Debate

Línguas indígenas no Nordeste brasileiro: esboço político-linguístico de seus processos de valorização

Lenguas indígenas en el Nordeste brasileño: esbozo político-lingüístico de sus procesos de valorización

Leandro Durazzo
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Brasil
Francisco Vanderlei Ferreira da Costa
Instituto Federal da Bahia, Brasil

Línguas indígenas no Nordeste brasileiro: esboço político-linguístico de seus processos de valorização

Revista del CESLA, vol. 30, pp. 97-118, 2022

Uniwersytet Warszawski

Recepción: 28 Junio 2022

Aprobación: 03 Diciembre 2022

Resumo: Apresentamos um redesenho do mapa linguístico brasileiro, propondo um mapa sociolinguístico inicial de línguas indígenas presentes no Nordeste do Brasil. Para isso, consideramos a pluralidade linguística e cosmológica que caracteriza a região etnológica do Nordeste, historicamente considerada de baixa distintividade, tese que contestamos. O campo de estudo que propomos deriva da ação de negação colonial que foi imposta a uma região e seus falantes. Com isso, sugerimos algumas características linguísticas válidas também para línguas de estados brasileiros de outras regiões, mas que se concentram muito mais fortemente no Nordeste. Discutimos em seguida o campo de estudo Línguas Indígenas do Nordeste Indígena, apresentando justificativas para que esse campo ganhe força e categorias próprias, vindas principalmente das comunidades indígenas.

Palavras-chave: línguas indígenas, revitalização linguística, antropologia, sociolinguística, Nordeste brasileiro.

Abstract: We present a redesign of the Brazilian linguistic map, proposing an initial sociolinguistic map of Indigenous languages ​​present in the Northeast of Brazil. For this, we consider the linguistic and cosmological plurality that characterizes the ethnological region of the Northeast, historically considered of low distinctiveness, a thesis that we contest. The field of study that we propose derives from the colonial denial action that was imposed on the region and its speakers. Thus, we suggest some linguistic characteristics that are also valid for languages ​​of Brazilian states in other regions, but which are much more concentrated in the Northeast. We then discuss the field of study Indigenous Languages ​​of the Indigenous Northeast, presenting justifications for this field to gain strength and its own categories, coming mainly from indigenous communities.

Keywords: indigenous languages, linguistic revitalization, anthropology, sociolinguistics, Brazilian Northeast.

Breves considerações iniciais

As estruturas científicas apresentam características não fixadas (Kuhn, 1997). Essa maneira de perceber a formação de conhecimento permite que as ciências, a partir das dinâmicas sociais, tenham de se revisitar e, se necessário, redefinir caminhos. As comunidades indígenas do Nordeste, dentro de sua heterogeneidade, contribuem sobremaneira para que direções diferentes sejam adotadas por diversas ciências. A suposição de que os povos indígenas nesta região teriam se extinguido, fato que nunca se concretizou, nas últimas décadas tem sido contraposta pelo número cada vez maior de etnias oficialmente reconhecidas. A suposta extinção era um quadro dado para a ciência de determinado período (Pacheco de Oliveira, 1999); o grande aumento no número oficial de etnias representa outro quadro (Carvalho, 2011).

Para a Linguística e para a Antropologia, entre tantas outras questões, essa região brasileira descortina uma gama interessante de debate referente às línguas dessas comunidades. A língua é uma característica da resistência desses povos, tornando-se um artefato de embate que tende a fortalecer o movimento indígena em busca de seus direitos. Contudo, ela também foi bastante enfraquecida pelos colonizadores, na busca de subjugar os indígenas e tornar a língua portuguesa a única a ser falada.

Reconhecendo a importância da língua para os povos no Nordeste indígena, este ensaio busca fazer um levantamento inicial dos processos de revitalização/retomada linguística atualmente em curso. O interesse principal é sistematizar um debate específico sobre língua e seus processos próprios advindos do contexto sócio-histórico dos povos dessa região. Consideramos que esse diálogo é relevante, tendo em vista a soma de esforços das comunidades tradicionais que não vem sendo acompanhada pela devida alteração de postura dos centros de pesquisa.

A riqueza linguística e cosmológica do Nordeste indígena

Recentemente, Carvalho e Reesink (2018) procederam a uma revisão sistemática do que se tem produzido a respeito dos povos indígenas do atual Nordeste brasileiro. Tal região etnológica, que compreende oito dos nove estados administrativos da federação, acrescidos de dois estados do sudeste, é território de antiga expansão colonial, cuja fronteira econômica tem se ampliado, desde o litoral, há cerca de cinco séculos (Pacheco de Oliveira, 1999, 2016). Consideradas as especificidades indígenas da região, a exemplo de seus trânsitos, territorialidades e relações interétnicas, o que aqui chamamos de Nordeste é composto por Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, todos estados nordestinos (do qual se exclui o Maranhão, que mantém estreitas relações interétnicas com a região amazônica, portanto Norte), e com a inclusão de Minas Gerais e Espírito Santo, estados administrativamente sudestinos.

No referido artigo, os autores fizeram um balanço do que vinha sendo produzido nos vinte anos precedentes (1997-2017), mormente no campo da Antropologia. Esse recorte temporal implica também em uma identificação de tendências teórico-metodológicas, que fazem o estudo dos povos indígenas do Nordeste serem vistos ora como estudos de sociedades indígenas em contato interétnico, na fronteira com o Estado nacional, ora como estudos de etnologia indígena, em maior diálogo com temáticas tais quais suas práticas rituais, cosmologias e ontologias. Claro está, essa oscilação reflete mais as diferentes abordagens dos pesquisadores do que, propriamente, distintas experiências dos próprios povos indígenas. Afinal, ao longo de seu histórico de organização política e articulação interétnica, tais povos não deixaram de lançar mão, constantemente, de suas cosmologias e relações mais-que-humanas com os encantados, por exemplo, para dar fôlego e fortalecimento às demandas frente ao Estado (Carvalho, 2011).

É assim que o Nordeste indígena ganha, no campo da Antropologia, da História e das Ciências Sociais de modo geral, sua contemporaneidade temática. Confrontados com um histórico centenário de marginalização, perseguição e violência contra os povos indígenas do Nordeste, os estudos da virada do século XX para o XXI enfatizaram dinâmicas políticas de organização étnica, tais como as chamadas etnogêneses (Pacheco de Oliveira, 1999), pelas quais as comunida­des descendentes de antigos grupos originários passariam, no século XX, a se reafirmarem como propriamente indígenas. Ainda segundo Carvalho & Reesink:

Podemos resumir a questão mediante a simples constatação de que boa parte da etnologia orientada para o Nordeste sempre partiu do pressuposto de baixa distintividade cultural dos povos ali estabelecidos. Assim, é oportuno lembrar que, antes de 1970, houve uma fase em que o conceito-chave de aculturação e a busca de persistências da distintividade sociocultural pré-cabralina prevaleceram em uma paisagem étnica tacitamente pensada e entendida como sendo de baixa distintividade. (Carvalho & Reesink, 2018, p. 91, grifos nossos)

Para nossos fins, basta considerarmos por um instante os termos grifados na citação acima. Segundo estes, os povos indígenas em tela, sobretudo a partir de meados do século XX, eram compreendidos pelos estudos acadêmicos como sendo grupos de baixa distintividade cultural, isto é, apenas “remanescentes” de antigos grupos indígenas, atualmente “misturados” (contrariamente a um ideário de pureza étnica, cf. Pacheco de Oliveira, 1999; Carvalho, 2011). Por essa suposta baixa distintividade, pouco se observava de elementos que não se destacassem para além do contraste — politicamente elaborado — com o Estado. Ou seja, considerados “remanescentes” ou “índios misturados”, a tais grupos era atribuída a leitura de certo modo aculturacionista, que os entendia como centenariamente afetados, grosso modo unilateralmente, pelo processo colonial. Daí terem havido poucos estudos, nas últimas décadas e no campo das ciências sociais, de elementos que seriam mais compreendidos como de alta distintividade. As línguas indígenas, por exemplo.

Mas dinâmicas culturais, mesmo quando assimétricas e violentas tais quais as coloniais, não eliminam por completo as potencialidades dos povos subjugados. Desse modo, o entendimento de uma baixa distintividade parte, ele próprio, de uma negação: considera-se ser impossível que povos centenariamente perseguidos tenham mantido traços de distinção maiores do que os de suas relações interétnicas, do que suas estratégias de adaptação, transformação e contraposição ao Estado colonial. Contudo, em diversas esferas é possível encontrar o que Amoroso chamou de “apropriações ameríndias”, isto é, o manejo de múltiplas referências historiográficas, linguísticas e não-indígenas — como as que Pompa (2003) estudou, centrada nos processos de missionação e tradução colonial —, a partir de “políticas indígenas e dos discursos etnicitários” (Amoroso, 2005, pp. 187–188). Nesse sentido, há uma série de abordagens teóricas e temáticas que só recentemente têm ganhado tração no estudo das populações indígenas do Nordeste e que, por isso, só mais recentemente tem desafiado sua suposta baixa distintividade.

Carvalho e Reesink (2018) sugerem alguns desses tópicos que, atentando para elementos menos explicitamente visíveis das realidades indígenas regionais, guardam grande potência étnica e distintiva. Dentre eles, enfatizam a proficuidade de se estudarem as cosmologias e os processos políticos e ontológicos dos povos em tela, algo que não se encontrava assim tão presente nos trabalhos dos anos de 1990 e 2000. Recordando o caso do povo Kalankó, de Alagoas, como descrito por Herbetta (2013), os autores demonstram que:

fica nítido que, para esse povo e seus vizinhos, a questão da autonomia étnica passa pela via da autonomia ritual, [ampliando complexos rituais interétnicos prévios]: novos encantados serão acrescentados aos da aldeia de origem. Afiguram-se, então, a encantados específicos do lugar, aqueles que particularizam um povo autônomo. Desse modo, as novas unidades [étnicas/comunitárias] compartilham do mesmo complexo ritual, mas também dele se diferenciam. Herbetta adere à ideia da “baixa distintividade”, mas procura analisar letras e músicas do toré como indícios de uma cosmologia que, contrariamente ao que ele parece propor, apontam para uma riqueza cosmológica própria ao complexo pankararu que restará oculta se não houver etnografia e análise mais aprofundadas. (Carvalho & Reesink, 2018, p. 89, grifos nossos).

Atentemo-nos uma vez mais aos itálicos. Uma autonomia ritual e uma riqueza cosmológica despontam da descrição etnográfica de Herbetta, que evidencia como os Kalankó mantêm o que chamam de sua idioma. Estudando regimes de composição musical, analisando letras e processos de comunicação dos especialistas rituais kalankó com seu universo cosmológico, mormente os encantados, Herbetta reconhece em sua idioma, isto é, dos indígenas, um sistema musical. O complexo ritual constituído pelo toré, pelo praiá e pelo serviço de chão, três modalidades rituais kalankó, é ali denominado “a idioma, dando a idéia da globalidade do sistema musical. Os outros povos que também possuem gêneros musicais afins, como os Tremembé/Ce, os Kiriri/Ba, os Tuxá/Ba e os Pankararé/Ba […], por possuírem algumas diferenças na música e na dança, teriam idiomas paralelas” (Herbetta, 2006, p. 118).

É notável a expressão nativa aqui utilizada: idioma. Uma idioma musical, ritual e cosmológica, de riqueza observada por Carvalho e Reesink (2018) bem como por trabalhos realizados junto a outros povos, como os Tuxá (Durazzo, 2019). A música kalankó, sua idioma, é ação cosmopolítica e intersemiótica que envolve distintos registros e códigos comunicacionais por vezes sincrônicos: o toré, por exemplo, “aponta a terra, lugar onde os Kalankó vivem e no qual a atuação do encanto é menor; o praiá indica a dimensão mediadora entre a terra e o espaço e representa o mato, possibilitando o contato com o encanto; e o serviço de chão que atua no espaço, possibilitando a ação direta do encanto” (Herbetta, 2006, p. 89, grifos do autor).

É também pela via cosmológica, ritual, verdadeiramente ancestral — e, por isso, originária —, que um tópico de extrema relevância e oportunidade tem vindo à tona não apenas nas pesquisas junto a povos indígenas do Nordeste, mas no próprio discurso político desses grupos. Trata-se da dimensão linguística de suas comunidades, desde há séculos forçadas a falar primariamente o português, imposição colonial que lhes legou o idioma europeu como primeira língua, na maioria dos casos. Ao longo do século XX, acreditava-se que os povos indígenas da região já não mais falariam suas línguas originárias, exceto pelos Fulni-ô de Pernambuco que mantêm o uso cotidiano do Yaathe. As últimas décadas, contudo, têm vindo desafiar essa asserção: seja pela reelaboração do idioma Patxohã entre os Pataxó do sul da Bahia (Bomfim, 2012, 2017; César, 2006, 2014), pela valorização do Kipeá entre os Kiriri (Moraes, 2021) e do Dzubukuá entre os Tuxá do norte do mesmo estado (Durazzo, 2019), seja ainda pelo fortalecimento do Tupi junto a comunidades potiguara dos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte (Santos et al., 2021), apenas para citar alguns casos, as línguas indígenas têm ganhado destaque tanto no discurso político de diferentes comunidades quanto em seus projetos político-pedagógicos, que delineiam a atuação das escolas indígenas presentes nos territórios (Bomfim & Costa, 2014).

Por essa via — os Tuxá, por exemplo, chamam o Dzubukuá de sua língua ancestral (Durazzo, 2019) — muitos projetos de afirmação étnica e linguística têm se amparado não apenas nos lembradores, nas pessoas mais velhas das comunidades e que ainda possam deter conhecimento de determinados itens lexicais vernáculos, mas na própria comunicação com os seres mais-que-humanos, os encantados com quem os indígenas convivem dia a dia em seus territórios. Essa comunicação mais-que-humana é base para dinâmicas como as da idioma kalankó que Herbetta nos descrevia pouco acima, embora ampliadas para além do sistema musical. Em contato com realidades cosmológicas outras, comunicando-se com elas, os indígenas atualmente lançam mão de uma concepção alargada de língua, de idioma, e contestam sua suposta extinção. Aqui, temos sugerido que a língua passa a ser um elemento de reelaboração política e étnica de lastro cosmológico, em consonância com a riqueza cosmológica observada pouco acima. Por tal riqueza, por tal ampliação de sentidos, as línguas originárias, tomadas por sua ancestralidade e caráter de comunicação mais-que-humana, chegam mesmo a adquirir uma característica encantada, tornando-se, elas próprias, e para a compreensão e o manejo dos grupos indígenas, línguas mais-que-humanas (Durazzo, 2019, 2022a).

Não obstante, há outras vias de acesso às línguas originárias, também estas utilizadas pelos indígenas em seus projetos coletivos de fortalecimento, levante, retomada e/ou revitalização linguística (Bonfim et al., 2021). Tratam-se das vias documentais, dos registros escritos e dos estudos analíticos, acadêmicos, aos quais se voltam para respaldar seus estudos linguísticos de idiomas outrora correntes nos territórios do Nordeste. Alguma pesquisa tem sido desenvolvida para dar conta desse desdobramento: Moraes (2021), junto aos Kiriri, registrou parte das relações indígenas com os documentos coloniais que oferecem, contemporaneamente, acesso a uma das variedades linguísticas retomadas pelo grupo. Estes são o catecismo bilíngue Kipeá-Português, do padre jesuíta Luiz Vincencio Mamiani (1942) e sua gramática correspondente (Mamiani, 1877). Já entre os Tuxá e, pelo menos, os Truká-Tupan da Bahia e os Truká de Pernambuco, dá-se o recurso à obra colonial, também bilíngue, do capuchinho Bernardo de Nantes (1709), que elaborou um catecismo em Dzubukuá-Português (cf. também Durazzo, 2019, 2021, 2022a, 2022b).

Esses estudos de documentos coloniais, bem como de suas análises-descritivas contemporâneas, a exemplo de pesquisas em linguística que têm sido também usadas pelos indígenas (Queiroz, 2008, 2012), revelam-nos que as línguas originárias do Nordeste possuem uma vitalidade múltipla, ainda que variável a depender dos grupos em tela. São línguas vivas — ou encantadas — nos contextos rituais, na comunicação mais-que-humana, mas também são línguas constantemente acionadas e reelaboradas por meio das pesquisas acadêmicas dos próprios indígenas, e pelo uso que delas fazem em contextos de educação escolares e não escolares. Exemplo notável tem sido o fortalecimento do chamado Tupi antigo, variedade contemporaneamente trabalhada por diversas comunidades a partir dos estudos linguísticos de Navarro (2006), que têm oferecido aos povos um “método moderno de tupi antigo”, conforme o título de um famoso livro do autor. Tal Tupi antigo tem sido elaborado como língua ancestral pelos Potiguara da Paraíba e do Rio Grande do Norte, como mencionado (cf. por exemplo Andrade et al., 2021).

Do ponto de vista antropológico, histórico, cultural, poderíamos ainda compreender ambas as vias acima sumariadas — a língua por meio do ritual e sua revitalização por meio de documentos e estudos científicos — como processos de um mesmo continuum da experiência indígena. Esta seria a experiência da territorialidade (Vieira et al., 2015), isto é, a vivência histórica que se desenvolve, processualmente, a partir de constrições territoriais e constrangimentos de ordem política e colonial, algo que Pacheco de Oliveira (1999) chamou de territoria­lização — e que a noção de territorialidade veio expandir. O território historicamente experimentado é, portanto, o sustentáculo da vida comunitária. É nele que os antepassados seguem vivendo e se comunicando (Alarcon, 2013; Durazzo, 2019), e é por ele que vínculos históricos de ancestralidade são reforçados (Durazzo, 2021). O caso da elaboração contemporânea do Dzubukuá é sintomático: compreendendo-se descendentes de povos originários da região do Submédio São Francisco, entre Bahia e Pernambuco, grupos Tuxá, Tumbalalá, Truká, Truká-Tupan, Tingui-Botó e Kariri-Xocó (ambos de Alagoas) concebem o Dzubukuá como seu idioma ancestral, ou pelo menos um deles. Ainda que nenhum dos povos atualmente se autodenomine Dzubukuá — nome que designa tanto a língua da família Kariri quanto o povo homônimo (Nimuendaju, 2017) —, todos os citados se reconhecem, de alguma forma, como descendentes daqueles, e isso se dá pela via da territorialidade. Habitando uma região de intenso fluxo interétnico desde há séculos (Pompa, 2003; Andrade, 2008), os povos que hoje compreendem o Dzubukuá como sua língua ancestral o fazem por compreender a ancestralidade de seu território, da experiência histórica que acumulam em tal lugar. E é isso que reforça a precisão e a legitimidade de suas reivindicações políticas, de suas políticas linguísticas voltadas à valorização e à revitalização de idiomas originários.

Sem nos pretendermos exaustivos, a seguir enumeramos alguns povos indígenas do Nordeste, de Minas Gerais e do Espírito Santo que, por diferentes vias, têm fortalecido seus idiomas, sejam eles falados cotidianamente desde algum tempo passado, sejam retomados na contemporaneidade. Deixaremos para um momento posterior o levantamento bibliográfico dos trabalhos que, partindo não necessariamente de bases comunitárias, mas centrados nas ciências da linguagem, tenham trabalhado, ao longo do último século e meio, com tais idiomas. Compreendemos que tais trabalhos, por muito tempo levados a cabo quase exclusivamente por pesquisadores não-indígenas, são de fundamental relevância para as ações comunitárias e as políticas linguísticas dos povos. Contudo, sua enumeração excederia em muito o objetivo inicial deste artigo. Além de notas etnográficas e informações a que temos acesso por uma rede de indígenas e não-indígenas pesquisadores da região[1], parte da enumeração a seguir deriva do dossiê O “levante linguístico indígena” no Nordeste, no Espírito Santo e em Minas Gerais: aspectos teóricos, políticos e etnográficos (Bonfim et al., 2021), bem como das entrevistas concedidas por professores indígenas aos organizadores da referida publicação (cf. Santos et al., 2021).

No Ceará, em 2021, o município de Monsenhor Tabosa reconheceu a “língua nativa Tupi-Nheengatu como língua cooficial” (Lei nº 13 de 03 de maio de 2021). Assim encontramos notícia sobre tal promulgação: “Em ação pioneira no Nordeste, o município de Monsenhor Tabosa reconheceu a língua Tupi-nheengatu como cooficial da cidade. A língua é falada pelos povos Potiguara, Tabajara, Gavião e Tubiba Tapuia” (Branco, 2021).

No estado do Rio Grande do Norte, temos notícias de que o povo Tapuia Tarairiú vem revitalizando o idioma Brobó (ou Bróbo/Brobo; cf. Santos et al., 2021). Já os Potiguara de diferentes comunidades vêm fortalecendo o Tupi, sobretudo a partir das pistas indicadas nos trabalhos de Navarro, descritor do Tupi antigo (Andrade et al., 2021).

Na Paraíba, os Potiguara do litoral norte também têm trabalhado com o Tupi. Com relação aos Tabajara, povo do litoral sul do estado, é dito terem a mesma língua de seus parentes potiguara, ainda que não nos cheguem relatos de ações contemporâneas de revitalização. Para a Paraíba, bem como para o Piauí (Lima, 2019) e o Ceará (Palitot, 2009; Lima, 2020), cabe notar uma importante mobilização contemporânea de comunidades que têm se afirmado Kariri, razão pela qual também vêm buscando retomar línguas dessa família linguística (tais quais o Dzubukuá, o Kipeá, o Kamurú e o Sabuyá, cf. Queiroz, 2012) e reivindicar uma educação diferenciada para suas coletividades.

Em Pernambuco, o povo Fulni-ô segue sendo o caso mais exemplar de manutenção linguística na região Nordeste, com o Yaathe sendo primeira língua de grande parte do povo (Silva, 2016). Já os Xukuru, assim como os Tapuia do RN, têm trabalhado com o Brobó. Vale notar que o Brobó tem sido fortalecido não apenas em aldeias e terras indígenas, mas também em contexto urbano, inclusive compondo novas dinâmicas étnico-políticas, como nos informa Ridivanio Procópio da Silva (cf. Santos et al., 2021, p. 634): “formamos uma nova etnia com a união de vários povos e criamos [o coletivo] Karaxuwanassu, povos esses Karapotó, Wasukokal, Potiguara, Fulniô, Pankararu e outros.” Quanto aos já mencionados Truká, o Dzubukuá tem sido idioma cuja revitalização empreendem há mais de uma década (Durazzo, 2021).

Em Alagoas, os Kariri-Xocó vêm fortalecendo seu idioma Dzubukuá-Kipeá, em grande parte devido ao esforço dos professores indígenas Nhenety e Idiany (Kariri-Xocó et al., 2020). Os Tingui-Botó, indígenas que também se compreendem como descendentes dos Dzubukuá, em seus contextos rituais utilizam esse idioma kariri como meio de comunicação (Santos, 2008, p. 96).

Já na Bahia, ao norte do estado temos os povos Tuxá, Truká-Tupan e Tumbalalá revitalizando o Dzubukuá (Durazzo, 2021); o povo Kiriri fortalecendo o idioma Kipeá (Moraes, 2021); e, ao sul do estado, os Pataxó com o Patxohã (Bomfim, 2012) e os Tupinambá envolvidos com políticas de valorização de seu idioma, também chamado Tupinambá (Costa, 2013; Santos & Porto, 2020).

Assim como para os Potiguara e Tupinambá do litoral nordestino, no Espírito Santo temos os Tupiniquim retomando uma língua de origem tupi que, desde há décadas, já não contava com falantes vivos (Aldesco, 2021). Cabe destacar a presença de linguistas indígenas dedicados a tais projetos, como Jocelino Tupikim (“Projeto quer preservar língua tupiniquim”, 2022).

Quanto a Minas Gerais, para além das estreitas relações etnolinguísticas dos Pataxó mineiros com os grupos da Bahia, todos envolvidos nos processos de reelaboração do Patxohã, há também uma importante dinâmica que liga Pataxó — tanto baianos quanto mineiros — aos Maxakali de Minas Gerais, cuja língua em muito colabora para a estratégia linguística dos primeiros (Bomfim, 2012). Também os Xakriabá, mais ao norte do estado, têm buscado fortalecer suas ações de revitalização linguística do Akwê Xakriabá valendo-se da língua Akwê Xerente, falada pelo povo Xerente com quem travam contatos, para facilitar seu próprio entendimento linguístico do idioma xakriabá (Mota, 2020). Há, ainda, iniciativas de manutenção e revitalização do Krenak, que se expandem para além do território mineiro, chegando mesmo a comunidades como a Krenak de Vanuíre, em São Paulo (Frassetto, 2018). Por fim, mas sem pretender esgotar o tema, tanto os Kiriri (Henrique & Ramos, 2021) quanto os Xucuru-Kariri (Bort Júnior, 2021) habitantes de Minas Gerais, comunidades originárias da Bahia e de Alagoas, respectivamente, também possuem seus processos de elaboração linguística.

Dado o exposto, e concebendo as dinâmicas históricas e cosmológicas de territorialidade como fundamento de ações indígenas contemporâneas — tais quais o levante linguístico da região (Bonfim et al., 2021; Santos et al., 2021) —, resta agora refletirmos mais detidamente sobre os estudos linguísticos que tenham se ocupado dos povos e das línguas originárias do atual Nordeste brasileiro, a fim de sugerir caminhos possíveis para pesquisas, ainda muito necessárias, que dêem conta desses processos linguísticos que têm sido observados.

Um novo contexto sociolinguístico

Duas características inerentes às línguas são bem aceitas atualmente. Uma delas é a pluralidade de línguas. Neste caso, o fator central é o reconhecimento da quantidade de línguas que há no planeta. A outra característica é de que cada uma dessas línguas possui um universo em si mesma, ou seja, são plurais. Nesta seção, interessa-nos a primeira característica, embora tenhamos consciência de se tratar de um desafio, já que a área que nos interessa reforça a ideia de um novo campo de estudo para as ciências que estudam língua, considerando aquelas que têm sido revitalizadas pelas comunidades indígenas.

Essas novas/velhas línguas trazem um grande desafio tanto para a Linguística quanto para Linguística Aplicada, pois carregam consigo elementos muito particulares que inviabilizam análises presas a teorias construídas a partir de uma realidade sociolinguística que ignorava o contexto de ocorrência das línguas que estão no centro deste estudo. Desta forma, as categorias de análise, que foram base para conceitos já cristalizados, não conseguem abarcar determinadas línguas, provavelmente porque estas línguas (em processo de retomada/revitalização) não foram consideradas quando dos debates que subsidiaram tais conceitos.

Portanto, apresentamos um redesenho do mapa linguístico brasileiro, propondo um mapa sociolinguístico que traz um grupo de línguas presentes principalmente em uma região que possui um quadro linguístico muito peculiar (Bomfim & Costa, 2014; Costa, 2014a; Moraes, 2020). Estamos falando das línguas dos indígenas no Nordeste do Brasil.

Afirmamos que o campo de estudo que defenderemos recebe seu nome em decorrência da ação de negação colonial que foi imposta a uma região e seus falantes. Com isso, sugerimos algumas características linguísticas válidas também para línguas de estados brasileiros de outras regiões, mas que se concentram muito mais fortemente no Nordeste (Costa, 2017; Durazzo, 2019). Vamos então discutir o campo de estudo Línguas Indígenas do Nordeste Indígena e apresentar justificativas para que esse campo ganhe força e categorias próprias, vindas principalmente das comunidades indígenas.

Assim, não nos deteremos na questão sempre posta de que as línguas dos indígenas do Nordeste não são mais faladas e estão extintas, podendo apenas considerar como língua autóctone, nesta região, o Yaathe. Nos centraremos na contraproposta de que há línguas na região Nordeste, mas que ainda apresentam pouca construção teórica, fato que dificulta as ações empreendidas pelas comuni­da­des indígenas que poderiam estar recebendo mais apoio para sua empreitada na busca pela retomada de suas línguas.

Essas línguas não fazem parte da realidade sociolinguística do século passado, quando o mundo ocidental definiu seus conceitos cristalizados sobre língua, mas oferecem um amplo espaço para revisão conceitual dos estudos já empreendidos. Essa realidade, inclusive, apresenta características que estão sendo cada vez mais catalogadas. Diálogos sobre essa nova área estão sendo cada vez mais empreendidos, isso considerando que esses processos de revitalização já estão sendo estudados nos programas de mestrado e doutorado que antes se ocupavam somente das línguas que possuem falantes no sentido definido pela Linguística canônica europeia. Nesta etapa, estamos propondo um campo decolonizador (Walsh, 2013) dos debates das ciências voltadas para o estudo das línguas. Construções conceituais que somente fazem sentido dentro de epistemologias não eurocentradas.

A principal característica dessas línguas, então, se refere ao fato de não serem faladas no dia-a-dia da comunidade, tendo como elementos definidores estarem na memória de alguns falantes, nas descrições de viajantes e estudiosos, nas manifestações dos encantados, nos sonhos de alguns membros dos grupos. Esses são elementos definidores muito fortes e devem ocupar a função de categorias de pesquisa linguística. Há outro, também muito central: trata-se do valor que essa língua possui como elemento de valorização da identidade do grupo, por isso recebe o nome de língua materna ou língua ancestral. Essa nomeação, inclusive, retira a língua portuguesa dessa posição de materna, reposicionando-a, no máximo, como primeira língua. Essa diferença entre ser língua materna e não ser primeira língua obriga-nos a trabalhar essa perspectiva de língua com outros parâmetros, com novos métodos e novas técnicas.

Não estamos defendendo que essas línguas tenham caráter abstrato quanto à sua existência, nem que sejam inatingíveis às pesquisas científicas. Elas não o são. Tanto que são passíveis de serem acessadas, e muitas já estão sendo ensinadas nas escolas indígenas (Bonfim et al., 2021). O ensino é um demonstrativo de quão concretas são, e de seu nível de uso pela comunidade. Portanto, o fator que melhor as evidencia é sua possibilidade de estar à disposição do grupo que a nomeia de língua materna. Se ela faz parte desse grupo, tem existência própria e está em nível de ser estudada.

É perceptível que as comunidades indígenas percebem as universidades e demais centros de produção de conhecimento como parceiros. As instituições estão sendo ocupadas pelos saberes dos grupos indígenas, com a presença cada vez maior de estudantes indígenas em seu seio; logicamente, graças à luta destes mesmos povos. Essa parceria será uma porta aberta para que as línguas em processo de revitalização comecem a ser descritas, fortalecidas, faladas. Essa parceria funcionará a partir do protagonismo indígena, e está em processo inicial.

O contexto dessas línguas, considerando sua história e seu apagamento forçado, até chegar a mudanças na política linguística nacional e, desta forma, aos processos de revitalização/retomada que agora se destacam, desenha-se com exigências tão próprias que enriquecem os estudos atuais. Assim, o processo de ensino e aprendizagem de língua, para fazer sentido em um amplo aspecto de vivência dos povos que estão no processo de revitalização linguística, terá de ser repensado e reconstruído. Essas línguas não serão aprendidas como adicional, nem mesmo como primeira (Costa, 2017). Sua relação com o povo tradicional e com a sociedade envolvente é muito particular, funcionando como um elemento social altamente empoderador das lutas dos povos pelos seus direitos.

Desta forma, construir cientificamente novas categorias, de modo a comprender as línguas indígenas do Nordeste à luz de seu movimento contemporâneo (suas retomadas, processos de revitalização etc), para com isso poder teorizá-las, não é uma função exclusiva dos centros de pesquisa. Tais categorias já existem, vêm sendo utilizadas pelas próprias comunidades e foram criadas a partir das práticas linguísticas empreendidas pelos povos indígenas que lutam para voltar a falar suas línguas. Contudo, há espaço para pesquisa sobre cada uma dessas categorias. Inclusive os indígenas estão participando dos programas de pós-graduação, onde buscam fortalecer seus debates, mas partindo de suas vivências e pesquisas locais construídas a partir dos saberes de suas etnias e não da academia. Aliando essa construção de conhecimento ao rigor acadêmico, haverá cada vez mais apoio para a luta por essa retomada.

Assim, podemos considerar que grupos que se enquadram na posição de falantes da língua portuguesa, mas que estão em processo de revitalização linguística, existem em diferentes estados do Brasil. Contudo, a especificidade dos grupos do Nordeste é muito preeminente. Essa região viveu um processo de colonização muito acentuado, com enfrentamento duradouro e violento, condição que resultou na assunção, pelos indígenas, do termo pejorativo caboclo (Pacheco de Oliveira, 1999; Luciano, 2006; Carvalho, 2011; Carvalho & Carvalho, 2012), palavra que ainda é usada atualmente, muitas vezes para negar a indianidade dos sujeitos. Diante de tantos obstáculos à sua existência, um dos resultados foi a obrigação de adotarem a língua portuguesa. As lutas por sobrevivência se tornaram mais urgentes que as lutas por falar sua língua ancestral.

Desta forma, as línguas ancestrais foram obrigadas a ficar no silêncio, enquanto a luta pelo território ocupava a linha de frente. Assim, é comum ouvir entre os indígenas que somente muito recentemente estão podendo voltar-se para a língua ancestral, e que essa definição, sobre o melhor momento, foi demarcada pelos encantados (Durazzo, 2019, 2022a, 2022b). A luta principal era pela sobrevivência do grupo, pelo enfrentamento às políticas que os queriam extintos. Ao perceberem que seus territórios estavam sendo demarcados ou ao menos ocupados por eles, tiveram condições para empreender o movimento de busca pela língua. Assim, houve duas questões muito relevantes nesta região que irão impactar na condição de busca pela língua ancestral: os grupos sequer eram reconhecidos como indígenas pela sociedade nacional; e estavam fora de seus territórios ou ocupavam somente parte deles.

No Nordeste do Brasil e em outros estados como Minas Gerais e Espírito Santo, a sociedade historicamente ignora a existência indígena. As elites brasileiras conseguiram construir o discurso histórico (Costa, 2014b) de que os indígenas foram extintos, que já não existe indígena ‘puro’. Esse adjetivo puro é muito forte quando se trata da questão do reconhecimento das etnias. Ele torna a condição de indígena deveras idealizada, a ponto de chegar à impossibilidade de um grupo se encaixar nessas condições. Esse fator de apagamento da própria existência dos povos tradicionais levou diversos grupos a ficarem em suspensão em relação às políticas nacionais de apoio aos povos indígenas, as quais sempre foram inadequadas, mas para determinados grupos do Nordeste indígena foram inexistentes.

Esse fator fez com que os grupos indígenas, após luta no campo político nacional, atingissem a vitória de se verem na condição de serem reconhecidos pelo poder público brasileiro. Esse fator é decisivo, pois os grupos indígenas sequer possuíam o direito à nomeação de povo tradicional. Logicamente, ao não possuir o direito de ser chamado de indígena, também suas questões culturais eram apagadas. Nesta direção, a língua indígena ficava em segundo plano com implicações que não eram consideradas de primeira relevância.

A acusação de sequer serem indígenas ainda está nos discursos atuais, vem acompanhada da negação do direito de existir. Contudo, com o direito da autodeterminação, ano após ano, a quantidade de povos indígenas foram aumentando. E trazem consigo a obrigatoriedade de o Estado brasileiro repensar suas políticas para esses povos. Trazem, também, a obrigatoriedade para as ciências que estudam essas comunidades repensarem suas atuações e, dependendo dos conceitos já definidos, revê-los à luz dessa nova realidade linguística.

Contudo, essas exigências para as academias foram colocadas em suspensão, por parte dos povos tradicionais, em prol de outra luta: aquela empreendida com o fim de retomar o seu território (Haesbaert, 2011). Esta se tornou muito central, pois o aumento do reconhecimento oficial da existência dos grupos não foi acompanhado, na mesma proporção, pelo aumento dos territórios demarcados para esses grupos. Assim, muitos deles foram reconhecidos, pois eram vistos como existentes pelo Estado, mas não recebiam de volta seus territórios ancestrais, que em grande parte estavam nas mãos de não-indígenas.

Este campo de enfrentamento ocupou muito da energia dos povos, pois ter seu espaço próprio trazia consigo a vitória principal. Não ter o território comprometia a luta pela existência. Ser indígena é ter um território. Não bastava inclusive ser qualquer território, era imprescindível ser o território ancestral. Essa luta inclusive representa o marco central do enfrentamento das comunidades. Sendo razoável afirmar que grande parte dos discursos preconceituosos ainda em vigor foram construídos na tentativa de retirar força do movimento indígena. Ou seja, ao colocar em suspensão o direito de ser indígena, enfraquecia-se o direito a ter o território.

Nessa perspectiva, conseguimos entender melhor a participação dos encantados, quando afirmam que a primeira luta é pelo território. Devemos também considerar que a luta pela autodeterminação é somente externa ao grupo, pois, internamente, eles já se reconheciam, portanto não era uma preocupação central dos encantados.

Precisamos ressaltar que território e língua são campos inseparáveis. Talvez em um olhar menos atento essa relação não fique explícita, mas basta reconsiderá-la para percebermos como o território é um elemento constitutivo da realidade da língua. Vários grupos étnicos pelo mundo mantiveram suas línguas, mesmo sem seu território, e essa prática pode também ter ocorrido em terras brasileiras. Entretanto, na realidade dos povos do Nordeste, onde deixar de falar sua língua era uma política explícita das oligarquias nacionais, a relação território e língua é indissociável.

A empreitada em busca de suas terras foi árdua e ainda continua em processo para muitos. E o argumento, largamente utilizado pelos grupos hegemônicos da sociedade brasileira, insiste em defender que se não existe língua não existe indígena. E não ser indígena indica não possuir o direito ao território. Sendo este tratado como propriedade privada de grandes fazendeiros. Assim, língua e território formam um campo de disputa que está para a área da economia deste país. A posse da terra, defendida a ferro e fogo pelas oligarquias rurais (que vivem nas grandes cidades), não é compartilhada da mesma forma pelos grupos indígenas. Essa forma diferente de perceber a terra/território resulta nos enfrentamentos violentos presentes no Brasil ainda neste século.

A sociolinguística da região do Nordeste indígena tem história. História que faz entender, mas não justifica, sua pouca presença nos estudos da Linguística e da Linguística Aplicada. Concordamos com Moraes (2020), ao afirmar que o debate não é se existe índios ou não no Nordeste, mas sim, se existem línguas indígenas ou não no Nordeste. Os povos foram sendo reconhecidos, foram conseguindo seus territórios e iniciaram, ou fortaleceram, seus processos de retomada/revitalização de suas línguas. As etnias puderam, a partir de seus territórios, construir estratégias de pesquisa para alcançar suas línguas ancestrais (Bomfim, 2012). Muitos grupos puderam exigir espaço nos currículos de suas escolas para suas línguas ancestrais e tantos desses e de outros procuraram auxílio das universidades para estudar suas línguas (Durazzo, 2021, 2022a, 2022b).

Assim, os programas de pós-graduação, já responsáveis pelos debates sobre língua, se viram incumbidos de mais essa tarefa: estudar os processos de revitalização, os quais não estavam inseridos nas pesquisas de descrição de língua e também não eram atendidos pelos conceitos ligados ao ensino de língua. Repensar as teorias acadêmicas se torna então uma necessidade para que esses programas não se tornem excludentes e plenos de ‘pré’ conceitos.

Com isso, questões relevantes surgiram, pois essas línguas exigem o auxílio da Linguística em diversos momentos. Podemos iniciar colocando a questão de como a Fonética, a Fonologia, a Morfologia, a Sintaxe, a Semântica são cobradas enquanto disciplinas de saber que colaborarão tanto na parte de sistematizar os estudos já coletados, quanto para unir a estes os novos estudos que estão sendo empreendidos no interior na própria comunidade e nos centros de formação de pesquisadores. Os pesquisadores indígenas formados pela própria comunidade e que frequentam as academias estão trabalhando em suas comunidades e percebem a necessidade de auxílio dessas disciplinas para organizar seus processos.

Conhecer alguns conceitos dessas áreas de estudos linguísticos tem auxiliado os indígenas com a pronúncia de determinadas palavras, com suas construções lexicais, morfológicas, sintáticas, chegando mesmo a novas construções semânticas e discursivas. Quando se acompanham os processos de revitalização das línguas dessas regiões, percebe-se como os processos linguísticos, do micro ao macro, estão sempre ocorrendo de maneira pragmática e discursiva. Ou seja, o debate sociolinguístico define muitas das ações e, a partir dele, as diversas áreas de estudo e ensino das línguas são acionadas.

A construção de gêneros textuais nas línguas indígenas surge como o elemento central, sendo que estão emergindo numa parceria escrita-oralidade e numa escala menor oralidade-escrita. Somente para os observadores menos rigorosos passará despercebido que na construção de novos gêneros discursivos a gramática, o léxico, a pronúncia[2] se tornam elementos de pesquisa tão central quanto o próprio discurso e a prática da língua. Então, devemos reconhecer a presença de duas políticas linguísticas essenciais nestes processos: as pesquisas ligadas à língua (gramática, léxico, pronúncia, discurso, variedades linguísticas, entre outros de cunho linguístico) e as pesquisas ligadas ao ensino e à aprendizagem dessa língua (espaço no currículo escolar, espaços não formais de ensino da língua, professores indígenas capacitados para esse ensino, dedicação remunerada à pesquisa linguística, fomento para pesquisa linguística, entre outros relacionados à metodologia para ensino de língua).

Logicamente, esses elementos não estão postos para serem definidores de postura ou de ação diante de uma língua. Afirmamos isso para mostrar que os processos de revitalização estão acontecendo, sendo que na maioria dos casos as atividades ocorrem sem o devido apoio das academias ou dos governos. Fato que nos leva a acreditar que com o apoio das academias, com pesquisas mais intensas e em diálogo com o protagonismo das comunidades indígenas, os processos terão muito mais chances de sucesso ou, ao menos, exigirão menos tempo.

Considerações finais

Um ensaio que se preste a despertar maior interesse para uma área já se enxerga, desde seu nascimento, como uma linha inicial. Uma linha que deixa várias lacunas e que torce para que elas sejam encaradas como desafios. Esse posicionamento da incompletude de estudos é primordial para os estudos sobre povos tradicionais e línguas indígenas no Nordeste. Assim, como os povos tradicionais estão retomando suas línguas, espera-se que as ciências que se incumbem de debater língua percebam nessa revitalização um campo profícuo que tem de ser estudado, sem definir a priori os possíveis resultados.

Esta lacuna aponta não para a atuação individualizada da Linguística, da Linguística Aplicada ou da Antropologia, mas caminha para uma composição interdisciplinar onde há espaço não somente para essas três disciplinas. Há lugar para parcerias com a História, com a Sociologia, com a Literatura, com a Etnofísica, entre tantas outras, pois a língua indígena é por natureza esse espaço transdisciplinar ou interdisciplinar.

Essa relação transversal é ainda mais fortalecida pelo fato de haver comunidades que não podem ser ignoradas neste processo de parceria, ou seja, não se trata de estudar língua indígena no Nordeste do Brasil, mas de entender a língua indígena a partir das comunidades do Nordeste indígena, e dos sentidos que estas dão a suas línguas, tanto as trabalhadas em centros de estudo e estruturas curriculares de suas escolas quanto aquelas que se manifestam por meio da comunicação mais-que-humana com os encantados e em outros momentos rituais. São perspectivas diferentes que levarão a metodologias de pesquisa diferentes. Logicamente novas metodologias serão permeadas por categorias específicas.

Toda essa forma de se relacionar com esse campo de pesquisa sugere que a ciência é uma parceira forte e necessária para os povos indígenas. Então, vivenciar o protagonismo indígena não desmerece o mérito de boas pesquisas científicas. Estas, inclusive, podem fortalecer os movimentos sociais em muitos de seus projetos.

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Notas

[1] Agradecemos aos colegas José Augusto Laranjeiras Sampaio (UNEB), Alexandre Oliveira Gomes (UFPE) e Estêvão Palitot (UFPB) que, no momento de escrita deste texto, nos confirmaram algumas pistas etnolinguísticas e sugeriram novos dados dos quais não tínhamos conhecimento. Também agradecemos a Idiane Crudzá, do povo Kariri-Xocó, professora de Dzubukuá-Kipeá e figura importante na mobilização linguística kariri da região, por nos permitir conhecer a realidade contemporânea de diferentes sujeitos kariri em processo de retomada linguística.
[2] A pronúncia dessa nova língua é um fator muito relevante. Mesmo estando ligada à gramática da língua, ela enfrenta questões muito próprias, já que há escolhas que esses falantes farão quando da utilização de sons que não estão presentes na língua portuguesa, por exemplo. Por outro lado, muito da pronúncia de sua língua ancestral não poderá ser recuperada, fato que não impedirá a recuperação de termos, nem tampouco a construção de novos termos. Assim, a pronúncia nestes espaços linguísticos se torna um aspecto relevante de pesquisa, isso em diversas nuances e com muitas possibilidades de construções de conceitos científicos. Haverá, neste caso, um diálogo muito próximo com a fonética.
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