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ENGAJAMENTO DE CONSUMIDORES COM PROGRAMAS DE FIDELIDADE DE COMPANHIAS AÉREAS NO BRASIL: PERCEPÇÕES EM RELAÇÃO ÀS MILHAS, IMPORTÂNCIA E DIFICULDADES NA GESTÃO DAS MILHAS
Consumer engagement with airline loyalty programs in Brazil: perceptions regarding miles, importance and difficulties in managing miles
Compromiso del consumidor con los programas de fidelización de aerolíneas en Brasil: percepciones sobre las millas, importancia y dificultades en la gestión de millas
Turismo - Visão e Ação, vol. 26, 2024
Universidade do Vale do Itajaí

Artigos



Recepción: 22 Junio 2023

Aprobación: 12 Marzo 2024

DOI: https://doi.org/10.14210/tva.v26.19662

Resumo: Os programas de milhagem, também chamados de programas de passageiros frequentes ou programas de fidelidade de companhias aéreas, foram concebidos com o objetivo de atrair e manter os clientes do setor de transporte aéreo através de um sistema de recompensas baseado em milhas ou pontos. Nas últimas décadas, esses programas expandiram-se e tornaram-se um mercado vasto, complexo e lucrativo. Apenas no Brasil, há mais de 185 milhões de clientes participando de programas de fidelidade de companhias aéreas. Buscando ampliar o conhecimento disponível sobre o comportamento dos clientes de programas de milhagem, foi realizada uma pesquisa junto a 414 consumidores desse mercado no Brasil. Uma combinação de abordagens metodológicas foi usada no estudo. Primeiramente, com o método qualitativo de associação livre foram examinadas percepções e significados atribuídos pelos consumidores às milhas aéreas. Os resultados indicam que pessoas percebem milhas majoritariamente como prêmios e, em menor grau, como um tipo de moeda. Na etapa quantitativa, buscou-se explicar determinantes do engajamento comportamental de consumidores com as milhas aéreas. O modelo de equações estruturais suportou o modelo de hipóteses proposto, indicando que o engajamento de consumidores é determinado pela importância atribuída às milhas e pelas dificuldades inerentes a gestão desse ativo.

Palavras-chave: Programas de fidelidade, milhas aéreas, importância percebida, dificuldade percebida, engajamento, economia comportamental.

Abstract: Mileage programs, also known as frequent flyer programs or airline loyalty programs, were created with the purpose of attracting and retaining air transport customers through a rewards system based on miles or points. Over the past few decades, these programs have grown and have become a vast, complex, and profitable market. In Brazil alone, there are more than 185 million active customers in airline loyalty programs. In order to expand the available knowledge about mileage program customers’ behaviour, a survey was conducted among 414 consumers in this market in Brazil. A combination of methodological approaches was used in the study. Firstly, the qualitative method of free association was employed to examine perceptions and meanings attributed by consumers to airline miles. The results indicate that people predominantly perceive miles as rewards and, to a lesser extent, as a form of currency. In the quantitative phase, we aimed to explain the determinants of consumer engagement with airline miles. The structural equation model supported the proposed hypothesis model, indicating that consumer engagement is determined by the importance attributed to miles and the inherent difficulties in managing this asset.

Keywords: Loyalty programs, airline miles, perceived importance, perceived difficulty, engagement, behavioural economics.

Resumen: Los programas de millas, también llamados programas de viajero frecuente o programas de fidelización de aerolíneas, fueron diseñados con el objetivo de atraer y retener clientes en la industria aérea a través de un sistema de recompensas basado en millas o puntos. En las últimas décadas, estos programas se han expandido hasta convertirse en un mercado vasto, complejo y lucrativo. Sólo en Brasil, hay más de 185 millones de clientes que participan en programas de fidelización de aerolíneas. Buscando ampliar el conocimiento disponible sobre el comportamiento de los clientes del programa de viajero frecuente, se realizó una encuesta a 414 consumidores de este mercado en Brasil. En el estudio se utilizó una combinación de enfoques metodológicos. En primer lugar, mediante el método cualitativo de libre asociación, se examinaron las percepciones y significados atribuidos por los consumidores a las millas aéreas. Los resultados indican que las personas perciben las millas mayoritariamente como recompensas y, en menor medida, como un tipo de moneda. En la etapa cuantitativa, buscamos explicar los determinantes del compromiso conductual del consumidor con las millas aéreas. El modelo de ecuaciones estructurales apoyó el modelo de hipótesis propuesto, indicando que el compromiso del consumidor está determinado por la importancia atribuida a las millas y las dificultades inherentes a la gestión de este activo.

Palabras clave: Programas de lealtad, millas aéreas, importancia percibida, dificultad percibida, compromiso, economía conductual.

INTRODUÇÃO

Os programas de milhagem (PM), também conhecidos como programas de passageiros frequentes ou programas de fidelidade de companhias aéreas, foram criados com o propósito de atrair e fidelizar os clientes do transporte aéreo por meio de uma mecânica de premiação com milhas ou pontos (Bezerra de Sena Júnior, 2020; de Boer & Gudmundsson, 2012). Originalmente, as milhas podiam ser trocadas por passagens aéreas, mas, ao longo dos anos, os PM evoluíram e passaram a oferecer outros benefícios no transporte aéreo, como upgrades para primeira classe e executiva, acesso a lounges especiais, check-ins prioritários, franquia para excesso de bagagem despachada, prioridade na entrada na aeronave, e outros benefícios (InfoMoney, 2023). Além disso, os PM ampliaram seus escopos de atuação e passaram a oferecer a possibilidade de uso das milhas para aquisição de diversos outros bens e serviços não relacionados ao transporte aéreo (Russell, 2020). Ao longo das décadas, os PM cresceram e hoje representam um grande, complexo e lucrativo mercado (Lo & Im, 2014; Russell, 2020). Segundo a ABEMF - Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (2023), existem no Brasil mais de 185 milhões de cadastros ativos em PM, mas estima-se que o setor de fidelidade atinja cerca de 10% da população.

As milhas ou pontos dos PM têm duplo sentido para os clientes de companhias aéreas: benefício e ativo. De um lado, as milhas são um prêmio que se pode ganhar em determinadas condições, incluindo os pontos recebidos com viagens aéreas ou em compras pagas com cartões de crédito (InfoMoney, 2023). De outro lado, as milhas acumuladas constituem um ativo que pode ser utilizado para a aquisição de diferentes itens, portanto, constituem uma moeda relevante na atualidade (Chan et al., 2016; Drèze & Nunes, 2004; Spencer, 1991). No entanto, em virtude da complexidade que domina o mercado de milhas, essa moeda com efetivo valor de mercado nem sempre é compreendida ou utilizada pelos clientes com sucesso (Catherine Liston-Heyes, 2002; Nunes & Drèze, 2006). Na verdade, existem dificuldades objetivas para se calcular o real valor das milhas aéreas, uma vez que estas enfrentam desvalorizações e constantes flutuações de valor (Bezerra de Sena Júnior, 2020). Trocas por passagens e outros produtos com preços implícitos altos ou com baixo valor de consumo ocorrem com frequência (Chan et al., 2016; Reed, 2021). Além disso, é comum que a má gestão desses ativos por parte dos clientes faça com que milhas sejam perdidas por expiração (Liston-Heyes, 2002; Danaher et al., 2016; Nunes & Drèze, 2006).

A baixa compreensão do valor das milhas e a perda de milhas sem uso prejudicam os clientes, mas oferecem ganhos para os PM. Críticos do mercado de milhas afirmam que vendas de passagens e de outros produtos com altos preços em milhas é uma prática recorrente e fonte de lucro para os PM (Genter, 2020). Ademais, a taxa de breakage (percentual de pontos que expiram), constitui uma fonte de receita dos PM (ABEMF - Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização, 2023). Contudo, é importante notar que a adoção de práticas que se aproveitem da baixa compreensão do valor das milhas, também pode produzir efeitos negativos, afastando os clientes e deteriorando as relações de fidelização, a própria essência da criação dos PM. Neste sentido, ampliar a compreensão sobre as percepções e comportamentos dos clientes em relação às milhas é um tema relevante para PM e consumidores.

Embora o negócio dos PM já tenha sido amplamente estudado, até o momento, a perspectiva do consumidor recebeu pouca atenção na literatura de turismo e transporte aéreo (Catherine Liston-Heyes, 2002; Chan et al., 2016; Chanpariyavatevong et al., 2021; de Boer, 2018; de Boer & Gudmundsson, 2012; Drèze & Nunes, 2004; Nunes & Drèze, 2006). No Brasil, estudos abordaram a perspectiva do consumidor de companhias aéreas em temas como amor à marca (Oliveira et al., 2018), engajamento online com fanpages (de Arruda et al., 2021) e a influência de benefícios relacionais - hedônicos, simbólicos e utilitários – na satisfação, lealdade e engajamento com PM. Apenas um trabalho, de natureza teórica, se voltou para a questão do valor subjetivo das milhas aéreas, concentrando-se em discutir formas vantajosas para clientes trocarem seus pontos acumulados (Bezerra de Sena Júnior, 2020).

Assim, buscando ampliar o conhecimento disponível sobre o comportamento dos clientes de PM de companhias aéreas, que carece de literatura sobre a compreensão e o uso de milhas, especialmente no Brasil (Bezerra de Sena Júnior, 2020; Gavinho & Mayer, 2021), o presente estudo teve como propósito central analisar aspectos significativos do comportamento dos consumidores nesse complexo mercado. São dois nossos objetivos principais: 1) explorar as percepções e os significados atribuídos às milhas aéreas por consumidores brasileiros, analisando se essas percepções estão mais ligadas a prêmios e benefícios ou a ativos e moeda; 2) examinar fatores relevantes que expliquem o maior ou menor engajamento de clientes com os PM.

Para isso, foi realizada uma pesquisa com uma mostra de 414 clientes brasileiros de PM de companhias aéreas, com a adoção de técnicas qualitativas e quantitativas. Primeiramente, com uso da técnica qualitativa de associação livre, buscamos revelar as percepções e os significados atribuídos às milhas pelos entrevistados. Em segundo lugar, examinamos os fatores que promovem ou reduzem o engajamento comportamental com os PM. Mais especificamente, os efeitos das percepções de importância dos PM e da dificuldade na gestão das milhas foram testados com uso da técnica de modelagem de equações estruturais.

Contextualização: a evolução dos programas de milhas de companhias aéreas

Os programas de fidelidade e os programas de milhas das companhias aéreas estão intimamente relacionados, uma vez que os programas de milhagem são uma forma comum de programas de fidelidade no setor de aviação. Tanto em programas de fidelidade quanto em programas de milhas, os clientes acumulam pontos, milhas ou algum tipo de recompensa sempre que utilizam os serviços da companhia aérea ou fazem compras com parceiros afiliados (Beck et al., 2015). Além disso, os participantes desses programas têm a oportunidade de trocar os pontos ou milhas acumulados por recompensas, como passagens aéreas gratuitas, upgrades de classe, estadias em hotéis, aluguel de carros e outros benefícios relacionados a viagens. O objetivo central é fidelizar os clientes, incentivando-os a continuar voando com a companhia aérea ou usando os serviços de seus parceiros para acumular mais pontos ou milhas (Breugelmans et al., 2015). Tanto os programas de fidelidade quanto os programas de milhagem buscam aumentar o engajamento do cliente, incentivando-os a participar ativamente do programa, acumular recompensas e permanecer leais à marca (Gavinho & Mayer, 2021).

Segundo de Boer (2018), a história dos PM teve início nos anos 1970 com a desregulamentação do transporte aéreo nos Estados Unidos, o consequente aumento da disputa por clientes e o surgimento dos sistemas computadorizados de reservas. As sementes dos programas de recompensa dos passageiros foram lançadas pela Southwest Airlines ainda naquela década. Contudo, foi apenas em 1981 que efetivamente surgiu o primeiro PM, o Aadvantage da American Airlines. No Brasil, a pioneira foi a TAM, que criou o programa Fidelidade TAM em 1993. Com a crescente adoção por diferentes empresas, como hotéis, cartões de crédito e outros parceiros varejistas, os PM evoluíram para programas e clubes de fidelidade (Lo & Im, 2014; Russell, 2020). Atualmente, esses ativos podem ser usados para aquisição de uma grande gama de produtos e serviços.

Segundo a ABEMF – Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (2023), as viagens já não representam mais a principal fonte de pontos para os clientes desses programas no Brasil. Apenas cerca de 6% dos pontos são obtidos em relacionamentos com as companhias aéreas, ao passo que 94% são obtidos em compras no varejo. Por outro lado, mais de 87% dos pontos são destinados à aquisição de passagens aéreas, enquanto cerca de 13% são destinados a compras no varejo. Os PM são ferramentas essenciais de relacionamento das companhias aéreas com o cliente, mas sua complexidade gera muitas dúvidas, pois nem todos os consumidores compreendem os mecanismos de resgate e muitas vezes podem não fazer escolhas sábias (Bezerra de Sena Júnior, 2020; Gavinho & Mayer, 2021).

Dificuldades no uso e avaliação do valor das milhas

As milhas aéreas são frequentemente descritas como um tipo de moeda no contexto dos PM (Chan et al., 2016; Drèze & Nunes, 2004). Em essência, as milhas aéreas representam uma moeda que os clientes podem usar para realizar trocas dentro do sistema de recompensas do PM. No entanto, o uso das milhas pode representar um desafio para os consumidores. O valor das milhas aéreas pode variar significativamente com base em como milhas são usadas, taxas e encargos associados, disponibilidade limitada de assentos para resgate, desvalorização e flutuações de valor devido a inflação ou mudanças nas regras e políticas das empresas e seus parceiros (Reed, 2021). Com isso, essa moeda com efetivo valor de mercado nem sempre é compreendida ou utilizada pelos clientes com sucesso (Bezerra de Sena Júnior, 2020; Catherine Liston-Heyes, 2002; Lima, 2015). O crescimento desse mercado e as dificuldades envolvendo as milhas, abriram espaço para os mileage brokers, que oferecem aos clientes a possibilidade de ganhos monetários por meio da venda dos pontos que não podem ser usados ou que irão expirar (Pereira et al., 2018; Wong, 2016).

Na verdade, as pessoas desejam usar suas milhas para viajar, mas muitas vezes não sabem como. Estabelecer o valor de uma milha é um processo desafiador e subjetivo (Lima, 2015).

A literatura indica que entender o valor de milhas aéreas, analisar as vantagens de acumulação e calcular seu valor monetário são processos complexos para o consumidor, ao mesmo tempo indispensáveis para se fazer boas escolhas (Catherine Liston-Heyes, 2002).

Percepções e avaliações do consumidor em relação às milhas, foram abordadas por Drèze e Nunes (2004), que estão entre os principais acadêmicos que estudaram os PM e o surgimento de novas moedas, como milhas e pontos. Os pesquisadores examinaram as relações de acúmulo de pontos, além da forma como consumidores respondem a diferentes apresentações de preços e a inclusão de moedas combinadas para pagamento de passagens aéreas, hotéis e outros bens e serviços. Segundo os autores, milhas e dólares não têm o mesmo valor monetário para o consumidor. Os preços de moedas combinadas são projetados, por exemplo, para minimizar o impacto psicológico associado a uma compra, com o objetivo de tirar vantagem da incapacidade, relutância ou falta de desejo do indivíduo de converter as quantias de ambas as moedas (Drèze & Nunes, 2004).

De acordo com (McCabe et al., 2016), em situações de tomada de decisão relacionadas ao turismo em que há um amplo leque de informações, muitas pessoas não terão certas habilidades, tempo ou motivação para utilizar o modo analítico de pensar, caracterizando uma dificuldade cognitiva. Quando há muitas opções e excesso de informações, o processo de julgamento pode se tornar exaustivo ou indesejável do ponto de vista de tempo e esforço. Isso caracteriza sobrecarga de escolha, fenômeno documentado em diferentes decisões turísticas (Chernev et al., 2015; Park & Jang, 2013; Sthapit et al., 2017). De acordo com a literatura de economia comportamental, a sobrecarga muitas vezes leva ao abandono da escolha e a redução nas vendas (Jessup et al., 2009).

A utilização de pontos envolve um esforço cognitivo relevante por parte do indivíduo. A gestão de pontos é uma atividade que pode ser difícil e complexa (Danaher et al., 2016; Liston-Heyes, 2002; Nunes & Drèze, 2006). A facilidade de usar pontos pode afetar a decisão do cliente de gastar suas milhas (Kwong et al., 2011). Como resultado, quando os clientes se sentem confusos e têm dificuldade em gerir suas milhas, é provável que se engajem menos com os PM, aumentando o risco de não os utilizar e deixá-los expirar. Assim, propomos a primeira hipótese do nosso modelo teórico:

H1. A dificuldade percebida pelo cliente na gestão das milhas afeta negativamente o nível de engajamento com o PM.

Engajamento dos clientes e importância percebida

Engajar clientes em relacionamentos é o principal objetivo dos PM (de Arruda et al., 2021). O engajamento do cliente é definido como “manifestações comportamentais do cliente que têm um foco de marca ou empresa, além da compra, resultante de drivers motivacionais” (van Doorn et al., 2010, p. 254). Outros autores referem-se ao engajamento do cliente como um reflexo do estado psicológico focal de uma pessoa (Mollen & Wilson, 2010; Patterson et al., 2006; Vivek, 2014), ou como resultados do comportamento do cliente, incluindo compromisso, lealdade ou compra (Breidbach et al., 2014; Brodie et al., 2011). De acordo com Brodie et al. (2011), o engajamento do cliente é um estado motivacional que ocorre por meio de experiências interativas e cocriativas do cliente com um agente/objeto focal (por exemplo, uma marca) em relacionamentos focais. É também uma construção multidimensional de aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais.

No contexto dos PM, são necessários vários esforços do cliente para se manter ativo no programa (Bruneau et al., 2018). Assim, o engajamento nesses contextos costuma ser avaliado com base na observação de evidências comportamentais, como resgate e expiração de pontos, uso proativo, adaptação do comportamento de compra, receptividade à informação, compartilhamento de informações e busca de informações sobre o programa (Bruneau et al. , 2018). Por exemplo, consumidores com níveis mais altos de uso e engajamento são mais flexíveis e podem se adaptar melhor às políticas de expiração de pontos dos PM, com resultados positivos em termos de compras (Breugelmans & Liu-Thompkins, 2017). Dessa forma, aspectos comportamentais do engajamento do cliente com os PM podem estar associados a ações como consultar o saldo de pontos, monitorar mudanças nas regras dos PM, verificar as datas de vencimento dos pontos, acessar com frequência o sistema do programa e utilizar os pontos. Portanto, é razoável esperar que níveis mais altos de engajamento do cliente levem a níveis mais baixos de expiração de pontos. Por outro lado, consumidores menos engajados são mais propensos a deixar seus pontos expirarem.

Em termos psicológicos, quando uma situação tem fatores de maior envolvimento do ego, o desempenho é de consequência mais vital para os indivíduos (Klein & Schoenfeld, 1941). Assim, ao menos em parte, o engajamento em uma tarefa depende do envolvimento do ego e da percepção de que os esforços empreendidos são recompensadores para o indivíduo. O envolvimento do ego está diretamente associado à percepção de importância e motivação. Níveis mais altos de importância percebida geralmente estão associados a processos de tomada de decisão mais cuidadosos e extensos e processamento de informações mais profundo (Laurent & Kapferer, 1985). Por exemplo, o consumidor tenderá a prestar mais atenção ao preço e às informações relacionadas a ele (Gotlieb et al., 1994).

A importância percebida, portanto, indica maiores níveis de motivação do consumidor, com base em suas necessidades, valores e interesses inerentes (Solomon et al., 2006). A importância percebida também afeta positivamente as dimensões comportamentais e a propensão para realização de tarefas (Breidbach et al., 2014; Brodie et al., 2011). Assim, seguindo as indicações da literatura, propomos que quanto maior a importância percebida dos pontos, maior deverá ser o engajamento com o programa, traduzido em esforços para gerenciar os pontos, evitando que eles expirem.

H2. A importância percebida pelo cliente afeta positivamente o nível de engajamento com o PM.


Figura 1:
Modelo teórico do engajamento com PM
Fonte: os autores.

MÉTODO

Esta pesquisa buscou analisar aspectos significativos do comportamento de participantes de PM no Brasil. Em primeiro lugar, exploramos as percepções e os significados atribuídos às milhas aéreas por consumidores brasileiros, analisando se essas percepções estão mais ligadas a prêmios e benefícios ou a ativos e moeda. Nesta fase exploratória, foi utilizada a técnica qualitativa de associação livre, as respostas coletadas foram categorizadas por meio de análise de sentimento e análise temática (O’Leary & Deegan, 2005).

Em segundo lugar, examinamos fatores relevantes que explicam o maior ou menor engajamento de clientes com os PM. Os efeitos das percepções de importância dos PM e da dificuldade na gestão das milhas no engajamento dos clientes foram examinados por meio de técnicas quantitativas. As hipóteses propostas no modelo conceitual foram testadas com uso de modelagem de equações estruturais (Nunkoo et al., 2013; Hair et al., 2019).

Coleta de dados e amostra

Para a coleta de dados, questionários foram aplicados a participantes de PM entre os meses de janeiro e fevereiro de 2020, antes da chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil. O questionário foi disponibilizado na plataforma de pesquisa online google forms. As abordagens de potenciais respondentes foram realizadas intencionalmente em grupos de clientes de PM em redes sociais e, em razão da conveniência, por meio de no círculo social dos autores. O questionário foi acessado por 538 indivíduos. Destes, apenas 414 tinham contas ativas em PM de companhias aéreas e foram incluídos na amostra final.

Considerando-se que existem no Brasil mais de 185 milhões de cadastros ativos em PM (ABEMF - Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização, 2023), e que muitos consumidores possuem mais de uma conta em PM diferentes, não é possível estimar com segurança a população. Assim, a população total neste caso não é conhecida e a coleta de dados online não permite um controle probabilístico. Contudo, a precisão da amostra tende a elevar-se com o aumento do seu tamanho (Hair et al., 2019).

Instrumento de pesquisa

Além da pergunta filtro inicial, garantindo que apenas participantes de PM de companhias aéreas seguissem respondendo, o questionário continha 30 perguntas, incluindo questões sobre características sociodemográficas dos participantes, uma seção de associação livre e as escalas do modelo teórico. A associação das milhas aos principais significados foi também quantificada por meio de perguntas fechadas em escala Likert de 5 pontos.

A escala para mensuração da importância percebida dos PM foi adaptada dos trabalhos pioneiros de Lauren & Kapferer (1985) e de Mittal (1995). A escala de mensuração da dificuldade e confusão de gestão das milhas foi baseada no trabalho de Iyengar and Lepper's (2000). Essas duas escalas foram compostas por itens em escala Likert de 5 pontos. A escala de engajamento comportamental com os PM teve como proposta quantificar evidências comportamentais, como recomendado por Breidbach et al. (2014), Brodie et al. (2011) e Bruneau et al. (2018). Essa escala foi composta por itens em escala ordinal de 4 pontos representativos de diferentes frequências de ocorrência dos comportamentos pesquisados. Os itens componentes de cada escala são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1:
Escalas de mensuração

Fonte: os autores.

As confiabilidades das três escalas apresentadas no Quadro 1 foram avaliadas a partir do cálculo de três indicadores: alpha de Cronbach (α), variância média extraída (VME) e confiabilidade composta (CC). Uma análise fatorial confirmatória foi realizada para testar a validade da mensuração. Por fim, as relações entre o engajamento, a importância percebida e a dificuldade na gestão das milhas foram examinadas com auxílio da modelagem de equações estruturais baseada em covariância. Uma vez que os itens componentes das três escalas são ordinais, foi utilizado o estimador de mínimos quadrados diagonalmente ponderados (diagonally weighted least squares), o qual é consistente nessas condições (DiStefano & Morgan, 2014; Forero et al., 2009; Li, 2016). É relevante destacar que o tratamento adequado da não normalidade, e particularmente de variáveis ordinais, tem sido indicado como uma preocupação prioritária na literatura em turismo que utiliza modelagem de equações estruturais (Nunkoo et al., 2013).

RESULTADOS

Perfil e comportamento dos entrevistados

A maioria das respondentes da amostra final é do gênero feminino (68%). As entrevistas foram relativamente bem distribuídas por faixas etárias. Do total de participantes, 20% tinha até 30 anos, 30% entre 31 e 40 anos, 18% entre 41 e 50 anos, 19% entre 51 e 60 anos e 13 % acima de 61 anos. A grande maioria dos participantes havia concluído o ensino superior (96%). Segundo a classificação socioeconômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), a maioria dos respondentes (61%) é das classes A ou B1.

Os respondentes fazem viagens aéreas com frequência. A maioria viajou de avião ao menos 4 vezes nos dois anos anteriores ao levantamento (74%). Além disso, 28% fizeram viagens aéreas mais de 10 vezes nesse período e apenas 1% dos respondentes não viajaram de avião nenhuma vez nos dois anos de referência. Os respondentes viajam majoritariamente em classe econômica (95%) e à lazer (74%).

A maioria dos respondentes relatou participar do PM Smiles (90%), seguido pelo Latam Fidelidade com 71%, Tudo Azul com 38%, TAP-Miles & Go com 24%, AAdvantage da American Airlines com 18%, Flying Blue (AirFrance e KLM) com 12%, Milleage Plus (United) com 8%. Foram citados ainda programas de outras diversas companhias aéreas, como Emirates, Delta, Iberia, Copa e British Airlines.

Significado atribuído às milhas

Para identificar os principais elementos relacionados ao significado atribuído às milhas, foi utilizada a técnica de associação livre (O’Leary & Deegan, 2005). Para tanto, foi apresentada a seguinte pergunta aos participantes: “Pensando em milhas aéreas, quais são as três primeiras palavras ou ideias que surgem na sua mente?”. Os participantes poderiam responder com palavras ou expressões. Por meio dessa questão, foram registradas 1237 palavras e expressões.

A análise desse corpus foi realizada em três etapas. Em primeiro lugar, o corpus foi sintetizado por meio da identificação e eliminação de palavras e expressões redundantes. Erros ortográficos também foram corrigidos nessa etapa. Na segunda etapa, foi realizada uma análise de sentimento manual em que as palavras e expressões foram codificadas como positivas, negativas ou neutras. Alguns exemplos de palavras classificadas como neutras são verbos, nomes de companhias aéreas e palavras comuns ao tema, como “fidelidade” e “passagem”. A maior parte das palavras/expressões que os respondentes relataram associar às milhas aéreas foi de conotação positiva, conforme resultados apresentados na Tabela 1.

Tabela 1:
Análise de sentimento das palavras e expressões livremente associadas aos PM

Fonte: os autores.

Na terceira etapa, foi realizada uma análise temática, procedimento indutivo de identificação de temas e categorias presentes nas respostas. O tema mais recorrente foi ganho/recompensa, conforme dados apresentados na Tabela 2. Uma ilustração das palavras mais recorrentes no corpus analisado é apresentada na Figura 2.

Tabela 2:
Análise temática das palavras e expressões livremente associadas aos PM

Fonte: os autores


Figura 2
Nuvem de palavras livremente associadas aos PM
Fonte: os autores.

A partir dos resultados obtidos, percebe-se que as associações mais importantes relacionadas às milhas são positivas e diretamente ligadas a ideia de viajar, economizar, ganhar vantagens e recompensas. Menos de 10% das menções foram negativas, indicando desapontamento, o aspecto ilusório dos PM, dificuldades de uso das milhas e sentimentos de confusão. Poucos foram os consumidores que associaram de forma espontânea as milhas a um tipo de moeda ou dinheiro.

Enquanto as milhas ganhas são um benefício, as milhas acumuladas constituem um ativo. O grau de associação das milhas a cada um desses significados foi examinado por meio de duas perguntas objetivas. Os respondentes foram solicitados a indicar, em uma escala Likert, o quanto consideram as milhas como “um tipo de benefício ao consumidor” e “um tipo de moeda/dinheiro”. Os resultados dessas perguntas são apresentados na Figura 3 e Tabela 3.


Figura 3:
Significado atribuído às milha
Fonte: os autores.

A comparação dos valores obtidos nessas duas questões, analisada por meio do teste t de Student para amostras pareadas, indica que a diferença entre as médias não é significante (p=0,113). É interessante notar que a vantagem da ideia de benefício sobre a ideia de moeda observada na associação livre não se repete na associação estimulada. Pode-se inferir que a visão intuitiva das milhas é dominada pela ideia de benefício, enquanto que a reflexão mais aprofundada leva o consumidor a considerar que milhas também podem ser consideradas um tipo de moeda.

Tabela 3:
Significado estimulado das milhas

Fonte: os autores.

O duplo significado das milhas implica que a expiração de milhas também pode ser compreendida de diferentes formas. Quando as milhas são consideradas benefícios, sua expiração pode ser lida como a perda de um benefício. Já quando são consideradas como ativos, sua expiração pode ser considerada como a perda de valor ou a redução do patrimônio do cliente. Existe ainda uma alternativa neutra que é a percepção de que ter suas milhas expiradas não faz diferença. Esses quatro possíveis significados da expiração de milhas foram examinados por meio de perguntas específicas com respostas em escala Likert.


Figura 4:
Significado atribuído à expiração de milhas
Fonte: os autores.

As médias das respostas indicam que apesar de haver um grau semelhante de concordância entre “deixar de ganhar” e “perder”, há um alto grau de discordância de que a expiração de pontos equivale uma redução no patrimônio pessoal. Contudo, o grau de discordância mais acentuado foi observado em relação à hipótese de neutralidade da expiração de milhas, conforme apresentado na Figura 4.

Engajamento nos PM

A administração das milhas exige uma série de cuidados e atividades específicas por parte dos participantes dos PM. A avaliação dos preços das passagens em moeda corrente e em milhas antes de emitir um bilhete é a atividade de gestão de milhas mais comumente realizada pelos clientes. A tomada de providências para evitar que as milhas fiquem sem utilização também é uma atividade frequentemente realizada. As demais atividades são realizadas pela maioria dos clientes apenas de vez em quando, ou até nunca. A verificação do prazo de validade e do saldo de milhas nos PM são atividades realizadas com frequência por cerca de um terço dos clientes. Já o acompanhamento de alterações no valor das milhas e nas regras dos PM são realizadas com frequência por minorias de cerca de 15% dos clientes, conforme resultados apresentados na Figura 5.


Figura 5:
Engajamento com os PM
Fonte: os autores.

Determinantes do engajamento nos PM

Dois antecedentes principais do engajamento nos PM foram analisados neste estudo: a importância atribuída às milhas e a dificuldade percebida de gestão desse ativo. Uma vez que os três construtos envolvidos nessa análise são latentes, o primeiro passo realizado foi a análise de confiabilidade das escalas de mensuração adotadas.

As escalas utilizadas para mensurar o engajamento, a importância percebida e a dificuldade na gestão de milhas foram inicialmente depuradas a partir de uma análise de confiabilidade. Dois itens (I2 e D1) foram excluídos por penalizarem substancialmente a confiabilidade dos respectivos construtos. As escalas depuradas foram validadas pelo conjunto de testes realizados. Para os três construtos, o Alpha de Cronbach ficou acima do parâmetro geralmente aceito de 0,7. A confiabilidade congenérica dos três construtos também ficou bem acima do parâmetro recomendado de 0,7, mas também abaixo do parâmetro suspeito de 0,95 (Hair et al., 2019). Em todos os casos, a VME foi superior ao nível de referência de 0,5 sugerido por (Fornell & Larcker, 1981) e amplamente adotado na literatura de turismo (Alyahya & McLean, 2021; Bradley & Wang, 2022; Darvishmotevali & Altinay, 2022).

Tabela 4:
Coeficientes de confiabilidade

Fonte: os autores.

O modelo de análise fatorial confirmatória demonstrou bom ajuste aos dados, apesar da não significância do teste χ2 (χ2=136, df=62, p<0.001), o que é um resultado frequente (Hair et al., 2019). O GFI e os índices incrementais de ajuste ficaram bem acima de 0,95 (GFI=0.997, CFI=0.999, TLI=0.999, NFI=0.996), que é o parâmetro mais exigente considerado por (Hair et al., 2019). Os índices residuais de ajuste também foram satisfatórios. O RMSEA calculado foi de 0,029 [0.008, 0.044] e o SRMR foi 0.045. Logo, os dois índices residuais ficaram abaixo do padrão de 0,07 adotado por (Woosnam et al., 2021) e até abaixo do padrão mais exigente de 0,05. Os índices de ajuste relacionados à parcimônia foram: AGFI=0.994 e PNFI=0.972, valores maiores do que o padrão de 0,5 sugerido por (Mulaik et al., 1989). Finalmente, todas as cargas fatoriais padronizadas foram superiores a 0,7 (Tabela 5), satisfazendo as exigências estabelecidas na literatura sobre essa técnica estatística (Hair et al., 2019), bem como os padrões adotados na literatura de turismo (Jiang & McCabe, 2021; Wang & Li, 2022). Isso mostra que todos os itens são bons indicadores de seus respectivos construtos.

Tabela 5:
Análise fatorial confirmatória

Fonte: os autores.

O teste de validade discriminante mostrou que nenhum par de construtos é perfeitamente correlacionado (Tabela 6). Além disso, o teste da razão da verossimilhança mostrou que o modelo base apresenta melhor desempenho do que os modelos restritos em que correlações entre pares de construtos são limitadas à unidade. Logo, a hipótese de ausência de validade discriminante foi rejeitada. Em suma, as escalas de mensuração foram consideradas adequadas na medida em que elas satisfizeram todos os padrões mais exigentes

Tabela 6:
Validade discriminante

Fonte: os autores.

Em razão de seu conteúdo, o modelo de equações estruturais apresenta os mesmos índices de ajuste do modelo de análise fatorial confirmatória. Portanto, o modelo estrutural apresenta bom nível de ajuste aos dados. As cargas fatoriais padronizadas e seus respectivos erros padrão, p-valores e intervalos de confiança são apresentados na Tabela 7. Nota-se que a dificuldade encontrada na administração das milhas tem um efeito negativo sobre o engajamento, suportando H1. Pessoas que acreditam que administrar suas milhas é algo difícil tendem a abandoná-las, perdendo oportunidades de uso desse ativo e afastando-se das companhias aéreas que pretendiam utilizar as milhas como forma de fidelização. Por outro lado, a importância atribuída pelos consumidores aos PM exerce um efeito positivo sobre o engajamento, suportando H2. Quanto maior a importância percebida, maior é a frequência de comportamentos associados à administração de milhas. Desta forma, o modelo proposto foi suportado pelos resultados da pesquisa.

Tabela 7:
Modelo de equações estruturais

Fonte: os autores.

Discussão e implicações dos resultados

As descobertas do presente estudo ampliam o conhecimento disponível sobre o comportamento dos participantes de PM com relação a dois aspectos fundamentais, ainda não tratados pela literatura. Além de implicações teóricas, o teste bem-sucedido do modelo proposto tem relevantes implicações para gestores públicos e privados.

Primeiramente, revelamos que os principais significados atribuídos pelos consumidores às milhas estão ligados a ideia de viajar de graça, ganhar vantagens e recompensas, quando o processo de associação de ideias se dá de forma espontânea e automática. Poucas pessoas relacionaram instintivamente a ideia de milhas a um tipo de moeda ou dinheiro. Além disso, houve um alto grau de discordância de que a expiração de pontos equivale a uma redução no patrimônio pessoal. Entretanto, atualmente milhas não podem ser consideradas prêmios oferecidos pelas empresas, mas sim um tipo de moeda associada ao consumo de uma grande variedade de bens e serviços. Especialistas afirmam que os pontos emitidos pelos PM resultam da compra de passagens aéreas, compras em cartões de crédito ou pagamento de mensalidades de clubes de milhagem (Genter, 2020). O preço pago por cada milha está de alguma forma embutido em todas essas transações e o saldo de milhas de um indivíduo constitui um ativo. Assim, esse resultado corrobora as alegações da pesquisadora britânica Catherine Liston-Heyes (2002) de que milhas são uma espécie de “shadow currency”, um setor onde há falta de transparência por parte das empresas e onde há carência geral de educação financeira dos usuários.

Apesar da predominância da ideia de benefício sobre a ideia de moeda observada na associação livre, o mesmo não se repetiu quando a associação foi estimulada. Desta forma, mostramos que a visão intuitiva das milhas é dominada pela ideia de benefício, mas que a reflexão mais aprofundada leva o consumidor a considerar que milhas também são um tipo de ativo ou moeda, o que pode vir a alterar o comportamento de uso das milhas. O grande crescimento dos mileage brokers e da negociação de pontos por consumidores pode ser uma evidência de que o comportamento de parte dos participantes de PM vem mudando gradativamente nessa direção (Wong, 2016).

O segundo aspecto fundamental tratado neste estudo se refere ao engajamento de consumidores com os PM. Examinamos os efeitos das percepções de importância dos PM e da dificuldade na gestão das milhas no engajamento de consumidores com os PM. Os resultados descritivos apontam que muitas atividades que representam o engajamento com os PM, todas necessárias para evitar a expiração de pontos, não são desempenhadas regularmente pelos clientes. O gerenciamento das milhas aéreas parece ser uma atividade difícil de ser executada pela maioria dos indivíduos, envolvendo um tipo de sobrecarga cognitiva (Park & Jang, 2013).

Entretanto, mesmo sendo a gestão das milhas uma atividade que envolve tempo e esforço cognitivo, quanto maior a importância percebida do PM pelo consumidor, maior é a frequência de comportamentos associados à administração de milhas. Por outro lado, pessoas que acreditam que administrar suas milhas é algo muito difícil tendem a abandoná-las, perdendo os benefícios associados ao uso desse ativo. Essa perda pode minar as estratégias de fidelização das companhias aéreas, deteriorando o relacionamento com clientes.

De fato, construir um relacionamento duradouro e aumentar o engajamento de clientes deveria ser o principal objetivo do design de um PM. Nossos resultados mostram, por exemplo, que a expiração de milhas está associada a sensações de deixar de ganhar uma recompensa e de perder dinheiro, para a maioria dos entrevistados. Essas sensações negativas trazem um grande risco para o processo de fidelização e para a imagem das companhias.

Nas quatro décadas desde o início dos PM modernos, os pontos se tornaram marcadamente mais complicados (Bezerra de Sena Júnior, 2020; Gavinho & Mayer, 2021). Como forma de reduzir os problemas associados à compreensão e gestão das milhas, a literatura existente recomenda diferentes melhorias nos sistemas de resgate, como fornecer o valor do milheiro em tempo real, mostrar a economia obtida, indicar sempre o valor monetário e o valor em milhas (Kwong et al., 2011). Dessa forma, a identificação de vantagens e benefícios não dependeria apenas da capacidade cognitiva do cliente, facilitando o processo de uso das milhas e pontos. Outrossim, é necessário monitorar continuamente o retorno dos usuários e as taxas de expiração das milhas para que seja possível adaptar os PM e melhorar os níveis de engajamento (Bruneau et al., 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho atingiu o objetivo de apresentar o complexo mercado das milhas aéreas, revelando aspectos importantes sobre o comportamento de consumidores em relação ao uso de milhas e sobre os fatores que determinam o engajamento com os PM. Exploramos as percepções e os significados atribuídos às milhas aéreas por consumidores brasileiros, que estão mais ligados a ideia milhas como prêmios e benefícios, do que a ativos e moeda, corroborando estudos anteriores realizados em outros países (Catherine Liston-Heyes, 2002; Drèze & Nunes, 2004). Este resultado indica que, por não terem seu valor percebido como um ativo, milhas podem ser mal utilizadas, levando a perdas para consumidores. Adicionalmente, nossa pesquisa examinou a importância percebida e a dificuldade de gestão das milhas como fatores que explicam o maior ou menor engajamento de clientes com os PM. Nosso modelo teórico foi suportado pelos dados obtidos, indicando que pessoas que consideram que administrar milhas é algo difícil tendem a abandoná-las. Por outro lado, quanto maior a importância percebida dos PM, maior é a frequência de comportamentos associados à administração de milhas.

Esse é um dos mercados que mais cresce no mundo e ainda tem características nebulosas, dificultando as estimativas de valor e apresentando desafios na gestão das milhas por parte de consumidores (Gavinho & Mayer, 2021; Spencer, 1991). Anualmente, há um grande volume de milhas aéreas que expira, sem que clientes tenham se beneficiado desses ativos. No Brasil, a taxa de breakage dos PM se manteve em torno de 15% entre 2021 e 2022 (ABEMF - Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização, 2023). Após a crise da pandemia da Covid-19, é possível notar um movimento de inflação e desvalorização de milhas aéreas por parte das empresas do setor (Reed, 2021), reduzindo o poder de compra dessa moeda. Comprometendo o processo de fidelização que originalmente motivou a criação dos programas de fidelidade, a desvalorização e a expiração de milhas são fontes de receitas para os PM das companhias aéreas, uma questão que implica em conflitos de interesse, prejuízo a consumidores, além de riscos para a imagem dessas empresas frente a opinião pública em geral.

Por ser um mercado dinâmico e que apresenta desafios concretos às limitações humanas em termos de processamento de informação e sobrecarga cognitiva (Park & Jang, 2013), os PM são um objeto de estudo importante para o setor do turismo, uma vez que mais de 87% dos pontos são usados na compra de passagens aéreas (ABEMF - Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização, 2023). Sendo assim, pesquisas adicionais destinadas a aprofundar e expandir o conhecimento nessa área, especialmente no Brasil, são de grande relevância. Outros aspectos, como o papel de gestores públicos, a regulação de tais programas sob a ótica da proteção ao consumidor, além de novos estudos sobre o comportamento de clientes de PM, necessitam da atenção dos estudiosos.

Ademais, pesquisas futuras poderiam se dedicar exclusivamente ao estudo do comportamento dos usuários dos mileage brokers, aumentando o entendimento sobre sua importância econômica para o turismo, seus efeitos nos PM das companhias aéreas, e sua capacidade de gerar novos negócios no setor. Por fim, é relevante ressaltar que esta pesquisa foi realizada anteriormente à pandemia da Covid-19, assim, são desejáveis novos estudos que reflitam sobre a crise vivida nesse período e seus efeitos no mercado de milhas.

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Notas

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES Carolina de Paula Nunes Gavinho: Conceitualização, pesquisa, análises, redação do manuscrito original.

Verônica Feder Mayer: Supervisão, metodologia, análise de dados, redação do manuscrito original, revisão e edição.

Glauber Eduardo de Oliveira Santos: Metodologia, análise e validação dos dados, redação do manuscrito original, revisão e edição.

Notas de autor

1 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil.
1 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil.
2 Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.


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