Sección regular
Recepção: 25 Maio 2018
Aprovação: 06 Agosto 2019
DOI: https://doi.org/10.5354/0719-0581.2019.55657
Resumo: A presente pesquisa objetivou identificar as representações sociais entre pessoas espíritas. A amostra foi composta por 47 pessoas dos estados brasileiros de ambos os sexos, maioria mulheres 74,4%, como idade mínima de 18 anos e máxima de 69 anos, com média de 39,7 anos (DP = 8,7). Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário so-ciodemográfico e uma pergunta: Como você entende a velhice LGBT? Posteriormente, foram submetidas a uma análise, no software Iramuteq, pelo método da Classificação Hierárquica Descendente que originou quatro classes de aproximação semântica. Os dados sociodemográficos foram analisados pelo software SPSS. Quanto ao conteúdo das classes, são abordadas representações sociais relacionadas a dificuldade de ser idoso LGBT diante dos preconceitos, estereótipos e pouca aceitação familiar. Por outro lado, houveram representações sociais relacionadas a coragem de assumir a orientação sexual em um contexto social heteronormativo. Como também, Identifica-se o pouco conhecimento da velhice LGBT. Nesse sentido, são imprescindíveis estudos, visto que os idosos LGBT são praticamente invisíveis na sociedade.
Abstract: This research aimed to identify the social representations among spiritist people. The sample consisted of 47 people from the Brazilian states of both sexes, mostly women 74.4%, as minimum age of 18 years and maximum of 69 years, with an average of 39.7 years (SD = 8.7). For data collection, we used a sociodemographic questionnaire and a question: How do you understand LGBT old age? Subsequently, they were submitted to an analysis, in the software Iramuteq, by the descending hierarchical classification method that originated four classes of semantic approximation. Sociodemographic data were analyzed using SPSS software. Regarding the content of the classes, social representations are approached related to the difficulty of being elderly LGBT in the face of prejudices, stereotypes and little family acceptance. On the other hand, there were social representations related to the courage to assume sexual orientation in a heteronormative social context. As well, we identify the little knowledge of LGBT old age. In this sense, studies are indispensable, since the LGBT elderly are practically invisible in society.
Keywords: social representations, LGBT old age, spiritist people.
Palabras clave: representações sociais, velhice LGBT, espíritas
Introdução
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o número de pessoas acima de 60 anos é de 841 milhões e estima-se que em 2050, haverá cerca de 2 milhões de idosos no mun-do. Em 2020, pela primeira vez na história da história haverá mais idosos que crianças de até cinco anos (Nações Unidas, 2014). A popula-ção brasileira manteve a tendência ao envelhe-cimento da população e ganhou cerca de 4,8 milhões de idosos em 2012 e superou a marca dos 30,2 milhões de idosos em 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística [IBGE], 2017).
A velhice caracteriza-se por um processo natural da vida, no qual ocorrem mudanças físicas, biológicas e psicológicas que são dire-tamente afetadas pelo meio em que o indiví-duo está inserido ( Araújo, 2016 ; Costa & Soa-res, 2018; Fechine & Trompieri, 2015). Nesse viés, na contemporaneidade vivencia-se de valorização excessiva da beleza, juventude e consumo e assim, socialmente os idosos não são valorizados. Visto que ao “velho” são atri-buídas associações negativas ligadas à incapa-cidade, desgastes, limitações, perdas de papeis sociais (Faria, Lima, & Pereira- Silva, 2019 ).
Diante dos estigmas que circundam a velhi-ce, a sexualidade nessa fase pode ser conside-rada como inexistente no imaginário social ( Debert, 2016 ). Por outro lado, estudos com-provam os idosos não são assexuados e que a vivência sexual na velhice pode proporcionar melhor qualidade de vida, bem-estar físico e emocional, assim como o aumento da longevi-dade (Fechine & Trompieri, 2015; Solis & Medeiros, 2016). Abordar a sexualidade hu-mana significa reconhecer um contexto amplo e não normativo que pode ser representado no campo das palavras, fantasias, corpos, tendo, portanto, uma compreensão ampla e multiface-tada (Santos, Carlos, Araújo, & Negreiros 2017).
No que se refere a orientação sexual, a ve-lhice é por vezes relacionada a heteronormati-vidade e desse modo, pouco se discute a res-peito da velhice LGBT (lésbicas, gays, bisse-xuais, travestis, transexuais ou transgêneros). Tendo em vista, que a velhice remete a ausên-cia de sexualidade e, em um viés oposto, aos LGBT está associada a promiscuidade e sexua-lidade desenfreada (Solis & Medeiros, 2016). Assim, as discussões acerca de homens e mu-lheres mais velhos com práticas sexuais ho-moeróticas tendem a estar praticamente ausen-tes na literatura sobre envelhecimento (Hen-ning, 2017).
Os adultos mais velhos LGBT podem experienciar fatores únicos devido o contexto social e histórico de suas vidas. Idosos que nasceram no contexto de segunda Grande Guerra Mundial, tendem a ter um silêncio maior sobre sexo, gênero e identidade. Haja vista que experienciaram um momento no qual as pessoas desse público eram estigmatizadas e criminalizadas (Fredriksen-Goldsen, Jen, Bryan, & Goldsen, 2018). Por outro lado, a coorte que vivenciou o período de movimentos gays na década de 1960 e 1970, nos quais os LGBT passaram a ter maior visibilidade socialmente, podem ver a sexualidade menos etigmatizada ( Vries, 2015 ).
Nesse contexto histórico e social, alguns es-tudos demonstram um maior nível de sofri-mento psíquico nos idosos LGBT mais velhos em comparação com os idosos mais jovens (Medeiros, Araújo, Santos, Souza, & Monteiro, 2019). E esse sofrimento pode ser atribuído ao acúmulo de estresse vivenciado por grupos sexuais minoritários ao longo da vida e que pode comprometer o bem-estar físico e psico-lógico ( Vries, 2015 ).
Uma pesquisa comparativa relacionada a orientação sexual mostrou que os idosos LGBT (17%) tem uma saúde mais frágil que outros idosos (13 %), além disso, (38%) dos idosos gays e bissexuais viviam mais solitários (15%) ( Vries, 2015 ). Os idosos transgeneros apresentam maior abuso de álcool, tabaco (Araújo & Fernández-Rouco, 2016). Ressalta-se que a discriminação vivida pelos idosos LGBT, pode afetar o acesso aos cuidados de saúde e a qualidade dos cuidados recebidos (Fredriksen-Goldsen et al., 2018 ; Hinrichs & Christie, 2019).
Nesse aspecto os idosos LGBT necessitam de políticas públicas específicas (Cachill, 2015; Jesus, Santos, Fernandes, Salgado, & Fonseca, 2019). Diante desses dados, uma possível política pública, seria relacionada a formação dos profissionais da saúde, a qual seria interessante que o tema fosse abordado durante a formação acadêmica. Como tam-bém, deveria haver discussões entre os profis-sionais atuantes, a fim de atender melhor às necessidades de saúde dessa população. Sendo que eles vivem mais sozinhos que a média da população, apenas um quarto deles teriam fi-lhos e muitos haviam rompido relações com a família. Além disso, teriam maior risco de cair na pobreza ao chegarem na velhice e de se tornarem “sem teto” ( Henning, 2017 ).
Em contrapartida as dificuldades relaciona-das ao público LGBT é importante ressaltar que apesar dos estigmas vivenciados, essa rea-lidade tem sido minimizada com algumas con-quistas sociais e políticas. Como a aprovação pelo Conselho Nacional de Justiça (2013 ) da união entre pessoas do mesmo sexo. Em 2013, foram registrados 3.701 casamentos homoafe-tivos, o que representa 0,35% do total de ca-samentos realizados no país (IBGE, 2014). A possiblidade de casamento contribuiu para aumento da população LGBT, pois influencia diante de uma maior aceitação diante da orien-tação sexual e ou identidade de gênero.
Diante dos estudos apresentados, depreen-de-se que os idosos LGBT vivenciam a velhice com algumas particularidades que diferem dos idosos heterossexuais cisgêneros. Ressalta-se que apesar de algumas conquistas sociais, são imprescindíveis estudos que contribuam para o maior conhecimento acerca dos idosos LGBT. Visto que, o maior conhecimento da sociedade a respeito do tema, pode contribuir para a mi-nimização do preconceito, discriminação, cria-ção de políticas públicas, entre outros.
Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo conhecer essa temática pouco explorada na literatura. Utilizou-se a teoria das representações sociais (RS) que constitui um referencial teórico que se propõe conhecer como os indivíduos representam a realidade cotidiana (Jodelet, 2001). Nesse aspecto, essa teoria permite a compreensão do mundo, no qual são compartilhados conhecimentos e con-ceitos, assim como as atitudes que orientam as pessoas diante do objeto de investigação (Moscovici, 2003).
As RS por serem elaboradas na fronteira entre o psicológico e o social, são capazes de esta¬belecer conexões entre as abstrações do saber e das crenças e a concretude da vida do indivíduo em seus processos de troca com os outros. Essas conexões se estabelecem através de dois processos: ancoragem e objetivação (Chaves & Silva, 2011). A ancoragem é o re-conhecimento de objetos não familiares com base em categorias previamente estabelecidas.
Dessa forma, ancorar é atribuir categorias e nome ao que é descon¬hecido e ao classificar são formadas teorias sobre a socieda¬de e o ser humano. A objetivação é um processo em que os conceitos abstratos são materializados em realidades concre¬tas. Para Moscovici (2003), objetivar é reproduzir um conceito em uma imagem até que essa imagem se converta em um elemento da realidade (Chaves & Silva, 2011).
Nos diversos âmbitos da sociedade as RS podem ser elaboradas e compartilhadas entre os indivíduos. A religião pode constituir um meio social em que podem ocorrer influências sociais, formação de crenças, como também o compartilhamento de RS entre os participantes de um grupo religioso. Ademais, a religião pode constituir um suporte social para os indi-víduos (Guedes, Lima, Caldas, & Veras, 2017; Pinho et al., 2017).
Assim, os grupos religiosos podem constitu-ir um meio de apoio social a diversos grupos, especialmente minorias sociais, como os ido-sos LGBT (Reygan & Henderson, 2019). Um estudo documentou que os idosos LGBT vi-vem mais sozinhos que a média da população, apenas um quarto deles teriam filhos e muitos haviam rompido relações com a família (Fredriksen-Goldsen et al., 2018 ).
Ademais, são escassos os estudos na litera-tura que abordem velhice LGBT e RS. Ressal-ta-se que na literatura consultada até onde os autores sabem não foram encontradas publica-ções que contemplem grupos religiosos, RS e velhice LGBT. Nesse aspecto, torna-se impor-tante estudar essa temática, visto que a maior compreensão desse fenômeno pode contribuir para uma maior disseminação de conhecimen-to acerca da Velhice LGBT (Carlos, Santos, & Araújo, 2018). Desse modo, o presente artigo teve como objetivo identificar as RS entre pes-soas espíritas acerca da velhice LGBT.
Método
Tipo da investigação
Trata-se de um estudo descritivo e explora-tório com dados transversais.
Participantes
A pesquisa contou com 47 pessoas espíritas brasileiras, de ambos os sexos, sendo a maioria do sexo feminino (74,4%). Com idades entre 18 e 69 anos, com média de 39,7 anos. Quanto a orientação sexual, heterossexuais (93,6%), homossexuais (2,1%) e bissexuais (4,2%). A maioria dos participantes se declararam soltei-ros (31,9%), casados (27,6%), divorciados (10,6%). A maioria possui renda que varia de entre um e dois salários mínimos (27%).
A maioria da amostra possui pós-graduação (48,9%), superior completo (21,2%), ensino médio (19,1%). Quanto a religião, as pessoas seguem o espiritismo em média 12 anos, (36,1%) participam mais de duas vezes na semana dos rituais religiosos. A maior parte dos entrevistados (76,5%) afirmaram não ter contato com algum idoso LGBT. Os partici-pantes são residentes de estados brasileiros.
Instrumentos
Na coleta de dados, utilizou-se um questio-nário sociodemográfico, com a finalidade de obter informações sobre idade, sexo, estado civil, etnia, renda, orientação sexual, religião, profissão, se tem algum parentesco com algum indivíduo com orientação sexual homossexual, se convive com algum idoso LGBT, como também se durante a formação profissional teve curso ou disciplina voltado para o idoso. Além disso, utilizou-se a seguinte pergunta: Como você entende a velhice LGBT? A fim de compreender as RS da velhice LGBT. O aces-so aos participantes deu-se através de centros espíritas. O critério de participação na pesquisa exigia idade igual ou superior a 18 anos e ter como religião o espiritismo, bem como partici-par de forma voluntária e anônima.
Procedimentos éticos e de coleta de dados
A presente foi submetida ao conselho de ética em pesquisa (CEP) da Universidade Fe-deral do Piauí, com o parecer nº 1.755.790 e CAAE: 57225916.1.0000.5214. Após a apro-vação do Comitê, os dados foram coletados através de questionários que eram entregues em envelopes para os participantes. Na coleta de dados foi esclarecido que a participação era voluntária e anônima, explicitando os objeti-vos do estudo, a obtenção das autorizações, como também, o preenchimento dos termos de consentimento livre e esclarecido, de acordo com o disposto na resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (2016 ) para que os participantes pudessem autorizar a utiliza-ção das respostas para a pesquisa.
É importante ressaltar que o sigilo e confi-dencialidade foram garantidos e foi informado que a desistência poderia acontecer em qual-quer momento. É válido salientar ainda que a coleta de dados foi realizada unicamente pelo pesquisador responsável previamente treinado. O tempo necessário de participação foi em torno de 30 minutos.
Análise de dados
Os dados obtidos com a aplicação do ques-tionário sociodemográfico foram analisados por estatísticas descritivas, como média, moda e desvio padrão no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows na versão 21. Para analisar os dados obtidos pela pergunta: Como você entende a velhice LGBT? Utilizou-se o software Interface de R Pour Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ) que permi-te fazer análises estatísticas de dados textuais e sobre tabelas indivíduos/palavras (Camargo & Justo, 2013). Quanto as análises, foi realizado o procedimento de Classi¬ficação Hierárquica Descendente (CHD), que forma o dendo-grama, que aponta as classes lexicais em que foram divididas o discurso, a partir da fre-quência e do qui-quadrado (X²) ( Reinert, 1990 ).
Resultados
Quanto a CHD se obteve RS acerca da ve-lhice LGBT, em que o corpus textual de divi-diu em quatro classes. O corpus textual se constituiu por 47 unidades de contexto inicial, que se tornou 42 unidades de contexto ele-mentar (UCE). Foram classificados 38 para compor o corpus textual, tendo signifi¬cância de 72%, totalizando 859 ocorrências de pala-vras e a média por UCE foi de 28,52%. Quan-to ao Dendograma ( figura 1 ), os vocábulos escolhidos transcorreram o valor do qui-qua-drado de ≥ 4.13.

Classe 1: Velhice e sexualidade
A classe 1 é constituída por seis UCE, re-presentando 20% do total das unidades. A análise das variáveis descritivas permitiu ca-racterizá-la como uma classe fundamentalmen-te elaborada por pessoas solteiras. Nessa clas-se, as RS da velhice LGBT estão ancoradas e objetivadas na ideia de que seria uma velhice diferente, sendo que o diferenciaria é a orien-tação sexual. Como também, afirmou-se que os idosos LGBT podem ter mais dificuldades do que os idosos heterossexuais, tendo em vista que o público LGBT pode vivenciar mais situações de preconceito, discriminação e re-pressão sexual. Além disso, a orientação sexu-al foi representada como uma escolha e não como uma condição.
Os discursos que mais representam essa classe são: “Acredito que seja uma velhice com necessidades parecidas com a heterosse-xual”; “Entendo que seja uma velhice mal in-terpretada e solitária na maioria das vezes, pois no passado não era comum e aceitável que as pessoas fugissem o padrão heterossexual, por isso, muitas pessoas LGBT mais velhas não vivenciaram a sexualidade desejada e acaba-ram por constituir família por meio do relacio-namento heterossexual”; “Acredito que seja mais difícil do que para os idosos heterossexu-ais devido ao preconceito e discriminação”.
Classe 2: Heteronormatividade e velhice LGBT
A classe 2 foi composta por seis UCE, re-presentando 20% do total das unidades. Nessa classe, considera-se um ato de coragem assu-mir uma orientação sexual que difere dos pa-drões heteronormativos. Semelhante ao que foi abordado na classe 1, ser LGBT é caracteriza-do como uma “escolha” individual e não uma condição. Como também, foram abordadas as possíveis dificuldades que poderiam acometer os idosos LGBT.
Os discursos que se compõem a classe: “São homossexuais que escolheram essa for-ma de viver a sexualidade, é possível ter al-guém que assumiu a opção sexual na velhice e vejo como um ato de coragem...”; “Já aquela que assumiram na velhice, muitas vezes, vi-vem sozinhos que apresentam chances de se-rem acometidos por depressão...”, “Vejo com neutralidade e naturalidade, pois todos nós temos o direito de fazer nossas escolhas e fo-mos criados por Deus e não temos direito de julgar...”
Classe 3: Posicionamentos diante do preconceito relacionados ao idoso LGBT
A Classe 3 é composta por dez UCE e re-presenta 33,3% do total. Os principais conteú-dos ancoraram e objetivaram a velhice LGBT como difícil, devido ao preconceito e pouca aceitação familiar. O conteúdo dessa classe foi semelhante a classe 1 e 2, no que se refere as possíveis dificuldades vivenciadas pelo públi-co LGBT. Os discursos que compõem a classe: “Vejo os idosos LGBT como pessoas que so-frem na sociedade”; “Vejo como uma pessoa que é incompreendida socialmente e que não está preparada para enfrentar a velhice”, “Vejo como uma velhice difícil tendo em vista, ques-tões familiares e sociais de preconceito”.
Classe 4: Invisibilidade dos idosos LGBT
A classe 4 é constituída por oito UCE, representando 26,7% do total das unidades. Apresentou o maior número de variáveis descritivas que caracterizaram os entrevistados sendo maioria do sexo masculino, divorciados e outros que vivem em união civil. Na maioria dos discursos, os entrevistados afirmaram não conhecer e não ter proximidade com os idosos LGBT, mas acreditam que seja uma velhice difícil, assim como foi abordado nas classes 1, 2 e 3.
Discursos: “Não tenho tanta proximidade com os idosos LGBT e com isso, não tenho tanta propriedade para falar com assunto, mas creio que seja uma velhice difícil”;” Não entendo essa classificação de idosos e tenho muita dúvida quanto isso”; “Não conheço idosos LGBT, mas acredito que eles sofrem muitos, se os jovens gays sofrem, imagine os idosos”. Em suma, os resultados ancoram e objetivam a velhice LGBT em RS que abordam o preconceito e discriminação vivenciada pelo público LGBT e que podem implicar em uma velhice solitária, difícil e como pouca aceitação familiar. Como também, foi abordado como ato de coragem assumir uma orientação sexual que difere do padrão heteronormativo. Ademais, os discursos remeteram a orientação sexual como escolha e não como condição. Por fim, os participantes demonstram ter pouco conhe-cimento acerca da velhice LGBT, o que reflete na invisibilidade desses idosos na sociedade.
Discussão/conclusão
A classe 1, denominada Velhice e sexualidade, os conteúdos abordados remetem a velhice LGBT como diferente da velhice heterossexual. Sendo que de acordo com a RS deste estudo, os idosos LGBT teriam uma velhice com mais dificuldades que outros idosos. Estudos mostram que a velhice é um fenômeno heterogêneo que varia entre os indivíduos e que tem relação com o estilo de vida, condições socioeconômicas, genéticas, entre outros (Costa & Soares, 2018; Fechine & Trompieri, 2015). Nesse aspecto, a orientação sexual seria um fator que compõe o conceito de velhice heterogênea.
Pesquisas mostram que o envelhecimento de idosos heteronormativos e cisgêneros, dife-rem dos idosos LGBT. Tendo em vista, as particularidades de saúde no que se refere a maior taxa de depressão e suicídio, incapacidade funcional, obesidade (Cortes, Fletcher, Latini, & Kauth, 2019; Fredriksen-Goldsen, Kim, Shiu, Goldsen, & Emlet, 2014). Ademais, o público LGBT pode vivenciar estresse internalizado, discriminação, vitimização, violência, dentre outros ( Henning, 2017 ).
Como também, devido a essas barreiras, os idosos LGBT tem cinco vezes menos chances de procurarem serviços de saúde, visto que podem temer discriminação mediante as experiências negativas relacionadas aos estigmas sofridos. E mesmo tendo acesso a esses serviços, questões referentes à sexualidade podem ser silenciadas (Hinrichs & Christie, 2019; Slatch, Ahmed, & Mubarak, 2018). Por outro lado, uma pesquisa realizada sobre RS acerca da Velhice LGBT com profissionais da saúde, apontou como resultados que os idosos LGBT teriam uma velhice igual a qualquer outra. Nesse aspecto, os profissionais ancoraram e objetivaram no conhecimento geral que elaboraram sobre velhice, como um processo natural e comum a todos (Jesus et al., 2019 ). Diante desses dados, uma possível política pública, seria relacionada a formação dos profissionais da saúde, a qual seria interessante que o tema fosse abordado durante a formação acadêmica. Como também, seria interessante que esse tema fosse discutido entre os profissionais, a fim de atender melhor às necessidades de saúde dessa população.
A classe 2, nomeada “Coragem”, “escolha” e Velhice LGBT, apresenta conteúdos representacionais que ancoram e objetivaram a orientação sexual como uma escolha e não como uma construção social. Como também, abordam como ato de coragem assumir a sexualidade diante dos padrões heteronormativos. Um estudo realizado com universitários sobre RS e Velhice LGBT, apontaram resultados semelhantes ao presente estudo. No qual, orientação sexual foi definida como uma escolha e não como uma construção social (Carlos et al., 2018 ).
A partir dos resultados, faz-se necessário compreender que a experiência homossexual é considerada uma construção social e não uma escolha do indivíduo. Segundo (Mota, 2014), trata-se de uma ação consciente do sujeito no seu espaço social, que ele o faz através de lembranças, sentimentos, atividades, sociabilidades e práticas sexuais em uma sociedade onde o jovem, o individual e a norma heterossexual são valorizados. Não é inerente ao indi-víduo visto que ela é construída, modificada e transformada com base nas experiências sociossexuais e afetivas do sujeito no curso da vida.
Como também, discorre-se acerca da RS de que é um ato de coragem expor a orientação sexual perante aos padrões heteronormativos. Essa RS pode estar ancorada e objetivada em alguns aspectos sociais que perpassam a vida de uma pessoa LGBT. Dados disponibilizados pelo Grupo Gay da Bahia apontam 343 LGBT foram assassinados no Brasil em 2016.
Além disso, a cada 25 horas um LGBT é barbaramente assassinado vítima da “LGBT-fobia”, o que faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. Matam-se mais homossexuais aqui do que nos 13 paí-ses do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBT ( Grupo Gay da Bahia, 2016 ). Ressalta-se que as RS da presente pesquisa pode ser reflexo de um contexto cultural brasileiro em que o público LGBT é discriminado e com isso, o conhecimento compartilhado refira-se as dificuldades dessa população.
A classe 3, denominada Posicionamentos diante do preconceito relacionados ao idoso LGBT, discorre sobre o preconceito e a pouca aceitação familiar, que de acordo com a RS desse estudo a velhice LGBT é caracterizada como uma fase difícil. Essa RS pode estar ancorada e objetivada na representação de que o público LGBT são tidos socialmente como pessoas que sofrem discriminação e preconceito, assim como os resultados encontrados na classe 1 e 2.
Em outro viés, uma pesquisa com idosos LGBT na África do Sul demonstrou que eles não se sentem solitários e demonstram ter laços de amizade, apoio familiar e sentimento de pertença para com a comunidade (Reygan & Henderson, 2019). O que denota, portanto, que o contexto cultural pode ter influências significativas diante de aspectos ligados ao envelhecimento, a África é um País com altos níveis de desigualdade, o que pode explicar um maior senso comunitário de apoio.
Como também, é patriarcal e a figura masculina é supervalorizada, enquanto a orientação sexual é secundarizada, assim um homem gay africano, é respeitado por ser homem e não por ser gay (Reygan & Henderson, 2019). Outro estudo feito nos Estados Unidos constatou que os idosos LGBT se sentem bem com o suporte comunitário e familiar. Em suma, a literatura mundial sobre velhice LGBT destaca que relacionamentos sociais constituem um suporte fundamental para minorias sexuais e de gênero (Reygan & Henderson, 2019).
A classe 4, nomeada Invisibilidade dos idosos LGBT, discorre sobre o pouco conhecimento acerca da velhice LGBT. Alguns fatores podem explicar a invisibilidade social dos idosos LGBT. Um fato pode ser compreendido através de um estudo que demonstrou que idosos LGBT tendem a “voltar para o armário”, particularmente quando são colocados em abrigos para idosos, visto que a maioria dessas instituições são tradicionais, o pode causar uma preservação da identidade sexual (Reygan & Henderson, 2019; Silva, 2019 ).
Quanto ao contexto social e histórico, a invisibilidade LGBT é uma realidade que pode retratar o modo que os idosos LGBT vivenciaram a sexualidade ao longo da vida. A literatura documenta que para algumas pessoas é angustiante e difícil a expressão livre da orientação sexual, e assim os desejos sexuais e afetivos podem ser reprimidos diante da pressão social (Fredriksen-Goldsen, Kim, Bryan, Shiu, & Emlet, 2017).
Como também, a atual coorte de idosos LGBT vivenciou um período histórico em que o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo era severamente estigmatizado e criminalizado, e assim, durante a vida muitas pessoas LGBT tiveram que silenciar a orientação sexual (Fredriksen-Goldsen, et al., 2014). Uma pesquisa sobre RS e velhice LGBT realizada com idosos, apontou resultados semelhantes quanto a invisibilidade dos idosos LGBT (Salgado et al., 2017).
Nesse aspecto, as RS encontradas nesse estudo corroboram com a literatura que explora o contexto no qual os idosos LGBT são invisíveis na sociedade, o que pode justificar o pouco conhecimento das participantes acerca do tema. Ressalta-se que embora os participantes tenham demonstrado pouco conhecimento sobre o tema, abordaram como uma fase difícil. Infere-se que as RS podem estar ancoradas na concepção social de que o público LGBT pode ter dificuldades ao longo da vida, diante dos dados de violência, discriminação e preconceito compartilhados na sociedade.
Conclui-se que RS deste estudo abordam questões relativas a dificuldade de ser idoso LGBT diante dos preconceitos, estereótipos e pouca aceitação familiar. Como também, houveram aspectos relacionados a coragem de assumir a orientação sexual diante dos padrões heteronormativos. Além disso, a orientação sexual foi representada como uma escolha e não uma construção social.
O objetivo da pesquisa foi alcançado, no que se refere a conhecer os conhecimentos compartilhados entres pessoas religiosas, bem como, contribuir para que os 47 participantes refletissem sobre o tema, quanto aos estudos científicos referentes a temática. Das difiuldades da pesquisa, há poucos acervos bibliográficos disponíveis. Não constitue uma pesquisa que possa ser generalizada a todos os espítitas do Brasil por se tratar de uma amostra limitada e que não abarca as diversidades culturais compartilhadas pela população brasileira. Sugere-se que sejam realizados estudos com outros grupos religiosos, assim como com familiares de pessoas LGBT, a fim de entender as possíveis implicações familiares dos LGBT.
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