INTRODUÇÃO

O agenciamento de viagens constitui uma das atividades mais importantes e específicas do turismo. A contribuição do agenciamento para o valor adicionado bruto direto do turismo no Brasil é de cerca de 13,2% (Santos, 2023). A atividade responde por 11,3% dos empregos gerados no setor de turismo no país (Santos, 2023). Diante de um mercado altamente rentável, a concorrência no setor de agenciamento de viagens tem levado empresas e destinos ao desenvolvimento de diversas estratégias em busca do sucesso comercial (Evans et al., 1995; Klemm & Parkinson, 2001; Vanhove, 2007). Já que grande parte dos serviços turísticos é intermediada por agências, operadoras e outros distribuidores (O’Connor, 2024), as estratégias baseadas na influência sobre esses atores fazem parte do rol de métodos adotados para competir no mercado (Romero & Tejada, 2020). Capacitar e conquistar a lealdade dos profissionais das empresas de intermediação são estratégias frequentes. A capacitação de distribuidores é particularmente relevante no turismo de luxo, já que os consumidores buscam um elevado nível de personalização e exclusividade de experiências e serviços (Iloranta, 2022). A conquista da lealdade dos intermediários também é especialmente interessante nesse segmento em razão dos altos preços e elevadas margens de lucro.

Uma ferramenta frequentemente utilizada por destinos e serviços turísticos em busca de capacitação e conquista da lealdade dos intermediários é a viagem de familiarização, conhecida como famtour, famtur ou famtrip. Esses acrônimos, apesar da referência a uma expressão feminina, na língua portuguesa são tratados como substantivo masculino. Em consonância com a literatura nacional (Neto, 2009), adotar-se-á a expressão famtour neste artigo. O Ministério do Turismo (2018, p. 15) define famtour como “uma visita técnica que tem como objetivo familiarizar e encantar o distribuidor do produto turístico”. Salienta-se que o famtour favorece o contato com empresas turísticas locais (Ministério do Turismo, 2018; SEBRAE, 2022). Para Boiteux e Werner (2009, p. 50), famtour se refere a uma ação em que “um grupo de agentes de viagens é convidado a conhecer um produto lançado recentemente no mercado ou que sofreu mudanças para melhor atender à demanda turística com o objetivo de ter todas as características in loco para vendê-lo melhor”. Perussi (2007) destaca que o famtour pode incentivar a elaboração de roteiros inovadores, a integração entre profissionais do turismo e propiciar o discernimento para a contratação de um serviço em detrimento de outro. Mondo e Costa (2010) classificam o famtour como uma estratégia de marketing de experiência para intermediários.

Os efeitos do famtour são devidos, sobretudo, a mudanças cognitivas, afetivas e comportamentais dos participantes. No entanto, essas transformações decorrentes da experiência não têm consequências apenas para o destino ou serviço promotor da viagem. Os profissionais que viajam em famtours também podem sentir efeitos, sobretudo em suas vidas profissionais. Embora as consequências para os promotores sejam relativamente bem conhecidas, os impactos na carreira profissional dos participantes ainda não foram sistematicamente estudados e reportados. Portanto, esta pesquisa busca responder à seguinte pergunta problema: de que forma as viagens de familiarização contribuem para o desenvolvimento profissional dos agentes de viagens no segmento do turismo de luxo?

Dessa forma, este estudo busca fazer uma análise qualitativa da importância dos famtours para o desenvolvimento da carreira dos profissionais do agenciamento de viagens, com foco específico nos agentes que atuam no segmento de turismo de luxo. Especificamente, investigaram-se as contribuições dessas viagens para a melhoria das habilidades, confiança, competência e remuneração desses profissionais. Para tanto, foram entrevistados profissionais do segmento com experiência prévia em famtours. O conteúdo das entrevistas foi analisado de forma qualitativa, dando sustentação para a criação de um framework teórico que favorece a representação das relações entre os diferentes elementos associados ao tema. Dessa maneira, o presente trabalho contribui para a literatura existente ao expandir o conhecimento sobre os famtours, seus efeitos sobre os agentes de viagens e suas possibilidades de uso como estratégia empresarial.

TURISMO DE LUXO

O mercado de consumo de bens e serviços de luxo cresceu consideravelmente nas últimas décadas (Tynan et al., 2010). No ano de 2023, estima-se que o consumo de luxo tenha alcançado a marca dos €1,5 trilhão globalmente (D’Arpizio et al., 2024). O consumo de luxo contempla carros de luxo, bens pessoais de luxo, hospitalidade de luxo, vinhos e bebidas finas, gastronomia gourmet e jantares finos, móveis e utensílios domésticos de alta qualidade, belas artes, jatos e iates particulares e cruzeiros de luxo. O segmento de carros, hospitalidade e bens de luxo corresponde a 80% do mercado global (D’Arpizio et al., 2024).

O consumo de luxo tem se tornado altamente intangível (Tynan et al., 2010), incluindo práticas que vão além do consumo de bens materiais e tangíveis (Bauer et al., 2011). Assim, o luxo tem adquirido um significado individualista, emocional, com maior ênfase nas experiências, na qualidade do consumo e no enriquecimento da vida a partir do consumo de serviços de luxo (Iloranta, 2022). O consumo de serviços de luxo visa a atender às necessidades individuais de autenticidade, ao mesmo tempo em que os consumidores buscam vivenciar experiências memoráveis e de qualidade (Kim, 2018). Nesse sentido, Gonçalves et al. (2021) destacam que o turismo de luxo pode ser uma fonte importante de experiências de luxo memoráveis.

A hotelaria é um bom exemplo do consumo intangível de luxo (Gomes et al., 2013; Perinotto et al., 2019). O design arquitetônico, serviços personalizados e experiências sensoriais da hotelaria de luxo contribuem para a percepção de exclusividade (Gomes et al., 2013). Os hotéis dessa categoria estão associados a tendências como sustentabilidade, personalização e tecnologia avançada (Almeida, 2023). A demanda por experiências únicas impulsiona uma evolução constante, redefinindo o significado do luxo na era digital. Assim, nota-se que a indústria hoteleira enfrenta a necessidade de reinvenção, buscando parcerias com marcas de luxo e integrando-se às cidades onde essas marcas exercem maior influência (Figueiredo, 2017). Isso inclui a utilização de grandes palácios e edifícios de relevância histórica e cultural, bem como colaborações com restaurantes de alta gastronomia e espaços dedicados ao bem-estar no mercado, entre outras estratégias (Figueiredo, 2017). Esse conceito é encapsulado pelo co-branding, uma abordagem adotada pela indústria do turismo e hotelaria para atender às demandas do mercado (Aarstad et al., 2015; Lin, 2013). Na hotelaria, a prática visa não apenas a oferecer acomodações, mas a criar experiências integradas e distintas para os hóspedes, alinhando-se às tendências e expectativas em constante evolução (Figueiredo, 2017; Lin, 2013).

Na busca por experiências de luxo memoráveis, destaca-se o crescente interesse e consumo consciente ambiental e social que permeia as expectativas e demandas dos viajantes de luxo (Iloranta, 2022). Como exemplo, uma hospedagem eco-friendly não apenas demonstra um compromisso com a preservação ambiental, mas também estabelece um novo padrão para o luxo, no qual a consciência ecológica é integrada à experiência do viajante (Almeida, 2023). O luxo, assim, transforma-se em uma jornada responsável e consciente, alinhada aos ideais contemporâneos de sustentabilidade. A exclusividade, por sua vez, é reinterpretada à luz de destinos remotos e intocados. Os viajantes de luxo contemporâneos não buscam apenas o conforto e a extravagância momentâneos; eles anseiam por experiências que ressoem com seus valores pessoais. Viagens de luxo associadas a práticas de sustentabilidade oferecem serviços de alta qualidade e uma narrativa autêntica, exclusiva e ética que enriquece a jornada do viajante (Almeida, 2023; Bercial, 2002; Iloranta, 2022).

VIAGENS DE FAMILIARIZAÇÃO

As viagens educacionais evoluíram para atender a uma variedade de públicos e objetivos (DeWitt & Storksdieck, 2008). Essas experiências proporcionam oportunidades valiosas de aprendizado prático, conectando teoria e prática de maneira significativa (Stainfield et al., 2000; Stone & Petrick, 2013). Além disso, as viagens educacionais buscam democratizar o acesso a essas experiências, superando as barreiras econômicas que antes restringiam esse privilégio a poucos (Greene et al., 2014). No cenário dinâmico da indústria do turismo, as viagens de familiarização emergem como ferramenta estratégica, desempenhando um papel crucial na formação e no desenvolvimento de agentes de viagens, bem como na promoção eficaz de destinos turísticos. A imersão vai além da coleta de informações, permitindo que os profissionais vivenciem o que o destino tem a oferecer. Dessa forma, os agentes se tornam detentores de conhecimento experiencial, o que os capacita a oferecer recomendações mais precisas e personalizadas aos seus clientes (SEBRAE, 2014). A experiência direta obtida durante as viagens de familiarização não apenas enriquece o repertório dos agentes de viagens, mas também desempenha um papel fundamental no aprimoramento de suas habilidades de vendas e atendimento ao cliente. Ao vivenciarem os destinos, os profissionais ampliam suas capacidades de transmitir entusiasmo e confiança ao oferecerem pacotes turísticos, estabelecendo, assim, uma conexão mais autêntica com os clientes (Mondo & Costa, 2010).

As viagens de familiarização vão além da capacitação profissional, fortalecendo as relações entre os diversos atores da indústria do turismo, promovendo uma abordagem mais colaborativa e enriquecedora para todos os envolvidos (Dimitris et al., 2017; SEBRAE, 2014). Essa prática é essencial para o desenvolvimento da indústria turística, promovendo conhecimento, autenticidade e relações sólidas (Bercial, 2002). No âmbito da indústria hoteleira, é crucial explorar as experiências como um meio de proporcionar satisfação não apenas aos clientes, mas também para atender aos intermediários, que, por sua vez, desempenham o papel de parceiros estratégicos para os estabelecimentos hoteleiros na venda e comercialização de seus serviços. Portanto, é imperativo não apenas buscar relacionamentos de alta qualidade, mas também garantir que, na qualidade de vendedores dos serviços hoteleiros, os intermediários possuam um conhecimento abrangente sobre o produto que estão comercializando (Mondo & Costa, 2010). Os famtours demonstram um retorno significativo tanto em termos de fortalecimento do relacionamento com os intermediários quanto no que diz respeito à eficácia na venda e comercialização dos serviços propriamente ditos (Mondo & Costa, 2010). Nesse sentido, o planejamento estratégico de marketing deve incorporar considerações específicas relacionadas a essas questões, implementando o marketing de experiência de maneira sistematizada. O foco deve ser o aprimoramento do relacionamento e a efetiva comercialização, ao mesmo tempo em que se exploram novas fontes de experiências para capacitar os vendedores e intermediários a compreenderem integralmente os serviços que estão promovendo (Mondo & Costa, 2010). O treinamento contínuo torna-se uma necessidade inegável. Manter os agentes de viagens atualizados e capacitados exige investimento constante em programas educacionais (Ministério do Turismo, 2017).

À medida que novos destinos e experiências são introduzidos no mercado, é essencial que os profissionais estejam bem-informados para oferecerem orientação precisa e personalizada aos clientes (Catramby & Costa, 2004; Ministério do Turismo, 2017). Esses desafios refletem a intrincada natureza de um mercado turístico em constante evolução, exigindo adaptação, inovação e uma abordagem ética para enfrentar as complexidades e as expectativas em constante mudança.

DESENVOLVIMENTO DE CARREIRAS

Apesar da natureza do trabalho, das organizações e das carreiras ter evoluído nas últimas décadas, o desenvolvimento de carreiras é ainda uma função central do desenvolvimento de recursos humanos (Mcdonald & Hite, 2005). Trata-se do processo de aquisição de diferentes papeis na carreira que ocorre simultaneamente no nível pessoal e organizacional. Os papeis são um produto interativo de processos individuais e ambientais, o desenvolvimento contínuo da identidade de carreira no lado pessoal e da significância da carreira no lado organizacional (Hoekstra, 2011). De maneira geral, a expressão carreira significa a sequência de posições relacionadas ao trabalho assumidas pelas pessoas ao longo da vida; uma espécie de sequência evolutiva de experiências de trabalho ao longo do tempo (Adamson et al., 1998). O conceito de carreira tem como foco a progressão para melhores posições na hierarquia empresarial ao longo da vida (Wrzesniewski et al., 1997). A partir de tal conceituação, a expressão sucesso na carreira pode ser definida como os resultados positivos psicológicos e aqueles relativos ao trabalho acumulados como resultado das experiências de trabalho individuais (Seibert & Kraimer, 2001).

A satisfação obtida no trabalho é um indicador do sucesso subjetivo percebido na carreira (Barnett & Bradley, 2007). O termo se refere às atitudes positivas individuais em relação ao trabalho, quando recompensas tangíveis e/ou intangíveis atendem às expectativas (American Psychological Assotiation, 2024b). Como explica Locke (1986), é uma reação emocional complexa, um estado emocional prazeroso resultante da avaliação do trabalho de alguém como algo que alcança ou facilita a conquista dos valores do trabalho. Aliada à satisfação, a performance é outro indicador relacionado ao desenvolvimento de carreira (Hoekstra, 2011). O termo diz respeito ao desempenho individual em tarefas e outras responsabilidades laborais do colaborador no contexto organizacional (American Psychological Assotiation, 2024a; Judge et al., 2001).

Existe uma relação positiva direta entre satisfação no trabalho, produtividade e performance (Judge et al., 2001). Profissionais satisfeitos tendem a performar melhor e impactam positivamente na organização (Faragher et al., 2005; Judge et al., 2001). Por outro lado, elevados níveis de ansiedade e medo afetam negativamente a satisfação e performance geral no trabalho (Labrague & de los Santos, 2021). Baixos níveis de satisfação no trabalho estão significativamente correlacionados com doenças mentais, como depressão, burnout, baixa autoestima e ansiedade (Faragher et al., 2005). Autoestima, autoeficácia, autocontrole interno e estabilidade emocional são traços fundamentais de autoavaliação que impactam na satisfação e performance no trabalho (Judge & Bono, 2001).

Além desses, a remuneração, a construção de conhecimento, o reconhecimento, a socialização profissional, afeto e o comprometimento são temas importantes no desenvolvimento da carreira (Hoekstra, 2011; NG et al., 2005).Ao desempenhar suas tarefas, um colaborador recebe uma compensação financeira fixa e periódica paga pela organização (American Psychological Assotiation, 2024d). A despeito da aparente relação positiva entre remuneração e satisfação no trabalho, os resultados de uma meta-análise revelaram que a correlação entre os dois construtos é fraca (Judge et al., 2010). A remuneração é apenas um dos componentes da satisfação no trabalho (Judge & Church, 2000), o que permite explicar por que algumas pessoas estão dispostas a receber salários inferiores para desempenharem trabalhos mais significantes (Hu & Hirsh, 2017). Nas organizações, o conhecimento abarca fatos, princípios e conceitos empresariais essenciais para a performance individual (Khobreh et al., 2016). Quando compartilhado, o conhecimento é fonte de vantagem competitiva empresarial (Rafique & Mahmood, 2018). O conhecimento é tido como importante preditor da performance no trabalho (Hunter, 1986). Empoderar os colaboradores, especialmente os mais novos na organização, promove a aquisição de conhecimento (Leach et al., 2003). As viagens educacionais são exemplos de construção de conhecimento sobre destinos e outros produtos (SEBRAE, 2014; Stainfield et al., 2000; Stone & Petrick, 2013).

No que diz respeito ao reconhecimento, trata-se essencialmente do ato de atestar o desempenho e das qualidades profissionais de uma pessoa (American Psychological Assotiation, 2024c). O reconhecimento não é apenas um meio importante de valorizar e respeitar outra pessoa, mas também é fundamental para a compreensão e formação das identidades pessoais (McQueen, 2015; Renger et al., 2020). Renger et al. (2020) explicam três formas de reconhecimento social; a primeira se refere ao reconhecimento das realizações e contribuições de uma pessoa. O reconhecimento, neste caso, depende das contribuições e realizações pessoais, portanto é concedido de maneira diferente para cada situação. A segunda forma de reconhecimento é sinônimo de respeito aos direitos básicos e dignidades individuais. A última forma relaciona-se com a satisfação e ao cuidado das necessidades emocionais de uma pessoa, que podem ser atendidas por outras pessoas ou organizações (Renger et al., 2020). O reconhecimento pode ser materializado em programas de reconhecimento formal, recompensas monetárias, feedback verbal privado, reconhecimento por escrito, reconhecimento público e oportunidades de crescimento e desenvolvimento (Blegen et al., 1992; Bradler et al., 2013). O reconhecimento profissional entre supervisores e colaboradores pode ser fomentado nas organizações para reduzir os efeitos negativos de doenças mentais, como o burnout (Renger et al., 2020). O reconhecimento profissional dos pares e superiores tem efeito positivo na satisfação no trabalho (Blegen et al., 1992) e no aumento da performance (Bradler et al., 2013).

Ao se tornar membro de uma sociedade profissional (Sadeghi Avval Shahr et al., 2019), os relacionamentos com indivíduos e grupos constituem o ambiente da vida profissional de um (Gersick et al., 2000). Como explicam os referidos autores, os ambientes podem ser fontes de aprendizado, inspiração e prazer, ou podem causar frustração. Os relacionamentos construídos no ambiente do trabalho são mais do que meios estrategicamente escolhidos para a mobilidade de carreira, são fins que a definem, e relacionamentos positivos e negativos têm consequências úteis (Gersick et al., 2000).

O conhecimento de serviços garante que os colaboradores entendam, acreditem e comuniquem efetivamente aquilo que irão vender (Weitz et al., 1986), o que impacta positivamente na confiança entre o cliente e o vendedor (Arli et al., 2018), melhorando o desempenho de vendas de serviços (Weitz et al., 1986) e a satisfação do cliente (Arli et al., 2018). Além disso, a experiência prévia dos serviços pode impactar na construção de atitudes positivas (Yeo et al., 2017). Como explica Ajzen (2001), atitudes são conceituadas como uma relação entre crenças, processos afetivos e processos cognitivos, que influenciam o comportamento. Portanto, a possibilidade de experimentação prévia do serviço contribui para a construção de conhecimento e expertise sobre um serviço ou produto, colaborando positivamente na criação de atitudes e emoções. Como resultado, os colaboradores conseguem ampliar as chances de venda.

O estabelecimento de vínculos emocionais entre o empregado e a sua organização leva ao comprometimento profissional, considerado um determinante importante de dedicação e lealdade aos objetivos organizacionais (Rhoades et al., 2001). A expressão contempla, ainda, o envolvimento do funcionário com a empresa e o grau individual de identificação com a organização (Meyer & Allen, 1991). Colaboradores com elevado comprometimento se envolvem nas atividades da organização, além de demonstrar maior interesse em perseguir os objetivos organizacionais e permanecer nela (Meyer & Allen, 1991; Rhoades et al., 2001). O comprometimento é um preditivo de consequências organizacionais relevantes, como rotatividade, absenteísmo e comportamento de cidadania organizacional. Portanto, pode ser compreendido como um dos fatores essenciais para o comprometimento organizacional (Mercurio, 2015).

Os temas apresentados são as bases fundamentais para o desenvolvimento da carreira de um profissional, como de um agente de viagens. Ao longo da sua trajetória profissional, o agente busca se posicionar em cargos que tragam maior satisfação profissional, bem como melhores salários. Para tanto, utiliza de mecanismos diversos para se profissionalizar. Os famtours são exemplos de práticas comuns para construção de conhecimento (Castelltort & Mäder, 2010; Ministério do Turismo, 2018), uma vez que permitem aos agentes a possibilidade de experimentarem os serviços turísticos previamente. Como consequência, esses profissionais desenvolvem maior confiança ao comercializar tais serviços (Cheyne et al., 2006), melhorando, assim, as suas habilidades profissionais e performance (SEBRAE, 2022). No contexto do turismo de luxo, no qual as experiências são altamente personalizadas, o conhecimento tácito é fundamental para o desenvolvimento da carreira do agente de viagem (Buckley & Mossaz, 2016). Contudo, ainda há espaço na literatura para analisar quantitativamente o impacto da prática no desenvolvimento das carreiras dos profissionais do agenciamento de viagens no contexto do turismo de luxo.

METODOLOGIA

Para identificar a importância dos famtours para o desenvolvimento de carreira dos profissionais do agenciamento de viagens de luxo, esta pesquisa adotou uma lente qualitativa. O estudo caracteriza-se como exploratório, sendo baseado em entrevistas semiestruturadas com profissionais do setor. A amostra foi selecionada por conveniência a partir dos contatos pessoais dos autores. Dois critérios de seleção foram adotados: (1) atuar profissionalmente no agenciamento de viagens de luxo e (2) já ter participado de ao menos um famtour. As entrevistas seguiram um roteiro pré-definido centrado em três aspectos: satisfação profissional, influência na capacidade de vendas e remuneração. Contudo, temas correlatos foram identificados na fala dos entrevistados, a saber: construção de conhecimento, socialização, reconhecimento profissional e comprometimento.

Sete entrevistas foram realizadas presencialmente, enquanto uma foi conduzida em ambiente virtual. Os participantes foram informados sobre a confidencialidade das respostas e consentiram em participar do estudo. Para garantir o anonimato dos participantes, os entrevistados foram desidentificados. A amostra final foi composta por oito entrevistados. Desses, sete eram do sexo feminino e um do sexo masculino. Quanto ao nível na carreira profissional, segundo a autodeclaração dos entrevistados, a amostra inclui um consultor sênior, dois consultores plenos, dois consultores master, dois consultores de operações e um consultor júnior. O tempo de experiência dos entrevistados variou entre cinco e quinze anos. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. O método de Análise Qualitativa de Conteúdo (Hsieh & Shannon, 2005; Selvi, 2019) foi adotado para examinar e interpretar o corpus à luz do referencial teórico. Os trechos relevantes das transcrições foram codificados com auxílio do software Taguette (Rampin & Rampin, 2021). As análises foram agrupadas por tema. Os resultados apresentados a seguir reúnem interpretações e transcrições de trechos que reforçam e ilustram tais conclusões.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A apresentação dos resultados tem como ponto central a temática do desenvolvimento profissional para o agente de viagens que tem a oportunidade de praticar famtours. Tal decisão busca destacar aspectos adjacentes ao desenvolvimento da carreira, como reconhecimento, remuneração, socialização, que podem ter impacto positivo no desenrolar profissional desses agentes. Na sequência, será apresentado e discutido o modelo teórico que consolida os resultados encontrados nesta pesquisa.

Desenvolvimento da carreira

No médio ou longo prazo, a especialização e o ganho de habilidades de venda podem favorecer a progressão na carreira do profissional que participa de famtours. Agentes de viagens com esse tipo de experiência tendem a se destacar em comparação com seus colegas de trabalho. Quando oportunidades de promoção interna se apresentam, esses profissionais têm uma chance mais elevada de serem selecionados para subir na carreira. Além disso, a experiência e a habilidade acumuladas também favorecem a progressão por meio da transição para empregos em outras empresas, ou até mesmo do empreendedorismo no segmento. O entrevistado 1 comenta sobre este tópico: “[...] acredito que saindo dessa empresa que eu tive essas oportunidades e levando toda essa bagagem de fam para outro ambiente, outra oportunidade de trabalho, com certeza isso somaria muito”. Com frequência, os entrevistados sublinham que a vivência de famtours tem efeitos amplos na carreira como um todo, pois aprimoram a confiança sobre o produto, ao mesmo tempo em que substanciam a percepção pessoal de confiança.

#3: Influencia em tudo, na realidade, porque a gente vai conhecer o produto in loco, porque, até então, eu nunca tinha tido contato como nível de serviço e os hotéis que a gente trabalha.

#1: Sim, o fam acaba contribuindo bastante para você sentir ainda mais uma autoconfiança. E você se sente mais confiante emrelação à sua carreira.

Para o entrevistado 2, a vivência da experiência significa confiança da empresa no profissional, o que pode se refletir em crescimento profissional: “[...] eu acho também essa relação de confiança da empresa, a partir do momento que ela te manda para um fam, eu acho que você já tem essa relação mais próxima e talvez isso pode impactar na sua promoção também”. De maneira geral, a participação em famtours no segmento de turismo de luxo parece contribuir positivamente para a evolução da carreira (Adamson et al., 1998) para ascensão profissional para melhores posições (Wrzesniewski et al., 1997).

Satisfação

A participação em famtours tem, ainda, importantes consequências sobre a satisfação dos profissionais com seus empregos e carreiras. A satisfação é afetada de diversas formas nesse contexto. Primeiro, a satisfação é afetada pelos aumentos de remuneração propiciados pelo conhecimento, reconhecimento, relacionamento profissional e afeto obtidos com a experiência. Segundo, a satisfação é favorecida pelos avanços na carreira do profissional. Terceiro, a satisfação é positivamente influenciada pelo possível reconhecimento do profissional perante seus pares e superiores. Por fim, a própria participação no famtour pode constituir, em si, uma recompensa relevante do trabalho na agência de viagens, na medida em que essas experiências são geralmente consideradas prazerosas e memoráveis. Como revelado no discurso do entrevistado 4, é possível identificar que as viagens são uma importante fonte particular de sentimentos positivos:

[...] com certeza, porque uma viagem ela já é algo que te motiva, que te deixa feliz e animado. E uma viagem a trabalho também, saberque a empresa pode te proporcionar essa experiência, é muito legal. Então, voltar para o escritório depois de ter tido essas experiênciasé algo bem gratificante e acaba meio que também já esperando pelo próximo, né?

Para o entrevistado 3, a participação em famtours melhorou a satisfação pessoal em relação à empresa: “[...] foi no momento que eu tava já um pouco insatisfeito com a empresa, então eles chegaram de surpresa, me dando essa oportunidade, então naquele momento eu fiquei muito feliz e contente”. Alguns profissionais do setor de turismo, especialmente do turismo de luxo, encaram o consumo facilitado de serviços turísticos como uma das principais vantagens do trabalho no setor. O entrevistado 6 destaca esse ponto:

Ah, com certeza, porque são… Por exemplo, falando no esqui, que é uma área muito específica, é uma experiência que eu jamais imagineique eu ia ter a oportunidade de fazer na minha vida. Eu acho muito bacana pra minha carreira e pra minha vida pessoal também

Esses elementos ampliam a satisfação percebida no trabalho, podendo impactar positivamente no desempenho e performance profissionais (Faragher et al., 2005; Judge et al., 2001), além de serem importantes para o desenvolvimento da carreira profissional (Barnett & Bradley, 2007; Hoekstra, 2011).

Performance

Os efeitos da participação em famtours sobre o conhecimento, o relacionamento profissional e o afeto pelos destinos ou serviços turísticos têm como uma das consequências o aumento na performance do profissional de vendas de turismo de luxo. Ao ganharem mais conhecimento, fortalecerem o relacionamento com parceiros locais e estabelecerem relações afetivas positivas com os produtos, os agentes de viagens se tornam vendedores mais eficazes. Além disso, retornam mais motivados ao trabalho. O discurso do entrevistado 2 exemplifica este argumento: “com certeza, eu acho que você volta muito motivado a querer trabalhar mais e viajar mais. [...] é uma forma de incentivo para o funcionário também que está dentro da empresa”.

Logo, a quantidade de vendas realizadas tende a aumentar, o que contribui para os objetivos dos promotores do famtour e dos empregadores dos profissionais. Além disso, o ganho de capacidade de vendas pode ter consequências positivas também para o profissional, tanto em termos de reconhecimento, como em recompensas monetárias. Para o entrevistado 6, as viagens ampliaram seu repertório, melhoraram sua performance e, consequentemente, trouxeram benefícios financeiros pessoais: “[...] eu tenho mais conhecimento e parte desse conhecimento é devido a minhas experiências de famtour, eu consigo trabalhar melhor, ter uma melhor performance, vender mais e, consequentemente, ter um impacto na minha vida financeira”. O entrevistado 5 comenta: “[...] talvez o primeiro fam sim, porque, aí, minhas vendas melhoraram de novo por causa disso. Porque você conhece o destino, você vai conseguir explicar melhor pro cliente”. Esses resultados são suportados pela literatura, especialmente no que diz respeito à relação entre performance e conhecimento (Hunter, 1986). Além disso, o conhecimento adquirido em famtours pode ser compartilhado junto a outros colaboradores, o que pode significar fonte de vantagem competitiva para a empresa (Rafique & Mahmood, 2018).

Remuneração

O ganho de performance de vendas do profissional tem consequências diretas sobre sua remuneração, já que o pagamento de comissões ou bônus de vendas é uma prática quase onipresente nesse mercado. O impacto financeiro da participação em famtours pode variar significativamente, dependendo de fatores como a capacidade de aplicar o conhecimento adquirido, o contexto econômico e as oportunidades de promoção dentro da empresa. Para o entrevistado 3, a participação em famtours colaborou na construção de roteiros, agilizando o processo de vendas e, como consequência, aumentando o comissionamento recebido: “A minha facilidade de montar o itinerário e de entender mais a logística me ajudou muito nesse sentido [de fechar mais pacotes de viagem]. Eu consigo vender mais rápido as solicitações e, consequentemente, eu fui recebendo mais, até com o comissionamento”.

Os ganhos remuneratórios podem melhorar a satisfação no trabalho (Judge & Bono, 2001), impactando positivamente na performance (Faragher et al., 2005; Judge et al., 2001) e, portanto, fomentando um ciclo virtuoso de crescimento profissional. Para a entrevistada 8, a participação nas viagens foi decisiva para sua promoção e, como consequência, o aumento salarial: “[...] depois que eu fiz o fam eu consegui ser promovida e isso influencia também o nosso salário, né, que ele acabou subindo”.

Conhecimento

A participação em famtours tem efeitos sobre diversos elementos associados à carreira dos profissionais do agenciamento de viagens, em especial no segmento de turismo de luxo. O impacto mais evidente é sobre o conhecimento dos profissionais acerca dos destinos e serviços do famtour, conforme destacado pelo entrevistado 1: “[...] as viagens se tornam instrumento de conhecimento mesmo [...]”. Ao viajar para o destino e usufruir dos serviços turísticos locais, a aquisição de informações pelo profissional é substancialmente favorecida (Stainfield et al., 2000; Stone & Petrick, 2013). A capacidade de aquisição de informações por meio da experiência pessoal é amplificada em comparação com outros meios. Além disso, a qualidade da informação obtida é superior, já que muitos detalhes não são informados nem mesmo nos manuais ou treinamentos mais completos de destinos e serviços turísticos. Ao visitar, ou até mesmo, hospedar-se nesses locais, ele pode avaliar detalhes como os quartos, o café da manhã, o estacionamento, a piscina, os procedimentos de check-in e check-out, e a qualidade do atendimento na recepção. O entrevistado 6 salienta: “Eu consegui ter uma melhor noção da localização dos hotéis, de como funcionam as pistas, que são coisas que a gente não consegue entender só olhando num mapa. Eu tinha uma outra ideia e hoje eu consigo ver da forma certa como funciona”.

A superioridade da informação obtida in loco é particularmente relevante no turismo de luxo, já que a estética, o atendimento, a ambiência e outros elementos subjetivos têm um papel fundamental na qualidade da experiência dos consumidores do segmento (Iloranta, 2022; Kim, 2018). A especialização do profissional para o provimento de informações sobre o destino ou serviço turístico constitui um recurso relevante para agência de viagens. Os profissionais que participaram de famtours frequentemente passam a ser tidos como referências dentro da empresa, favorecendo o reconhecimento entre seus pares e supervisores (Blegen et al., 1992).

O conhecimento obtido durante a experiência de viagem do famtour também contribui para a autoconfiança dos profissionais. Ao se sentirem conhecedores dos destinos e serviços, os agentes de viagens não apenas ganham argumentos para o atendimento dos clientes, mas também se tornam capazes de expressar tais argumentos com segurança e propriedade. Nos excertos dos discursos dos entrevistados apresentados abaixo, o agente se torna especialista no serviço experimentado:

#2: Eu acho que faz toda diferença conhecer pessoalmente, entender como funciona um hotel de luxo, como os serviços funcionam,para entender a logística do destino. A maioria de todos os destinos, na verdade, que eu fui, eu voltei virando especialista em vendê-lo.Então, ajudou muito nesse desenvolvimento.

#5: Quando você conhece o destino, você tem a vivência do destino, você se sente mais seguro. Você se sente mais seguro, você écapaz de exercer o seu trabalho melhor e evoluir.

#8: Hoje eu consigo, às vezes, operar destinos que colegas do mesmo nível que eu não operam, porque eu já fui e estive presente, então eu tenho uma concepção melhor que eles de logística, de tempo, de vários outros fatores que outra pessoa não tem. Então, sim, eu acredito que o FAM e viagens particulares são importantes, sim, para o turismo, para quem trabalha nessa área.

Ademais, o fornecimento de informações obtidas por experiência pessoal tem efeitos cognitivos sobre os clientes, pois esse tipo de informação tende a ser considerada mais confiável (Hagmann et al., 2024), além de transmitir mais emoções.

Reconhecimento

A participação em famtours tem uma relação bidirecional com o reconhecimento do profissional perante a empresa empregadora. De um lado, a seleção do profissional para participação em famtours indica reconhecimento por parte da chefia (Mondo & Costa, 2010). Cabe destacar que a quantidade de profissionais de uma mesma agência de viagens convidados para um famtour é geralmente pequena, e frequentemente não passa de uma ou duas pessoas. Logo, ser o profissional selecionado para ter uma experiência desse tipo é frequentemente visto como sinal de destaque e reconhecimento. Além disso, o reconhecimento do profissional tende a gerar um sentimento de pertencimento em relação à empresa e à equipe de trabalho (Blegen et al., 1992; Meyer & Allen, 1991). Esse sentimento pode ser fundamental para continuidade na carreira, conforme apontado pelo entrevistado 7: “eu fiquei muito contente, me deu mais motivação para continuar na área”. Adicionalmente, os excertos abaixo englobam o caráter de reconhecimento evidente nas experiências de famtours, materializado pela confiança depositada no profissional e no fato de que esses profissionais se tornam representantes da empresa nas viagens:

#8: A gente fica elogiado quando a gente é convidado pra ir pro fam, porque a gente sente parte da empresa, né? Dois, que quandovocê vai pro fam, também vem aquela responsabilidade de você... Realmente você está representando a sua empresa.

#4: É como se fosse um depósito de confiança que os superiores da empresa fazem em você, porque você tá lá representando aempresa, você é a cara da empresa, então pra um superior te convidar e fazer a questão que você vai nessa oportunidade é algo bemlegal, porque é um voto de confiança que eles te dão, de você ir representar uma empresa em meio a tantas outras que também estãono fam. Então, e na volta também você, na empresa, você acaba voltando como referência daquele lugar.

Por outro lado, o ganho de performance de vendas propiciado pela participação em famtours não tem consequências apenas para a remuneração e a progressão de carreira do profissional. Outra consequência relevante é o reconhecimento desse desempenho, fato que pode constituir parte dos benefícios subjetivos do trabalho.

Socialização profissional

A participação em famtours também tem efeitos sobre as relações profissionais entre agentes de viagens e prestadores de serviços. Os famtours promovidos por prestadores de serviços aproximam diretamente os profissionais das agências de viagens emissivas e dos hotéis, agências de receptivo, atrações e outras empresas envolvidas na ação promocional. Esse aspecto já havia sido destacado anteriormente de forma direta nos excertos de diversos entrevistados (#2, #3, #4, #5, #6, #8). Quando os famtours são promovidos por organizações gestoras de destinos turísticos, é comum que a programação inclua momentos dedicados ao contato e negociação entre os participantes e os profissionais das diversas empresas prestadoras de serviços turísticos locais. Dessa forma, o famtour é também um instrumento de construção de relacionamentos profissionais que podem favorecer a concretização de negócios. Ao ter contato prévio com o profissional da empresa parceira, processos de informação, negociação e operacionalização acabam sendo favorecidos pela maior intimidade entre os atores (Gersick et al., 2000; Weitz et al., 1986).

Afeto

A experiência pessoal também acrescenta elementos afetivos à relação do profissional com os destinos e serviços. Ao se colocar na posição de consumidor e ter experiências positivas, os profissionais tendem a formar relações afetivas positivas com os destinos e serviços turísticos (Buonincontri et al., 2017; Gohary et al., 2020; Yeo et al., 2017). Esse ponto é sublinhado pelo entrevistado 2: “[...] impacta no sentido de saber vender mais do destino, então acredito que comece a desenvolver melhor não só o destino, mas a pensar um pouco na forma do cliente, então meu próprio desenvolvimento”. Esse afeto geralmente tem consequências positivas sobre a qualidade da interação com potenciais consumidores em contextos de atendimento para venda (Arli et al., 2018; Weitz et al., 1986). Em geral, vendedores apaixonados pelos serviços que vendem são mais convincentes e persuasivos, alcançando maiores taxas de sucesso.

Comprometimento

Para além dos aspectos já destacados anteriormente, a participação em famtours pode colaborar no estabelecimento de vínculos de comprometimento entre o agente de viagens e a empresa onde trabalha e dos objetivos dessa organização (Meyer & Allen, 1991; Rhoades et al., 2001). O comprometimento tem impacto positivo no envolvimento pessoal do colaborador nas atividades da empresa, demonstrando elevado interesse particular em cumprir com suas metas e objetivos organizacionais (Meyer & Allen, 1991; Rhoades et al., 2001). O excerto do entrevistado 4 reverbera esse argumento: “A gente volta com o nosso conhecimento para ajudar a empresa, ajudar a empresa a crescer. Então, a pessoa fica mais suscetível a promoções e o reconhecimento financeiro vem, imagino eu, que dessa forma”. Tal comprometimento pode, ainda, aumentar a retenção de profissionais, reduzir o absenteísmo, além de fomentar a cultura organizacional (Mercurio, 2015). Tais vínculos poderiam, a priori, se refletir em melhor performance e, por extensão, em recompensas remuneratórias.

Modelo teórico

Diante dos resultados encontrados, o modelo teórico (Figura 1) foi construído. O modelo contempla as relações estabelecidas entre os resultados e os construtos discutidos na fundamentação teórica. A representação visual busca simplificar e organizar o conhecimento construído, bem como ser uma fonte para desenvolvimento de outras pesquisas.

Figura 1:
Modelo teórico dos efeitos do famtour sobre o profissional de agenciamento de viagens
Fonte: autoria própria (2024).

Destaca-se que a participação em famtours tem impacto direto mais evidente em quatro temas: na construção de conhecimento prévio sobre os produtos e serviços ofertados no contexto do turismo de luxo, no fomentar o relacionamento interpessoal entre intermediários desses produtos; na construção de relações afetivas positivas em relação aos produtos e serviços experimentados e no comprometimento emocional entre o colaborador e a organização. Esses, por sua vez, poderão melhorar a performance, ampliando as chances de melhoria remuneratória, refletindo-se em percepções psicológicas positivas sobre a carreira. A satisfação no trabalho, portanto, resulta das avaliações remuneratórias e das percepções sobre a carreira. O reconhecimento apresenta uma relação bidirecional, afetando tanto no aumento das chances de participação do famtour, como também na performance para aqueles que foram contemplados com a experiência. Cabe destacar que a participação em famtours pode impactar diretamente na satisfação percebida pelo colaborador em relação ao seu trabalho e ser impactada pelo reconhecimento formal pelos pares no ambiente laboral. Portanto, é possível argumentar que a vivência de famtours afeta positivamente o desenvolvimento de carreira de agentes de viagens do segmento de turismo de luxo.

Do ponto de vista organizacional, argumenta-se que a participação em famtours é um investimento que impacta positivamente a gestão empresarial (SEBRAE, 2022). Como visto, os profissionais ampliam seu repertório e expertise profissional (Stainfield et al., 2000; Stone & Petrick, 2013), experienciam uma melhora na satisfação percebida no trabalho, o que pode ter efeitos positivos no desempenho e performance profissional (Faragher et al., 2005; T. A. Judge et al., 2001), além de estimular um sentimento de pertencimento entre o agente e o ambiente corporativo (Blegen et al., 1992; Meyer & Allen, 1991). Os profissionais participantes da experiência, além de mais felizes e dispostos, podem compartilhar o conhecimento adquirido junto a outros colaboradores da empresa, o que pode representar uma vantagem competitiva organizacional (Rafique & Mahmood, 2018). Além disso, as organizações podem beneficiar-se dos colaboradores que participam de famtours no fortalecimento do seu comprometimento, com foco nos objetivos organizacionais (Meyer & Allen, 1991; Rhoades et al., 2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral deste estudo foi identificar o impacto dos famtours no desenvolvimento de carreira dos profissionais do segmento de turismo de luxo. Os resultados indicaram que as viagens de famtour têm um impacto positivo significativo na satisfação e motivação dos profissionais do segmento de turismo de luxo. Os participantes relataram que essas viagens proporcionam uma oportunidade valiosa para adquirir conhecimento prático, o que contribui para a satisfação no trabalho ao expandir suas habilidades e compreensão do setor.

Além disso, a experiência de conhecer pessoalmente os destinos e serviços oferecidos aumenta a confiança e a competência no trabalho. A participação em famtours se mostrou benéfica para a melhoria do desempenho de vendas e a aquisição de conhecimento detalhado sobre destinos e produtos turísticos. Os entrevistados destacaram que a experiência direta nos destinos visitados proporciona uma vantagem competitiva ao fornecer conhecimento prático e vivencial, superando a confiança baseada apenas em treinamentos teóricos. Essa vivência aumentou a capacidade de argumentação e a oferta de soluções personalizadas, fortalecendo a relação com os clientes. A experiência pode proporcionar, ainda, aos agentes de viagem o estabelecimento de vínculos afetivos com os valores organizacionais, o que pode contribuir para o desempenho operacional da empresa. Embora as opiniões sobre o impacto financeiro das viagens de famtour variem, os resultados sugerem que essas viagens podem levar a benefícios financeiros tangíveis, como aumentos salariais, comissionamento adicional e até progressão de carreira. Alguns participantes relataram reconhecimento financeiro, devido ao conhecimento e experiência adquiridos durante as viagens, destacando a importância de considerar tanto os aspectos educacionais quanto os de networking dessas viagens.

Portanto, este estudo contribuiu para o conhecimento existente ao demonstrar a importância das viagens de familiarização no desenvolvimento profissional dos agentes de turismo de luxo. Ao proporcionar experiências práticas e detalhadas, os famtours melhoram a competência e a confiança dos profissionais, resultando em melhor desempenho de vendas e satisfação no trabalho. As descobertas podem ser úteis para agências e operadoras de turismo ao destacarem a necessidade de investir em programas de famtours como uma estratégia para aprimorar a formação e motivação dos funcionários.

As limitações encontradas são inerentes ao método de pesquisa qualitativo. Em particular, destaca-se a complexidade na análise do vasto corpus textual obtido por meio das entrevistas, bem como a conveniência na obtenção dos entrevistados reportados no estudo. No entanto, a despeito das limitações, os achados do estudo trazem implicações teóricas e práticas relevantes para o turismo. Do ponto de vista teórico, amplia-se a discussão sobre o impacto das viagens de familiarização no contexto do turismo de luxo. Pela perspectiva gerencial, gestores devem atentar à influência positiva que as viagens têm sobre a capacidade de vendas dos seus colaboradores. Porém, é necessário usar a ferramenta de maneira a não criar expectativas incompatíveis nos empregados, de modo a evitar conflito e competição interna. A construção do modelo teórico, estruturado a partir da análise qualitativa, evidencia de maneira objetiva os principais efeitos do famtour sobre o desenvolvimento da carreira dos agentes de viagem no segmento do turismo de luxo. O modelo teórico, aliado aos achados empíricos, evidenciam o ineditismo bem como as principais contribuições teóricas e empíricas discutidas no presente artigo.

Para pesquisas futuras, sugere-se: a) comparar se há diferenças na aplicação das viagens em segmentos turísticos diferentes do analisado neste estudo; b) estudar de que maneira as viagens impactam no volume de vendas da empresa; c) entender de que maneira as viagens são desenhadas e operacionalizadas, bem como os critérios de seleção dos profissionais que participarão dela; d) explorar o impacto de novas tecnologias, como a realidade virtual e aumentada, e plataformas digitais sobre as viagens de familiarização, analisando como essas ferramentas podem complementar as experiências práticas dos agentes e consultores de turismo e; e) operacionalizar o modelo teórico apresentado neste estudo, buscando validação estatística das relações teóricas sugeridas.

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Notas

Información adicional

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