP). O Estado de S. Paulo, 21 abr. 1938, p. 1.
[17] Expressivos da dimensão desta tragédia são os documentos: Ofício da Legação da Polônia para o MRE, Rio de Janeiro, 10 fev.1939; Telegrama n. 18, do MRE para Hélio Lobo, a/c Embaixada Brasileira em Londres, Rio de Janeiro, 16 fev. 1939; Telegrama do MRE para o ministro da Polônia, Rio de Janeiro, 17 fev. 1939; Telegrama do secretário geral do MRE para o presidente do CIC, Rio de Janeiro, 17 fev. 1939; Intergovernmental Committees to Continue and Develop the Work of the Evian Meeting, London, 1938; The Position of the Jews Expelled from Germany to Poland in October, 1938; Memorandum by the Chairman. Confidencial LIC, 640.16 (99), Lata 630, Maço 9.697. AHI/RJ. Disponíveis em: www.arqshoah.com.
[18] Telegramas 6 e 7, de Exteriores para o Consulado Geral do Brasil no Porto. Rio de Janeiro, 29 maio; 31 de maio 1941, Lata 1.227, Maço 27.171. AHI/RJ. Sobre o mito do complô-judaico internacional citamos: Girardet, 1997; Motta, 1998; Carneiro, 2016.
[19] Ofício Secreto n. 3 do general Arnaldo de Souza Paes, op. cit.; Ofício de Mário de Pimentel Brandão, ministro Interino das Relações Exteriores para João Carlos Muniz, cônsul geral do Brasil em Genebra. Rio de Janeiro, 26 jan. 1937; Ofício de ministro-plenipotenciário da Polônia no Rio de Janeiro para Mário de Pimentel Brandão, ministro Interino das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, 20 jan. 1937, Lata 803, Maço 132/A, AHI/RJ. Ofício Secreto n.I, 3 do general Arnaldo de Souza de Andrade, chefe do Estado-Maior do Exército para o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro, 2 fev. 1937; Ofício de Mário Pimentel Brandão, ministro Interino das Relações Exteriores para João Carlos Muniz, cônsul geral do Brasil em Genebra. Rio de Janeiro, 26 jan. 1937; Ofício de T. Grabowski, ministro da Polônia para Mário de Pimentel Brandão, 20 jan. 1937, Lata 803, Maço 132/A. AHI/RJ.
[20] Ofício Secreto n. I, 3 do general Arnaldo de Souza de Andrade, chefe do Estado-Maior do Exército para o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro, 2 fev. 1937; Ofício de Mário Pimentel Brandão, ministro Interino das Relações Exteriores para João Carlos Muniz, cônsul geral do Brasil em Genebra. Rio de Janeiro, 26 jan. 1937; Ofício de T. Grabowski, ministro da Polônia para Mário de Pimentel Brandão, 20 jan. 1937, Lata 803, Maço 132/A. AHI/RJ; www.arqshoah.com
[21] Ofício Secreto n. I, 3. Rio de Janeiro, 2 fev. 1937, op. cit., p. 4.
[22] Ofício Reservado, de Jorge Latour, encarregado de Negócios na Legação Brasileira em Varsóvia, para José Carlos de Macedo Soares, ministro das Relações Exteriores, Varsóvia, 15 nov. 1936, p. 3; Telegrama da Legação Brasileira em Varsóvia para o MRE, Varsóvia, out. 1937; Ofício de Dulphe Pinheiro Machado, diretor do Departamento Nacional do Povoamento, para Agamenon Magalhães, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Rio de Janeiro, 20 mar. 1937, Lata 803, Maço 11.232, AHI/RJ.
[23] Ofício Reservado, de Jorge Latour, encarregado dos Negócios na Legação Brasileira em Varsóvia, Varsóvia, 15 nov. 1936, p. 3; Ofício de Carlos de Macedo Soares, ministro das Relações Exteriores, Varsóvia, 15 nov. 1936, p. 3; Telegrama dirigido ao MRE pela Legação Brasileira em Varsóvia, Varsóvia, out. 1937; Ofício de Dulphe Pinheiro Machado, diretor do DNP, para Agamenon Magalhães, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Rio de Janeiro, 20 mar.1937, Lata 11.232/A, AHI/ RJ.
[24] Ofício Reservado de Jorge Latour, Varsóvia, 15 nov. 1936, p. 3.
[25] Idem.
[26] Ofício de T. St. Grabowski, ministro-plenipotenciário da Polônia no Rio de Janeiro para Armando de Salles Oliveira, governador do estado de São Paulo. Rio de Janeiro, 14 jul. 1936; Ofício de T. St. Grabowski, ministro-plenipotenciário da Polônia no Rio de Janeiro, para Benedito Valladares Ribeiro, governador do estado de Minas Gerais, Rio de Janeiro, 14 jul. 1936, Lata 803, Maço 112.322/A, AHI/RJ.
[27] Ofício de T. St. Grabowski, ministro-plenipotenciário da Polônia no Rio de Janeiro, para Benedito Valladares Ribeiro, governador do estado de Minas Gerais, Rio de Janeiro, 14 jul. 1936, p. 2.
[28] Ofício de Mário de Pimentel Brandão, ministro das Relações Exteriores, para o gen. Armando de Souza Paes de Andrade, chefe do Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 27 jan. 1937, Lata 803, Maço 112.322/A, AHI/RJ.
[29] Telegrama Confidencial da Secretaria de Estado das Relações Exteriores para o Consulado Geral do Brasil em Genebra, Rio de Janeiro, 3 nov. 1936, Lata 803, Maço 112.322/A, AHI/RJ.
[30] Telegrama Confidencial de João Carlos Muniz, do Consulado Geral do Brasil em Genebra, para Mário de Pimentel Brandão, ministro interino das Relações Exteriores, Genebra, 8 fev. 1937; Actas Soixante- dix-huitième session do Conseil d’Administration du Bureau Internacional du Travail, Genève, 6 fevrier 1937, p. 17, Lata 803, Maço 112.322/A, AHI/RJ.
[31] Telegrama Confidencial n. 28, da Secretaria de Estado das Relações Exteriores para a Embaixada do Brasil em Buenos Aires, Rio de Janeiro, 13 abr. 1937, Lata 803, Maço 112.322/A, AHI/RJ.
[32] Circular Secreta n. 1.127, emitida pelo MRE para as Missões Diplomáticas Brasileiros e Consulados de Carreira, 7 jun.1937, Maço 29.653; 29.655. AHI/RJ. Em 1947, portanto durante o governo Dutra, ainda vigoravam no Brasil circulares secretas de teor antissemita. Ver: Carneiro, 2010: 432; Senkman 1994: 263-298.
[33] Como o mais secreto de nossos códigos, leia-se 650.4 (04), numeração empregada pelo Itamaraty para classificar documentos relacionados com a questão judaica [grifado no original].
[34] Ofício Confidencial, de Hildebrando Accioly, em nome do ministro das Relações Exteriores, para José Bonifácio de Andrada e Silva, embaixador do Brasil em Buenos Aires, Rio de Janeiro, 14 abr. 1937.
[35] Telegrama Secreto n. 19, do MRE para a Embaixada do Brasil em Montevidéu, Rio de Janeiro, 28 abr. 1937; Telegrama Secreto, de Lucílio Bueno, da Embaixada do Brasil em Montevidéu, para o MRE, Montevidéu, 1 maio 1937; Telegrama Confidencial, de Nabuco Gouvea, da Embaixada do Brasil em Lima, para o MRE, Lima, 4 ago. 1937, Lata 803, Maço 1.232/A, AHI/RJ.
[36] Telegrama Secreto n. 31, do MRE para a Embaixada do Brasil em Buenos Aires, Rio de Janeiro, 20 abr.1937; Ofício Confidencial, de José Bonifácio de Andrada e Silva, embaixador do Brasil em Buenos Aires, para Mário de Pimentel Brandão, ministro das Relações Exteriores, Buenos Aires, 27 abr. 1937, Lata 803, Maço 1.232/A, AHI/RJ.
[37] Telegrama Confidencial n. 28, do MRE para o Consulado Geral do Brasil em Genebra, Rio de Janeiro, 2 maio 1937, Lata 803, Maço 1.232/A, AHI/RJ.
[38] Telegrama Confidencial n. 36, do MRE para a Embaixada do Brasil em Genebra, Rio de Janeiro, 2 mar. 1937, Lata 803, Maço 1.232/A, AHI/RJ.
[39] Ofício de Cyro de Freitas Valle, ministro das Relações Exteriores, para o ministro plenipotenciário da Polônia, Rio de Janeiro, 28 fev. 1939, Lata 830, Maço 9.697, AHI/RJ.
[40] O Decreto-lei n. 383, de 18 de abril de 1938, insere-se entre as várias medidas nacionalistas do Estado Novo brasileiro, que não mediu esforços para investir contra a diversidade em prol da homogeneidade étnica. Esse decreto, que limitava a atividade dos estrangeiros no Brasil, deu motivo a uma forte reação por parte dos países cujas correntes emigratórias se dirigiam para o nosso território, dentre os quais a Polônia.
[41] Memorando Imigração polonesa no Brasil, de C. S. de Ouro Preto, cônsul de 3a. Classe para o chefe da Divisão Política e Diplomática, Rio de Janeiro, 1 mar. 1939, p.153-164, Lata 1.291, Maço 29.633. AHI/RJ.
[42] Nota de Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, para o Encarregado de Negócios Interino da Polônia, Rio de Janeiro, 19 maio 11939; Ofício n. 478/8, de João Carlos Muniz, presidente do CIC, para Oswaldo Aranha, Rio de Janeiro, 8 jun. 1939, AHI/RJ.
[43] Nota Verbal do MRE para a Legação da Polônia, Rio de Janeiro, 17 jun. 1939, (640.16 999), AHI/RJ.
[44] Ofício do MRE para a Embaixada do Brasil em Londres, Rio de Janeiro, 9 nov. 1939, 511.14 (547)/324, Lata 1.291, Maço 29.630, AHI/RJ; Ofício do MRE para a Embaixada do Brasil em Londres, Rio de Janeiro, 13 nov. 1939, 511.14 (547). AHI/RJ.
[45] Minuta do Telegrama (sem assinatura) do CIC para a Legação Brasileira em Bucarest, Rio de Janeiro, 30 out. 1939 (ms), 640.16 (99). AHI/RJ.
[46] Aviso de Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores para Francisco Campos, ministro da Justiça, e negócios Interiores. Rio de Janeiro, 1 out. 1940, Lata 1.291, Maço 29.633. AHI/RJ.
[47] Ofício da Legação da Polônia no Rio de Janeiro para o MRE. Rio de Janeiro, 8 out.1940, Lata 1.291, Maço 29.633. AHI/RJ.
[48] PRÓ-MEMÓRIA. Legação da Polônia no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 8 out. 1940; Ofício 307/ br/63 da Legação da Polônia para o MRE, Rio de Janeiro, 8 out. 1940, Lata 1.291, Maço 29.633, AHI/RJ.
[49] Ofício de J. R. de Macedo Soares, do MRE, para João Carlos Muniz, do CIC, Rio de Janeiro, 20 ago. 1940, Lata 1.291, Maço 29.633, AHI/RJ.
[50] A Circular n. 1.522, de 6 de maio de 1941, encaminhava às missões diplomáticas o texto do decreto-lei n. 3.175, que restringia a imigração e dava providências e instruções para a aplicação das regras assentadas entre o MJNI, o MRE e o CIC, Circular n. 1.522, de 6 maio 1941, Lata 899, Maço 13.858, AHI/RJ.
[51] Nota verbal da Divisão de Passaportes para o presidente do CIC. Rio de Janeiro, 15 out. 1940, Lata 1.291, Maço 299.632, AHI/RJ.
[52] Importante a leitura do livro LTI: A Linguagem do Terceiro Reich, de Victor Klemperer, que análisa da linguagem adotada pelos nazistas no sentido literal e filológico (Klemperer, 2002).
[53] Memorando da Divisão de Passaportes para o secretário geral do MRE, Rio de Janeiro, 20 jan. 1941, Lata 1.291, Maço 299.632. AHI/RJ.
[54] I. Fica suspensa a concessão do visto temporário a menos que se trate de nacionais de Portugal ou dos Estados americanos ou dos estrangeiros a que se refere a letra c do artigo 25 do decreto n. 3.010 de 20 de agosto de 1939; II - O visto permanente só será concedido nos casos de nacionais dos Estados americanos, aos portugueses natos, aos técnicos especializados de indústria ou agricultura, contratados por estabelecimentos industriais ou agrícolas idôneos e cujo capital não for inferior a 200:000$000 aos técnicos especializados que forem contratados pelo Governo Federal ou dos Estados [...], os que provarem a transferência para o Banco do Brasil da quantia em moeda estrangeira equivalente a 400:000$000 no mínimo; III - Fica suspensa a concessão de visto temporário ou permanente aos semitas, respeitadas as autorizações concedidas até a presente data [...]”. Oswaldo Aranha, MRE, Lata 899, Maço 13.858 AHI/RJ.
[55] Excluídos das restrições impostas pela Circular n. 1.499, estes cidadãos continuavam a gozar das vantagens do decreto n. 2.017, de 14 de fevereiro de 1940, de que trata a Circular n. 1.425, de 19 do mesmo mês e ano. Circular n. 1.501, às Missões Diplomáticas e Consulados de Carreira, Rio de Janeiro, 24 jan. 1941 [Rubrica: J. R. de M. S.).
[56] Circular n. 1.499, de Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, às Missões Diplomáticas e Consulados de Carreira, 6 jan. 1941, Lata 899, Maço 13.858, AHI/RJ.
[57] Lista de personalidades polonesas refugiadas no Brasil, portadores de passaportes diplomáticos e oficiais. Anexo único ao Ofício de Oswaldo Aranha, op. cit., 1 out. 1940.
[58] Ofício Reservado n.25, de J. P. de Barros Pimentel, da Legação do Brasil em Varsóvia, para José Carlos de Macedo Soares, ministro de Estado das Relações Exteriores, Varsóvia, 30 set. 1936, Lata 622, Maço 9.650, AHI/RJ.
[59] Ofício de Mário de Pimentel Brandão, ministro das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 27 jan. 1937, Lata 803, Maço 112.322/A, AHI/RJ. Idem, p. 1-6.
[60] Idem, p. 7.
[61] Ibidem, p. 11.
[62] A entrada de judeus em Shangai, O Estado de S. Paulo, 15 ago. 1936, p. 16.
[63] Ofício n.1.180, de Antonio Camillo de Oliveira, secretário geral do MRE, para o CIC. Rio de Janeiro, 13 out. 1942, Lata 1.616, Maço 34.888. AHI/RJ.
[64] Telegrama n. 10, de Edgar Fraga de Castro, do Consulado-Geral do Brasil em Paris, para o MRE, Paris, 8 fev. 1947, Lata 1.583, maço 34.365. AHI/RJ.
[65] The New York Times, 15 abr. 1947.
[66] Ofício de Oswaldo Aranha à Raul Fernandes. New York, 30 abr. 1947, pp. 1-2.
[67] Idem, p. 2.
[68] Declarações do embaixador Gilberto Amado sobre Genocídio. Anexo 1, Ofício de João Carlos Moniz, 10 jun. 1947.
[69] Deslocados de Guerra, em inglês Displaced Persons (Dps) são pessoas forçadas a sair de suas residências habituais e, a partir daí, do país onde habitam. Este fenômeno ficou conhecido como migração forçada que atingiu seu ápice durante a Segunda Guerra Mundial envolvendo 19,5 milhões de refugiados, 1,8 milhões de requerentes de asilo e 38,2 milhões de deslocados internos. Em grande parte, eram ucranianos, poloneses e outros povos eslavos, assim como cidadãos dos estados Bálticos – lituanos, letões e estonianos (Wyman,1989).
[70] O Passaporte Nasen funcionava como um documento de identificação emitido pelo Office International Nansen pour les Réfugiés, organismo da Liga das Nações. Criado em 1922 por Fridtjof Nansen é considerado como um dos primeiros documentos de viagem outorgado aos refugiados. Em 1942 era reconhecido por 52 países, favorecendo o ir-e-vir de centenas de milhares de pessoas que, de outra forma, não teriam como encontrar trabalho e/ou uma nova residência.

Autor notes

[1] Maria Luiza Tucci Carneiro, Historiadora e Professora Livre Docente do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; Coordenadora do LEER- Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação. E-mail: malutucci@gmail.com.
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