RESUMO : O CEC do lábio inferior representa entre 20% e 30% de todos os cânceres da cavidade oral. Atinge principalmente homens com mais de 50 anos que têm histórico prévio de tabagismo, etilismo e exposição solar. O diagnóstico é clínico e confirmado pela análise histopatológica. O presente trabalho relata caso de uma paciente que apresentava carcinoma espinocelular acometendo mais de 1/3 do lábio inferior, mas que devido à grande mobilidade apresentada pela região após a ressecção da lesão primária, optou-se por reconstrução conservadora para preservar a funcionalidade sem comprometer o resultado estético.
Palavras-Chave: Carcinoma de células escamosasCarcinoma de células escamosas,Neoplasias bucaisNeoplasias bucais,ReconstruçãoReconstrução.
Relato de Caso
Reconstrução de lábio inferior pela w-plastia
Recepção: 11 Setembro 2017
Aprovação: 04 Abril 2018
O câncer da pele é responsável por 25% dos tumores malignos notificados no Brasil, sendo em 70% dos casos carcinoma basocelular (CBC), em 25% carcinoma espinocelular (CEC), em 4% melanoma cutâneo e em 1% relacionado a tipos menos comuns. Os tumores de lábios, por sua vez, correspondem a cerca de 15% de todas as neoplasias da cabeça e pescoço, sendo o lábio inferior, em relação ao superior, o mais acometido.1,2 O CEC do lábio inferior representa entre 20% e 30% de todos os cânceres da cavidade oral.2 O CEC labial atinge o sexo masculino, principalmente, pacientes expostos ao tabaco, álcool, raios ultravioleta e com 50 anos ou mais, na proporção de 5:1 em relação ao sexo feminino. Raros casos foram vistos em negros e crianças.3,4
Clinicamente o CEC labial inicia-se como pápula ou nódulo eritematoso e hiperqueratótico, evoluindo com diferentes padrões morfológicos, dos quais o verrucoso é o mais esporádico, menos agressivo e com mais chances de cura, enquanto o ulcerado é o mais propenso à invasão das estruturas profundas, e o vegetante o mais prevalente.3,5 Tumores labiais com menos do que 2cm possuem evolução arrastada, bom prognóstico, baixo grau de malignidade e disseminação linfonodal tardia. Isso resulta em incidência de metástases linfonodais de 13,7%, considerada baixa.3-4,6-10 O diagnóstico é clínico e confirmado pela análise histopatológica, na qual se observam ninhos, cordões ou blocos de células epiteliais escamosas originadas na epiderme e que invadem a derme e estruturas profundas. As células apresentam-se com citoplasma eosinofílico e núcleo vesiculoso. Ainda é vista presença de pontes intercelulares e formação de pérolas córneas dependendo da diferenciação tumoral. A classificação histológica de Broders é utilizada para analisar o grau em porcentagem de diferenciação das células.11 Quando diagnosticados precocemente apresentam índice de cura em torno de 90% em cinco anos.
O tratamento de escolha para neoplasias dos lábios é a ressecção cirúrgica. São descritas diversas técnicas para a reconstrução dos lábios e devem ser escolhidas considerando o tamanho causado pelo defeito primário e a mobilidade labial que o paciente apresenta após ressecção da lesão. Os defeitos que acometem até 1/3 do lábio inferior podem ser reconstruídos com fechamento primário, pela excisão em V, M ou pela W-plastia, gerando assim menor perda de funcionalidade.12-15 Em 2016, Morais e Santos, relatam caso em que o paciente foi submetido à W-plastia e obteve resultado estético pós-cirúrgico considerável tanto do ponto de vista do doente quanto do cirurgião dermatológico. Metsavaht, recentemente, realça a importância da indicação adequada da W-plastia e ratifica suas vantagens, citando como exemplo seu fácil planejamento.16-18
Paciente de 84 anos, do sexo feminino, fototipo III, apresentou-se no Ambulatório de Dermatologia da PUC-Campinas, São Paulo, Brasil, referindo lesão no lábio inferior há aproximadamente um ano e meio. Neste período a lesão apresentou crescimento progressivo. Possuía antecedentes pessoais de hipertensão, cardiopatia isquêmica e acidente vascular cerebral prévio há cinco anos, estando em uso de hidroclorotiazida, enalapril, anlodipina, varfarina e clonazepan.
Ao exame físico apresentava tumoração de aproximadamente 2cm acometendo toda a espessura do vermelhão do lábio inferior, à direita (Figura 1).

Na região da mucosa a lesão apresentava superfície verrucosa e na região de semimucosa apresentava-se eritêmato-que-ratótica encimada por crostas.
Apesar de a lesão aparentemente acometer apenas 1/3 do lábio, à palpação acometia aproximadamente 2/3 do lábio inferior, revelando-se muito maior. Não apresentava linfonodos palpáveis em cadeias cervicais, supraclaviculares e axilares.
O diagnóstico clínico de carcinoma espinocelular foi confirmado por biópsia incisional, a qual revelou neoplasia de células escamosas bem diferenciadas. Optamos por exérese completa da lesão considerando seu padrão de crescimento, tipo histológico e localização, favorecendo metástases.
A paciente foi submetida, em regime ambulatorial e com anestesia local, à excisão total da lesão com margem de 0,5cm, resultando em defeito de aproximadamente 2/3 do lábio inferior à direita, com espessura total (Figura 2). Apesar de não haver indicação para defeitos maiores do que 1/3 do lábio, optou-se pela W-plastia, pois após a exérese da tumoração observou-se que a paciente apresentava boa elasticidade e mobilidade da região, podendo então ser submetida a uma técnica mais simples que preservaria as funções motoras do lábio sem perda estética significativa. A W-plastia foi realizada a partir da excisão de um conjunto de pequenos triângulos subsequentes da rima bucal e mucosa oral até o terço superior do mento, na porção inferior ao defeito anatômico, originando assim um “W”. O procedimento foi realizado sem intercorrências.

Foi realizada hemostasia e sutura inicialmente no plano muscular com fio de Vycril® 40 (Ethicon, Nova Jersey, EUA) na pele com náilon 5.0 e finalmente na mucosa com catgut 5.0. Os bordos foram reaproximados de forma a que as pontas dos retalhos triangulares se interdigitassem, formando, assim, uma linha única em “Y” ao contrário. O curativo foi realizado com gase e micropore, tendo sido orientados cuidados domiciliares com água; sabonete e gel de vaselina duas vezes ao dia. A paciente retornou ao ambulatório após quatro dias, apresentando boa cicatrização, discreto edema e mobilidade satisfatória do lábio inferior (Figura 3).

Os pontos foram retirados após 12 dias. Após 60 dias, a paciente se mostrou satisfeita com o resultado estético e funcional, observando-se cicatriz quase imperceptível (Figura 4).

Apresentou-se caso de carcinoma espinocelular que acometia aproximadamente 2/3 do lábio inferior à direita e, apesar da técnica de W-plastia não ser recomendada para defeitos maiores que 1/3 do lábio inferior, optou-se por sua realização devido a seu baixo potencial de perda na funcionalidade. Cabe aqui ressaltar que nesse caso a paciente apresentava boa mobilidade da região, o que possibilitou esse tipo de reconstrução. Podemos, portanto, concluir que a avaliação individual de cada caso e a experiência do cirurgião dermatológico são condições essenciais para bons resultados tanto funcionais quanto estéticos.
Livia Matida Gontijo | 0000-0003-0130-7525
Revisão literararia, preparo do artigo, realizaçao da cirurgia.
Carolina Ferraz do Amaral | 0000-0001-7102-3873
Revisão literaria, ajudante de cirurgia.
Lissa Sabino de Matos | 0000-0002323393
Revisão final do artigo, orientação da cirurgia.
André Luiz Simião | 0000-0002-0246-2001
Mentor do artigo, revisão final, orientador da cirurgia.
Correspondência para: Livia Matida Gontijo, Av. John Boyd Dunlop, S/N Jardim Londres, 13034-685, Campinas - SP, Brasil. E-mail:livinha_med39@yahoo.com.br



