Resumo: Nas últimas décadas, interações turísticas com espécies da fauna silvestre, uma das atividades desenvolvidas no ecoturismo, têm agregado adeptos em várias regiões do mundo. Este artigo apresenta o mapeamento, a caracterização e os desafios e potencialidades do ecoturismo com fauna silvestre em áreas protegidas do Baixo Rio Negro, na Amazônia brasileira. Através de coleta de dados em campo, foram visitados sete empreendimentos e registradas interações turísticas com 12 espécies. As atividades desenvolvidas pelos visitantes variam de acordo com a espécie foco e incluem a observação dos animais, oferta alimentar, contato físico (tocar ou segurar nas mãos) e entrada na água. Dentre as espécies registradas, destacam-se o boto-vermelho (Inia geoffrensis), o macaco-barrigudo (Lagothrix lagotricha) e o uacari-branco (Cacajao calvus), presentes na lista vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza. Apesar dos impactos negativos, a atividade contribui para a geração de renda nas comunidades receptoras, uso público nas áreas protegidas, e sensibilização dos visitantes para a conservação das espécies e seus hábitats.
Palavras-chave: impactos negativos, interação turística, espécie ameaçada, visitação.
Resumen: En las últimas décadas, las interacciones turísticas con especies de fauna silvestre, una de las actividades desarrolladas en el ecoturismo, han sumado muchos adeptos en diversas regiones del mundo. Este artículo presenta el mapeo, caracterización y desafíos y potencialidades del ecoturismo con fauna silvestre en áreas protegidas del Bajo Río Negro, en la Amazonía brasileña. A través de la recolección de datos de campo, se visitaron siete empresas y se registraron las interacciones turísticas con 12 especies. Las actividades que realizan los visitantes varían según las especies de interés e incluyen observar a los animales, ofrecer comida, contacto físico (tocarse o tomarse de la mano) y entrar al agua. Entre las especies registradas destacan el bufeo (Inia geoffrensis), el mono choro (Lagothrix lagotricha) y el uakari blanco (Cacajao calvus), presentes en la lista roja de especies amenazadas de la Unión Internacional para la Conservación de la Naturaleza. A pesar de los impactos negativos, la actividad contribuye a la generación de ingresos en las comunidades anfitrionas, el uso público en las áreas protegidas y la concientización de los visitantes para la conservación de las especies y sus hábitats.
Palabras clave: impactos negativos, interacción turística, especie en peligro de extinción, visitación.
Artigos
ECOTURISMO COM FAUNA SILVESTRE EM ÁREAS PROTEGIDAS DO BAIXO RIO NEGRO, AMAZÔNIA BRASILEIRA: CARACTERIZAÇÃO, DESAFIOS E POTENCIALIDADES
ECOTURISMO CON FAUNA SILVESTRE EN ÁREAS PROTEGIDAS DEL BAJO RÍO NEGRO, AMAZONÍA BRASILEÑA: CARACTERIZACIÓN, DESAFÍOS Y POTENCIALIDADES
Recepción: 19 Junio 2023
Aprobación: 28 Mayo 2024
O turismo desempenha um papel fundamental na transformação sociocultural das nações, sendo uma das indústrias que mais se desenvolve no mundo e contribui para o crescimento económico ao criar diversas oportunidades vocacionais (Geary, 2018; Sharif, 2020). O turismo tornou-se uma atividade econômica relevante, considerada uma das principais fontes de rendimento, sendo que alguns locais dependem quase exclusivamente de tais atividades (Santos & Santos, 2011). No entanto, com o crescimento global da renda per capita, os turistas têm aumentado rapidamente, e este desenvolvimento do setor turístico reflete-se na degradação ambiental associada (Tang, 2018).
Dentre os diversos segmentos turísticos, o ecoturismo é baseado na relação sustentável com a natureza e as comunidades receptoras, comprometidas com a conservação, a Educação Ambiental e o desenvolvimento socioeconômico (Brasil, 2010). Desta forma, o ecoturismo tem princípios específicos, com destaque para o interesse na natureza, a contribuição para a conservação ambiental em áreas protegidas ou pouco modificadas pela ação antrópica, o componente educativo e de sustentabilidade, e a natureza ética da experiência (Fennel, 2002; Wearing & Neil, 2014).
O vertiginoso e desordenado crescimento urbano observado na maioria dos países, incluindo o Brasil, contribuiu para uma crescente busca pelo ecoturismo e, consequentemente, para a promoção de formas alternativas de práticas turísticas (Roe et al., 1997; Ruschmann, 2001). Nesse contexto, a fauna silvestre constitui um importante atrativo turístico, um recurso endógeno valioso das localidades que a possuem (Dias, 2011).
Nas últimas décadas, interações turísticas com espécies da fauna silvestre, uma das atividades desenvolvidas no ecoturismo, têm agregado adeptos em várias regiões do mundo (Vidal et al., 2022), fazendo com que turistas viagem longas distâncias para terem a oportunidade de ver, tocar, alimentar ou nadar com espécies da fauna silvestre nos locais visitados (Orams, 2002; Nakamura & Nishida, 2009; Molina, 2011; Puhakka etal., 2011; Mustika et al., 2012; Silva-Jr, 2017; Vidal et al., 2017).
Somente nos Estados Unidos, mais de 86 milhões de pessoas buscaram alguma forma de interação com a fauna silvestre, gastando aproximadamente 76 bilhões de dólares no ano 2016 (USFWS, 2017). A prática do whalewatching, atividade que consiste na observação de baleias e de golfinhos, e em programas de natação e alimentação de golfinhos (Parsons et al., 2003; Scarpaci & Dayanthi, 2003) envolve mais de 13 milhões de visitantes em 119 países (O´Connor et al., 2009). Já o birdwatching, ou bird-based tourism, é uma atividade em rápido crescimento, sendo fortemente desenvolvido em países como os Estados Unidos, Reino Unido e Holanda. Globalmente, cerca de três milhões de viagens internacionais são dedicadas ao birdwatching a cada ano (CBI, 2021).
O ecoturismo de interação com a fauna em seu ambiente natural tem sido considerado potencial medida de conservação. Sendo adequadamente planejado, pode ser positivo, uma vez que o contato direto com os animais amplia a curiosidade por parte das pessoas e, desta forma, o seu conhecimento, sendo assim uma importante ferramenta para sensibilização ambiental. A interação com espécies da fauna silvestre pode ser ainda uma oportunidade para promover comportamentos adequados, tornando as pessoas mais ambientalmente responsáveis, já que a educação e a interpretação ambiental são normalmente parte do turismo voltado para a interação com estes animais (Orams, 1996; Newsome et al., 2005; Vidal et al., 2022). No entanto, quando desenvolvido sem planejamento, monitoramento e normas de controle, pode ter impactos negativos significantes, resultando em mudanças drásticas no comportamento da fauna silvestre e tornando-se fator de ameaça ao bem-estar e à conservação das espécies (Orams, 1996; Moorhouse et al., 2016).
Estudos têm documentado mudanças nos comportamentos dos animais silvestres durante atividades turísticas de caminhadas, mergulhos, passeios de barcos, e muitas dessas mudanças estão associadas a atividades cruciais para as espécies, tais como ovoposição em tartarugas marinhas, descanso e amamentação em peixe-boi-marinho (Trichechus manatus), vigilância em ursos-polares (Ursus maritimus) e leões-marinhos (Zalophus californianus), e socialização em golfinhos (Dyck & Baydack, 2003; King & Heinen, 2003; Meletis & Harrison, 2010; Alves et al., 2013; Díaz-Maestre, 2020).
Considerando que, no Brasil, são escassos os estudos de diagnóstico e avaliação de impactos (positivos e negativos) do ecoturismo com fauna silvestre, questiona-se: Quais as características do ecoturismo voltado para interação com a fauna silvestre? Quais os desafios e potenciais inerentes a este modelo de turismo? Para responder a estes questionamentos, este artigo tem como objetivo mapear, caracterizar e discutir os desafios e potencialidades do ecoturismo com fauna silvestre no mosaico de áreas protegidas do Baixo Rio Negro, Amazônia brasileira.
Elaborado a partir da coleta de dados em campo e de dados secundários extraídos de fontes documentais, o artigo fornece subsídios que podem auxiliar e sensibilizar gestores ambientais, operadores de turismo e visitantes a planejar, adequadamente, este modelo de interação com a fauna silvestre que pode contribuir para a satisfação dos visitantes, geração de renda nas comunidades receptoras e conservação das espécies foco das atividades turísticas.
O rápido crescimento do ecoturismo está colocando uma pressão crescente sobre a fauna silvestre em áreas que, historicamente, têm sido isoladas e/ou protegidas (Giannecchini, 1993). No entanto, conservacionistas têm abraçado o ecoturismo como um incentivo econômico e social para a proteção de espécies e ecossistemas, especialmente em países em desenvolvimento, sendo a atividade considerada um meio que possibilita a transição de economias locais que se baseiam em um uso direto (a caça ou a coleta) insustentável da fauna para um uso indireto (a observação ou a interação) mais sustentável (Graham, 2004).
Atividades de interação turística com a fauna silvestre, como visualizar o momento de eclosão de ovos e a entrada de tartarugas no mar, procurar macacos nas florestas, alimentar tubarões e raias, e observar pássaros em seu ambiente natural, passaram a ser intensamente procuradas (Nakamura & Nishida, 2009; Meletis & Harrison, 2010; Maljković & Côté, 2011; Puhakka et al., 2011), e muitas delas são desenvolvidas em áreas naturais protegidas. Nesse sentido o Brasil se destaca. O país apresenta aproximadamente 2,5 milhões de km² destinados à conservação da biodiversidade, preservação de paisagens naturais com notável beleza cênica, uso sustentável dos recursos naturais e valorização da diversidade cultural. Este número torna-se ainda mais expressivo quando comparado com outros países. Enquanto o Brasil tem aproximadamente 30% de seu território continental coberto por áreas protegidas, no mundo somente 15,8% das áreas continentais encontram-se sob proteção legal (WDPA, 2023).
O Brasil é também um país megadiverso, detentor da maior biodiversidade do planeta (ICMBio, 2018), e com elevado potencial para o ecoturismo de interação com fauna em vida livre. Fortalecendo o potencial brasileiro, a Amazônia contém o maior bloco de florestas tropicais contíguas e a maior bacia hidrográfica do mundo, características que somadas a sua riqueza cultural e diversidade de hábitats e espécies, fazem-na um dos destinos brasileiros mais procurados por visitantes de diferentes origens (Oliveira et al., 2010; Macedo & Castello, 2015; Valsecchi et al., 2017).
A pesquisa foi realizada no mosaico de áreas protegidas do Baixo Rio Negro, Amazônia brasileira, região que envolve dois Parques Nacionais, dois Parques Estaduais, três Áreas de Proteção Ambiental, uma Reserva Extrativista e quatro Reservas de Desenvolvimento Sustentável, cobrindo 7.316.799 hectares que formam um dos maiores blocos de áreas protegidas do mundo (ICMBio, 2017).
A média de temperatura anual na região é 25º C, com precipitação anual em torno de 2.500 mm, distribuída desigualmente ao longo do ano, mas principalmente entre novembro e maio (Cintra et al., 2007). O clima é considerado tropical chuvoso úmido - Af, segundo classificação de Köppen (ICMBio, 2017).
As formações florestais mais representativas na região são as campinaranas e campinas, as florestas de terra firme, e as de igapó, ecossistema altamente dinâmico devido à variação sazonal no nível das águas pretas, ricas em ácidos húmicos, responsáveis pela cor escura (Oliveira & Daly, 2001; Pezzuti et al., 2010; ICMBio, 2017).
A coleta de dados primários foi feita por meio de visitas de campo nos sete empreendimentos previamente reconhecidos por oferecerem aos visitantes atividades de interação com espécies da fauna silvestre no mosaico de áreas protegidas do Baixo Rio Negro. Dos empreendimentos visitados, um situa-se no interior do Parque Nacional de Anavilhanas, área protegida federal de proteção integral, e seis situam-se em áreas protegidas estaduais de uso sustentável, a Área de Proteção Ambiental da Margem Direita do Rio Negro - Setor Paduari/Solimões, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, e a Área de Proteção Ambiental da Margem Esquerda do Rio Negro - Setor Tarumã-açú/Tarumã-mirim (Figura 1).
Considerando critérios presentes em outras pesquisas envolvendo ecoturismo com fauna silvestre (Doan, 2013; D’Cruze et al., 2017; Ramón & Mooser, 2018), durante as visitas aos empreendimentos foram coletadas informações sobre as seguintes categorias: animais foco das interações turísticas (espécies utilizadas, número de indivíduos por espécie, atividades realizadas com as espécies), caracterização dos empreendimentos (área protegida de localização, ambiente em que fica situado, finalidade primária de funcionamento), e desafios (desmatamento, poluição, uso de espécies não nativas, riscos de acidentes durante as interações) e potencialidades (estratégias para mitigação dos impactos, atividades de educação ambiental e sensibilização) relacionados às espécies foco das interações turísticas e aos visitantes. Estes dados, inseridos em caderneta de campo e acompanhados de registro fotográfico, foram obtidos por meio de conversas informais com os responsáveis pelos empreendimentos e por observação direta do ambiente e da dinâmica de interação entre os visitantes e a fauna silvestre.
Para todas as espécies registradas foram identificadas suas classes taxonômicas (mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes) e obtidos seus status de conservação por meio de consulta à lista vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza - IUCN.
Após a coleta de dados em campo, foi realizada a análise e interpretação dos resultados, que consistiu na organização do material após as falas dos respondentes, classificação dos dados qualitativos e quantitativos, elaboração de tabelas e gráficos, e análise com articulação paralela aos referenciais teóricos. Os dados primários foram ainda complementados com dados secundários extraídos de fontes documentais (portarias, instruções normativas) disponibilizadas pelas instituições gestoras das áreas protegidas estaduais (Secretaria de Estado do Meio Ambiente - SEMA) e federal (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio) onde a pesquisa foi desenvolvida.
Nos sete empreendimentos visitados foram registradas interações turísticas com 12 espécies da fauna silvestre (Tabela 1), distribuídas em sete ordens pertencentes às classes dos mamíferos, aves, répteis e peixes (Figura 2). As atividades desenvolvidas pelos visitantes variam de acordo com a espécie foco e incluem a observação dos animais, oferta alimentar, contato físico (tocar ou segurar nas mãos) e entrada na água. Dentre as espécies registradas destacam-se o boto-vermelho (Inia geoffrensis), o macaco-barrigudo (Lagothrix lagotricha) e o uacari-branco (Cacajao calvus), presentes na lista vermelha de espécies ameaçadas da IUCN (da Silva et al., 2018; Stevenson et al., 2021; Aquino et al., 2022).
O boto-vermelho (I. geoffrensis) foi a espécie utilizada no maior número de empreendimentos, cinco ao todo, bem como a espécie com o maior número de indivíduos envolvidos nas interações turísticas, 69 em sua totalidade (Tabela 2).
Fonte: Elaborado pelos autores.
No Parque Nacional de Anavilhanas, município de Novo Airão, funciona um empreendimento que promove interação com o boto-vermelho. Segundo a proprietária do empreendimento, as interações com os botos neste local iniciaram em 1998, quando sua filha passou a alimentar um dos animais que frequentava o entorno de seu restaurante flutuante, ancorado na margem direita do rio Negro, na principal praia urbana da cidade de Novo Airão. Desde então, as interações com os botos ganharam visibilidade e o empreendimento passou a ser o principal atrativo turístico da cidade.
Diariamente, excetuando as segundas-feiras, são realizadas oito sessões de oferta alimentar aos botos, momentos em que os visitantes podem observar e tocar nos animais (Figura 3). Não é permitida a entrada de visitantes na água e somente os funcionários do empreendimento alimentam os botos, o que diminui o risco de acidentes envolvendo botos-visitantes (mordidas e outras lesões, transmissão de zoonoses). As interações são precedidas de palestra nas quais são repassadas aos visitantes informações sobre a biologia dos botos, crenças relacionadas a esses animais e principais ameaças à espécie. Por estar situado na área urbana de Novo Airão, sendo o acesso possível tanto pelo rio quanto por estrada, o empreendimento localiza-se próximo a potenciais fontes de impactos negativos aos botos, como elevado tráfego de embarcações e efluentes despejados na água.
Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, situada na margem direita do rio Negro, município de Iranduba, funcionam outros dois empreendimentos que oferecem atividades de interação com botos-vermelhos. Um dos empreendimentos é uma casa flutuante situada na foz do rio Acajatuba (região conhecida localmente como lago do Acajatuba), afluente do rio Negro, onde os visitantes podem acompanhar a oferta de alimentos aos botos, tocá-los e entrar com os cetáceos nas escuras águas do rio Negro. Em funcionamento desde 2006, o empreendimento teve como modelo o flutuante de interação com botos que funciona no Parque Nacional de Anavilhanas. Neste empreendimento foi também registrada a interação turística com pirarucus mantidos em cativeiro. Durante essa atividade, os visitantes “pescam” os pirarucus que são mantidos dentro de um tanque flutuante, abastecido continuamente pelas águas do rio Negro. A pesca consiste em amarrar pequenos peixes na extremidade de uma corda, presa a uma vara feita de madeira. Não se utiliza anzol para prender a isca. Ao jogar a isca na água, o pirarucu, por ser um peixe predador, é atraído, “fisgado”, e puxado pelo visitante de modo a ser visto fora da água (Figura 4). Segundo a proprietária, os pirarucus foram adquiridos legalmente para criação comercial e o órgão responsável pela gestão da área protegida tem conhecimento das interações turísticas desenvolvidas. Não são repassadas aos visitantes informações sobre aspectos biológicos ou conservacionistas do pirarucu.
O segundo empreendimento na Reserva de Desenvolvimento Sustentável também é caracterizado como uma casa flutuante, mas se localiza na margem do rio Negro. Segundo o proprietário, as atividades de interação turística com os botos iniciaram em 2006 e periodicamente técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA vão ao local para monitorar os botos e repassar informações sobre os cetáceos ao proprietário e seus familiares.
Os dois empreendimentos situados na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro fornecem informações sobre biologia e conservação dos botos aos visitantes. No entanto, por ser permitido aos visitantes entrarem na água no momento da oferta de alimentos aos botos, existe o risco de transmissão de zoonoses, mordidas dos botos e lesões causadas por impactos com estes animais. Devido suas proximidades com pequenos núcleos urbanos (comunidades rurais), potenciais ameaças de emalhamento dos cetáceos em redes de pesca fazem-se presentes. O acesso a ambos os empreendimentos é feito somente pelo rio.
Dentro da Área de Proteção Ambiental da Margem Direita do Rio Negro - Setor Paduari/Solimões, que abrange parte dos municípios de Iranduba, Manacapuru e Novo Airão, foi visitado um grande hotel em meio à floresta. Neste local, desde 2005, os visitantes podiam acompanhar a oferta de alimentos aos botos, tocá-los e entrar na água com os cetáceos. Esta atividade acontecia em uma plataforma flutuante situada na foz do rio Ariaú, afluente da margem direita do rio Negro. Além disso, os visitantes e hóspedes do hotel mantinham contato direto com macacos-de-cheiro e macacos-cairara que frequentavam diferentes espaços do empreendimento. Apesar de haver placas orientando as pessoas a não alimentarem os animais, era comum ver os macacos ingerindo alimentos ofertados pelos hóspedes ou pelos visitantes do hotel. O contato direto com os animais potencializava o risco de transmissão de zoonoses, mordidas dos botos e lesões causadas por impactos com estes animais. O empreendimento encontrava-se distante de potenciais fontes impactantes aos animais e o acesso dava-se somente pelo rio.
Ainda na Área de Proteção Ambiental da Margem Direita do Rio Negro - Setor Paduari/Solimões, existe um conjunto de casas flutuantes que se localizam no interior do lago Janauari, município de Iranduba, próximo ao encontro das águas dos rios Negro e Solimões. Em visita a uma dessas casas, foram registrados diversos animais silvestres mantidos em ambiente de cativeiro para serem exibidos aos visitantes (Figura 5). Aos visitantes era ainda permitido segurar os animais e, dependendo da espécie, ofertar alimentos, caso das preguiças-de-três-dedos. Este contato direto entre os animais silvestres e os visitantes expõem ambos ao risco de transmissão de microrganismos patogênicos. O acesso ao empreendimento é feito pelo rio e, devido ao adensamento de casas flutuantes no entorno, o ambiente aquático sofre com o lançamento de efluentes não tratados.
Na APA da Margem Esquerda do Rio Negro - Setor Tarumã-açú/Tarumã-mirim, município de Manaus, foram visitados dois empreendimentos. O primeiro deles é uma casa flutuante, localizada na margem esquerda do rio Tarumã-mirim, onde era permitido aos visitantes ofertar alimentos aos botos, tocá-los e entrar na água com os animais. Nenhuma informação sobre biologia e conservação dos botos era repassada aos visitantes no momento da interação com os animais. Segundo o proprietário do empreendimento, as interações com os cetáceos iniciaram em 2009, após observar a experiência do empreendimento que funciona em Novo Airão. O acesso ao empreendimento é somente pelo rio e, devido sua proximidade com pequenos núcleos urbanos (comunidades rurais), potenciais ameaças de emalhamento dos botos em redes de pesca fazem-se presentes.
O segundo empreendimento é um hotel, em meio à floresta, localizado na margem direita do rio Tarumã-açu. Integrado à área do hotel existe, desde 1991, um espaço conhecido como “floresta dos macacos”. No local, duas vezes ao dia, os animais recebem alimentos oferecidos pelos funcionários e, neste momento, os hóspedes e visitantes podem fotografar, tocar e, muitas vezes, oferecer frutos e legumes para os macacos presentes na área (Figura 6). Informações sobre a biologia e conservação das espécies são fornecidas aos visitantes. A floresta dos macacos possui ainda recintos para recebimento e tratamento de animais entregues por pessoas e instituições, inclusive órgãos governamentais ligados ao meio ambiente, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Devido a sua localização próxima à área de expansão urbana da cidade de Manaus, o avanço do desmatamento no entorno e a caça são potenciais ameaças aos animais.
As atividades de turismo interativo com botos-vermelhos foram ordenadas no Parque Nacional de Anavilhanas em 2010 e, desde então, vem sendo monitoradas pelo ICMBio. O manejo ativo do turismo focado na oferta de alimentos aos botos reduziu significativamente os efeitos negativos deste modelo de turismo implementado e vem gerando informações importantes para a gestão do uso público nesta área protegida (Vidal et al., 2017).
No entanto, a divulgação do turismo com botos-vermelhos em Anavilhanas impulsionou a criação e o estabelecimento de outros cinco empreendimentos similares no Baixo Rio Negro, todos situados em áreas protegidas estaduais (Vidal et al., 2021a). Ainda que em 2018 tenha sido publicada a Resolução nº 28 do Conselho Estadual de Meio Ambiente, que estabeleceu diretrizes e procedimentos a serem observados na autorização e desenvolvimento do turismo interativo com botos no estado do Amazonas (Vidal et al., 2021a), o que se observa atualmente é uma proliferação dos empreendimentos que oferecem interações turísticas com botos nas áreas protegidas estaduais no Baixo Rio Negro. Observa-se que parte desses empreendimentos desconsideram as normas estabelecidas para este modelo de turismo com fauna, o que vem colocando em risco o bem-estar dos botos e a segurança dos visitantes, já que são frequentes relatos de mordidas e outros acidentes envolvendo botos-visitantes, excesso de pessoas interagindo com os cetáceos e desrespeito à quantidade de alimento ofertado aos botos, estabelecido em 1 kg/dia/animal.
Outro problema está relacionado à distância entre os empreendimentos que oferecem o ecoturismo de interação com botos-vermelhos. Devido à proximidade entre os empreendimentos 2, 3 e 4, situados em um raio aproximado de três quilômetros, possivelmente alguns botos frequentam mais de um empreendimento, o que resulta em uma obtenção de alimento maior que a quantidade definida na Resolução Estadual, e fazendo com que o total de animais condicionados nestes empreendimentos esteja provavelmente superestimado neste estudo. Além disso, aproximadamente dois anos após a coleta de dados desta pesquisa, o empreendimento 4 finalizou suas atividades, fato similar aconteceu no empreendimento 6, o único situado na margem esquerda do rio Negro que oferecia aos visitantes atividades de interação com os botos-vermelhos.
Por outro lado, as demais interações entre visitantes e animais silvestres (pirarucus, macacos e preguiça-de-três-dedos) que envolvem oferta alimentar não apresentam normatização específica que garanta o monitoramento do bem-estar animal, a melhoria dos serviços prestados e a segurança dos visitantes na região do Baixo Rio Negro.
No caso específico das interações turísticas com o pirarucu, além dos peixes estarem sendo utilizados para uma finalidade turística, o que difere da autorização obtida (criação comercial), existe o risco de lesões tanto nos visitantes quanto nos peixes. No pirarucu podem ocorrer lesões causadas pelo retorno forçado da isca e da porção de corda ingerida, que podem proferir injúrias no estômago e faringe; já o visitante, devido a força desempenhada para retirar o pirarucu da água, pode ser atingido por pedaços da vara de pesca caso esta sofra ruptura, sofrendo ferimentos graves (Paschoalini & Barbosa, 2016). Outro aspecto apontado por pesquisas relacionadas ao pesque-solte (Petrere Jr., 2014; Alves Jr. et al., 2020), e que ainda precisa de maior aprofundamento, reside na discussão sob duas perspectivas, (i) a pragmática, que avalia se, e como, a atividade compromete a saúde dos peixes e a propagação de seus genes; e (ii) a ética, segundo a qual o bem-estar dos peixes depende da ausência de dor.
O ordenamento e a gestão do turismo devem considerar as intenções comerciais e os estudos de impactos biológicos da atividade junto à fauna silvestre, além de se criar diretrizes e normas coerentes com os princípios da sustentabilidade (Brumatti, 2013). No estado de São Paulo, a Portaria FF/DE nº 324/2020 regulamentou e disciplinou a prática de observação de primatas no interior das áreas protegidas administradas pela Fundação Florestal. De modo similar, a observação de mamíferos de médio e grande porte em vida livre no estado do Mato Grosso do Sul foi regulamentada pela Resolução nº 08/2015. Em todos estes instrumentos normativos é proibida a oferta alimentar para atrair, aumentar a chance de observação ou garantir a permanência dos animais em determinada localidade.
No Parque Nacional do Iguaçu, na região sul do Brasil, os visitantes ofereciam alimentos aos quatis (Nasua nasua). Os alimentos ofertados eram bastante diversos (pão, biscoito, picolé) e não faziam parte do cardápio natural dos quatis, o que representava riscos para a saúde destes animais e um perigo para os visitantes, que acabavam sendo mordidos pelos quatis (G1-PR, 2016).Considerando este cenário, o ICMBio, órgão gestor do Parque Nacional, proibiu a oferta alimentar. No entanto, até hoje, é comum ver quatis sendo alimentados por visitantes, ou mesmo quatis “roubando” alimentos das mãos e das sacolas dos visitantes.
Nas áreas protegidas do Baixo Rio Negro, interações turísticas tão íntimas (alimentar, tocar, abraçar) envolvendo humanos e animais silvestres expõem ambos a riscos de contaminação por vírus, fungos e bactérias, sendo alguns destes microrganismos fatais.
O boto-vermelho é comumente atacado por uma doença bacteriana conhecida como “golf ball disease”, que causa dermatite e paniculite no animal, afetando vários órgãos, especialmente os pulmões (Song et al., 2017). Apesar de a retro transmissão desta bactéria entre humanos e cetáceos não ser documentada, a questão é relevante tanto do ponto de vista de saúde pública quanto do bem-estar dos animais, sendo necessários estudos nesta temática. Os botos são também suscetíveis a infecções no trato respiratório, incluindo pneumonia. O contato com humanos, portanto, pode implicar em riscos de contaminação dos animais e de declínio populacional (Rodrigues et al., 2018).
A herpes, causada pelo vírus HHV-1, é uma enfermidade benigna para humanos, mas pode ser letal para primatas, especialmente os de pequeno porte (Casagrande et al., 2014). Na África, um dos mais preocupantes impactos negativos do ecoturismo com os grandes macacos é o potencial de transmissão de doenças a partir de humanos (Boesch, 2008).
Por outro lado, a transmissão de doenças de animais silvestres para as pessoas também pode ocorrer. A Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), vem causando internações e mortes de seres humanos ao redor do mundo (Freedman & Wilder-Smith, 2020; Hui et al., 2020). Possivelmente, o SARS-CoV-2 foi inicialmente transmitido para os humanos a partir da manipulação e consumo de pangolins e morcegos (Neupane, 2020). De maneira similar, a Middle East Respiratory Syndrome (MERS), doença zoonótica que pode ser letal em humanos, é transmitida por meio do contato com camelos (Azhar et al., 2019). A hepatite A, outra doença viral, infecta primatas de forma natural, não causando sinais clínicos aparentes (Andrade, 2002), mas, ocasiona danos significativos em humanos.
Na região metropolitana de Manaus, área mais populosa do Baixo Rio Negro, a infecção por citomegalovírus, microrganismo presente em várias espécies de animais silvestres (Staczek, 1990), tende a ser mais comum do que em outros contextos brasileiros (Santos, 2017). Embora na maioria das pessoas imunocompetentes o citomegalovírus seja responsável por infecções assintomáticas, a infecção em pacientes imunocomprometidos representa importante causa de morbidade e mortalidade (Mendrone Júnior, 2010).
Causa preocupação maior a situação do macaco-barrigudo (L. lagotricha) e do uacari-branco (C. calvus) registrados no empreendimento localizado na Área de Proteção Ambiental da Margem Esquerda do Rio Negro - Setor Tarumã-açú/Tarumã-mirim. A distribuição geográfica destas duas espécies de primatas não inclui a margem esquerda do rio Negro, configurando-se assim como espécies introduzidas inadequadamente na área do empreendimento. A presença destes primatas não-nativos na localidade citada, com consequente reprodução e dispersão para outras áreas contíguas, impõe um iminente risco para outras espécies com ocorrência natural na região, incluindo o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), classificado como Criticamente Ameaçado na lista vermelha da IUCN (Gordo et al., 2021). Dentre os riscos destacamos a competição por alimentos, a potencial dispersão de doenças e a exclusão local devido a concorrência por hábitat, fatores já identificados em estudos com outras espécies de primatas (Boesch, 2008; Sobroza et al., 2021).
Nesse contexto, o caso mais notável no Brasil inclui o não-nativo sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), que após décadas de tráfico ilegal hoje está presente em praticamente todas as áreas urbanas e rurais do sudeste do país, causando um significativo impacto em populações de presas, especialmente passeriformes (Cunha et al. 2006). Além disso, o risco de hibridização com as espécies nativas é também altíssimo, o que igualmente ocorreu com a introdução de C. jacchus no sudeste do Brasil. Ao gerarem híbridos férteis com o sagui-de-tufo-preto, C. penicillata (Malukiewicz et al., 2015), ameaçam as populações de saguis nativos, como o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia). Portanto, é legitima a preocupação em abrigar espécies não-nativas de uma área para outra da Amazônia, o que pode acarretar introduções de alto risco de hibridização para as populações nativas de primatas.
Um dos destinos mais ofertados pelas agências de turismo aos visitantes do Baixo Rio Negro é o Lago Janauari. Distante cerca de uma hora da cidade de Manaus, capital do Amazonas, o Janauari situa-se nas proximidades do encontro das águas dos rios Negro e Solimões. Nesta área, diversas espécies da fauna são capturadas ilegalmente na natureza por moradores locais e mantidas em cativeiro sem autorização dos órgãos ambientais competentes (D’Cruze et al., 2017), com a finalidade de serem exibidas aos visitantes. Muitos destes animais são submetidos a diversas horas seguidas de manipulação por parte dos condutores de turismo e visitantes (Vidal et al., 2022).
A maioria dos turistas que viajam para a região amazônica espera ver uma abundância de animais silvestres nos lugares que visitam e muitas vezes ficam desapontados ao descobrir que avistar determinadas espécies é particularmente difícil (Charity & Ferreira, 2020), especialmente devido a fechada arquitetura da floresta, a baixa representatividade de animais de grande porte, e a raridade de algumas espécies. Assim, manter animais silvestres em cativeiro para serem exibidos aos visitantes, ainda que seja considerada uma atividade ilegal, passou a ser algo frequente no Lago Janauari. Neste local, historicamente nota-se o desrespeito às leis ambientais, e os animais são expostos à situação degradante. Em 2016 o IBAMA aplicou multas durante ações de fiscalização na área e apreendeu animais silvestres mantidos em cativeiro (IBAMA, 2016). Em 2018, a organização não governamental World Animal Protection formalizou denúncias no Ministério Público Federal do Amazonas sobre a manutenção irregular em cativeiro e maus tratos aos animais envolvidos nas interações turísticas na região de Manaus e arredores, incluindo o Lago Janauari. As denúncias foram tema de uma audiência pública que gerou uma série de recomendações às empresas e órgãos governamentais para adequar o ecoturismo à legislação ambiental, incluindo a proibição dos operadores de turismo promover o contato físico com animais silvestres, sob pena de multa diária (Fonseca, 2018).
Ainda que na Amazônia brasileira animais silvestres vivos (principalmente papagaios e várias espécies de primatas) costumem ser capturados e mantidos como animais de estimação (localmente chamados de “xerimbabos”), tradição cultural herdada dos povos indígenas (Charity & Ferreira, 2020), a captura e manutenção em cativeiro ilegal de fauna silvestre na região do Janauari pode estar contribuindo ainda com o comércio ilegal destes animais, atuando como uma fonte de renda para os moradores locais. Sabe-se que o comércio ilegal de fauna silvestre é uma atividade criminosa presente em diversos países ao redor do mundo, mas presente principalmente em comunidades rurais vulneráveis (Destro et al., 2019), como as situadas na região do Janauari.
O ecoturismo para interação com a fauna silvestre tem enorme potencial para elevar o uso público nas áreas protegidas, promover a geração de emprego e renda, e sensibilizar os visitantes para a conservação das espécies e seus hábitats. Sendo adequadamente planejadas e monitoradas, as interações turísticas com a fauna silvestre no mosaico de áreas protegidas do Baixo Rio Negro podem ser positivas, uma vez que o contato direto com os animais amplia a curiosidade por parte das pessoas e, desta forma, o seu conhecimento, sendo assim uma importante ferramenta de sensibilização ambiental. Diversos animais foco do turismo, como os botos-vermelhos e os macacos, são ainda carismáticos, apresentando potencial de serem utilizados como espécies-bandeira, contribuindo para a conservação de espécies menos carismáticas e com menor apelo emocional (Vidal et al., 2017). Ao interagir com estes animais carismáticos os visitantes podem apresentar respostas emocionais no que se refere à preocupação sobre o status de conservação destas espécies, sobretudo àquelas que se encontram ameaçadas de extinção, estimulando o apoio financeiro e político para sua conservação (Vidal et al., 2022).
Nas áreas protegidas da África do Sul, espécies carismáticas da fauna silvestre estão presentes e melhoram a experiência turística, sendo o leão(Panthera leo), o leopardo (Panthera pardus) e o elefante-africano (Loxodonta africana) aquelas mais procuradas pelos visitantes (Cousins et al., 2008; Maciejewski & Kerley, 2014). Na Tanzânia e em Uganda, a observação de chimpanzés (Pan troglodytes) e gorilas (Gorilla sp.) habituados a presença humana é uma das principais atividades do ecoturismo em áreas protegidas (Nakamura & Nishida, 2009; van der Duim et al., 2014). Esta forma de interação com a fauna silvestre é considerada positiva, pois fornece renda alternativa para moradores locais que de outra forma usariam as florestas para agricultura, retirada de madeira e caça de animais silvestres para alimentação, incluindo os grandes macacos (Nakamura & Nishida, 2009). No Quênia, leões, elefantes e girafas (Giraffa camelopardalis) atraem milhares de turistas anualmente, com consequente geração de emprego e renda (Morand, 1994). Na África, os ganhos econômicos com o ecoturismo atuam como uma importante fonte de recursos, beneficiando moradores locais (Nakamura & Nishida, 2009) e contribuindo para melhorias no combate ao tráfico de animais, restauração de hábitats e compensação de danos provocados pelas espécies da fauna silvestre (Mossaz et al., 2015). Fato semelhante ocorre nos parques nacionais da Índia, onde o ecoturismo para observar tigres (Panthera tigres) é uma das principais motivações para visitas turísticas e importante fonte de recursos para a conservação destes felinos (Karanth et al., 2012).
No Brasil, algumas unidades de conservação são destinos consagrados para quem busca interações turísticas com a vida selvagem. O Parque Nacional de Abrolhos recebe milhares de visitantes anualmente com o objetivo de acompanhar a migração reprodutiva da baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae), e no Parque Nacional de Fernando de Noronha podem ser observados golfinhos-rotadores (Stenella longirostris) e diferentes espécies de tartarugas-marinhas (Vidal et al., 2021b). Nessas áreas, a sensibilização promovida pela visitação responsável e consciente contribui para a conservação das espécies. No Pantanal brasileiro, dentro e fora de áreas protegidas, o turismo de observação de fauna alia suas atividades à cultura local, considerando que se trata de uma alternativa de renda que agrega valor às propriedades rurais, gera emprego, renda e qualificação, especialmente para mulheres (Tortato et al., 2021).
O reconhecimento e a valorização das características ambientais, sociais e biológicas de cada região, por meio do ecoturismo de interação com fauna silvestre, podem ser alternativas para auxiliar na geração de renda, na sensibilização de moradores locais e visitantes, e na proteção das espécies e seus hábitats.
Diversos fatores negativos foram identificados no ecoturismo de interação com fauna silvestre no mosaico de áreas protegidas do Baixo Rio Negro, notadamente a proliferação de empreendimentos que oferecem interações com a fauna baseadas na oferta alimentar, a captura de animais silvestres e sua manutenção ilegal em cativeiro, e a movimentação de espécies não-nativas e os riscos associados para a fauna autóctone, como zoonoses virais, fúngicas e bacterianas ainda pouco estudadas. Portanto, ações de ordenamento e monitoramento devem ser colocadas em prática de modo a mitigar estes fatores negativos. No entanto, as medidas regulatórias devem considerar o fato de não impor restrições inadequadas ao uso não extrativista da fauna silvestre por meio do ecoturismo, sob risco de reversão para usos letais (caça) ou degradantes (cativeiro irregular, tráfico de animais).
Ainda que exista uma demanda crescente do ecoturismo com fauna silvestre em áreas protegidas nos últimos anos, e uma alta potencialidade para esse modelo de turismo na Amazônia, o tema ainda é pouco abordado e discutido nas esferas acadêmica, científica e de políticas públicas. Existe ainda a necessidade de se planejar, executar, monitorar e manejar adequadamente as interações turísticas com fauna, de modo a mitigar impactos negativos significativos e potencializar os benefícios deste modelo de turismo. Assim, desenvolver estudos mais profundos, participativos e de longo prazo que colaborem com a gestão das áreas protegidas, com o bem-estar da fauna silvestre, com a satisfação dos visitantes e com a geração de renda nas comunidades receptoras é impositivo.