Debate
A “viagem da volta”: o ensino da língua e a territorialização nas aldeias Sede e Ytuaçu da Terra Indígena Alto Rio Guamá - Pará
The “viagem da volta”: the language teaching and the territorialization in the Villages and Ytuaçu of the Indigenous Terra Alto Rio Guamá - Pará
A “viagem da volta”: o ensino da língua e a territorialização nas aldeias Sede e Ytuaçu da Terra Indígena Alto Rio Guamá - Pará
Revista del CESLA, vol. 30, pp. 139-154, 2022
Uniwersytet Warszawski

Recepción: 30 Junio 2022
Aprobación: 28 Noviembre 2022
Resumo: O presente estudo busca compreender em que medida o processo de inserção da Língua Tembé na aldeia Sede, da Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), impulsionou, entre os Tembé, outros mecanismos políticos por meio dos quais esse povo acionou a memória histórica de contato e os saberes dos mais velhos. Assim, a metodologia pauta-se na pesquisa etnográfica por meio de trabalho de campo e entrevistas abertas, o que nos permitiu maior aproximação das experiências. Ao final, constatou-se que o processo de retomada da língua Tembé está diretamente vinculado aos processos de territorialização dos Tembé, os quais ocorreram por meio de ajuda mútua e solidariedade com os Tembé do Gurupi, bem como pelo incentivo e inserção do ensino da língua indígena Tembé nas escolas, movimentos engendrados como estratégias de autoafirmação da indianidade Tembé e do território Tenetehar.
Palavras-chave: Amazônia, povo Teneteha, territorialização, língua, identidade.
Abstract: The present study seeks to understand to what extent the process of insertion of the Tembé language in the main village of the Indigenous Terra Alto Rio Guamá (TIARG), boosted, among the Tembé, other political mechanisms through which these people activated the historical memory of contact and the knowledge of the elders. Thus, the methodology is based on ethnographic research through fieldwork and open interviews, which allowed us to get closer to their experiences. In the end, it was found that the process of retaking the Tembé language is directly linked to the processes of territorialization of the Tembé, which occurred through mutual help and solidarity with the Tembé of the Gurupi, as well as through the encouragement and insertion of language teaching Indigenous Tembé in schools, movements engendered as strategies for self-assertion of the Tembé Indianity and the Tenetehar territory.
Keywords: Amazon, Tenetehar people, territorialization, language, identity.
Introdução
O presente estudo busca compreender em que medida o processo de inserção da língua Tembé na aldeia Sede, da Terra Indígena Alto Rio Guamá – Pará, doravante TIARG, impulsionou, entre os Tembé, outros mecanismos políticos por meio dos quais esse povo acionou a memória histórica de contato e os saberes dos mais velhos. “A viagem da volta”, para usar a metáfora mencionada por João Pacheco de Oliveira (2004), refere-se ao processo de territorialização dos índios do Nordeste, quando vivenciaram lutas políticas e reivindicação identitária. Acionando a memória dos mais velhos, esses povos, considerados “extintos”, reativaram processos de reorganização social. Isso permitiu uma reelaboração cultural, constituindo-se em ato político contrário aos mecanismos coloniais arbitrários de identificação étnica e territorial. A territorialização decorrente desse processo histórico, conforme o autor, denota a positividade do processo étnico.
Em circunstâncias semelhantes, os Tembé do Guamá produzem o processo de territorialização de suas terras que desencadeia importante mudança na condução dos saberes e retomada das “histórias” do passado. Não se trata do fenômeno da etnogênese, como ocorreu com outros povos do Brasil, uma vez que, entre os Tembé, não houve um processo de desterritorialização total, mas trata-se da apropriação de mecanismos para construir a positividade de sua indianidade, bastante afetada pelas narrativas produzidas no entorno das aldeias por causa dos conflitos territoriais e do rótulo de “índios misturados”.
Os primeiros registros sobre o povo Tenetehar surgiram por volta do século XVII, em 1613 no Maranhão, quando a província estava sendo colonizada pelos portugueses e franceses. Foram denominados pelos próprios franceses de “les pinariens”, os habitantes do “Rio Pindaré”, conforme Charles Wagley e Eduardo Galvão (1961) e Mércio Gomes (2002). Nesse período, segundo Gomes (2002), viviam mais de dez mil índios Tenetehar na região do Médio Rio Pindaré. Gomes assinala ainda que os Tenetehar começaram a migrar, nas últimas décadas do século XVII, no sentido oeste, em direção ao Rio Gurupi no Pará, região sudeste do estado do Maranhão, estabelecendo-se nas regiões dos rios Pindaré, Buriticupu, Zutiwa, Grajaú e Mearim em um processo que culminou no surgimento de dois grupos indígenas de origem Tenetehar, os Guajajára e os Tembé, há aproximadamente 150 anos, pois “os Tembé teriam saído da região do Pindaré rumo aos rios Gurupi, Capim e Guamá por volta do ano de 1850” (Carvalho, 2001, p. 12).
Nessa diáspora, o povo Tenetehar experimentou o contato interétnico, mas tem sobrevivido a quatrocentos anos de opressão e tentativa de dominação política e cultural na relação com o mundo luso-brasileiro (Gomes, 2002). Atualmente os Tenetehar, cuja autodenominação significa “a gente, povo verdadeiro” (Boudin, 1978; Camargos, 2013) constituem-se em dois grupos: os Tembé e os Guajajára. Os Tembé, atualmente, habitam aldeias dispostas às margens dos rios Guamá e Gurupi, na TIARG; aldeias localizadas na TI Turé-Mariquita e no Rio Acará-Mirim, compondo o bloco de aldeias de Tomé-Açu (Ponte, 2014); aldeias Areal e Jeju, no município de Santa Maria-PA, ainda não reconhecidas enquanto terra indígena.
A TIARG, mesmo homologada, ainda exige esforços dos Tembé para mantê-la. Frequentemente ameaçados por fazendeiros, madeireiros e colonos, são acusados de serem “índios misturados” e, por isso, não teriam o direito ao seu território. O discurso da “mistura” colaborou para a apropriação de mais 11 mil hectares de terra pelo fazendeiro Mejer Kabacznik, sendo o maior conflito vivenciado pelos Tembé, pois a criação da estrada de acesso à fazenda favoreceu a entrada de colonos que ali se instalaram e, ainda hoje, convivem com os Tembé de forma pouco amistosa. O reconhecimento jurídico dessa apropriação indevida só ocorreu em 2014, quando os Tembé tiveram a retomada da fazenda e do território.
É fundamental o entendimento da realidade sócio-histórica vivida pelos Tembé do Alto Rio Guamá, já que a história de contato, os conflitos decorrentes e a rede de solidariedade que se formou desencadeiam importantes estratégias que possibilitaram novas práticas socioculturais, configurando-se, atualmente, em importantes mudanças na manifestação da língua e da cultura indígena entre os Tembé do Guamá.
Para tanto, a pesquisa etnográfica (Geertz, 1988) permitiu maior aproximação com o universo político das lideranças e de outros sujeitos que constroem, não só o cotidiano da escola e do ensino da língua, mas conduzem as atividades culturais na aldeia como os rituais, as cantorias, as festas, os acampamentos nas matas e rios. Essa maior convivência e observação direta nos eventos do dia a dia nos possibilitou ver as muitas estratégias acionadas pelos Tembé para os processos de territorialização.
Assim, à medida que identificávamos os sujeitos no processo de reelaboração cultural, direcionávamos a pesquisa para entendermos os percursos e os mecanismos acionados para fortalecer a indianidade. As conversas com os professores indígenas de língua Tembé, alunos e lideranças como Kudâ Tembé, Nhônho, Bewãri Tembé, Lourdes Tapajó e Piraywa Tembé foram cruciais para entendermos os novos direcionamentos que o ensino da língua está produzindo nas aldeias. Realizamos entrevistas que ajudaram a esclarecer esses direcionamentos. Essas entrevistas aconteceram durante a realização do seminário de ensino, pesquisa e extensão na aldeia Sede, em abril de 2019, organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão (GEIPAM)[1].
Com as entrevistas, percebemos a importância de acompanharmos o percurso de Bewãri, por isso, o artigo é construído em diálogo com ele, acompanhando suas decisões para a retomada da língua e dos saberes tradicionais, principalmente, os rituais em que Bewãri e Kudâ assumem na condução das festas culturais na aldeia Sede. Algumas entrevistas com Bewãri e outros interlocutores Tembé foram recuperadas do acervo de uma das pesquisadoras, Vanderlúcia Ponte, quando realizou pesquisa para o doutorado junto aos Tembé do Guamá e do Gurupi.
O texto divide-se em três seções: a introdução, com uma explanação histórica do povo Tembé; a segunda, sobre a experiência de imersão de Bewãri na cultura e na língua Tembé no Gurupi; a terceira, com análise, do ponto de vista Tembé, sobre o jogo identitário, tendo a língua indígena como um marcador político importante para autonomia e defesa do grupo a respeito do significado de ser Tembé.
“Os Tembé não largou de ser Tembé, porque ele não fala a língua”: experiência de Bewãri na aldeia do Gurupi
Diante da conjuntura social e política atual em que os direitos indígenas são ameaçados e os conflitos territoriais avolumam-se, os Tembé enfrentam fortes pressões que questionam seus direitos consuetudinários de viver em território indígena. As tentativas de integrar os Tembé à sociedade nacional trouxeram consequências negativas para a permanência destes em seu território, já que o discurso governamental, reforçado pela política indigenista do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI), no século XX e XXI, rotulava os Tembé de “índios misturados”.
Pacheco de Oliveira (2004) chama a atenção para o sentido ideológico e negativo do termo “mistura”, já que ele pode apontar para uma “etnologia das perdas”, ao invés de revelar os mecanismos do poder engendrados nas estruturas coloniais e nos múltiplos desdobramentos nas interações interétnicas. A reação dos Tembé do Guamá ao estigma de que não eram “índios puros” é um bom exemplo para demonstrar como ocorrem esses processos de territorialização. As situações de discriminação reveladas no argumento da mistura (Ponte, Ribeiro, 2019) motivaram fortemente os Tembé do Guamá a criarem estratégias de resistência para fortalecer sua indianidade.
Um exemplo significativo dessa resistência e do modo como percebiam a experiência do contato é visível na iniciativa de Bewãri Tembé, hoje professor de língua indígena, que vem despontando como uma forte liderança na aldeia Sede e que passou a ocupar lugar de referência em assuntos relacionados aos “costumes Tembé” já que é exímio conhecedor das festas e dos rituais, assim como do mundo dos karuwar(s). Ciente das ameaças sobre o território Tembé, Bewãri inicia, junto com Tariw, seu primo, uma experiência marcante para a sua trajetória como futuro pajé e para a “vida cultural Tembé”, como se confirma a seguir:
Eu tomei essa decisão quando assim meu pai cantava, todo final de semana cantava, aí veio um mundo assim mais moderno, né? Que veio esse negócio de som, veio pra dentro da aldeia, aí, com esse som, forró, (nós) para(mos) de cantar. Aí parou, quando eu era pequeno assim, uns sete anos, aí, eu ficava pensando, mas porque pararam? Aí, vim crescendo com essa coisa na cabeça, pensando: por quê? Assim, agora eu tomei a minha decisão mermo, que eu vou fazer, não tem ninguém que tire isso de mim, ‘isso não pode se acabar porque isso é nosso’, ai veio o professor, e nessa época veio um professor pra cá, e pediu pra cantar, aí, só um sabia assim, desaprendia assim, só um sabia. Já foi a tarefa da escola, aí, eu fiquei observando como ia fazendo, eu mais o Tariw fiquemo de frente, lá na brincadeira, aí, o pai dele, o pai do Tariw, Seu Pelé, se sentou e foi cantar lá pra nós, aí cantou, cantou, aí o professor começou a voltar assim, como é. Ele fazia, dava ajuda pra nós, aí, fomo já tipo dizem: ‘brotando de novo’, aí, fomo tendo brincadeira, fomo tendo, aí, eu disse: ‘essa daqui é que a minha brincadeira mermo, que eu quero, eu não sei falar minha língua, mas tem gente que sabe, então, eu vou aprender a falar’, fui aqui pra cima, tinha uma aldeia, tinha seu Chico Rico, aí, quando era final de semana eu ia lá ter aula com ele na língua, falava pra mim, aí, eu ia aprendendo assim, falando como é as coisas, aí, fui aprendendo aos poucos porque é muito difícil porque a nossa cultura tem uma ciência muito forte (Bewãri Tembé, aldeia Sede, entrevista realizada em 20/07/2011).
A decisão de Bewãri teve grande influência nos novos rumos empreendidos pelos Tembé na busca pela autonomia do grupo. A decisão de “aprender” a língua, sua “ciência”, marcou o novo papel da escola e o processo de organização interna das lideranças, já que Bewãri, junto com Kudâ, passaram a exercer importantes funções na condução da “cultura”, expressão Tembé para dizer que os saberes ancestrais estão sendo transmitidos para as novas gerações.
A busca de Bewãri para “aprender a língua” envolve um conjunto de significados, além do aprendizado da escrita e da fala na língua materna, pois remete aos segredos do mundo das Karuwar(s). Dizer que a “cultura tem uma ciência muito forte”, quer dizer, tem “o ritmo do nosso antepassado”, e remete aos seres mitológicos. Esses seres têm poderes capazes de causar danos aos humanos, por isso é importante conhecer o significado das palavras, saber cantar na língua para chamar as Karuwar(s), conhecer os mitos, fazer o ritual, como refere Bewãri:
Isso eu ficava pensando assim, aí eu falei pro papai, eu quero aprender a minha cultura, a minha tradição, vamo dizer assim, quero aprender tudo mermo, desde o zero, vou começar do zero, aí comecei a participar da festa da moça, da festa das criança. Aí, foi uma menina que me fez um convite, assim pra pular com ela, fazer a festa né? Aí, falei pro papai, ah, tá! Pode ir. [..] Desde esse tempo comecei a ter aula na língua, o incentivo do meu povo assim, aí, eu pedi pro meu pai: ‘pai se tivesse uma oportunidade pra ir lá pro Gurupi aprender a falar na língua? Era bom pra mim’, ele disse: ‘Filho, tu tem uma tia lá, a minha prima, tu pode passar um tempo lá com ela, tu pode ir, mas tem um problema, num tem a série que tu tá fazendo’ (Bewãri Tembé, aldeia Sede, entrevista realizada em 20/07/2011).
Como a língua permite acessar os códigos culturais, no jogo identitário com os não indígenas, ela demarca um sinal diacrítico (Barth, 2000) importante para diferenciar os Tembé de outros grupos e dos Tembé de outras aldeias. Bewãri teve apoio das lideranças e dos pais para conviver com os Tembé do Gurupi. Essa convivência e os aprendizados dela decorridos teve um papel político fundamental na trajetória dos Tembé do Guamá na defesa da identidade e da territorialidade. O papel político dessa decisão ampliou aos Tembé as possibilidades de retomarem saberes enfraquecidos pelo contato, sobretudo os rituais (a festa do wira’u haw e da criança), assim como a redefinição do papel da escola Félix Tembé.
As novas lideranças Tembé, identificadas como pessoas que haviam ganho autoridade e legitimidade perante o grupo, à medida que passaram a mediar a relação entre a aldeia e o mundo externo, aprenderam o idioma português, usando a linguagem dos órgãos oficiais e assumiram papéis institucionais exigidos pelas políticas públicas, pois, além de terem adquirido certa habilidade para negociar os interesses internos do grupo frente às exigências dos órgãos estatais, já vinham fortalecendo a retomada dos antigos ensinamentos orientados pelos mais velhos, sobretudo a renomeação das aldeias e a grafia dos nomes das crianças que nasciam na língua Tembé. Também estavam buscando adequar a escola à maneira de saber-fazer dos antepassados de forma a influenciar a nova geração para a defesa da indianidade e do território.
A decisão de apoiar Bewãri em sua imersão no Gurupi não está desvinculada de um projeto em curso para criar condições de transformação da escola em espaço de fortalecimento do modo de ser Tembé. O “aprendizado da língua” se configura, então, em mecanismo de resistência e também, de estratégia sociocultural por autonomia. Representa, assim, uma forma de ruptura com o modelo tutelar empreendido pelas políticas indigenistas que buscavam, por meio da coibição da língua materna e das práticas rituais e pajelança, integrar os Tembé à sociedade nacional, ensinando-lhes o português, imputando-lhes outros modos de viver.
A “viagem da volta” de Bewãri representa a busca pelo passado, interrompido de forma violenta pelos ditames do SPI e da FUNAI, ao mesmo tempo que significa uma “viagem” ao modo de ser Tembé, um modo genuíno que tem na língua um importante marcador dessa identidade, na medida em que, para os não indígenas, a língua tem um papel definidor da indianidade. A conversa com o Sr. Manoel, pai do cacique Naldo, uma das lideranças mais importantes da aldeia Sede, elucida claramente a percepção dos Tembé sobre as pressões externas em torno da língua.
Eles sempre dizem isso, eles comentam isso aí, nessa parte, mas agora não é só os Tembé daqui, é os Tembé todo, do Gurupi, do Tome-Açú, eles cometam isso, eles se deitam em cima disso, aí, mas sempre o Piná diz assim: ‘E ele foi numa reunião em Brasília, comentaram isso que a senhora perguntou, mas por que os Tembé não são mais Tembé? ela achou porque não falava a língua. Aí, ele disse: ‘se eu der um sorvete pra um macaco prego, ele deixa de ser macaco? No mato ele não come isso, mas aqui ele comeu sorvete. Daí ele deixou de ser macaco?’ Os Tembé não largou de ser Tembé porque eles não fala a língua. E é só por isso que eles se debruçam em cima disso, por isso que o menino [Bewãri] saiu daqui pra estudar no Gurupi (Manuel Tembé, aldeia Pino’á, entrevista realizada em 19/07/2011).
Neste sentido, a convivência da Bewãri na aldeia Teko’haw é muito significativa. Essa aldeia é reconhecida como a aldeia “guardiã da tradição” em que “os costumes e as tradições” Tenetehar bem como a língua Tembé ainda é de uso corrente. Essa aldeia foi fundada a partir do desmembramento da aldeia Canindé, a mais antiga aldeia do Gurupi, pelo casal Verônica e Lourival Tembé. Verônica foi e é ainda tida (embora já tenha falecido) como a mais forte liderança feminina e conhecedora da “cultura” Tenetehar. Teve importante papel na defesa e homologação da TIARG, uma vez que foi ela que, por meio da prática dos saberes, imprimiu internamente a necessidade do povo Tembé praticar a língua materna, realizar as festas e rituais, manter e exercitar o partejar, a caça, a pesca, o artesanato, entre outros saberes. Essa exigência de Verônica não se fez apenas internamente, mas para fora da aldeia, já que ela acionava os meios de comunicação, as escolas, as cidades próximas e as instituições, para afirmar que na TIARG “existia o povo Tembé e que eles tinham sua língua e cultura” (Kaparaí Tembé, aldeia Teko’haw, entrevista realizada em 10/10/2010).
O que os Tembé referem como “cultura” tem relação com os rituais, as festas, a organização da aldeia, os grafismos, os objetos fabricados artesanalmente, a língua materna e a noção do que entendem por natureza, uma humanidade única, em que humanos e não humanos interagem permanentemente. Um dos rituais fundamentais, que é mantido pelos Tembé e retomado pelas aldeias do Guamá, é o ritual formado por um conjunto de festas: a Festa das Crianças, a Festa do Mingau da Moça e a Festa do Moqueado. Essas festas demarcam etapas da vida, marcam as fases que os meninos e as meninas da aldeia devem passar para saber lidar com a vida adulta e com as Karuwar(s).
Os Tembé passam por muitos rituais que os preparam para a convivência com as Karuwara(s) que são seres diversos existentes nas matas, nos rios e na constelação celeste, podendo ser animais, plantas e /ou parentes que já morreram. Na perspectiva Tembé, as plantas, os animais, paus, sementes e outros elementos da natureza já foram “gente que nem os Tembé” (Entrevista em 10/112018, Bewãri, aldeia Sede) e retornam para a aldeia, tendo grande influência no corpo dos indivíduos, principalmente em eventos de caça, de pesca e nas fases limiares das mulheres, por isso a vida Tembé é imersa em normas e restrições, voltadas para o uso de rios e matas. São rituais que mobilizam toda a aldeia para a boa convivência com as karuwar(s).
Quando Bewãri deslocou-se para a aldeia Teko’haw e passou a conviver com os pajés - Verônica e Lourival, principalmente - foi em busca dessa experiência com o mundo não humano, sendo o aprendizado da língua importante elemento desta “ciência”, como assim ele refere. O aprendizado de Bewãri aconteceu no cotidiano da aldeia, em conversas com os mais velhos, convivendo com os jovens da aldeia Teko’haw, ouvindo as histórias, participando do dia a dia nas roças, na pescaria, na caçada, ajudando a organizar as festas, ouvindo os “causos”. Não foi um aprendizado semelhante ao da escola formal, em que aluno e professor aprendem por meio dos livros, leituras e avaliações; foi um aprendizado que remeteu a outra temporalidade, em que oralidade, memória e afetos predominaram sobre os livros, como observa Bewãri:
Eu gosto de sentar com os mais velho lá, escutar história com eles, quando é assim de noite, umas sete horas, se senta os mais velhos, aí, eu sento perto, eu vou escutar, eles ficam contando história, como é cada coisa, assim eu tô achando bom né? Pra que eu quero, eu tô achando ótimo, uma coisa que eu quero mermo e com fé em Deus eu vou conseguir, eu tô onde tem sábio né? do nosso antepassado, né? Conhecer como nós era e passar pro meu povo como era antigamente que nós fazia, pro dia de hoje, pra ver como é que tá mudado pro nosso povo. [...] Não teve muita mudança assim (refere-se as aldeias do Guamá), assim conforme o tempo passando ai foro se esquecendo das letras, ai foro modificando as cantorias, ai já saiu um pouco do ritmo deles, né? Aí, fomo atrás, atrás mermo, aí, cheguemo assim de ter esquecimento, tem algumas coisas assim que tavam esquecidas (Bewãri Tembé, aldeia Sede, entrevista realizada em 20/07/2011).
Para Bewãri, “escutar história” refere-se aos mitos, aos “causos” como dizem os Tembé, contados por transmissão oral. Estes revelam importantes marcadores da linguagem, que, ao serem atualizados nos “causos”, revelam ideias, conceitos, e constroem sentidos históricos para esses povos. Conforme Aracy Lopes da Silva (1995, p. 330) “os mitos se articulam à vida social, aos rituais, à história, à filosofia própria do grupo, com categorias de pensamentos elaboradas localmente que resultam em maneiras peculiares de conceber a pessoa humana, o tempo, o espaço, o cosmo”. A respeito desse aprendizado e da experiência de Bewãri, no Gurupi, Lourdes Tapajó comenta que:
Então, como a gente vai fazer isso? (Introduzir o ensino da língua Tembé na aldeia Sede) se a gente não tem um professor que fale a língua, alguém daqui que fale a língua, então foi quando alguém da comunidade, um jovem da comunidade se propôs a ir pro Gurupi aprender, né...aí foi o Bewãri que foi pra lá e teve esse aprendizado não só da língua mas de todo o processo cultural relacionado ao povo Tembé. Casa-se com a filha do Kaparaí, né? Vem pra cá, e aí começa essa relação de ida e vinda do pessoal do Guamá pro Gurupi, aí, a Kudâ já vem, que é irmã da mulher do Bew, vem também pra cá, né, ela com a família gosta também daqui, e aqui ficam, se estabelecem aqui (Entrevista realizada em 20/07/2019, aldeia Sede).
A professora Lourdes Tapajó, moradora da aldeia Ytuaçu, reconhece a viagem de Bewâri como um passo fundamental para o processo de inserção da língua Tembé e de outros saberes nas aldeias do Guamá. Também foi muito importante o posterior enlace matrimonial de Bewãri com Piraywa, filha do atual cacique da aldeia Teko’ haw, que possibilitou a ida de Kudâ, irmã de Piraywa, para a aldeia Sede, no Guamá, estreitando as relações entre as aldeias do Guamá e do Gurupi. Foi um acontecimento importante visto que as relações de parentesco são fundamentais na formação e organização social das aldeias indígenas Tembé-Tenetehar. São elas que definem “todas as funções sociais, religiosas, cerimoniais” (Gomes, 2002, p.84), bem como as “posições sociais e políticas de um indivíduo advém de sua inserção na sociedade por uma rede de parentesco” (Gomes, 2002, p. 84).
A retomada do ensino da língua faz parte de um processo de reafirmação identitária do povo Tembé, tendo como consequência uma nova organização social e política do grupo nas aldeias do Guamá, sobretudo das aldeias Sede, Ytuaçu, Ypydõn e Pino’á, as quais buscam sua autonomia e defesa de sua indianidade e territorialidade, permitindo reforçar a construção do que é ser Tembé. As lideranças Tembé estão conscientes das ameaças que a convivência com os não indígenas pode trazer para a sobrevivência dos povos indígenas e de seus modos de existir já que “estas lideranças foram acumulando um determinado capital simbólico, útil na disputa para fazer-se valer e fazer valer o que dizem” (Alonso, 1996, p. 57), o que defendem e acreditam como modo de vida.
O “ensino da cultura” e o jogo identitário como ato político
A motivação dos Tembé do Guamá quanto ao aprendizado da língua Tembé não é só linguística, mas sociocultural e sociocósmica, revelando-se também como política, pois pensamentos e processos identitários devem ser estudados em contextos precisos e percebidos como atos políticos. Kudâ Tembé e Bewãri Tembé, professores da língua indígena em aldeias do Guamá, confirmam isso respectivamente: “É importante porque é a nossa identidade, né, é dela que a gente sobrevive pra tudo, pra ir atrás do nosso direito, de tudo da gente” (Kudâ Tembé, aldeia Sede, entrevista em 2019); “Porque sem nós, sem a nossa língua, nós não somos o povo Tembé, nós vamos ser quem? Um colono? Então, nós com a língua, com a cultura, acho que nós vamos conseguir mais, nós vamos mais avante do que nós temos hoje (Bewãri Tembé, aldeia Sede, entrevista realizada em 20/07/2019).
Assim, falar a língua Tembé é mais que ato linguístico, é ato político, para legitimar a identidade indígena, pois falar Tembé é “conferir relevo à identidade indígena que se quer evidenciar, “uma vez que pertencer a uma categoria étnica implica ser um certo tipo de pessoa e ter determinada identidade básica, isto também implica reivindicar, ser julgado e julgar-se a si mesmo de acordo com os padrões que são relevantes para tal identidade” (Barth, 2000, p. 32). Desse modo, considerando Barth (2000), os membros de grupos étnicos, como os Tembé do Guamá, tendem a querer corresponder às expectativas esperadas de quem assume a identidade indígena, como, por exemplo, falar uma língua indígena, pintar o corpo, cantar as canturias, tocar maracás e dançar as danças tradicionais, remontando ao estereótipo criado nos tempos coloniais, para serem reconhecidos como tais pela sociedade envolvente. É importante ressaltar, no entanto, que a retomada da língua Tembé pelos indígenas do Guamá não começou somente por pressão externa, mas, principalmente, pela opção de cultivar processos que lhes possibilitassem a continuidade de ser Tembé, vivendo segundo a cosmologia do grupo.
A retomada da língua indígena Tembé assume, também, um caráter cultural, sendo a Escola Félix Tembé um dos principais vetores desse processo. A escola nem sempre teve esse papel, pois estava vinculada, inicialmente, ao regime assimilacionista das políticas indigenistas do SPI e da FUNAI, não tendo, em sua criação, a língua como preocupação. Segundo explica Grupioni (2019), este sistema de ideias tem como objetivo incorporar os índios à “comunidade nacional”, vendo-os como uma categoria étnica e social transitória fadada ao desaparecimento. Inicialmente, a referida escola oferecia apenas a primeira e a quarta série. Os professores eram funcionários da FUNAI. Somente a partir de 1993 tiveram o ensino fundamental com professores não indígenas contratados pela Secretaria de Educação do Pará (SEDUC). Professores indígenas só foram contratados pela SEDUC em 2013, sendo Bewãri o primeiro professor contratado. À medida que os Tembé foram tendo acesso ao ensino médio e, mais recentemente, ao curso superior em Interculturalidade, foram ocupando espaço político importante e, hoje, há doze professores indígenas e dez não indígenas.
A Constituição Federal de 1988 foi um grande marco para a criação e promoção da escola e educação indígena diferenciada, pois, a partir dela, a escola indígena passa a ter a missão inversa da antiga “escola para índio” (assimilacionista), que é a de contribuir para a continuidade histórica dos povos indígenas, étnica, cultural e fisicamente (Baniwa, 2013). A “escola indígena hoje tem se tornado um local de afirmação de identidades e de pertencimento étnico” (Brasil, 1998, p. 357) como, de fato, é reconhecida pelos Tembé conforme mencionado por Lourdes: “A escola, ela foi e é de fato esse elo de fortalecimento da cultura assim muito forte” (Lourdes Tapajó, professora indígena, aldeia Sede, 2019).
O processo de retomada da língua Tembé vai se fortalecendo à medida que a língua Tembé é colocada em uso no cotidiano. Um fato importante é que os cantores são jovens indígenas Tembé, como é lembrado por América Tembé “Os cantores são nossos mesmo, tudo daqui mesmo, tudo jovem, nenhum assim veterano mesmo. Os mais velhos mesmo, só as liderança, mas é o mesmo canto mesmo, tudo jovem” (América Tembé, aldeia Sede, entrevista realizada em 09/03/2021 - via Whatsapp). Essa informação é muito representativa, pois evidencia que o processo de retomada da língua Tembé está alcançando os jovens, porque saber puxar (cantar) um canto significa dominar a língua materna: “o que aquela emissão costuma puxar (atrair: espíritos- karwara /cura/benzimentos)” (Freitas, 2015, p. 76).
Assim, a decisão por retomar a língua, certamente tem reflexo na reativação da “cultura indígena Tembé”, como conclui Bewãri Tembé: “no meu ponto de vista, foi a cultura o maior ganho, principalmente a cultura, porque nós também ensina cultura, não só língua, foi um ponto que avançou muito” (Entrevista realizada em 20/07/2019, aldeia Sede), por isso que é importante que se “dê grande atenção ao reavivamento de traços culturais tradicionais selecionados e ao estabelecimento das tradições históricas; que justifiquem e glorifiquem os idiomas e identidades adotados” (Barth, 2000, p. 63).
Ressalta-se que “a cultura original de um grupo étnico, na diáspora ou situações de intenso contato”, como é o caso do povo Tembé, “não se perde ou se funde [...], mas adquire uma nova função, essencial e que se acrescenta às outras [...], se torna cultura de contraste ” (Cunha, 2009, p. 237). Neste sentido, nem a cultura Tenetehar é a mesma de antes do contato, nem a língua é a mesma do momento da diáspora do grupo. Hoje, ao ser retomada, adquire uma nova função social, não apenas como meio de comunicação, mas como elemento diacrítico para os sujeitos indígenas, conforme Manuela Carneiro da Cunha:
Ao contrário, a noção que se depreende é que a tradição cultural serve, por assim dizer, de reservatório onde se irão buscar, à medida das necessidades no novo meio, traços culturais isolados do todo, que servirão como sinais diacríticos para identificação étnica. A tradição seria, assim, seletivamente reconstruída, e não uma instância determinante (Cunha, 2009, p. 226)
À medida que o grupo Tembé sentiu necessidade de se reafirmar como grupo étnico diferenciado, buscou reconstruir sinais diacríticos no conjunto de elementos disponíveis, selecionando a retomada da cultura e da língua Tembé para esta finalidade diferenciadora, fazendo despontar “a resistência indígena” (Cunha, 2009). O fato de grupos étnicos apegarem-se a traços da sua tradição, segundo Cunha: “é um processo recorrente na afirmação étnica: a seleção de alguns símbolos que garantem, diante das perdas culturais, a continuidade e a singularidade do grupo” (Cunha, 2009, p. 251). Com isso, podem reivindicar direito ao território, à saúde e à educação diferenciada etc. frente à sociedade, como no caso dos Tembé, acusados de que eram “índios misturados”.
Os Tembé foram territorializando a TIARG à medida que foram acionando a memória, os saberes e a cosmologia, que fora impedida de ser expressa pelas políticas indigenistas. A territorialização é fundamental, pois, segundo Pacheco de Oliveira (2004): “a relação entre a pessoa e o grupo étnico é mediada pelo território e a sua representação poderia remeter não só a uma recuperação mais primária da memória, mas também às imagens mais expressivas da autoctonia”. O termo “autoctonia” é retomado aqui não como sinônimo de exótico ou nativo, mas como o movimento de recordar as reminiscências Tenetehar-Tembé, ainda no imaginário coletivo dos Tembé e são compartilhadas com os seus, por meio dos ritos, dos mitos, das narrativas, da pajelança e da língua Tenetehar.
A territorialização e retomada da língua constitui-se uma estratégia política em benefício das demandas do grupo, como elucida Lourdes Tapajó;
Então isso foi uma ...digamos assim uma... de uma certa forma que os brancos falavam, que como os Tembé daqui não faziam mais isso, então eles não eram mais índios, então porque que queriam a terra, se não tinha mais índio aqui [...] a forma de vida deles já era outra, a se falava muito da questão da língua, então as lideranças pegaram para si essa retomada da cultura junto com a comunidade (Lourdes Tapajó, aldeia Sede, entrevista realizada em 20/07/2019).
Na fala da Lourdes Tapajó vê-se que a reavivação da cultura e da língua Tembé não aconteceu por acaso, e sim por decisão consciente dos Tembé, diante das ameaças dos seus direitos e interesses. Neste sentido, os grupos étnicos “são vistos como formas de organização novas e adaptadas ao “aqui e agora”, e que compartilham interesses econômicos e políticos”, para “que possam disputar com grupos rivais o acesso às fontes de recursos” (Cunha, 2009, p. 226). Os Tembé sabem da importância da língua indígena para a afirmação do grupo no Guamá, pois “a ‘necessidade’ de aprender a língua manifesta-se, dentro da proposta de reativação da cultura Tenetehar, como um dos critérios fundamentais de ‘autenticidade’ para ‘voltar ao tempo dos antigos’” (Alonso, 1996, p.155).
A consciência disso é evidente nas falas de Bewãri Tembé: “Eu vejo muito assim, todos os povos indígenas têm sua língua, é o que assegura a cultura, a tradição deles é a língua, porque o povo sem a língua não é um povo” (Bewãri Tembé, aldeia Sede, entrevista realizada em 20/07/2019). E, do mesmo modo: “Já os Tembé são uma fala única, só temos Tembé, só falam uma língua só, né? Então, teve essa necessidade, principalmente eu mesmo de assegurar de unhas e dentes a língua, de aprender, pra não deixar acabar” (Bewãri Tembé, aldeia Sede, entrevista realizada em 20/07/2019). Diante do exposto, é evidente o desejo dos Tembé do Guamá de buscar sua legitimidade étnica e a retomada da língua Tembé como parte importante no processo de recuperação das tradições culturais para poder romper com o imaginário da sociedade circundante de que não eram “aculturados” e “remanescentes” e para recuperar formas de expressão de sua identidade Tembé.
Considerações finais
Com a realização deste estudo pode-se constatar a importância seminal da experiência de Bewãri Tembé em sua incursão nas aldeias do Gurupi para aprender a língua e a tradicional “cultura Tenetehar”. Assim, retomando a metáfora da viagem pela busca dos saberes e da língua Tenetehar, bem como a recriação e reprodução posterior da língua e dos conhecimentos tradicionais nas aldeias do Guamá têm reverberado no movimento de territorialização em que o sentimento de pertencimento ao grupo étnico Tembé-Tenetehara é ressignificado e a identidade indígena Tenetehar é evidenciada e o seu território físico e cosmológico defendido.
Neste ínterim, a valorização e o domínio da língua Tembé pelos indígenas do Guamá é uma forma de autoafirmação da indianidade Tembé em resposta à sociedade circundante que não os considera como índios, desconsiderando todo o processo histórico vivido por eles, uma vez que “as populações indígenas encontram-se, hoje, onde a predação e espoliação permitiram que ficassem” (Cunha, 2009, p. 263). Assim, falar Tembé é uma forma de legitimar a sua indianidade, e a Escola Félix Tembé assume um papel de difusão desse aprendizado, bem como de vivenciar os costumes da cultura indígena.
Reitera-se que, para o sucesso desses processos, foi e ainda é muito significativo o fortalecimento e o estreitamento das relações entre o grupo Tembé do Gurupi e os Tembé do Guamá, mediante casamentos e a interação para a retomada da tradição e língua Tembé. Os Tembé do Guamá reconhecem no grupo do Gurupi, uma espécie de referência quanto ao domínio da língua e dos costumes culturais Tenetehar mais antigos. No entanto, ao apropriarem-se dos mesmos domínios, linguístico e cultural, o grupo Tembé, que vive nas aldeias do Guamá da TIARG, adquire maior coesão e legitimidade étnica, seja na captação de recursos para projetos e políticas públicas para as aldeias, seja na defesa do território.
O estudo realizado permitiu compreender que a retomada da língua Tembé acontece junto com a reavivação cultural dos costumes Tenetehar de modo que acessar o mundo invisível deve ter em conta as práticas de pajelança, das festas, das cantorias, das pinturas corporais e dos demais saberes, praticados no cotidiano da aldeia, como a caça, a pesca e a produção da roça, com intersecções no processo de territorialização. Assim, os processos de retomada cultural, linguística e territorial, enfocados neste trabalho, representam a “viagem da volta” aos ensinamentos dos antepassados Tembé realizada pelo grupo indígena do Guamá, ou seja, “o retorno àquelas coisas do índio mesmo de natureza, aquilo que usavam os nossos mais velhos antigamente” (Alonso, 1996, p. 155).
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Notas