Resumo: Apesar do crescente reconhecimento da importância da pesquisa sobre o comportamento do consumidor no âmbito do turismo, tanto por gestores, agentes do setor turístico quanto por órgãos governamentais, ainda persiste uma lacuna significativa na compreensão das motivações subjacentes aos turistas brasileiros. Este estudo tem como objetivo propor uma Escala de Motivação Turística (EMT) no contexto brasileiro. O processo investigativo incluiu uma revisão lexical meticulosa de estudos prévios, acessados por bases de dados nacionais e internacionais, a fim de estabelecer uma base sólida de motivações ligadas ao turismo. A EMT foi aplicada a uma amostra de 974 consumidores de turismo, sendo sujeita a procedimentos rígidos de validação, demonstrando sua integridade e confiabilidade com suas 15 variáveis distribuídas em três fatores distintos. A aplicação da EMT viabiliza a análise dos fatores impulsionadores do engajamento dos consumidores em atividades turísticas e na escolha de destinos, permitindo uma investigação detalhada das discrepâncias e identificação dos estímulos mais relevantes para o destino em foco.
Palavras-chave: Turismo, Motivação Turística, Comportamento do Consumidor, Marketing, Brasil.
Abstract: Despite the growing recognition of the importance of research on consumer behavior in the field of tourism, both by managers, tourism agents, and governmental bodies, a significant gap still exists in understanding the underlying motivations of Brazilian tourists undertaking journeys amidst the profound transformations caused by the COVID-19 pandemic. This study aims to deepen the analysis of driving factors for tourism consumers in Brazil, as well as to develop, synthesize, and validate a tourism perspective through a Tourism Motivation Scale (TMS). The investigative process involved a meticulous lexical review of previous studies accessed through national and international databases, in order to establish a solid foundation of motivations related to tourism. The TMI was applied to a sample of 974 tourism consumers, undergoing stringent validation procedures, demonstrating its integrity and reliability with its 15 variables distributed across three distinct factors. The application of the TMI enables the analysis of factors driving consumer engagement in tourism activities and destination selection, allowing for a detailed investigation of discrepancies and the identification of the most relevant stimuli for the focal destination.
Keywords: Tourism, Tourist Motivation, Consumer Behavior, Marketing, Brazil.
Resumen: A pesar del creciente reconocimiento de la importancia de la investigación sobre el comportamiento del consumidor en el ámbito del turismo, tanto por parte de los gestores, agentes turísticos y entidades gubernamentales, todavía persiste una brecha significativa en la comprensión de las motivaciones subyacentes de los turistas brasileños que emprenden viajes en medio de las profundas transformaciones causadas por la pandemia de COVID-19. Este estudio tiene como objetivo profundizar en el análisis de los factores impulsadores de los consumidores de turismo en Brasil, así como desarrollar, sintetizar y validar una perspectiva turística a través de un Inventario de Motivación Turística (EMT). El proceso investigativo incluyó una revisión léxica meticulosa de estudios anteriores accedidos a través de bases de datos nacionales e internacionales, con el fin de establecer una base sólida de motivaciones relacionadas con el turismo. El IMT se aplicó a una muestra de 974 consumidores de turismo, sometido a rigurosos procedimientos de validación, demostrando su integridad y confiabilidad con sus 15 variables distribuidas en tres factores distintos. La aplicación del EMT permite el análisis de los factores que impulsan el compromiso de los consumidores en actividades turísticas y la selección de destinos, lo que permite una investigación detallada de las discrepancias y la identificación de los estímulos más relevantes para el destino en cuestión.
Palabras clave: Turismo, Motivación turística, Comportamiento del Consumidor, Marketing, Brasil.
Artigos
ESCALA DE MOTIVAÇÃO TURÍSTICA (EMT): UMA FORMA DE MENSURAÇÃO PARA INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTOS BRASILEIROS
TOURISM MOTIVATION SCALE (TMS): A MEASUREMENT SCALE FOR RESEARCH IN BRAZILIAN CONTEXTS
ESCALA DE MOTIVACIÓN TURÍSTICA (EMT): UNA ESCALA DE MEDICIÓN PARA INVESTIGACIÓN EN CONTEXTOS BRASILEÑOS
Recepción: 18 Agosto 2023
Aprobación: 22 Julio 2024
O setor de turismo precisou se reavaliar, a fim de ajustar o que foi abruptamente imposto no período pandêmico e pós-pandêmico, o que incluiu mudanças na infraestrutura, canais de comunicação, posicionamento de oferta, entre outros, uma vez que os processos de geração de valor se modificaram (Kuckertz et al., 2020).
O novo perfil do turista inclui uma maior preocupação com o risco percebido por parte do consumidor, o que impacta na escolha de diversas atividades turísticas e altera interesses e motivações de viagem (Ribeiro, 2022). A adaptação aos novos comportamentos inclui considerar o uso da internet e redes sociais no processo de decisão. De acordo com Batista Sánchez, Deegan, Pérez Ricardo (2022), o uso da internet influencia o comportamento do consumidor turístico durante todas as etapas do ciclo de viagem. Durante a fase de pré-consumo, as motivações e o processo de tomada de decisão são altamente influenciados por diversas fontes online, já o comportamento de cocriação de valor é influenciado durante os dois estágios finais do ciclo de viagem. Nesse caso, a quantidade e o tipo de informações disponíveis para pesquisa antes de viajar têm possibilidade de afetar as opiniões do consumidor e contribuir para as motivações iniciais de compra, conforme o estudo de Batista Sánchez, Deegan, Pérez Ricardo (2022).
Tais impactos no setor, no mercado, nas interações e, por conseguinte, nas motivações de viagem, afetaram a competitividade entre os destinos. Em busca de promover a “especificidade” experiencial dos destinos, agentes e organizações de turismo devem enfatizar o valor das experiências sobre os produtos físicos (Chen et al., 2020). Isso porque esse consumidor pós-pandemia e altamente inserido no contexto digital passa a procurar, cada vez mais, experiências com significados próprios (Zatori et al., 2018), distintas e personalizáveis, entre as ofertas de destino disponíveis (Boswijk et al., 2007).
Dada a relevância da investigação nesse novo cenário, bem como do papel da motivação turística no Comportamento do Consumidor de Turismo, cabe considerar os instrumentos de medição existentes nas bases Scopus e Web Of Science, consideradas relevantes dentro de diferentes áreas acadêmicas. Observou-se que algumas escalas sobre motivações turísticas foram desenvolvidas, no entanto, nota-se diferentes tipos de lacunas em relação aos processos de validação psicométricas, assim como na adaptação ao cenário brasileiro.
Ao investigar as escalas e medições para a motivação turística no contexto brasileiro, também foram usadas as publicações existentes em bases relevantes, como Scopus e Web Of Science, com a intenção de avaliar bons estudos publicados e colaborar com avanços na literatura. No entanto, não foram encontradas escalas sobre motivação turística para o Brasil, com exceção da pesquisa de Kim et al. (2006), focada em avaliar a motivação para participação em um evento. A pesquisa não desenvolve uma escala, mas busca apoio na literatura e aplicou a escala NEP como medida composta. Em função disso, salienta-se, desde já, a dificuldade em realizar uma comparação de índices encontrados neste estudo com outros semelhantes dentro da realidade nacional.
Diante das evidentes mudanças que podem afetar o consumo de turismo e a lacuna relacionada aos instrumentos válidos para a realidade do Brasil, o objetivo do presente estudo é propor uma Escala de Motivação Turística (EMT). O diferencial desta proposta está na construção a partir da realidade brasileira, para tanto, foram consideradas as transformações pós-pandêmicas e a ampliação da inserção digital, que alteraram o formato da busca de informações e o relacionamento com agentes de destinos turísticos.
O desenvolvimento desta proposta possui benefícios mercadológicos, já que, ao aplicar a escala, cada destino pode identificar os atributos desejados pelo consumidor e, então, promover o destino com diferenciação e valor. O estudo foi estruturado na presente introdução, uma breve revisão de literatura, o método e os resultados encontrados, assim como as discussões e considerações finais.
CONSTRUÇÃO DA ESCALA DE MOTIVAÇÃO TURÍSTICA (EMT)
A motivação do turista é um preditor da lealdade ao destino, imagem e comportamento futuro de viagem (Prayag & Lee, 2019). Estudos em motivação de viagem isolaram várias dimensões com o desejo de se concentrar nas necessidades físicas e espirituais, ou abordando as dimensões sociais e intelectuais (Kessler et al., 2020). Outras pesquisas abordam a motivação de viagem como um aspecto de mudança psicológica, que pode incluir relaxamento ou escapismo (Mak et al., 2009).
Motivações se refletem em decisões e baseiam-se em premissas de compra e consumo de outros produtos e serviços. A literatura apresenta diferentes formas de avaliar as motivações presentes no processo de decisão do consumidor, entre estas: (a) estímulos externos ou do ambiente, nomeados como fatores de pull (Crompton, 1979), (b) reconhecimento da necessidade, fatores de push (Beard & Ragheb, 1983; Crompton, 1979; Iso-Ahola, 1982) e (c) diferenças individuais (recursos, personalidade, envolvimento, atitudes e estilo de vida), que impõem restrições aos consumidores.
A motivação turística é um fator-chave, porque influencia todas as fases do processo de tomada de decisão no turismo, incluindo as intenções de viagem, seleção de destino, o tempo de permanência e a satisfação (Ryu et al., 2015). Além dos aspectos individuais, é importante reconhecer como os aspectos do ambiente e do destino influenciam na construção da motivação; sem essa percepção, é possível que mudanças contextuais sejam menosprezadas, mesmo quando afetam o comportamento.
Nesse sentido, cabe observar o aumento no número de consumidores que possuem aspirações e desejos de viagem, consequentemente, estes consumidores buscam desfrutar e atribuir significados próprios por meio de toda a experiência (Zatori et al., 2018). Experiências turísticas são eventos e processos psicológicos, como expectativa, percepção e memória, e conectadas a diferentes estágios da experiência turística geral (Larsen, 2007). A motivação de viagem está atrelada a esta busca de experiências distintas, considerando as opções de destino disponíveis (Boswijk et al., 2007).
O alinhamento entre o que motiva o público-alvo do destino turístico e as estratégias do setor são fundamentais para que as experiências sejam satisfatórias ou que superem as expectativas do consumidor. Nenhuma estratégia de promoção de destino turístico será eficaz sem o conhecimento prévio do que o consumidor de turismo espera, ou seja, nenhuma estratégia ou ação será efetiva sem conhecer as motivações, as razões particulares e pessoais que levam as pessoas a decidir realizar uma viagem (Cunha 2009 apudReis, 2012).
Uma das formas de identificar as motivações turísticas do consumidor é por meio de escalas de medição. Neste estudo, foi realizado um levantamento das escalas existentes na literatura, bem como a abordagem metodológica para estas construções. O quadro 1, a seguir, apresenta cinco escalas:
As pesquisas apresentadas no quadro 1 representam o esforço de pesquisadores em investigar as motivações, mesmo sem o uso de um instrumento específico, mas apoiados no comportamento de variáveis e ações que se relacionam ao que foi nomeado como Push e Pull. O quadro seguinte apresenta os instrumentos construídos como escalas de medição de motivações em diferentes contextos.
Diversas escalas foram construídas para mensurar as motivações dos consumidores de turismo, mas apesar de sua importância, não foi encontrada uma escala que se destaque das demais, e sim diversas escalas com diferentes estruturas, dimensões/fatores variados de escala para escala. Especialmente no Brasil, conforme mencionado, não foram encontradas escalas sobre motivação turística, com exceção da pesquisa de Kim et al. (2006), com foco na motivação para participação de eventos. Foram elaborados dois quadros com a intenção de sumarizar os instrumentos e modelos encontrados na literatura.
Além dos estudos que propuseram escalas, outros buscaram apresentar tipologias relacionadas aos turistas a partir de características de perfil, mas também com uso de fatores, variáveis e modelagem de dados. Mehmetoglu (2007) desenvolveu uma tipologia que retrata turistas interessados na natureza, baseado em atividades de viagem na Noruega. Peter e Anandkumar (2015) desenvolveram uma tipologia com base em diferentes motivos de viagem/visita dos turistas ao Dubai Shopping Festival.
Outros pesquisadores investigaram contextos ou perfis turísticos específicos, como o caso de Park e Yoon (2009) que segmentaram o perfil das motivações dos turistas pesquisados, com a intenção de permitir uma melhor compreensão do turismo rural na Coreia do Sul. No mesmo ano, Jang et al. 2009) avaliaram o construto afeto e as motivações de viagem de idosos com 65 anos ou mais, em Taiwan.
Ao analisar os procedimentos metodológicos utilizados nas escalas observadas, verificou-se que algumas apresentaram problemas psicométricos, tais como: dimensões com baixa confiabilidade - abaixo de 0,6 (Fodness, 1994; Jang & Wu, 2006; Peter & Anandkumar, 2015; J. B. Xu & S. Chan, 2016) e entre 0,6 e 0,7 (Baloglu & McCleary, 1999; Caber & Albayrak, 2016; Kim et al., 2006; Mehmetoglu, 2007; Park & Yoon, 2009; Sung et al., 2016).
Também foi constatado que a maioria das escalas utilizou apenas a técnica de análise fatorial exploratória, e manteve, na estrutura da escala, variáveis com cargas fatoriais abaixo de 0,50, (Crompton & McKay, 1997; Jang et al., 2009; Jang & Wu, 2006; Lee et al., 2004; Mehmetoglu, 2007; Peter & Anandkumar, 2015; Sung et al., 2016; Wang et al., 2016; J. B. Xu & S. Chan, 2016; Yoon & Uysal, 2005), o que pode levar a problemas na mensuração dos construtos posteriormente.
Das nove escalas identificadas na literatura, apenas cinco realizaram os procedimentos para validar suas propostas, sendo que a escala de Huang e Hsu (2009) apresentou índices com valores abaixo do limiar esperado. Apesar disso, esta é a única proposta de escala de motivações turísticas aplicável em qualquer contexto. Com relação à literatura sobre o tema no Brasil, a proposta deKim et al. (2006) é restrita à motivação para participação de eventos, e apresentou dimensões da escala com confiabilidade abaixo de 0,7.
A partir das lacunas percebidas e da falta de instrumentos orientados à realidade nacional optou-se por construir uma proposta e validá-la. Para a construção da Escala de Motivação Turística (EMT), foi utilizada uma abordagem lexical elucidada por Sweeney e Brandon (2006) como uma forma de análise das características pertinentes. Segundo definição de Sweney e Brandon (2006), essas características se tornam uma codificação natural para descrever as motivações associadas ao turismo. Seguindo essa proposta, elaborou-se o quadro a seguir com a intenção de clarificar as etapas seguidas para a sua elaboração.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Na etapa dois, os cinco especialistas que participaram da pesquisa avaliaram 34 motivações turísticas e a eles foi solicitado que sugerissem mudanças ou novos atributos, caso julgassem necessário. A análise consistiu em avaliar se os atributos apresentados serviriam para caracterizar motivações turísticas ou não. As motivações não sinalizadas (escolhidas) por nenhum especialista foram excluídas. Os especialistas sugeriram mudanças alinhadas somente à área semântica. As motivações avaliadas foram apresentadas no quadro 4.
A etapa seguinte foi a estruturação do questionário para aplicação da pesquisa empírica para, posteriormente, realizar os procedimentos estatísticos necessários para a verificação da estrutura, confiabilidade e validade. A etapa 5 do quadro 3, foi descrita nos resultados como Análise dos indicadores do Modelo.
Este estudo configura-se como uma pesquisa qualitativa e quantitativa, com uso de levantamento de dados secundários para posterior análise lexical. A coleta de dados secundários se deu por meio de pesquisa em duas bases internacionais, Scopus e Web Of Science. Além do levantamento de dados, nessa fase, os dados foram compilados, organizados e selecionados. O período de operacionalização da fase qualitativa foi de maio a junho de 2023 e incluiu a análise de escalas de Motivação Turística publicadas.
A fase quantitativa foi realizada com auxílio de um instrumento de coleta de dados, nomeado como Escala de Motivação Turística, composto das 15 variáveis e três fatores encontrados.
O levantamento do tipo survey foi realizado de forma online. O questionário incluiu, além da escala proposta, uma seção com questões sobre o perfil dos respondentes. A pesquisa foi inserida na plataforma Google Forms e compartilhada por meio de redes sociais e aplicativo (Instagram, Facebook e Whats App). O link para o questionário também foi encaminhado a e-mails de cursos de graduação e pós-graduação de todo o Brasil, para auxílio no compartilhamento. Esta técnica é conhecida como bola de neve (snowball), pois, inicialmente, conta com envio para grupos de pessoas conhecidas, mas os compartilhamentos se multiplicam sem controle de quem responde à pesquisa.
A amostra se configura como não probabilística, em função das dificuldades para uma coleta estratificada ou que garanta a mesma possibilidade de coleta para os consumidores autodeclarados, consumidores de turismo.
Para mensurar a motivação turística por meio da Escala de Motivação Turística (EMT) foram utilizadas 34 variáveis, oriundas da pesquisa em estudos anteriores e da análise de escalas de Motivação Turística. As variáveis foram apresentadas aos respondentes em formato tipo likert de sete pontos. Nesse caso, o respondente poderia indicar quais atributos nunca usaria e quais sempre usaria para caracterizar sua motivação turística. A pontuação baixa indica que aquele atributo não poderia ser usado para caracterizar a motivação turística e uma pontuação alta indicaria a descrição adequada da motivação. Aplicada em diferentes locais, os atributos que se destacam poderão variar.
O cálculo da amostra considerou as premissas de Hair et al. (2009) para a técnica de análise fatorial confirmatória. Os autores indicam que o mínimo necessário para a aplicação de testes estatísticos diversos são dez respondentes por variável/questão e o desejável são 15 respondentes por variável/questão do questionário de pesquisa ou escala. Para este estudo almejou-se uma amostra maior que 15 respondentes por variável/questão. A amostra mínima esperada (meta) foi de 510 questionários válidos, no entanto, obteve-se um total de 974 respondentes.
Com a finalidade de verificar a adequação dos dados e das possíveis interrelações entre construtos e variáveis, durante a análise fatorial exploratória e confirmatória (Costa, 2011; Hair et al., 2009), foram considerados diversos índices, conforme apresentado na tabela 1.
Conforme indicado no referencial teórico, ainda faltam formas confiáveis de mensuração para as motivações turísticas no Brasil, o que pode limitar os avanços na pesquisa relacionada ao marketing de destinos e comportamento do consumidor de turismo. O presente estudo se propôs a colaborar com a construção teórico-empírica do tema por meio da Escala apresentado na seção de resultados.
Esta seção objetiva apresentar de maneira clara os resultados identificados a partir da amostra de pesquisa. Para fins de organização, as duas seções subsequentes são o Perfil da amostra pesquisada e a Construção e validação da Escala de Motivação Turística.
A amostra do estudo foi composta por 61,2% de respondentes do sexo feminino (596 respondentes) e 38,8% do sexo masculino (378 respondentes). Desses, 43% dos respondentes possuem escolaridade até ensino médio completo, 13,8 graduação completa e 43,2% possuem pós-graduação. Foram avaliadas questões relevantes no estudo do comportamento do consumidor, tais como ciclo de vida e faixa etária. A pesquisa foi caracterizada por 59% solteiros, 15,4% recém-casados, 13,8% como ninho cheio (casais com filhos em casa), 5,6% como ninho vazio (casais idosos, sem filhos em casa) e 6% como solteiros acima de 40 anos. Segundo a classificação de Solomon (2016), 86,2% dos respondentes são caracterizados como turistas propensos a gastos hedônicos, ou seja, aqueles associados ao prazer pessoal e satisfação.
Segundo o IBGE (2016), a maior parcela da população economicamente ativa encontra-se na faixa de 25 a 49 anos, o que legitima os dados encontrados na pesquisa, já que 52,2% da amostra está nessa faixa etária. A segunda posição na amostra da pesquisa foi a faixa de 18 a 24 anos (39,5%) que representa a terceira posição na população economicamente ativa no Brasil. A segunda faixa da população economicamente ativa proposta pelo IBGE é de pessoas com 50 anos ou mais, na amostra de pesquisa essa faixa foi a terceira colocada, com 8,3 % dos dados válidos. Tais dados demonstram informações importantes sobre a segmentação e o poder de compra do público consumidor de turismo.
Caracterizada a amostra, prosseguiu-se com a análise dos dados multivariados propostos no método para fins de alcançar os objetivos deste estudo.
A Escala proposta considerou que a motivação não pode ser mensurada diretamente, o que implica no uso dos construtos e dimensões latentes (Bartolucci et al., 2015; Field et al., 2012). A partir dessa consideração, foi organizada uma listagem com 34 variáveis, que representam motivos de viagem para o consumidor, e essas foram apresentadas em um quadro com as possibilidades de respostas em formato tipo likert de sete pontos (Nunca - Sempre).
Essa construção, conforme apresentado na seção de Referencial Teórico, se deu a partir de múltiplas abordagens, apresentadas no Quadro 3 - Etapas de construção da Análise Lexical, visando à estruturação de uma Escala brasileira. Antes da análise fatorial, foram realizados testes de média e desvio padrão. Observou-se que todas as variáveis apresentaram média superior a 2,53, e os desvios padrão foram inferiores a 2,05. Esse resultado indica que algumas variáveis podem não refletir exatamente nas motivações dos consumidores de turismo, reforçando a necessidade de outras técnicas estatísticas para a análise.
Para a avaliação da normalidade dos dados, utilizou-se o erro médio dos resíduos, neste, é desejado encontrar valores menores que 0,08. Para essa amostra o valor encontrado foi de 0,04, o que confirma a normalidade segundo Field et al. (2012).
Após a verificação da existência da normalidade dos dados, foi realizada a análise fatorial exploratória (AFE). A adequação da amostragem foi calculada por meio do KMO (0,93) e do teste de Bartlett (Qui-quadrado de 16718,51, com sig 0,000 e 561 graus de liberdade). A fatorabilidade dos dados coletados foi confirmada (Hair et al., 2009).
Algumas variáveis apresentaram valores inferiores aos ideais (Comunalidade e Carga Fatorial >0,5), em função disso, foi realizada a extração das variáveis e uma nova análise dos dados foi realizada. As variáveis MT10, MT13, MT20 foram extraídas sequencialmente do modelo por apresentarem carga fatorial menor que 0,5 e as variáveis MT31, MT30, MT32 e MT34 por apresentarem comunalidade menor que 0,5.
A AFE resultou na extração de seis fatores (Recreação, Cultural, Social, Fuga, Prestígio e Dinamicidade), que explicam 65,40% da variância total, com Alpha de Crombach entre 0,56 a 0,90. Os fatores que permaneceram na escala e a confiabilidade foram apresentados no quadro 5, a seguir:
Para a confiabilidade são desejados valores acima de 0,7, o que resultou na exclusão dos fatores Prestígio e Dinamicidade e o modelo foi analisado novamente. A nova estrutura apresentou quatro fatores (Recreação, Cultural, Social e Fuga) e uma confiabilidade de α 0,92 para as variáveis da escala.
Ao final da AFE, a escala, inicialmente constituída por 34 variáveis oriundas da literatura e estudos anteriores, foi reduzida a 21 variáveis dispostas em quatro fatores que representam 65,23% da variância total, com KMO de 0,931, χ² (210)11705,80 e sig 0,000 com SRMR de 0,07 - sendo desejáveis valores menores que 0,08, conformeField et al. (2012). A escala apresentou uma confiabilidade de 0,92 e todos os fatores apresentaram confiabilidade superior a 0,7. Com o modelo da escala constituído, a etapa seguinte foi iniciada, com a análise fatorial confirmatória (AFC).
A AFC apresentou os seguintes índices: χ²(183) 1810,75, x²/df 9,89, CFI 0,86, GFI 0,84, IFI 0,86, RMSEA 0,096, SRMR 0,072, ECVI 1,96, o que demonstra um ajuste abaixo do esperado para o modelo. Por isso, optou-se em analisar o smc em busca de valores maiores que 0,40 para as variáveis. Algumas variáveis apresentaram valores menores que o limiar estabelecido, dessa forma, procedeu-se com sua exclusão. Foram excluídas as variáveis MT9, MT7 e MT15, também foram acrescentadas covariâncias entre os erros das variáveis MT28 e MT29 (MI 128,99) e MT24 e MT26 (MI 116,65), resultando em um modelo ajustado com os seguintes índices: χ² (111) 646,04, χ²/df 5,82, CFI 0,94, GFI 0,93, IFI 0,94, RMSEA 0,07, SRMR 0,049, ECVI 0,750. Este modelo apresentou validade convergente e discriminante, conforme tabela 2, a seguir:
Entre os ganhos após a realização da AFC está a redução da escala de 21 para 17 variáveis, com índices de validade e confiabilidade adequados. O ganho no sentido prático se dá a partir da facilidade na compreensão, e redução no tempo de aplicação do instrumento. Considerando a complexidade do tema Motivação Turística, e que nenhuma escala da literatura apresentou um modelo de segunda ordem, foi realizada a avalição se a escala de Motivação Turística pode ser considerado um construto de 2ª ordem, ou seja, que mensura se todos os fatores elencados estão realmente aferindo apenas o construto estudado, ou seja, neste caso, Motivação Turística.
Para a avaliação da escala de 2ª ordem, o fator Social apresentou um para carga fatorial de 0,49, o smc foi verificado e notou-se o valor de 0,24. Devido à sua baixa contribuição na escala, esse foi excluído, assim obteve-se os valores esperados e uma confiabilidade de construto de 0,84. A figura 1, a seguir, representa a escala e suas dimensões.
A escala de motivação turística de segunda ordem demonstrou melhor ajuste para uma população semelhante, em comparação com os outros modelos testados, uma vez que seu ECVI foi o menor (0,601) (Hair et al., 2009). Dessa forma, a escala final da EMT possui confiabilidade de 85% e uma AVE de 0,66, sendo estruturada em três fatores, como apresentado na tabela 3, a seguir:
A Escala de Motivações Turísticas se constitui em 15 variáveis que se agrupam em três fatores (Recreação, Cultural e Fuga), mensurados por meio de escala do tipo likert de sete pontos, apresenta ótima confiabilidade de construto (0,85) e é aplicável a qualquer destino turístico no Brasil. Valores menores que quatro indicam que o destino não é caracterizado pelas variáveis indicadas, respostas de 4 a 5,5 indicam motivos de viagem relevantes e valores maiores que 5,5 uma excelente caracterização do destino turístico.
Os fatores encontrados na EMT demonstram alinhamento com a proposta de Crompton (1979), avaliação de fatores externo e internos às pessoas, assim como a busca de experiência, citada por Chen et al. (2020) como um dos principais diferenciadores dos destinos turísticos. Além disso, os achados da escala (EMT) estão em consonância com a pesquisa de Khalilzadeh, Kozak, Del Chiappa (2024), que utilizam uma abordagem de sistemas adaptativos complexos e incorporam perspectivas da teoria da informação, mecânica estatística e termodinâmica.
Os autores supracitados identificaram que o Brasil aparece como um dos cinco países que os turistas mais desejam visitar. No que tange à pesquisa de Khalilzadeh, Kozak, Del Chiappa (2024) alguns dos principais motivos para esse desejo de visitar é oriundo dos elementos da dimensão Cultura e Recreação, que se refere às atrações e passeios turísticos do local. Tal resultado de pesquisa vem ao encontro das dimensões propostas e validadas na escala EMT, nomeadas como Recreação, Cultural e Fuga.
A dimensão da escala proposta, nomeada como Fuga, muitas vezes aparece como motivador de viagem e está associada às questões cognitivas do visitante ou turista. Tais questões tratadas como fatores Push, são vistas como motivos internos ou necessidades psicológicas que levam os turistas a visitar uma atração e destino (Hosany; Buzova; Sanz-Blas, 2020). Segundos os autores, esses fatores podem representar fuga, novidade, relaxamento, interação social, prestígio e aprendizagem (Hosany; Buzova; Sanz-Blas, 2020).
Essa adaptação ao cenário nacional oportuniza a adequada compreensão por parte de diferentes públicos, considerando a cultura e compreensão nacional sobre os motivos impulsionadores dos consumidores de turismo a nível nacional. Tal compreensão dos fatores pode colaborar para a estruturação e promoção dos destinos, de forma a impulsionar o interesse dos consumidores a conhecer os destinos turísticos.
A busca dos destinos turísticos por um lugar na mente dos consumidores está ligada a motivadores internos e externos (Crompton, 1979), visto que as experiências em um destino demonstraram consistentemente moldar as memórias dos turistas (Wang et al., 2020). Essas memórias podem ser construídas por experiências turísticas vividas ou por relações promocionais dos destinos. Além disso, as experiências variam pelo tipo de destino, atividades turísticas, experiência anterior dos turistas e antecedentes culturais (Hosseini et al., 2023).
Tornar um destino turístico atraente para o consumidor é mais do que somente realizar promoções na mídia, consiste na necessidade de conhecer o público-alvo, entender suas motivações. Com esse intuito, foi desenvolvida a Escala de Motivação Turística para a população brasileira no contexto brasileiro, usando uma revisão lexical de estudos anteriores encontrados em bases nacionais e internacionais para criar uma base de motivações turísticas.
Aplicada a uma amostra nacional, a Escala de Motivação Turística (EMT), demonstrou validade e confiabilidade em suas 15 variáveis distribuídas em três fatores. A EMT possibilita a investigação dos fatores que estimulam os consumidores de turismo a envolverem-se com atividades de turismo e seleção dos locais. Os promotores de destinos, sejam agências, empreendedores, redes ou corporações, podem, ao aplicar a Escala, analisar diferenças e identificar quais os principais estímulos que estão em destaque para o destino analisado. Com isso, estratégias e ações de marketing e publicidade podem ser desenvolvidas promovendo elementos que ressaltam a autenticidade do local, bem como é possível estudar o perfil dos consumidores e adequar a comunicação, conteúdo e canais de marketing. O foco no consumidor e nas características adequadas reduz esforço e investimento, além de possivelmente aumentar a satisfação do consumidor, já que expectativas, produto e serviços estarão alinhados.
Como limitações do estudo identifica-se a falta de estudos empíricos sobre o tema no Brasil, impossibilitando a comparação dos índices encontrados com outras escalas sobre o mesmo tema, construídas ou aplicadas no Brasil. Sugere-se o avanço dos estudos na área de mensurações relacionadas ao consumidor de turismo visando ao melhor desenvolvimento da gestão de marcas de destino. O uso de dados e informações obtidas a partir de investigação empírica com instrumentos adaptados ao Brasil colabora na disseminação de construções da pesquisa nacional, auxiliam na tomada de decisão dos gestores e consequentemente na satisfação do consumidor de turismo.
Valéria da Veiga Dias: Conceitualização, Análise de dados, Design da apresentação de dados, Redação – revisão e edição.
INTRODUÇÃO
O setor de turismo precisou se reavaliar, a fim de ajustar o que foi abruptamente imposto no período pandêmico e